• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCSUFMA MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS FRANCISCO ERNESTO BASÍLIO GOMES

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCSUFMA MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS FRANCISCO ERNESTO BASÍLIO GOMES"

Copied!
121
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCS/UFMA MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

FRANCISCO ERNESTO BASÍLIO GOMES

DAS “TREVAS” À “LUZ”: os Canela a caminho do “desenvolvimento sustentável”

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCS/UFMA MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

FRANCISCO ERNESTO BASÍLIO GOMES

DAS “TREVAS” À “LUZ”: os Canela a caminho do “desenvolvimento sustentável”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de mestre em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Maria Beserra Coelho

(3)

Gomes, Francisco Ernesto Basílio

Das “trevas” à “luz”: os Canela a caminho do “desenvolvimen-to sustentável”./ Francisco Ernes“desenvolvimen-to Basílio Gomes.- São Luis, 2007. 120f.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Maranhão.

1. 1.Projeto de Combate à Pobreza Rural (PCPR) – Maranhão 2. Índios Canela – Maranhão I. Título

(4)

FRANCISCO ERNESTO BASÍLIO GOMES

“DAS “TREVAS” À “LUZ”: os Canela a caminho do “desenvolvimento sustentável”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para a obtenção do título de mestre em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Maria Beserra Coelho

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

Prof.° Drª Elizabeth Maria Beserra Coelho (Orientadora) Doutora em Sociologia - UFC

Prof.° Dr°. João Pacheco de Oliveira Doutor em Antropologia Social - UFRJ

(5)

AGRADECIMENTOS

Essa dissertação marca o final de mais um ciclo que se completa através da contribuição de algumas pessoas fundamentais seja no apoio teórico e reflexivo seja através do amparo afetivo, principalmente nos momentos de dificuldades.

Agradeço, em primeiro lugar, à minha orientadora Elizabeth Coelho, a quem devo gratidão pela orientação (intelectual e afetiva) coerente e pela paciência e seriedade com que encara seu trabalho.

Aos meus colegas do mestrado (turma de 2005), por todos os momentos compartilhados e pelas reflexões coletivas que contribuíram para a complementação de minha formação. Em especial, a José Barros Filho e Gerson Lindoso pela amizade sincera e momentos de descontração.

À Christiane Mota, colega de turma e parceira de longas jornadas. Com ela, desde a graduação, e também na construção dessa dissertação, pude dividir momentos de insegurança, alegrias e discussões enriquecedoras.

Aos meus colegas do grupo de pesquisa Estado Multicultural e Políticas Públicas, Caroline Oliveira (maninha), Rodolpho Sá, Bruno Habib, Mônica Almeida, Fabiano Soares, Daniela Nunes, João Marcelo Macena (parceiro de campo), Antonio Santana, Nelma (parceira de campo), Helen Patrícia, Socorro Alves de Sousa, Katiane Cruz, Michel Jackson e Aurora que contribuíram com discussões e críticas para a construção desse trabalho.

Aos professores do Programa de Pós-Gradução em Ciências Sociais – PPGCS/UFMA, por terem contribuído para minha formação. Em especial, aos professores Sérgio Ferretti, Maristela Andrade, Sandra Sousa e Carlos Bendito Silva.

À professora Irlys Barreira (UFC), por ter se disponibilizado a ler meu projeto de pesquisa e enriquecido a construção do objeto.

Aos professores Horácio Sant’Ana Junior e Benedito Sousa pela participação na banca de qualificação contribuindo para o aprimoramento das discussões.

(6)

Aos técnicos do NEPE, em especial à Glória Cantanhede, por terem aberto as portas desse órgão e possibilitado a realização da pesquisa.

Aos técnicos do IICA no Maranhão, especialmente ao Dr. Josemar pela concessão de fontes indispensáveis a realização da pesquisa.

A Jonaton Junior e sua família, seu pai Jonaton e sua mãe Nice, pela acolhida carinhosa em sua casa concedendo-me apoio na fase de campo.

À Ana Néri Macedo Lopes e Thaís Ramos de Sousa, colegas de graduação, a quem devo gratidão, pois mesmo a distância se interessam por acompanhar-me e incentivar-me durante todo o percurso.

Aos professores Cupen e a auxiliar de enfermagem da aldeia Escalvado pela acolhida em suas casas e por terem possibilitado a articulação com alguns indígenas.

À Capes pela concessão da bolsa de estudos que me possibilitou a realização dessa pesquisa.

Às funcionárias da Secretaria do Programa de Pós-Gradução em Ciências Sociais – PPGCS/UFMA, Cristina, Rejane, Luiza e Clores, por terem me ajudado prontamente sempre que precisei.

A seu Levi e Elizângela (xerox de Ciências Sociais) pela paciência de aguardar a data de pagamento da bolsa, e pela amizade sincera construída ao longo desses anos (desde a graduação).

(7)

A meus pais, Francisca Basílio e Ivan Gomes, pelo amor dedicado em todos os momentos, e pelo apoio e respeito incondicionais à minha escolha profissional.

A meus irmãos, Euclides e Eliabe, pela torcida constante.

(8)
(9)

Resumo

Esta dissertação faz uma análise do Projeto de Combate à Pobreza Rural (PCPR-MA) executado pelo Governo do Estado do Maranhão, no período entre 1998 e 2004, e a sua aplicação buscou apreender as relações entre o Governo do Estado do Maranhão e os povos indígenas. Procurou mapear as concepções de pobreza do Projeto, procurando identificar em que medida essas concepções contemplam as diversidades culturais dos povos indígenas. Analisa também a relação entre a perspectiva do combate à pobreza associado ao desenvolvimento sustentável, utilizada na execução do PCPR-MA. A análise está inspirada perspectiva dos “estudos pós-coloniais”, desenvolvida por autores como: Escobar (1996), Mignolo (2003) e Lander (2005). Toma como campo empírico as relações dos Canela com a eletrificação de sua aldeia, subprojeto do PCPR-MA.

(10)

SUMMARY

This dissertation analyses the Project of Combat to the Rural Poorness executed by the government of Maranhão State, in the period between 1998 and 2004, and its application to the indigenous people. The theoretical object to that dissertation is the comprehension of the relation between the government of Maranhão State and indigenous people. It was made the map of the conceptions of de poorness from the project trying to identify in what measure those conceptions contemplate the cultural diverseness of indigenous people. It is also analysed the relation between the perspective of the combat to the poorness associate to the tenable development used in the en forcement of the PCPR – Ma. The theoretical mention of the research is inspired in the perspective of the postcolonial studies developed by cry authors like: Escobar (1996) Mignglo (2003) and Lander (2005). I tried to understand the poorness like representation according to Sousa’s approach (2001). It also realized a fieldwork in the indigenous village from Escavaldo, from indigenous people Ramkokamekra/ Canela objecting to understand as it has related to the electrical energy, result of the PCPR – Ma. Specifically trying to understand the cause of the choice in electrical energy as communal subproject of the combat to the poorness.

(11)

LISTA DE SIGLAS

APCR: Projeto de Apoio a Pequenas Comunidades Rurais

CPDLS: Curso de Planejamento do Desenvolvimento Local Sustentável

CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito

FUNAI: Fundação Nacional do Índio

GEAGRO: Gerência de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural

GDR: Gerência de Estado de Desenvolvimento Regional

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH: Índice de Desenvolvimento Humano

IICA: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

IPEA: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

ISA: Instituto Socioambiental

NEPE: Núcleo Estadual de Projetos Especiais

OEA: Organização dos Estados Americanos

ONU: Organização das Nações Unidas

PAPP: Programa de Apoio ao Pequeno Produtor

PCPR: Projeto de Combate à Pobreza Rural

PETI: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PIB: Produto Interno Bruto

PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PRODEA: Programa de Distribuição de Estoques de Alimentos

PRODIM: Programa de Desenvolvimento Integrado

PRONAF: Programa Nacional de Incentivo à Agricultura Familiar

PSB: Partido Socialista Brasileiro

SEAGRO: Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural

SSAD: Serviço de Saneamento e Abastecimento D'água

SSI: Supervisão de Serviços Indígenas

SIVAM: Sistema de Vigilância da Amazônia

UEMA: Universidade Estadual do Maranhão

UFMA: Universidade federal do Maranhão

(12)

LISTA DE ANEXOS

(13)

Sumário

INTRODUÇÃO....14

1. O MUNDO COLONIAL E A CONSTRUÇÃO DO ATRASO DO OUTRO: colonização e “subalternização” dos saberes locais ...22

2. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO COMBATE À POBREZA RURAL...31

2.1. O Maranhão no combate à pobreza rural...32

2.2 Por que combater a pobreza?...38

2.3 O local articulado ao global no “combate a pobreza”...41

2.4 A ritualização da “pobreza”...43

2.5 A imagem como recurso de marketing do PCPR...51

2.6 O Contexto das políticas de “combate à pobreza”:o universal e o particular em questão...54

3. IDENTIDADE E SUSTENTABILIDADE: Novos vieses no “combate à pobreza”...58

3.1 Os “mais pobres dos pobres”...60

3.2 Pobreza de saber...65

3.3 A identidade mobilizando os projetos: “gestão social do território”...67

3.4 A capacitação para o “desenvolvimento sustentável” ...75

3.5 A formação das capacidades locais...78

4. DAS “TREVAS” À “LUZ”, DA “POBREZA” AO “DESENVOLVIMENTO”: a ação do PCPR junto aos Canela ...80

4.1 Os indígenas a caminho do “desenvolvimento” ...80

4.2 Uma ponte entre “dois mundos? A implantação da energia elétrica entre os Canela...94

4.2.1Gerações em confronto: o caminho do branco e o caminho do índio 95 4.2.2 A opção pelas “duas culturas”...103

CONSIDERAÇÕES FINAIS...110

(14)

Introdução

Esta dissertação faz uma análise do Projeto de Combate à Pobreza Rural (PCPR-MA) executado pelo Governo do Estado do Maranhão, no período entre 1998 e 2004, e a sua aplicação aos povos indígenas. O PCPR-MA consiste em um conjunto de estratégias do Governo do Estado do Maranhão, em parceria com o Banco Mundial, para “combater a pobreza” no estado.

Análises de ações do PCPR-MA fizeram parte de minha monografia de conclusão de curso em Ciências Sociais – UFMA. Nessa ocasião investiguei as ações, chamadas pelo Governo do Estado do Maranhão de “assistência social”, executadas junto aos povos indígenas, durante os anos de 2001 a 2004, dentre as quais constavam algumas desenvolvidas no âmbito do PCPR-MA, como os “Cursos de Planejamento do Desenvolvimento Local Sustentável”-CPDLS.

Ao longo de sua execução, o PCPR-MA elegeu como público-alvo preferencial os povos indígenas, juntamente com as denominadas comunidades remanescentes de quilombos.

Os dados levantados na pesquisa de monografia instigaram-me pesquisar a forma como se deu a inclusão dos povos indígenas no PCPR-MA, ou seja, o que motivou a inclusão de segmentos étnica e nacionalmente diferenciados da sociedade brasileira, num projeto que visa combater a “pobreza rural” 1.

Privilegiei esse aspecto, vislumbrando que pudesse conter algum indicativo de respeito às diversidades étnicas e nacionais que caracterizam o Estado brasileiro e, o Maranhão.

Procurei, então, tomar essas questões como objeto de investigação, buscando construí-las teoricamente. Nesse processo, tenho percebido a propriedade do que afirma Bourdieu (2000, p. 26 -7):

(15)

A construção do objeto – pelo menos na minha experiência de investigador – não é uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de acto teórico inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio do qual a operação se efectua não é um plano que se desenhe antecipadamente, à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma serie de correções, de emendas, sugeridos por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas.

A intenção inicial de realizar uma investigação sobre a “eletrificação” da aldeia dos Ramkokamekra/Canela2 associou-se à necessidade de compreender melhor o

PCPR-MA. Durante a pesquisa pude observar que se fazia indispensável uma análise profunda do Projeto, envolvendo a sua contextualização, sua concepção de pobreza e as estratégias de combate que adotou.

Percebi que esse seria um meio privilegiado para compreender como o Estado elabora suas estratégias de relação com os povos indígenas e como esses povos são por ele representados.

Nesse processo, a noção de pobreza referenciada no PCPR colocou-se como estratégica para a compreensão dos objetivos da ação do Estado face aos povos indígenas. Procurei então pensar a pobreza como o equivalente lógico do

subdesenvolvimento, inspirado na perspectiva dos “estudos pós-coloniais”, desenvolvida

por autores como: Escobar (1996), Mignolo (2003) e Lander (2005). Estes autores desconstroem a noção de “desenvolvimento” e procuram demonstrar como os saberes dos povos colonizados foram “subalternizados” através do processo de colonialidade do

poder e do saber, ou seja, da imposição dos conhecimentos ocidentais como universais

e hegemônicos, desconsiderando outras formas de construção de conhecimento.

Essa dissertação busca, nessa perspectiva, compreender as relações entre o Governo do Estado do Maranhão e os povos indígenas, tomando toma como campo empírico a implantação do PCPR-MA junto a esses povos. Analiso as concepções de pobreza expressas no Projeto, procurando identificar em que medida contemplam as diversidades culturais dos povos indígenas entre si e com relação à sociedade brasileira não-indígena.

Busquei então compreender de que forma os povos indígenas e as comunidades quilombolas eram percebidas como pobres. Procurei identificar as 2 Um dos oito povos indígenas com terras localizadas na divisão administrativa do Maranhão. Esse povo é

(16)

concepções de pobreza do PCPR-MA, percebendo-a como representação. Nesse sentido, a abordagem é realizada nos moldes do que foi feito por Sousa3 (2001). Ou

seja, a reflexão da pobreza através da perspectiva bourdiana de “região”. Sousa (2001, p.13) afirma que:

“Considerar a pobreza como região, significa explicitar que todo processo de classificação é, na verdade, um processo de delimitação de um grupo social, de um critério de di-visão social, que se propõe a dar descontinuidade e impor fronteiras não apenas às regiões geográficas, mas também às regiões que compõem o velho e o novo, o homem e a mulher, o rico e o pobre”.

Além de tentar compreender a construção da “pobreza” presente no PCPR-MA, busquei identificar as estratégias de “combate à pobreza”, articulando o discurso e as práticas no âmbito do referido Projeto.

Fiz um mapeamento das concepções de pobreza adotadas pelo PCPR-MA, procurando demarcar os critérios que levam a classificação de agentes sociais como pobres, no caso em questão os povos indígenas, por quem exerce o “rito de instituição”

(Bourdieu, 1992).

Realizei a pesquisa de campo em dois espaços privilegiados. Um deles, o Núcleo Estadual de Projetos Especiais – NEPE, órgão do Governo do Estado do Maranhão, responsável pela execução do PCPR-MA, ligado à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural. O outro, a aldeia Escalvado, do povo Ramkokamkra-Canela, na Terra Indígena Kanela/Buriti Velho, no município de Fernando Falcão-MA.

A pesquisa no Núcleo Estadual de Projetos Especiais-NEPE possibilitou-me entrar em contato com fontes primárias como relatórios do PCPR-MA e os discursos dos técnicos do NEPE, gestores do PCPR-MA. Apesar do fácil acesso aos documentos neste órgão, não foi possível conhecer o texto do projeto que deu origem ao PCPR-MA4.

Os vários agentes que atuaram na sua execução afirmavam a inexistência do projeto nas dependências da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e 3

Sousa (2001) desenvolve reflexões acerca da construção burocrático-administrativa da “pobreza” no Programa de Distribuição de Estoques de Alimentos – PRODEA.

(17)

Desenvolvimento Rural – SEAGRO, e do NEPE. A Superintendência do IICA no Maranhão, organismo internacional que promoveu uma avaliação do PCPR-MA, também afirmava não possuir nenhuma cópia do projeto. Essa situação expressa o descuido dos órgãos públicos no que se refere a documentos e informações importantes.

Cabe situar que algumas entrevistas marcadas com técnicos do NEPE, ou com pessoas que atuaram no PCPR-MA, tiveram que ser canceladas por motivo de viagem desses agentes5.

A pesquisa na aldeia Escalvado permitiu-me observar a relação dos Canela com a energia elétrica e resgatar o processo de seleção da eletrificação como projeto a ser efetivado na aldeia, mapeando a tensão que o caracterizou e a avaliação que fazem os Canela do seu cotidiano com a nova luz!

A opção por pesquisar o processo de eletrificação da aldeia dos Canela, decorreu do fato de tratar-se de um povo com o qual temos estabelecido contatos através de projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos pelo grupo de pesquisa no qual estou inserido no âmbito da UFMA: o grupo Estado Multicultural e Políticas Públicas. Essa inserção facilitou meu acesso à aldeia, tendo em vista o reduzido tempo disponível para a realização do mestrado.

Canela é o nome pelo qual ficaram conhecidos dois grupos Timbira: os Ramkokramekrá e os Apanyekrá. Há diferenças significativas entre esses grupos vizinhos, que falam uma língua Timbira Oriental, da família Jê, classificada no Tronco Lingüístico Macro – Jê.

Timbira é uma denominação dada pelo etnólogo Curt Unkel Nimuendajú a 15 povos que ocupavam “toda a porção dos cerrados do atual estado do Maranhão (central e meridional) e parte do norte de Goiás” (AZANHA, 1984, p. 6). Nimuendajú (1946, p.6) classifica esses grupos utilizando o critério lingüístico, por considerar estreita a relação que há entre distribuição geográfica e relações lingüísticas

Esses povos foram denominados Timbira em função do que Nimuendaju (1946, p.12) denominou “unidade étnica” entre esses povos:

5 Alguns em campanha eleitoral, outros trabalhando na execução do Programa de Desenvolvimento

(18)

The Timbira know that they are several tribes of a major ethnic unit, which they define above of all – apart from the greater or lesser linguistic homogeneity – by the presence of the hair furrow, earplugs, circular form of settlement, and log racing

O autor afirma que usa o nome Timbira porque, segundo ele, há ausência, entre esses povos, de uma denominação que expresse “a unidade étnica”. Para o autor a “individualidade étnica” desses povos é incontestável (1946, p. 6):

The ethnic individuality, homogeneity, and Gê affinities of the Timbira are too manifest to have been challenged by any serious observer. Opinions diverge solely as to their position within the Gê family; as to what tribes should be added to their branch of the Gê; and with respect to possible subdivisions.6

O grupo que tem sido denominado Ramkokamekrá, reúne diferentes povos, entre os quais os Ràm-kô-kãm më-kra ou Më mõl-tüm-re, os Mateiros que também foram chamados de Irom-catêjê (mato-povos), os Xoo-kãm-më-kra (filhos da Raposa),

Carë-kãm-më-kra (filho do barro vermelho), os Apaniekrá (Filhos da Piranha), e os

Crôô-re-kãm me-hkra (filhos dos Porco queixado).(Cf. Silva Júnior, 2006).

Essa mistura de diferentes povos faz com que os Canela do Escalvado não gostem de ser designados como Ramkokamekrá, pois seria privilegiar apenas um povo dentre vários. Por essa razão aqui utilizo o termo Canela ou Canelas do Escalvado.

Até a década de 1940, os Canela do Escalvado tinham menor contato com a sociedade nacional e com outros grupos indígenas do que os Apanyekrá. Atualmente ambos grupos têm sofrido uma forte interferência por parte de diferentes agências de contato, sertanejos e missionários. Em contrapartida, têm procurado reaver a autonomia de suas atividades produtivas e manter sua vitalidade cultural, expressa por uma complexa vida ritual, práticas xamânicas e intrincada organização social (Cf. www.socioambintal.org.br).

Os Canela do Escalvado possuem população de 1337 pessoas, segundo informações obtidas no site do Instituto Sociomabiental – ISA7. Sua principal aldeia

Canela, Escalvado, é conhecida pelos sertanejos e moradores de Barra do Corda como

6 A individualidade étnica, homogeneidade e afinidades Jê dos Timbira são manifestas demais para serem

contestadas por qualquer pesquisador sério. Opiniões divergem somente quanto a sua posição na família Jê, assim como quais tribos deveriam ser acrescidas ao seu ramo dos Jê e com relação a possíveis divisões. (tradução minha)

(19)

Aldeia do Ponto e localiza-se em torno de 70 km a sul-sudeste dessa cidade, no estado do Maranhão. A aldeia Escalvado é organizada no formato circular, reproduzindo a Forma Timbira8.

Os Canela vivem basicamente em áreas de cerrado com pequenos igarapés. A demarcação dos 125.212 hectares da Terra Indígena Canela ocorreu entre 1971 e 1983. Atualmente a Terra Indígena Kanela/Buriti Velho, localiza-se na divisão político-administrativa do município de Fernando Falcão – MA, devido ao desmembramento do município de Barra do Corda – MA, em 1996).

A principal figura mitológica dos Canela é Awkhê. Apontado na mitologia Timbira como herói cultural (CROCKER, 1976), para os Canela, Awkhê é representado como um dos seus que transcendeu as fronteiras do ser Canela e detinha o controle da trajetória Canela. São muitas as versões do mito do Awkhê, que vão sendo reatualizadas segundo as conjunturas histórico-sociais vividas pelos Canela.

Todas remetem para os poderes sobrenaturais de Awkhê, especialmente em se transformar em animais ou outras formas e ao dilema da escolha ancestral quando Awkhê teria estimulado os Canela a escolher entre seu mundo, representado pelo arco e a flecha, e o mundo dos brancos, representado pela arma de fogo. A opção dos Canela, então, teria sido pelo o arco e a flecha o que os teria mantido numa situação de subordinação em relação ao mundo dos brancos.

As relações entre os Canela e os não indígenas estão permeadas pela influência desse mito. São feitas associações entre a figura de Awkhê e agentes indigenistas ou divindades cristãs. Segundo Silva Junior (2006) a referência à dependência dos Canela em relação aos “Cupê” , presente em algumas versões do mito, remete a indignação de Awkhê com as atitudes dos seus ancestrais ao recusar a espingarda, negando a tecnologia do “branco” e condenando-se a viver nos cerrados e nas matas até seus últimos dias. Os movimentos messiânicos representariam a possibilidade de reeditar a escolha ancestral entre a espingarda e o arco e flecha.

Na análise que faço da escolha do subprojeto de eletrificação da aldeia procuro inserir essa escolha nessa dinâmica Canela que regula suas relações com o mundo dos brancos.

(20)

forma, o mapeamento das representações da pobreza também tem sido feito através das publicações e dos discursos de técnicos do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura - IICA9.

Na parte inicial da dissertação desenvolvo uma discussão a respeito do processo e colonialidade do poder (Mignolo, 2003)exercido sobre os povos indígenas, no processo de construção do mundo colonial/moderno (Mignolo, 2003). Destaco as formas pelas quais as cosmovisões e representações dos povos indígenas foram

subalternizadas pelas nações européias e, posteriormente pelo Brasil, num processo de

colonialismo interno (Cardoso de Oliveira, 1966).

Em seguida, apresento o contexto que dá origem ao PCPR-MA, discutindo inclusive o dissenso entre autores, alguns que atuaram na avaliação do PCPR-MA, com relação ao PCPR-MA representar, ou não, a continuidade de outros projetos voltados para o meio rural.

Nessa mesma parte, construo uma apresentação do PCPR-MA, com base nos documentos10 publicados pelo Governo do Estado do Maranhão, indicando seus

princípios, seu público alvo e seus critérios de classificação dos pobres.

No item seguinte, me detenho especificamente sobre “o ato de classificação dos pobres”, discutindo critérios e a condição de autoridade legítima para realizar tal operação. Ponho em suspenso os critérios de classificação, pois os critérios, em geral, são universalizantes e o público-alvo do PCPR-MA ser marcado pela heterogeneidade.

Foi feita também uma contextualização das políticas desenvolvimentistas nas quais os projetos de “combate à pobreza” estão inseridos. E, em seguida, apresento a “nova” perspectiva de “combate à pobreza” que o PCPR-MA adotou, após avaliação realizada no decorrer de sua execução.

Dessa forma, apresento os novos princípios que orientam o projeto, a identidade e a sustentabilidade. Com base na gestão social do território, a pobreza

passaria a ser combatida através de estratégias de desenvolvimento sustentável, baseadas nas potencialidades humanas, culturais e econômicas em cada território.

9

O IICA é um órgão da ONU, voltada para a cooperação técnica a países latino-americanos com relação ao desenvolvimento rural e combate à pobreza. O IICA tem sede no mesmo prédio que abriga o NEPE.

(21)

Essa discussão é fundamental para o trabalho, pois é no bojo do projeto identidade e da perspectiva da gestão social do território que os povos indígenas passam a ser considerados público-alvo preferencial do PCPR-MA. Essa perspectiva traz consigo uma nova representação da pobreza, que procura se deslocar das mensurações de renda per capta, ou índices de desenvolvimento, mas, principalmente, da representação da pobreza, como ausência de poder.

Juntamente com a discussão do projeto identidade, inicio uma apresentação dos princípios de sustentabilidade que passam a nortear o PCPR-MA. Para melhor compreensão do desenvolvimento das estratégias de combate à pobreza relacionada aos povos indígenasapresento com detalhes o curso de desenvolvimento local sustentável a eles dirigido.

Finalmente, discuto o processo de escolha do subprojeto de implantação da energia elétrica pelos Canela, tomando como base suas narrativas que demonstram a tensão permanente ocorrida nesse processo entre o fascínio pela nova luz e o temor pelas conseqüências que dela possam advir.

1. O MUNDO COLONIAL E A CONSTRUÇÃO DO ATRASO DO

OUTRO: colonização e “subalternização” dos saberes

locais.

(22)

continentes até então desconhecidos, com povos de culturas diferentes11 do modelo

ocidental, ou seja, “sem civilização”, como julgavam os colonizadores.

O processo de colonização promovido pelas grandes metrópoles européias foi marcado pelo estranhamento entre povos de culturas diferenciadas. Nesse processo, as formas de organização social, política e cultural dos povos colonizados foram consideradas como inferiores pelos seus colonizadores.

O discurso sobre o “outro” toma forma, cientificamente, a partir dos séculos XVII e XVIII. Sobre esse período, Copans (1974, p.22) afirma que:

Vemos desenharem-se empiricamente os contornos de uma reflexão mais sistemática sobre as sociedades não européias e sobre a natureza das sociedades e do homem em geral.

Essa fase constitui-se como um marco para as sociedades colonizadas em termos de mudanças e perdas culturais, pois os ataques às suas formas de organização social foram constantes. As tentativas de “civilização” foram realizadas das mais diferenciadas formas, abrangendo a escravização dos indígenas, bem como, a sua escolarização e cristianização.

Mignolo (2003), ao trabalhar com a perspectiva dos estudos “pós-coloniais”, destaca a subalternização dos saberes dos povos colonizados, apontando as formas pelas quais a colonização foi sendo realizada.

Esse autor afirma que (2003, p.23):

No século 16, missionários espanhóis julgavam e hierarquizavam a inteligência e civilização dos povos tomando como critério o fato de dominarem ou não a escrita alfabética. Esse foi um primeiro momento para a configuração da diferença colonial e para a construção do imaginário atlântico, que irá construir o imaginário do mundo colonial/moderno.

E acrescenta que (2003, p.23):

11 Cabe destacar que a consideração de culturas diferentes está sendo feita por mim, pois os colonizadores

(23)

Ao se aproximar o fim do século 18 e o início do 19, o critério de avaliação já não era a escrita, mas a história. “Os povos sem história” situavam-se em um tempo “anterior” ao “presente”. Os povos “com história” sabiam escrever a dos povos que não a tinham.

Essas foram algumas das formas, utilizadas pelas metrópoles européias para tomar para si a “tutela” dos povos com que se depararam quando dos encontros com os povos nativos dos Novos Continentes. A colonização caracterizou-se pela desconsideração das formas de organização dos povos indígenas, das suas cosmovisões, dos seus hábitos rituais, e dos seus saberes.

No entanto, esse processo insere-se em um contexto muito maior. Os ideais iluministas que fundaram a modernidade ocidental estão intimamente ligados à colonização e à desconsideração das visões de mundo que se encontram fora da matriz racionalista ocidental-européia.

A racionalidade Iluminista caracteriza a ruptura com o tradicional, e o teocentrismo. Segundo Aquino (1997, p.118):

A principal característica da mutação mental que ocorreu no século XVIII foi a afirmação do homem como sujeito que representa a realidade, seu objeto.

A passagem da Idade Média à Idade Moderna está assentada no discurso da racionalidade, construída com base nos valores ocidentais europeus. Dessa Forma, o discurso sobre o “outro” se caracteriza como uma forma de consolidação do colonialismo. Os valores ocidental-europeus ganham supremacia sobre as populações encontradas no Novo Continente, que possuíam racionalidades próprias.

Portanto, a colonização caminhou em vários sentidos. Além da colonização das pessoas ocorreu também a colonização das idéias, dos modos de organização social, e, além de tudo, dos modos de conhecimento.

Sobre esse processo Lander (2005, p.26) afirma que:

(24)

pela primeira vez, se organiza a totalidade do espaço e do tempo – todas as culturas, povos e territórios do planeta, presentes e passados - numa grande narrativa universal.

A colonização, então, fundamentou-se nos preceitos modernos, tomando o julgamento do “atraso” e da “inferioridade” dos nativos da América como um motivo para exercer o seu processo civilizador de administração das diferenças culturais através da centralidade dos valores europeus.

Os sistemas de conhecimento dos nativos foram desrespeitados e desconsiderados, tratados como conhecimentos ignoráveis por estarem pautados em bases que não se enquadravam nas explicações “racionais” e “científicas” do modelo europeu-ocidental. A revolução científica, operada pela modernidade, passou a considerar como conhecimentos válidos ou científicos aqueles que fazem parte da cultura acadêmica. Dessa forma, Mignolo (2003, p.31) afirma que:

Gnose e gnosiologia não são hoje em dia palavras familiares dentro das culturas acadêmicas. Familiares são palavras como epistemologia e hermenêutica, que são as bases das “duas culturas”, as ciências e as humanidades. Na verdade, hermenêutica e epistemologia são mais familiares porque vêm sendo articuladas dentro da cultura acadêmica desde o Iluminismo.

A Gnose, que estava associada ao campo de explicações do mundo, passou a

significar conhecimento de forma geral, saberes míticos e irracionais. Mignolo (2003, p. 32) afirma que:

O termo gnosiologia no início do mundo colonial moderno, passou a designar o conhecimento em geral, ao passo que epistemologia ficou restrita à filosofia analítica e à filosofia das ciências.

E acrescenta sobre a gnosiologia na modernidade que (2003, p.32):

(25)

Essa disciplinarização representa para as populações que estão fora do modelo ocidental de conhecimento a perda ou a repressão de suas formas de sistematização de conhecimentos e organização social.

As representações e formas de classificação do homem e da natureza construídas socialmente, tal como destacam Durkheim e Mauss (1901), tiveram que se adaptar às imposições dos colonizadores e buscar formas de resistência, sincretizar-se, e, em alguns casos, suprimir-se em nome de um único modo de conceber o mundo que se impunha como superior.

O que esse processo pode ter representado para os povos indígenas que tinham concepções construídas de acordo com as suas necessidades de explicação do mundo e convivência social?

Mignolo (2003), citando Mudimbe (32-3) aponta as oposições entre os sistemas de conhecimento tradicionais e aqueles que seguem o padrão da ciência moderna:

O “sistema africano tradicional de pensamento” opunha-se à “filosofia” da mesma forma que o sistema moderno ao tradicional: em outras palavras, a filosofia tornou-se um instrumento para a subalternização de formas de conhecimento para fora das suas fronteiras disciplinadas. Mudimbe introduziu a palavra gnose para captar uma ampla gama de conhecimento que a “filosofia” e a “epistemologia” haviam descartado.

O processo de colonização e expansão da modernidade ocorreu nesse contexto. No entanto, cabe questionar em que contexto ocorrem atualmente as relações entre as diferenças culturais e os Estados chamados nacionais.

As investidas da colonização européia nas Américas e o etnocentrismo racionalista empregado no processo de colonização não conseguiram aniquilar as diferenças culturais existentes.

Com a independência das colônias, todas essas diferenças tiveram que ser administradas pelos novos estados-nacionais. No Brasil, portanto, permaneceram as investidas12 aos valores culturais dos povos indígenas, afro-brasileiros e imigrantes, pois

para a construção da nação brasileira seria necessário que se falasse apenas uma língua e partilhasse uma só cultura.

(26)

Nesse contexto, não haveria espaço para a manutenção dos valores culturais e simbólicos das nações indígenas13. A estes foi imposta a cidadania brasileira, em

detrimento de suas próprias nacionalidades, passando a ser tratados como índios genéricos14, devido também às idéias progressistas e positivistas

que inspiraram o

Império.

Aos segmentos de culturas diferenciadas dirigiam-se políticas integracionistas15 de proibição de línguas diferentes da portuguesa, escola única e

religião católica. Essa situação configura o que Cardoso de Oliveira (1966) denominou “colonialismo interno”, ou seja, um país anteriormente colônia de uma metrópole européia passa a desenvolver atitudes colonialistas sobre os segmentos diferenciados, pós-independencia.

Durante todo o século XIX, até os finais do século XX, a perspectiva integracionista permaneceu viva tanto no plano legal, quanto nas ações governamentais com relação às diferenças culturais. A Constituição Federal de 1988 formalizou o respeito às suas organizações sociais, línguas16 e tradições indígenas. No entanto, essa

formalização ocorre associada a imposição da língua portuguesa como obrigatória no ensino fundamental (Cf. art. 210).

Percebe-se, na relação entre os Estados Nacionais e culturas diferenciadas, a aplicação de concepções teórico-científicas fundadas no individualismo, racionalismo, evolucionismo, positivismo, desenvolvimentismo, dentre outras.

Os povos indígenas resistiram a todas essas investidas até conseguirem, no plano legal, e de forma ambígua, o direito à diferença. No atual momento, cabe questionar que caminhos têm tomado as políticas direcionadas aos povos indígenas em um país que se assume formalmente multicultural. Que princípios orientam tais políticas? Em que medida as cosmovisões dos povos indígenas e de outros segmentos diferenciados da cultura majoritária têm sido contempladas pelas ações governamentais?

13 Considero os povos indígenas como nações no sentido dado por Kymlicka, 1996, p.26) “nación

significa uma comunidad histórica, más o menos completa institucionalmente, que ocupa un território o una tierra natal determinada y que comparte una lengua y una cultura diferenciadas.

14

No sentido tratado por Coelho (2002), ou seja, índios de forma geral, sem especificidades nacionais.

(27)

O Brasil é conhecido nacional e internacionalmente pelas desigualdades socioeconômicas. “Pobreza”, “fome”, “violência” são características que geralmente lhes são atribuídas. Nos últimos governos tem-se acompanhado a execução de programas e projetos sociais de “combate à pobreza”, o mesmo tem acontecido nas unidades da Federação. No âmbito federal, por exemplo, observou-se, principalmente durante a década de 1990, no governo Fernando Henrique Cardoso, a execução do Programa Comunidade Solidária e todos os outros programas e projetos que dele se originaram como o PRODEA.

Algumas temáticas são transformadas em problemas sociais através da consagração estatal. Lenoir (1998, p.89) tratando da gênese social dos problemas sociais afirma que:

É por um processo de consagração estatal que determinados problemas da vida particular e apenas tematizados são transformados em problemas sociais que exigem soluções coletivas, muitas vezes sob a forma de regulamentações gerais, direitos, equipamentos, transferências econômicas, etc. Tais soluções são elaboradas, quase sempre, por “especialistas” benévolos ou profissionais. Uma das fases essenciais da constituição de um problema como problema social é justamente ser reconhecido como tal pelas instâncias estatais.

A pobreza enquanto problema social no Brasil emerge a partir da década de

1980, através das discussões travadas no Processo Constituinte e de campanhas de combate à fome. Sprandhel (2004, p.11) coloca o final do século XIX como um dos períodos em que a pobreza foi tematizada na sociedade brasileira.

No entanto, Sprandhel (2004, p.12) destaca que:

(28)

pela Vida) e da realização do “ciclo social” de conferências da Organização das Nações Unidas (ONU).

A emergência da pobreza enquanto problema social no Brasil está imersa em um contexto de discussões que envolveram a sociedade civil através de campanhas sociais encabeçadas por intelectuais, como o sociólogo Herbeth de Sousa, o Betinho, o Governo, através do Processo Constituinte e os debates internacionais, através da ONU.

Sprandhel (2004, p.11) prossegue situando os debates sobre a pobreza no Brasil apontando que:

No final dos anos 1990 se falou muito em pobreza no Brasil. Em diversas ocasiões o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, declarou que o “o problema da pobreza” é tão antigo quanto a história do Brasil. O então presidente do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães, afirmou por sua vez que a miséria de nosso povo é “secular”. Nas audiências públicas da Comissão Mista de Combate à Pobreza, que aconteceram de agosto a dezembro de 1999 no Congresso Nacional, a mesma percepção da temporalidade da pobreza predominou.

Além das discussões nacionais sobre a pobreza, Sprandhel destaca a influência exercida pelos organismos internacionais para a definição dos pobres e os métodos de intervenção sobre a pobreza no país.

Sprandhel (2004, p.138) afirma que:

Existe um discurso e uma prática em relação à “pobreza” que é próprio dos grandes organismos internacionais, mais especificamente do banco Mundial (Banco Internacional de Reconstrução e desenvolvimento/BIRD), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Trata-se de um discurso que considera “a pobreza” e “os pobres” de forma quase naturalizada, como um dado da realidade, antigo no tempo e generalizado geograficamente. Em sua fase mais recente e progressista, como veremos adiante, tal discurso defende o empowerment dos pobres e afirma que suas vozes precisam ser ouvidas.

No âmbito dessa dissertação, os discursos e as práticas acerca da pobreza e dos

pobres analisados estão vinculados ao Banco Mundial e ao Instituto Interamericano de

Cooperação para a Agricultura – IICA. Esses dois organismos têm adotado a concepção de pobreza vinculada ao empoderamento dos pobres, como veremos adiante.

(29)

representação fudamenta-se na percepção de que a diferença deve ser lida como desigualdade e, portanto, ser superada, via estratégias de “desenvolvimento”.

Viola (2000) ao se referir à concepção de “desenvolvimento” afirma que esta produz uma interpretação reducionista da realidade, promovida pelos seus pilares fundamentais que são o eurocentrismo e o economicismo. Com relação a este último Viola (2000, p.11) afirma que.

Ello há comportado un notable reduccionismo, al identificar la realidade com un número muy reducido de variables cuantificables , ignorando todo aquello (desigualdad social , ecologia , diversidad cultural , discriminación de género ) que queda fuera de la contabilidad.

A concepção de que a realidade social pode ser medida e de fácil diagnostico remete à questão do etnocentrismo. Ou seja, as diversidades são lidas por gestores de políticas públicas como desigualdades devido à discrepância entre os “indicadores”. Essas políticas buscam a padronização.

Escobar (1996, p.55), além de criticar a utilização dos índices de desenvolvimento como forma de mensurar o “desenvolvimento” ou “subdesenvolvimento”, destaca o predomínio da renda per capta na classificação dos “pobres” pelo Banco Mundial:

Em 1948, cuando el Banco Mundial definío como pobres aquellos países com ingreso per capta inferior a 100 dólares , casi por decreto , dos tercios de la problación mundial fueron transformados em sujetos pobres . Y si el problema era renda insuficiente, la solución era evidentemente , el crecimiento económico.

(30)

2. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO COMBATE

(31)

O Estado do Maranhão é estereotipado17 como o Estado mais pobre da

Federação, de acordo com os índices de distribuição de renda. Os índices criados por governos ou agências internacionais para quantificar o nível de “pobreza” ou “desenvolvimento” de uma população apontam o Maranhão como um dos Estados mais pobres da Federação.

O Maranhão conta com uma população rural de 2.287.40518, habitantes o que

corresponde a 40,47 % da população total do Estado. O IDH atual o Maranhão é de 0,636. Tomando como referência a renda per capta, os dados do IBGE apontam que 52,9% da população maranhense sobrevive com renda mensal de até meio salário mínimo.

Em função dos indicadores sociais apontarem uma situação de pobreza na sociedade maranhense, também concentrada na zona rural do Estado, o Governo do Estado lançou, em 1998, um projeto específico, o Projeto de Combate à Pobreza Rural - PCPR. Esse projeto, ao longo de sua implantação, foi se desdobrando em vieses mais específicos, relacionados ao atendimento de público alvo diferenciado: os povos indígenas e os remanescentes de quilombos.

A análise da inserção dos povos indígenas no âmbito de ação do PCPR permite perceber a representação que fazem desses povos os governos federal e estadual.

2.1. O Maranhão no combate à pobreza rural

O IDH do Maranhão é o segundo menor do Brasil, ou seja, o contingente de pessoas consideradas “pobres” ou “excluídas” é grande. Inclusive, as campanhas

17

Pelos dados de institutos de pesquisa e pela imprensa.

18 Segundo dados coletados no site do Governo do Estado do Maranhão, www.ma.gov.br, acessado em

(32)

eleitorais, realizadas pelas oposições no Estado, giram em torno da crítica à situação socioeconômica do Estado, tomando como base o IDH.

O PCPR-MA construiu-se como uma alternativa à superação da “pobreza rural” no Maranhão, medida através dos índices de desenvolvimento como o IDH, renda per capta e da presença de bens materiais nas residências dos “pequenos produtores rurais”. Foi executado em um período que compreendeu os anos de 1998 a 2004. Constituiu-se de atividades voltadas para o fortalecimento institucional dos envolvidos na sua execução19 e o financiamento de subprojetos comunitários.

O PCPR-MA não se constitui como a primeira iniciativa do governo estadual no que se refere ao apoio aos produtores rurais. Consolidou-se através da reformulação de projetos anteriores, tais como o Projeto de Apoio a Pequenas Comunidades Rurais-APCR e o Projeto de Apoio aos Pequenos Produtores (PAPP), como pode ser percebido em GEAGRO/NEPE (2003, p.15):

O processo de descentralização das ações rurais focalizando o combate à pobreza rural no Maranhão se iniciou entre 1986 e 1992 com o Projeto de Apoio a Pequenas Comunidades Rurais (APCR). A partir de 1993, começa a ser implementado o Projeto Nordeste, em sua fase chamada de Projeto de Apoio aos Pequenos Produtores (PAPP). Logo em seguida, deu-se início à reformulação do referido projeto, passando a ser chamado de Projeto de Combate à Pobreza Rural (PCPR-MA), nomenclatura que vem se mantendo até os dias atuais.

O PCPR-MA é apresentado como produto de uma série de reformulações de outros projetos o antecederam. O que se pode observar são dois momentos diferenciados na sua constituição. Um primeiro, quando é elaborada sua primeira versão, que assume um viés compensatório, e um segundo, quando o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA20, assume sua condução e

procura reformular seus objetivos e, consequentemente, suas prioridades.

Portanto, ao longo do seu processo de implementação, o PCPR foi incorporando novos elementos e perspectivas, especialmente após a contratação da consultoria do IICA. Nesse sentido, o consultor, o antropólogo Carlos Jara (IICA), ressalta que o PCPR-MA não deve ser visto como uma simples reformulação do PAPP, 19 Através da capacitação dos técnicos que atuaram no PCPR-MA.

20

(33)

procurando enfatizar seus objetivos de desenvolvimento e empoderamento da sociedade civil. Jara (1998, p. 248) afirma que:

O Programa de Combate à Pobreza Rural, o PCPR, não é a continuidade do PAPP reformulado, nem deve ser interpretado como um esquema compensatório, porque a finalidade do PCPR, realmente, é descentralizar e democratizar o desenvolvimento, “empoderar” a sociedade civil.21

O IICA classifica como assistencialistas e compensatórias as ações que vinham sendo desenvolvidas pelo PCPR-MA. Segundo Jara (1998, p.249), o PCPR não se configuraria como um projeto compensatório, ressaltando que:

É preciso trabalhar o PCPR sob um novo ponto de vista, diferente da perspectiva assistencialista do PAPP reformulado. Ainda quando o PCPR é pensado, essencialmente, como um esquema compensatório, estamos obrigados a repensá-lo como um programa de apoio ao desenvolvimento sustentável. Ou seja, quando o PCPR se materializa em projetos específicos, devemos ter clareza de que tais ações locais não vão esculpir resultados assistencialistas, mas ações de desenvolvimento local, sob um novo ponto de vista.

Na concepção do IICA, um projeto compensatório não consegue atuar profundamente sobre as “causas da pobreza”, mas apenas “aliviar” determinadas situações de “carência”. Segundo Jara (1998, p.249):

Os esquemas compensatórios não procuram mudar relacionamentos, aliviam a pobreza, contribuem para a legitimação dos governos, garantindo o controle social.

A discussão sobre projeto de caráter compensatório vinha sendo realizada em âmbito nacional. Sprandhel (2004) destaca as discussões ocorridas na Comissão Mista Especial de Combate à Pobreza no Congresso Nacional. A estratégia do combate à pobreza, através de projetos ou ações compensatórias foi defendida por alguns parlamentares e condenada por outros. O posicionamento do Senador Roberto Freire, segundo Sprandhel (2004, p.150), ilustra a crítica às ações compensatórias:

“Declarou também que não se enfrenta a pobreza nem se corrige a perversidade na distribuição de renda com políticas de ações

21

(34)

suplementares, políticas compensatórias e com projetos como o Fundo de Combate à Pobreza”.

Sprandhel (2004, p. 151) destaca os posicionamentos defendendo a necessidade de políticas de caráter compensatório para o combate à pobreza. Cita o Senador Roberto Saturnino (PSB/RJ) como defensor das políticas compensatórias aliadas à dimensões estruturais:

Sei perfeitamente que, no sistema econômico capitalista em que vivemos, com uma tendência de concentração manifesta de renda, riqueza e poder, toda política de natureza social será sempre compensatória, isto é, será uma compensação à própria tendência concentracionista do regime. Nem por isso se deve desqualificar esse tipo de política compensatória, mormente num país que atingiu o grau de injustiça social a que o Brasil foi levado, e muito especialmente se nessas políticas compensatórias se introduzir alguma dimensão de natureza estrutural, casando, por exemplo, a distribuição em termos de renda com algum investimento acoplado em educação, característica que move o sistema pelo lado estrutural.

As críticas do IICA ao caráter compensatório do PCPR-MA concentram-se basicamente na execução dos subprojetos comunitários. Estes não possibilitariam combater a pobreza por estarem voltados somente para a questão econômica, sem atingir as estruturas de poder que mantêm a situação de pobreza.

Cabe destacar que os subprojetos comunitários iniciados antes da avaliação do IICA permaneceram sendo financiados depois da mudança de metodologia, que previa o combate à pobreza associado ao desenvolvimento sustentável e a estratégias de empoderamento do público-alvo do PCPR-MA.

A tentativa de redirecionar o projeto não era percebida como tarefa simples pelo IICA. Seu superintendente no Maranhão percebia-o como um projeto compensatório de alívio à pobreza, sem sustentabilidade, característica dos projetos que vinham sendo executados pelo Banco Mundial:

Os programas, esses programas de alívio à pobreza, financiados pelo Banco Mundial são programas compensatórios. Então, há uma tarefa muito difícil para o próprio IICA introduzir elementos de sustentabilidade dentro de um projeto que é compensatório, compensatório 22.

(35)

As reformulações realizadas no PCPR-MA, pelo IICA, tentam apontar para uma nova perspectiva de ação junto aos segmentos considerados “pobres” pelo Projeto.

Até a inserção do IICA no processo, os projetos de apoio às comunidades rurais não faziam uso da expressão “combate à pobreza”23. A reformulação realizada no

PCPR-MA, pelo IICA, toma essa expressão carro chefe do projeto, conforme pode ser visto em GEAGRO/NEPE (2003, p. 15):

A referida reformulação está centrada na questão mais relevante, direcionada à melhoria da qualidade de vida das comunidades rurais mais pobres do Maranhão: o combate à pobreza.

O PCPR-MA, quase que integralmente, é financiado pelo Banco Mundial. A atuação do Banco Mundial nos projetos de “combate à pobreza” insere-se em um contexto de desenvolvimentismo surgido a partir do final da II Guerra Mundial. O Banco tem atuado com financiamentos de projetos a partir de uma perspectiva universalista. No Maranhão, tem financiado projetos de “combate à pobreza”, principalmente voltados para o campo. Esta é uma marca em toda a América Latina.

Alguns autores têm destacado que o Banco Mundial tem tido um papel significativo na definição e na administração da “pobreza” em todo o mundo. Segundo Procacci, apud Escobar (1996, p.54), foi criada uma “política de la pobreza”. Tal política implicou na administração da pobreza que:

Exigia la intervención en educación, salud, higiene, moralidad, empleo, la enseñanaza de buenos hábitos de asociación, ahorro, crianza de los hijos, y así sucesivamente.

A atuação do Banco Mundial no Maranhão, em parceria com o Governo do Estado, através do PCPR-MA, tem tido características semelhantes a essas apresentadas por Escobar (1996). Os financiamentos do PCPR-MA têm se concentrado no que é chamado, de projetos de infra-estrutura, produtivos e sociais.

Comungo com Silva (2005, p.19) quando, referindo-se à centralidade que o “combate à pobreza” adquire nos últimos anos, afirma que:

23 Cf. GEAGRO/NEPE (2003). Projeto de Apoio a Pequenas Comunidades Rurais (APCR) e o Projeto de

(36)

No entanto, observo que o “combate à pobreza” tem se configurado como um mercado descoberto pelas agências internacionais. Em outros termos, a chamada pobreza rural, constituiu-se num importante produto que vem sendo negociado entre governos estaduais e agências financiadoras multilaterais.

Os projetos que antecederam o PCPR-MA estavam voltados para o apoio à produção rural em pequenas unidades. Esses projetos foram utilizados também como forma de intervenção do Governo do Estado do Maranhão na resolução de conflitos por territórios entre povos indígenas e povoados camponeses. Exemplo disso é o conflito entre os Tenetehara/Guajajara e os posseiros na Terra Indígena Cana Brava, como bem aponta Coelho (2002). O Governo intervinha no conflito apenas através da execução de projetos de apoio.

Coelho (2002, p.230) destaca uma importante característica desses projetos que se observa também no discurso dos técnicos do PCPR-MA:

A questão das terras não era tratada nesses projetos. Este de 1995, por exemplo, objetivava reverter o quadro de miséria, integrando os índios no processo produtivo, dotando as aldeias de meios necessários à busca da auto-suficiência.(grifos meus)

O PCPR-MA vai se instituindo nos mesmos moldes dos projetos anteriores, propondo-se a apoiar os produtores rurais na forma de financiamento de projetos comunitários a fundo perdido. Efetivado em junho de 1998, mediante o Acordo de Empréstimo n.º 4252/BR, o Projeto mobilizou a inversão de recursos equivalentes a US$ 106,7 milhões, dos quais o Banco Mundial participou com US$ 80,0 milhões (75%), o Governo Estadual com US$ 16,0 milhões (15%) e os beneficiários com US$ 10,7 milhões (10%). (Cf. GEAGRO/NEPE 2004, p.8)

Outro fim ao qual o PCPR-MA teria servido, segundo Silva (2005), seria o eleitoreiro. Nesse caso, os critérios para definir os pobres seriam mais irrelevantes ainda, haja vista que aqueles que se beneficiaram24 do projeto tinham a autoridade

legítima para indicar onde seriam executados os subprojetos, portanto, definindo seus próprios critérios. Estes não eram necessariamente de atendimento a “pobres”, mas atendimentos a áreas fundamentais para a obtenção de votos, ou na linguagem coerente, nos currais eleitorais.

24 Nesse caso os beneficiados a que me refiro são os políticos que utilizaram o projeto eleitoreiramente, e

(37)

Silva (2005) caracterizou esse tipo de ação como “clientelismo de balcão” (p. 27) referindo-se à execução do Projeto através da mediação de políticos. Cita Matias para referir-se ao esquema de distribuição de projetos entre deputados:

Dentre as denúncias feitas por Matias, destaca-se um esquema de distribuição de projetos entre deputados que davam sustentação à governadora Roseana Sarney na Assembléia Legislativa.

As denúncias se deram em um contexto de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, do Crime Organizado. Em nível estadual também se tentou instaurar uma CPI para investigar o Programa Comunidade Viva, ou seja, o PCPR. No entanto, a CPI não foi instaurada por insuficiência de assinaturas.

Matias apud Silva (2005, p.28) afirma que:

O ex-deputado Francisco Caíca, cassado por envolvimento com o crime organizado, afirmou, em depoimento público, que a Governadora Roseana Sarney havia dado, na eleição de 1998 “dez projetos de Comunidade Viva para cada deputado”, e que Joaquim Laurixto, preso pelo assassinato do delegado Stênio Mendonça, embolsara a maior parte do dinheiro.

Percebe-se então, que no “campo de batalha” contra a “pobreza” no Maranhão estão envolvidos diversos agentes, com uma multiplicidade de objetivos, que não somente o “combate à pobreza”. Ou melhor, os subprojetos, acabaram sendo utilizados não apenas como um armamento específico pra destruir a pobreza, mas também como arsenal que pode ter contribuído para a eleição de muitos políticos, através de uma política eleitoreira e clientelista.

A avaliação do PCPR-MA realizada pelo IICA destaca esse favorecimento político. Ao avaliar os resultados do PCPR-MA, com relação ao “combate à pobreza”, o Superintendente do IICA critica o favorecimento de segmentos políticos pelo Projeto afirmando que:

(38)

muito mais que as comunidades rurais mesmo, né? Ele serviu talvez até para favorecer a questão da concentração da renda em segmentos sociais... e também até mesmo para favorecer determinados segmentos políticos mais atrasados, contribuindo também para o retrocesso político do Estado.

Pode-se observar que o PCPR-MA sob a rubrica de “combate à pobreza”, constitui-se fundamentalmente como um instrumento político para atingir diferentes objetivos do governo do Estado.

2.2 Por que combater a pobreza?

As justificativas para a elaboração do PCPR remetem para a chamada superação da “pobreza”, fundamentada no IDH. No entanto, coloca-se com muita força o argumento da necessidade de elevação da produção agrícola e do PIB do estado.

Na opinião do superintendente do IICA, a construção do PCPR-MA como estratégia de “combate à pobreza”, teria ocorrido em decorrência da redução da produção de grãos, fonte de subsistência da população rural:

Formulado em cima de que o Estado do Maranhão tinha um grande contingente rural, de famílias rurais né, o estado do Nordeste com o maior contingente de famílias rurais residindo na zona rural, e que essas famílias iam se empobrecendo ao longo dos anos, ou seja, cada ano a produção de grãos alimentícios vinha caindo, ou seja, a produção do Estado é ... decadente, conseqüentemente, como essas famílias vivem praticamente em função do que produz, por exemplo, a renda monetária é muita pouca, e só acontece em algumas áreas em que tem o babaçu.

Acrescentou que:

Havia um processo de empobrecimento, mas não havia essa questão de quantificar a pobreza. Até essa questão da linha de pobreza... as famílias com menos de um salário mínimo, tá entendendo? Isso não chegou a ser colocado no projeto.

O projeto teria sido construído com base na suposição de que a decadência da produção agrícola do Estado resultaria no empobrecimento da população rural.

(39)

pobres e, consequentemente, seu público-alvo. Outra questão levantada pelo superintendente do IICA no Maranhão refere-se à ausência de estudos que possibilitassem a construção do Projeto: “Para o primeiro projeto, praticamente esses estudos são inexistentes, são inexistentes”.

O discurso oficial do governo justifica a execução do PCPR-MA considerando a situação de “pobreza” no Maranhão, GEAGRO/NEPE (2003, p. 53):

Vale ressaltar a questão da qualidade de vida medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-MA), feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com base nos dados de renda, educação e expectativa de vida, no período entre 1991 a 2000, que coloca o Maranhão no ranking dos piores Estados do Brasil, com o (IDH-M) de 0.636. Em 1991, dos 30 (trinta) municípios piores do Brasil, o Maranhão contava com 3 (três) municípios, quais sejam: Lagoa Grande do Maranhão, Santana do Maranhão e Matões do Norte.

No entanto, GEAGRO/NEPE (2003, p. 16) não descarta destaca o papel dos pequenos produtores25 para a economia do Estado afirmando:

Não se pode esquecer o papel preponderante dos pequenos produtores rurais na economia do Estado, o que torna inaceitável a permanente situação de pobreza, de miséria, de indigência, e indignidade, em que se encontram mergulhados estes trabalhadores.

Os elaboradores e gestores desses programas e projetos utilizam a retórica do “combate à pobreza”, da auto-sustentação, da superação da miséria e etc., desconsiderando o significado que a produção assume para os chamados pequenos produtores rurais, que pode não estar voltado para a comercialização em larga escala.

As condições de pobreza do público-alvo são mensuradas pelo PCPR-MA através de índices de desenvolvimento criados por instituições internacionais e que são adotados pelos países em que estas instituições atuam. Essa situação expressa a “colonialidade do poder” (Quijano 2005) que se exerce não somente sobre os segmentos atendidos pelo Projeto, mas também sobre o Governo do Estado do Maranhão e seus gestores.

A “colonialidadade do poder” (Quijano 2005) é exercida sobre o Governo do Estado do Maranhão através da imposição dos índices de desenvolvimento por parte do 25 Nesse caso, estão incluídos no PCPR-MA, nesta categoria povos indígenas, comunidades quilombolas,

(40)

Banco Mundial e de concepções de pobreza, desenvolvimento e combate à pobreza

construídas por este e por outros organismos internacionais. O discurso da GEAGRO/NEPE (2004, p.3) expressa esse movimento:

O Projeto de Combate à Pobreza Rural (PCPR-MA), também conhecido como Projeto Comunidade Viva, foi um empreendimento do Governo do Estado do Maranhão, para reduzir os índices de pobreza da população rural do Estado e promover o seu desenvolvimento sustentável. (grifos meus)

Inicialmente, o projeto foi pensado para atingir como principais beneficiários os habitantes das comunidades rurais mais pobres do Estado, com até 7.500 (sete mil e quinhentos) habitantes, incluindo as sedes municipais, excetuando São Luís. (Cf. GEAGRO/NEPE, 2004, p.9).

Na primeira fase do projeto o critério utilizado para selecionar o público alvo era a renda familiar. De acordo com o Superintentende do IICA no Maranhão, a renda era o único critério para definir os atendidos:

O primeiro projeto está baseado única e exclusivamente no padrão renda. Por exemplo, eram as comunidades que tivessem é, é, é... renda menor do que um salário mínimo. Essa, essa foi (sic) o critério básico para, para orientar o projeto26.

Posteriormente, com a reformulação empreendida pela consultoria do IICA, especial atenção foi dada às populações indígenas e quilombolas27, aos quais foi dado

tratamento prioritário de acesso aos investimentos do Projeto.

O PCPR-MA construiu um público a ser atendido, que se caracteriza pela diversidade: “comunidades rurais”, “povos indígenas”, “comunidades quilombolas”, “pescadores artesanais” e “mulheres e jovens rurais”. Deve-se atentar para o fato de que são grupos heterogêneos, que são tratados de forma homogênea pelo projeto. No Maranhão há oito povos indígenas, cada um com suas especificidades internas. As diversidades também são presentes entre as comunidades quilombolas e comunidades rurais.

26

Entrevista realizada em 27 de março de 2006.

27Além desses segmentos também foram atendidos como público alvo-preferencial pescadores artesanais,

Imagem

Tabela 10. Subprojetos financiados para comunidades indígenas

Referências

Documentos relacionados

Depois do aceite do anexo 01 pelo coordenador de curso, o estagiário/aluno deverá indicar seu professor supervisor o qual deverá aceitar orientar o aluno (Anexo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, para obtenção do título de Mestre em Ciências

22/01/2010, às 9hs, na sala de aula do Progra- ma de Pós-Graduação em Ciências Sociais, no Centro de Ciências

No entanto, em 2009 os programas de luz 23L:1E e 16L:8E proporcionaram valores de Entalpia dentro das condições recomendadas, sendo que o programa de luz 23L:1E no período

Partindo desses fatos, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do magnésio, boro e manganês na absorção de zinco por raízes destacadas em duas cultivares de arroz (IAC 165 e

Nesse sentido, além da classificação dos diferentes tipos de resíduos gerados no ambiente hospitalar, se faz necessário a elaboração e execução do PGRSS, pois este se

O bloco do motor (FIGURA 2), conhecido também como carcaça, é a maior peça do conjunto motor, pode ser considerada a estrutura de sustentação do motor a combustão