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Muszkat (2012) afirma que o hemisfério direito do cérebro é responsável pela «discriminação da direção das alturas (contorno melódico), do conteúdo emocional da música e dos timbres (nas áreas temporais e frontais)» (Muszkat, 2012, p. 67), enquanto o hemisfério esquerdo é responsável por processar «o ritmo e duração e a métrica, a discriminação da tonalidade» (Muszkat, 2012, p. 67). O hemisfério esquerdo é também responsável pelo processamento da linguagem e, consequentemente, pela sintaxe musical (Santos & Parra, 2015, para. 4; Muszkat, 2012, p. 67). Conforme afirma Mauro Muszkat (2012), «a música não é apenas processada no cérebro, mas afeta o seu funcionamento» (p. 68). Campbell, apoia-se no facto de o corpo caloso do cérebro dos músicos estar mais desenvolvido do que nas restantes pessoas para afirmar que a música atua como uma “ponte” entre os hemisférios esquerdo e direito, levando-os a trabalhar de forma conjunta e a reagir mais rapidamente a um acontecimento, e, consequentemente, estimular a aprendizagem (devido ao aumento do número de ligações neuronais) e a criatividade (Campbell, 1997 cit. por Magraner & Valero, 2018, p. 96).

Afirmar que a música ou o treino musical efetivamente potenciam o desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças e jovens é tentador, e frequentemente se fazem afirmações dessa natureza, como, por exemplo, no artigo “Quer potenciar o desenvolvimento cerebral do seu filho? Dê-lhe música”, publicado pelo DN Life a 1 de março de 201932. No entanto, assumir a música como um recurso que potencia a 100% este desenvolvimento é arriscado, dado que ainda não existem estudos suficientes para o afirmar com clareza e devemos evitar o que ficou conhecido por “efeito Mozart”. Em 1993, Rauscher, Shaw e Ky desenvolveram um estudo em que aplicaram o teste de Stanford-Binet a jovens pouco tempo depois de estes escutarem a sonata K 448 de Wolfgang A. Mozart durante 10 minutos e constataram que estes obtinham resultados superiores aos alunos que tinham estado em silêncio antes de responderem ao mesmo teste de QI (Sousa, 2013, p. 21). Os resultados desta experiência foram divulgados

32 Disponível em: https://life.dn.pt/quer-potenciar-o-desenvolvimento-cerebral-do-seu-filho-de-lhe-

prematuramente nos media norte-americanos, levando grande parte da população a assumir que escutar estas composições aumentava a inteligência. Esta pesquisa foi desenvolvida com um pequeno grupo de indivíduos, não se podendo generalizar as conclusões e os efeitos registados nas habilidades cognitivas tinham uma duração temporária e não permanente.33 No entanto, Ana Sousa (2013) afirma que

«estes resultados foram muito contestados (110) e uma meta-análise recente concluiu que há um efeito Mozart significativo mas pequeno e não substancialmente diferente de outros tipos de música (111). Qualquer estímulo agradável como a música, por conduzir a um estado afectivo geral positivo e ao aumento do arousal e atenção pode levar à melhoria da performance em tarefas cognitivas (84, 103, 105, 112).» (p. 21).

Ainda assim, os investigadores apontam que a música auxilia no desenvolvimento cognitivo e linguístico dado que quanto maior for a riqueza de estímulos a que a criança e o jovem são expostos, maior será o seu desenvolvimento intelectual, devido ao desenvolvimento dos sentidos. Um outro argumento é-nos apresentado por Mauro Muszkat (2012), que defende que

«a educação musical favorece a ativação dos chamados neurônios em espelho, localizados em áreas frontais e parietais do cérebro, e essenciais para a chamada cognição social humana, um conjunto de processos cognitivos e emocionais responsáveis pelas funções de empatia, ressonância afetiva e compreensão de ambiguidades na linguagem verbal e não verbal.» (p. 69)

No que concerne à utilização da música para o desenvolvimento cognitivo, Ferreira (2013) afirma que

«a exposição à música e sobretudo ao intenso treino musical, podem alterar e modificar a eficácia neuronal, (como efeito direto da repetição intensa e deliberada, presente por exemplo na aprendizagem de um instrumento musical), o que eventualmente poderá também favorecer o desempenho em outros domínios» (p. 50).

A utilização da música para a integração das diversas áreas curriculares é uma preocupação e uma possibilidade levantadas por diversos autores, entre eles Costa (2010), Correia (2010), Hummes (2004) e Wolfe (2004).

Patricia Wolfe (2004) defende que a música pode ser incorporada nas aulas de

33 Disponível em: publico.pt/2005/05/06/jornal/morreu-o-fisico-que-criou-o-efeito-mozart-19298, acedido

a 10/07/2019. Disponível em: uwosh.edu/psychology/faculty-and-staff/frances-rauscher- ph.d/Rauscher_ShawKy_1993.pdf/view, acedido a 10/07/2019.

matemática, para ensinar frações através do estudo dos «valores de todo, metade e um quarto das notas» (p. 157); de história, através, por exemplo, da compreensão dos efeitos «que as canções patrióticas têm nas emoções e nas acções das pessoas» (p. 157); de cinema e teatro, onde «os alunos podem experimentar e documentar como os diferentes tipos de música afectam o humor quando assistem a um filme de terror» (p. 157); ou ainda na disciplina de ciências naturais, onde a utilização de canções populares como a “The People Are Scratchin” permitem o estudo da cadeia alimentar. De todas as possibilidades levantadas, aquela que poderá chamar mais à atenção é a ligação entre a música e a matemática, uma vez que esta disciplina é, não desvalorizando a sua importância, a “rainha” das preocupações do poder político e das escolas em geral, quer pela sua valorização no plano internacional, quer pelas dificuldades que os alunos apresentam. A relação entre a música e a matemática é de tal forma profunda que Thelonious Monk, génio do piano na música jazz e compositor norte-americano, afirmou que «todos os músicos são inconscientemente matemáticos»34.

A música e a matemática

Relativamente à relação entre a música e a matemática, Howard Gardner (2002) afirma que «ao longo dos séculos tentativas de associar música com matemática parecem um esforço conjunto para ressaltar a racionalidade (quando não, negar os poderes emocionais da música» (p. 83), no entanto, no seu ponto de vista a música possui elementos matemáticos. Cutietta, através da revisão da literatura sobre o tema, afirma que não existem estudos que apontem a existência de uma relação causa-efeito entre os dois domínios, isto é, não existem estudos de apontem a aprendizagem da música como fator de melhoria das capacidades à matemática. Porém, defende que os alunos de música são alunos mais aplicados do que os restantes e, por isso, obtêm melhores classificações a matemática, mas, também, às demais disciplinas (Cutietta, 1996 citado por Ilari, 2005, para. 8). Um ponto de vista semelhante é-nos apresentado por Black que, suportando-se na teoria de Gardner, afirma que a inteligência musical influencia mais do que as restantes

inteligências no desenvolvimento emocional, espiritual e cultural, assim como defende que a música ajuda a estruturar a forma de pensar, ajudando os indivíduos na aprendizagem da matemática, linguagem e habilidades especiais (Black, 1997, p. 20-22 citado por Magraner & Valero, 2018, p. 96).

A música e a linguagem

No que concerne à relação entre a música e a leitura, os estudos apontam que os alunos musicalizados apresentam um desempenho superior na leitura, articulação da fala e na perceção dos sons em comparação com alunos não-musicalizados. Cutietta afirma que a habilidade dos alunos musicalização para a prosódia35 deve-se à interpretação das emoções, presente no discurso e na música (Cutietta, 1996 citado por Ilari, 2005, para. 8).

Ainda sobre o desenvolvimento da linguagem verbal, Sluming e os seus colegas constataram que os músicos têm mais matéria cinzenta no córtex frontal do que as pessoas que não são músicas (Jäncke, 2008, p. 21.1). No entanto, Rocha e Boggio (2013) salientam que a música e a linguagem são “processadas de maneira independente no cérebro” (p. 135), ficando a música entregue predominantemente ao hemisfério direito e a linguagem ao hemisfério esquerdo, como se pode verificar em doentes com amusia36 ou com afasia37.

O incremento ao nível da matéria cinzenta, conforme foi constatado por Sluming, é extremamente importante para os processos mentais relacionados com a memória, mas também, nas palavras de Lutz Jäncke (2008), «one might thus conclude that a king of positive transfer between musical performance and verbal memory functions takes place; in other words, that the process of learning music improves the learning of verbal tasks» (p. 21.1).

Por sua vez, Wolfe (2004) salienta que «a rima e o ritmo constituem estratégias importantes para armazenar informação, a qual de outro modo seria de difícil retenção.

35 A prosódia é a área da linguística que se dedica ao estudo da entoação, ritmo, (etc.) das palavras. 36 Os pacientes que sofrem com amusia possuem dificuldades no reconhecimento da música mas mantêm

a capacidade de falar, sendo o oposto da afasia. (Rocha & Boggio, 2013, p. 135).

37 Os doentes com afasia revelam problemas a nível da fala mas mantêm a capacidade de cantar e de

(…)» (p. 157). A memorização é claramente mais fácil quando recorremos às designadas

piggysongs, de tal maneira que quase todos os jovens, independentemente da idade, se

recordarão de aprender o abecedário em inglês através de uma canção. De acordo com Sacks, «os padrões mnemônicos (de auxílio à memória) contidos nas rimas, métricas e canto, são os recursos mais poderosos para a capacidade de retenção e memorização da mente e estão presentes em todas as culturas» (Sacks, 2007 cit. por Cuervo, 2011, p. 3). Todavia, Su e Wang afirmam que não conhece o motivo pelo qual a música auxilia o processo de memorização de textos, colocando a hipótese de tal se dever à partilha de conteúdo semântico entre a música e a linguagem e, consequentemente, à partilha de áreas neuronais para compreensão dos sinais (Su & Wang, 2010, cit. por Rocha & Boggio, 2013, p. 137). Uma outra hipótese é-nos apresentada por Schulking, que defende que o prazer que as pessoas obtêm com a música as leva a praticar mais um texto que é acompanhado com música do que um texto simples (Schulking, 2009 cit. por Rocha & Boggio, 2013, p. 137).

A música é um recurso apetecível e claramente vantajoso em ambientes culturalmente diversificados. Ela não existe por si só, faz sim parte de um fenómeno cultural e social que permite aos seus indivíduos expressarem-se e comunicarem (Oliveira, 2010, p. 17). Por isso mesmo, em ambientes culturalmente diversificados, a música pode estimular a compreensão e cooperação com o Outro. Pode ainda ser utilizada nas aulas de línguas estrangeiras por levar, simultaneamente, os alunos a praticar a pronúncia de um novo idioma, adquirir vocabulário e a aprender a cultura do país em questão38. Este poderoso recurso proporciona também às crianças e jovens a possibilidade de ampliar o seu vocabulário através da procura e da compreensão do significado de novas palavras presentes nas letras das canções, quer na sua língua materna, quer em línguas estrangeiras (Oliveira, 2010, p. 16).

38 Sobre esta questão vejam-se, por exemplo, os seguintes relatórios de estágio: Andrade, S. A. A. (2011).

A importância das canções na aprendizagem de uma língua estrangeira: desenvolvimento da compreensão auditiva. (Relatório de estágio, Faculdade de Letras da Universidade do Porto). Bastos, J. C. L. (2016). A música como recurso didático em aulas de português e latim. (Relatório de estágio, Faculdade de Letras da Universidade do Porto). Xavier, M. P. M. M. S. L. (2010). O uso das canções para fins didáticos. (Relatório de estágio, Faculdade de Letras da Universidade do Porto).