COLÉGIO SÃO LUÍS
ENSINO MÉDIO
CURSO DE METODOLOGIA DE INCIAÇÃO CIENTÍFICA
Otávio Flaquer Fernandes Tales Costa Zanoni Vinícius Patiño Corrêa
TÍTULO: A influência da cultura do HIP-HOP na década de 90 nas periferias de São Paulo.
São Paulo
2021
Otávio Flaquer Fernandes Tales Costa Zanoni Vinícius Patiño Corrêa
TÍTULO: A influência da cultura do HIP-HOP na década de 90 nas periferias de São Paulo.
Artigo apresentado como requisito de aprovação em “Metodologia de Iniciação Científica”, na 2ª série do EM do Colégio São Luís
Orientadora: Prof. Dra. Dayse Mara Ramos da Silva
São Paulo
2021
RESUMO
Nosso TCC foi pensando com base da ideia de como o Hip-Hop influenciou a cidade de São Paulo na década de 90, em sentidos sociais, estruturais e culturais.
Abre-se um leque muito grande quando falamos de Hip-Hop. A arte criada e enraizada na periferia nos dá a possibilidade de compreender a realidade que é oculta para parte da população, a realidade periférica.
Apresentando sua origem, no bairro do Bronx, em Nova York, nosso trabalho estendeu-se em discussões sobre o Hip-Hop no Brasil, seus agentes que potencializaram esse movimento, sua relação com as questões sociais e a importância para a vida de milhões de pessoas.
Do ponto de vista periférico, o Hip-Hop é uma arma usada para condenar e transparecer o dia-a-dia das comunidades, cercadas de problemas como racismo, crime, preconceitos e violência. Sendo assim, realizamos esse trabalho com esse mesmo intuito, ressaltar a importância de todos aqueles que, usufruindo do Hip-Hop, interferiram no presente afim de mudar o futuro.
ABSTRACT
Keywords, Mots-clès e Palabras clave: Tradução das palavras-chave.
Our TCC was inspired by the idea of how the Hip-Hop movement influenced the city of São Paulo in the 90’s in social, structural and cultural ways.
When we talk about hip-hop, there are open a lot of ways . The art created and rooted in the outskirts allows us to understand a reality that is hidden from the rest of the population.
The TCC starts with the origins of Hip-Hop, in the Bronx one of the 5 New
York boroughs. It extended to the discussion about the movement in Brazil and the
figures that potencialized Hip-Hop, social questions, and the importance that it has to
millions of people.
From the outskirts point of view, hip-hop is a weapon used to condemn and show the day to day of the hood, with a lot of problems such as racism, crime, discrimination and violence. And to conclude, we searched about this topic for the same reason, to emphasize the importance of the movement in changing the present to have a better future.
Sumário
1 INTRODUÇÃO ... 5
2.1 HISTÓRIA DO HIPHOP ... 7
2.1.2 HIP-HOP NO BRASIL ... 8
2.2 HIP-HOP COMO FERRAMENTA DE ACENSÃO SOCIAL...14
2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICO PAULISTANA ....17
3 CONCLUSÃO...20
1 INTRODUÇÃO
Embora popularmente conhecido mais como um gênero musical e de dança, a forte ligação do Hip-Hop com “as principais manifestações desse movimento” (FOCHI, 2007, p. 61), amplifica sua dimensão através da conexão com o grafite e moda;
tornando-se - para além de uma forma de expressão artística - uma cultura presente sobretudo nas grandes cidades. São Paulo é um desses redutos.
O movimento chegou ao Brasil por meio dos seus pilares - dança, grafite e rap - e dois espaços foram emblemáticos em sua história, o Largo de São Bento (no centro de São Paulo), e a região do Brás. Nesses espaços, o encontro de pessoas interessadas nessas formas de manifestação era intenso, e a música foi assumindo papel de ponta de lança do movimento. Nesse sentido, FOCHI (2007, p.63) reafirma a importância do rap na difusão do hip hop no Brasil, “tanto pelo conteúdo das letras, que dão sentido à sua causa, como pelo impulso modista que provocou.”
A vertente do Hip-Hop que mais ajudou na disseminação dessa cultura foi capitaneada pelo grupo Racionais MC’s, com seu álbum “Sobrevivendo no Inferno”, lançado em 1997. O disco vendeu mais de 1 milhão de cópias, comprovando a dimensão e relevância atingida pelo movimento Hip-Hop no final da década de 1990.O grupo Racionais MC’s tem grande importância na difusão da cultura Hip-Hop no Brasil, pois suas letras e seus posicionamentos expuseram contextos periféricos e problemáticas sociais diversas, mostrando como preconceito, violência e exclusão social pontuaram o desenvolvimento do Hip-Hop, seja em São Paulo, Nova York ou outros lugares. A percepção então é de que há semelhanças temáticas, mesmo que em canções de grupos de países diferentes.
O sucesso dos Racionais MC’s foi além, demonstrando que a produção cultural
das periferias poderia dar voz e vez aos jovens marginalizados e distantes dos círculos
culturais elitizados. Atualmente, a obra foi colocada como leitura obrigatória em um
dos principais vestibulares brasileiros, o da Universidade de Campinas (Unicamp), e
transformada em livro editado por uma grande editora, a Companhia das Letra. Essas situações confirmam a importância do grupo no cenário do rap brasileiro.
A influência do grupo Racionais MC’s é, segundo Acauan Silvério de Oliveira, essencial à compreensão do cenário social brasileiro:
A atuação do grupo foi decisiva para fazer do rap muito mais que uma simples representação da periferia. Sua radicalidade e seu senso de “missão” (afinal,
"rap é compromisso”, já dizia Sabotage) ajudaram a desenvolver um espaço discursivo em que os cidadãos periféricos puderam se apropriar de sua própria imagem, construindo para si uma voz que, no limite, mudaria a forma de enxergar e vivenciar a pobreza no Brasil Norte (RACIONAIS MC’S, 2018, p.
20).
Todos esses temas têm estreita ligação com a situação da cidade de São Paulo entre 1980 e 1990, que viveu grande processo de favelização da metrópole. Segundo (MENDES,2014, p.315), o total de habitantes entre a população saltou de 1,1% em 1973 para 19,1% 20 anos depois. Esses dados mostram como, em um curto período de tempo, a situação econômica e a ausência de planejamento urbano efetivo deixaram milhares de pessoas à mercê dos inúmeros problemas e riscos envolvidos na ocupação irregular de áreas no entorno da cidade.
Nesse âmbito, a temática desse trabalho será desenvolvida a partir da compreensão do contexto da cena do Hip-Hop na década de 1990 na Grande São Paulo, analisando a chegada desse movimento, sua assimilação pela periferia de São Paulo em suas mais diversas formas, sua transformação nas mãos dos artistas locais e sua crescente popularidade, dando voz e forma a sentimentos que foram continuamente calados pela pobreza e exclusão. A percepção da cidade - com suas periferias e seus problemas - como ambiente de segregação social, foi mais um incentivo para o surgimento do movimento Hip-Hop, sendo esse um aspecto importante a ser analisado. Por essa razão, tal manifestação artística será vista a partir de sua localização como marca importante da população periférica, em especial dos afrodescendentes, bem como o alinhamento com matrizes políticas progressivas e frequentes em posicionamentos à esquerda.
Essa conjunção de fatores, sem ignorar o apelo estético que o Hip-Hop exercia
sobre os jovens suburbanos, formou um ambiente perfeito para gestar um novo
capítulo do movimento, justamente o que projetaria essa cultura para fora das
periferias e direto para o mainstream, algo como “corrente principal”, ou seja, um estilo
ou movimento dominante. Isso significa sua ampla penetração e exposição
junto à maioria da população, dominando os espaços da mídia, publicidade e negócios.
A criação de uma nova – e mais potente – cena, causou uma expansão das manifestações derivadas da cultura Hip-Hop brasileira. Para além da dança, do grafite e do rap, a crescente visibilidade do Hip-Hop causada pelo impacto dos artistas surgidos em São Paulo na década de 1990, influenciou a moda, a produção cinematográfica e televisiva, promovendo ainda uma aproximação com artistas consagrados, das mais variadas vertentes e formações, que levou a cultura e realidade da periferia paulistana para as plateias mais inusitadas.
Por isso, será importante ampliar a investigação do panorama político econômico e sociocultural da cidade de São Paulo na década de 1990, buscando identificar sua conexão com as mudanças ocorridas na cena Hip-Hop do período e, finalmente, como essas mudanças se projetaram para fora dos limites da periferia paulistana.
2.1 HISTÓRIA DO HIPHOP
O movimento artístico do Hip-Hop, segundo (FOCHI 2007 p 61), teve origem nos Estados Unidos, especificamente em bairros periféricos da cidade de Nova York na década de 1970. Essas regiões eram assoladas por diversos problemas sociais, como pobreza, violência, lapso de moradia e tráfico de drogas. O movimento Hip-Hop desponta em meio a esses cenários de incertezas e problemas sociais, criando uma alternativa ao ciclo de violência que assolava a região do Bronx. No lugar de gangues, foram formados grupos de rap, break dance e grafite, manifestações artísticas cuja gênese está inegavelmente vinculada a esse cenário e às ideias sociais, políticas e estéticas que fervilhavam nesse ambiente; passando a compor os pilares do que se tornaria uma verdadeira cultura, que sempre caminhou junto à situação socioeconômica dos locais em que se desenvolveu, de São Paulo a Nova York.
Além de estratégia para atrair os jovens e conter disputas violência entre as gangues, a música, dança e arte do Hip-Hop, funcionam como elementos de promoção da cultura. Para fazer as letras, inventar novos passos de dança e expressões artísticas, é preciso conhecer a realidade, conhecer história, estar engajado. Dessa forma, promove-se a conscientização e a inserção social dos indivíduos - ou pelo menos, inserção e conscientização quanto à dura realidade que se encontram. (FOCHI 2007 p 623)
Então, o movimento atraca no Brasil, um país com uma realidade muito parecida com a realidade estadunidense: grande desigualdade socioeconômica e racismo.
Esses problemas acompanham os dois países há séculos, desencadeando problemas como a falta de uma identidade cultural para jovens negros, e desvalorização de modelos culturais periféricos. A cidade que abraçou mais fortemente o movimento Hip- Hop no Brasil nesse momento é São Paulo. Uma das maiores cidades da América Latina, marcada por problemas socioeconômicos e fortes desigualdades em suas regiões periféricas, que sofrem com problemas estruturais, na educação, saúde, saneamento básico e opções de lazer para os jovens. Essa situação assemelha-se à de Nova York, o local de nascimento do Hip-Hop. A mensagem transmitida pelo rap, que assumiu seu papel de porta-voz das ideias do movimento, foi desde logo sentida:
Ao realizar nossa pesquisa, para além da descoberta do papel político desempenhado pelos bailes black, chamou-me a atenção o fato de que ao serem indagados se conheciam o Movimento Negro (MN), oitenta por cento dos entrevistados afirmou que sim. Solicitou-se aos que responderam positivamente que citassem nomes de entidades negras. Quase todos os nomes mencionados foram os de grupos ligados ao Hip-Hop, como: Racionais MC´s; Posse; Jabaquara Breakers; Sampa Crew; Câmbio Negro e facção Central (FELIX 2005 p 21).
Como detalhará a seguir, a transcrição evidencia a influência que o movimento teve em jovens negros, periféricos e carentes de uma identidade. Fica claro que a chegada desse gênero musical trouxe voz para muitos moradores de periferia, fazendo com que muitos conseguissem expressar sua posição, e verbalizar sua revolta com uma realidade repleta de injustiças e preconceitos.
2.1.2 HIP-HOP NO BRASIL
Muitos grupos foram se desenvolvendo a partir da chegada do movimento no
Brasil, e em grande parte eram formados por indivíduos que seguiam o perfil
estadunidense, com uma identidade racial marcando suas composições musicais. O
rap, como manifestação musical da cultura Hip-Hop, se tornou mundialmente
conhecido pela maneira própria de sobrepor seu mais forte elemento – a poética,
muitas vezes improvisada e altamente conectada com suas origens periféricas - às
batidas inspiradas (ou mesmo coletadas através de recurso tecnlogicos) nos clássicos
da música negra. A própria etimologia da palavra, originária do acrônimo formado pela
expressão “Rhythm and Poetry” (“Ritmo e Poesia”), pode ter sido precedida pelo próprio termo ‘rap’, presente na língua inglesa desde o século XVI, e que entre seus vários significados, pode ser entendido com “dar o recado” ou “contar seu conto”.
O grupo que inicialmente teve maior sucesso foi o Racionais MC´s, principal grupo de rap do Brasil. O grupo obteve grande sucesso, não apenas pelos beats excepcionais de KL Jay, mas também pelas letras expondo a realidade da cidade de São Paulo, a ainda temas universais aos afrodescendentes como racismo e desigualdade, através de uma poética muito particular:
https://bit.ly/3nR9z5e
Os quatro rapazes integrantes do grupo – Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edy Rock –, apesar das 500 mil cópias vendidas do último CD, Sobrevivendo no inferno, recusam qualquer postura de pop-star. Para eles, a questão do reconhecimento e da inclusão não se resolve através da ascensão oferecida pela lógica do mercado, segundo a qual dois ou três indivíduos excepcionais são tolerados por seu talento e podem mesmo se destacar de sua origem miserável, ser investidos narcisicamente pelo star system e se oferecer como objetos de adoração. (Kehl 1999, p 96)
A transcrição evidencia como o rap é muito mais que música no em nosso país,
além de mostrar que o objetivo não era foi apenas dinheiro ou ascenção social. Era
algo que transcendia o alcance imediato da música, adentrando em aspectos
socioeconômicos e raciais do nosso Estado. Outrossim, demonstravam intenção de
não ceder a indústria do entretenimento, considerando que a adulação à sua volta era
resultado de seu destaque e fama, e não a aceitação do movimento como parte da música brasileira. Um trecho da música (NEGRO DRAMA 2002) do grupo comprova essa percepção e posicionamento:
Aí, o rap fez eu ser o que sou
Ice Blue, Edy Rock e KL Jay e toda a família
E toda geração que faz o rap
A geração que revolucionou, a geração que vai revolucionar Anos 90, Século 21, é desse jeito
Aê, você sai do gueto, mas o gueto nunca sai de você, morou irmão?
Cê tá dirigindo um carro
O mundo todo tá de olho em você, morou?
Sabe por quê? Pela sua origem, morou irmão?
É desse jeito que você vive, é o negro drama
Eu não li, eu não assisti
Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama Eu sou o fruto do negro drama.(NEGRO DRAMA 2002)
Esse trecho reforça uma ideia de conexão com suas origens, que jamais podem ser esquecidas, já que a própria sociedade não os permite esquecer. Além disso, consagra a visão de que mudança é um processo que demanda tempo e esforço, por isso devem evitar as armadilhas da fama para se manterem fiéis `a mensagem original do grupo.
O grupo utiliza a “agressividade” e uma ótima lírica para conseguir retratar a realidade em que viviam de forma direta e impactante. Através do seu estilo próprio, e da qualidade superlativa de sua produção, conseguiram se transformar no mais importante grupo de Hip-Hop do Brasil, percepção que só foi reforçada com o lançamento do que é hoje considerando um dos maiores álbuns da história da música brasileira, “Sobrevivendo no Inferno” (1997).
A esteira de sucesso dos Racionais Mc’s permitiu ainda a ascenção de outros
artistas ligados ao movimento às grandes platéias, caso de Mauro Mateus dos Santos,
conhecido como Sabotage. O músico nascido na Favela do Canão, zona sul de São
Paulo, encontrou no rap a saída da sua vida de assaltante e gerente de tráfico. Suas
músicas eram conhecidas por denunciar e expor a vida do crime, as poucas escolhas
que crianças e jovens periféricos tem, e citava com muito orgulho a Favela do Canão,
onde o rapper cresceu e viveu até os 27 anos de sua vida. Infelizmente, Sabotage foi
assassinado aos 29 anos de idade por Sirlei Menezes da Silva, que afirmava que a morte tinha sido determinada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Portanto, a sua vida pregressa pode te-lo perseguido até depois do reconhecimento e fama, comprovando o alcance da violência a que os jovens periféricos estão expostos..
Sabotage teve uma infância difícil, como é comum aos jovens nascidos em iguais condições. Teve contato com seu pai apenas aos 15 anos, já que ele maltratava sua mãe, tinha problemas relacionado ao alcoolismo e abandonou-a ainda grávida.
Na ausência da figura paterna, Mauro nutriu um profundo respeito por seu irmão mais velho Sérgio Mateus dos Santos, enxergando nele a figura paterna que não teve.
Devido a situação financeira de sua família, Sabotage teve que começar a trabalhar muito novo, assumindo responsabilidades da vida adulta e perdendo parte de sua infância. Além dos problemas socioeconômicos que o cercavam, o artista sofreu com problemas de saúde, diagnosticado com uma disfunção genética logo quando era pequeno, denominada como anemia falciforme. Essa condição hereditária é tipificada pela alteração dos glóbulos vermelhos no sangue, fazendo-os ter uma aparência de foice, por isso o nome "falciforme”. A doença gera ao indivíduo uma feição frágil e esquelética.
https://glo.bo/3EzIslZ
Em certo momento de sua vida, quando sua esposa Maria Dalva da Rocha Viana engravidou, o casal entrou numa situação financeira ainda mais delicada.
Sabotage já não conseguia suprir as necessidades de sua família com seu salário convencional. Foi nessa situação que o jovem ingressou no crime, assaltando e traficando. Durante esse período difícil, Sabotage escrevia tudo que ele estava passando, acompanhado do sonho de conseguir se sustentar através do Hip-Hop.
Como mostra o trecho de sua biografia;
Eu tava (sic) sempre ali, no meio do movimento, fazendo minhas músicas, se escondendo dos homens, fugindo da polícia, se fodendo, indo pra Febem (...), mas eu sempre tive o intuito de que um dia eu ia viver de música. Até falei isso pra minha mãe. Eu me lembro das tantas vezes em que falei isso pra ela... Eu dizia que um dia eu iria chegar em casa com dinheiro e ia falar assim: mãe esse dinheiro eu ganhei porque eu cantei (TONI, 2013, p. 51).
Decidido a abandonar definitivamente a vida de criminoso, Sabotage lançou seu primeiro e único álbum, intitulado “Rap é Compromisso” (2000). O disco contou com a participação de grandes nomes como Chorão, Negra Li, Black Alien, Sandrão RZO, entre outros; o que já demonstrava sua reputação no movimento. Mais de 1.700.000 cópias foram vendidas, sendo o disco certificado como Diamante triplo pela Associação Brasileira dos Produtores de Disco (atual Pro-Música); o que trouxe ainda mais exposição e reconhecimento popular ao rap nacional.
O sucesso de Sabotage se projetou para além da música, chegando até as telas. Como ator, Mauro Mateus atuou no filme “O Invasor”, de 2002, e o premiado
“Carandiru”, produção nacional de 2003 que se tornou um sucesso mundial. Além das atuações, o artista ganhou 2 Prêmios Hutuz em 2002, nas categorias Revelação e Personalidade do Ano. Logo após receber diversas premiações o rapper incentivou e influenciou diversos artistas a se inserirem na cultura do Hip-Hop.
Percorrendo a trajetória de apenas dois expoentes do movimento, já é possível
traçar a enorme dimensão e alcance que o Hip-Hop alcançou. Eles foram
fundamentais ao movimento, entretanto, outros milhares de artistas contribuíram ao
movimento de sua própria forma conseguindo aumentar ainda mais o alcance. Todos
foram igualmente importantes na propagação e passar sua mensagem através de versos e beats, grafites e break dance mostrando que a periferia também pode ter voz.
2.2 HIP-HOP COMO FERRAMENTA DE ASCENSÃO SOCIAL
Com certeza, a situação socioeconômica que a cidade de São Paulo estava, auxiliou, e muito, para que o Hip-Hop se tornasse o que ele é hoje. Já que a classe marginalizada estava se sentindo cada vez mais excluída do país, o Hip-Hop apareceu para ajuda-los a voltar a se incluir na nação e, dessa forma, influenciando em diversas áreas da sociedade.
De certo, o Hip-Hop em sua formação e desenvolvimento teve papel importante frente aos inúmeros problemas, como racismo, violência, pobreza, tráfico de drogas, entre outros. Que infestavam os subúrbios de Nova York. Diante disso, o rap nasceu de ações para barrar conflitos entre gangues, como uma alternativa na vida de milhares de jovens periféricos dos anos 70. Trocando as brigas por danças, e a bala pela arte, os jovens novaiorquinos começaram a se aproximar de grupos de Hip-Hop, ex-gangues que se transforaram em conjuntos de dança e grafite. O mais famoso, e mais importante grupo a realizar essa mudança e acolher centenas de negros, latino- americanos e afrodescendentes africanos foi a Universal Zulu Nation, cujo líder era o DJ Afrika Bambaataa, considerado o fundador oficial do Hip-Hop. Segundo ele:
“Este é o conjunto Bronx River Houses, o berço do hip-hop e o lar de Deus. Uma pequena Vietnã, que era tão perigosa que nem a polícia entrava.
Havia muita violência entre gangues, o que gerou uma conscientização social.
Foi por isso que fundamos a Zulu Nation. Tentamos transformar a afiliação às gangues em algo positivo. Começamos a organizar as pessoas na rua, os grupos de dança, os b-boys e as b-girls, os rappers e os grafiteiros para criar esta cultura.” (Pimentel, 1998, p. 34)
https://bit.ly/2ZA9LO0
Nessa mesma linha de raciocínio, a fórmula que o rap encontrou para seduzir jovens e reduzir a competição, e violência, entre gangues foram: a dança, arte e música; o que eram usados como elementos de promoção e divulgação do Hip-Hop. De acordo com que conclui Pimentel (1998, p.15) em uma das reportagens da edição especial da Caros Amigos:
É dessa maneira que a conscientização do hip hop acontece. A arte e suas possibilidades são uma espécie de doce, ganho quando certas lições são aprendidas. No rap. Por exemplo, ganha prestígio quem tem uma poesia mais elaborada. Como para fazer uma boa letra é preciso estudar história, compreender a situação, a realidade e, mais importante, inventar maneiras de expressar tudo isso com as palavras, o processo de educação não acontece mais como uma obrigação vazia, passa a ter sentido. (Pimentel, 1998, p. 15)
Não só nos bairros de Nova York acontecia isso, aqui no Brasil quem teve o mesmo papel que Afrika Bambaataa na luta contra os problemas que acontece na periferia foram, em grande parte, os Racionais MC’si Influenciando positivamente a vida de muitos jovens, o rap cresceu cada vez mais. Tendo em vista seus pilares; o rap, o DJing, breakdance e o grafitti, o Hip-Hop foi, e vai muito além do que “só” uma arte sociocultural. No auge de sua disseminação e admiração, a arte do rap influenciou muito nas indústrias cinematográficas, mídia e, principalmente, na moda.
Na fronteira entre movimento social e tribo urbana, o Hip-Hop fundiu esses dois
conceitos em um só, onde havia a reunião de pessoas, ação coletiva que defendem
um ideal, propósito ou causa. Movimentos sociais tem em sua essência o contraste à ordem vigente, a contraposição à alguma norma, cultura, costume ou lei que resulte, ou venha a formar uma situação indesejável.
Para Goss & Prudêncio (2004, p.80):
“os movimentos sociais contemporâneos não estão a serviço de nenhum modelo de sociedade perfeita, mas lutam pela democratização das relações sociais”. Segundo estas autoras, a construção do indivíduo como ator só existe como movimento social com contestação da lógica da ordem. /.../ “os movimentos sociais tematizam questões que antes ficavam restritas à esfera privada, como as questões de gênero, de orientação sexual, étnicas, enfim, às diferenças que querem ver significadas” (Goss & Prudêncio 2004, p.80)
Seguindo essa linha tênue, o conceito de tribos urbanas, segundo a teoria do sociólogo Michel Maffesoli, pode ser classificado em grupos de pessoas que se unem com base em interesses comuns, hábitos, ideias similares e, em foco, maneira de se vestir e gosto musical semelhante. Nesse pensamento, o primeiro fator que distingue um grupo de outro é sua estética, forma que essas pessoas se apresentam e trajes.
Resumidamente, suas vestimentas e a maneira que se portam em público. Desse jeito, o Hip-Hop adotou e ditou a moda de seus admiradores, onde seus trajes eram largos, cabelos acertados em cortes afrodescendentes, seus tênis singulares e seus pescoços destacados com grandes cordões de prata e ouro.
https://bit.ly/3bjInX2
2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA PAULISTANA
Sem conhecer a situação socioeconômica que a cidade de São Paulo passava, não seria possível explicar completamente como o hip-hop ascendeu na nossa cidade.
Durante a década de 80, a vida da população mais vulnerável só fes piorar. Com a crise econômica, que trouxe desemprego e pobreza, veio a reboque o aumento da população de periferia.
Mesmo que isso não faça muito sentido inicialmente, o ainda incipiente investimento em infraestrutura na periferia acabou se tornando outro problema para essa população, vez que muitas dessas áreas fossem incluídas no mercado imobiliário formal. Isso encareceu sobremaneira os lotes e, para uma população já empobrecida, significou relocação para locais ainda mais precários; deixando para traz as poucas conquistas urbanísticas.
Um dado da Secretaria de Habitação de São Paulo evidencia como isso ocorreu de forma abrupta: em 1973 apenas 1,1% da população paulistana morava em favelas, e em 1993 esse número já havia crescido para 19,1%. Além disso, segundo Taschner e Bógus (2001), 62% do acréscimo da população de favela em São Paulo se deu no “anel periférico”, próximo de conjuntos habitacionais populares públicos ou em loteamentos irregulares.
O contexto do mercado de trabalho também explica o aumento da pobreza e
moradias irregulares em São Paulo. O índice de desemprego aumentou muito entre o
inicio e o final da década – segundo a secretária municipal do planejamento, subiu de
9% em 1991 para 17% em 1998; enquanto o número de trabalhadores na
informalidade passou de 15,8% para 20,8%.
https://www.scielo.br/j/ea/a/wDP8D3wnSqBPVgB4TfVfPxJ/?lang=pt
O gráfico reforça como houve um aumento acentuado no desemprego na cidade na cidade de São Paulo durante esse período, além do aumento do trabalho precário na maior metrópole e cidade mais rica do Brasil.
Isso se envolve diretamente com o movimento Hip-Hop já que KL JAY e Mano Brown eram office boys antes do sucesso e mostram como jovens de periferia que viviam nesse contexto muitas vezes precisavam ir ao mercado informal para terem uma renda.
A história dos Racionais tem relação direta com essa realidade.
Durante o período em questão, quando lançam seu primeiro disco, em 90, os Racionais têm 18 (Brown e Blue) e 20 anos (Rock e KL Jay), fcando claro, assim, como o período de nascimento e apogeu dos Racionais tem relação estreita com uma crise social aguda no Brasil, que colocou, não só membros do grupo, mas significativos segmentos da juventude da periferia em situação precária no que se refere ao emprego e a suas perspectivas econômicas.
(MENDES, 2014, p. 10)
Com isso tudo, podemos concluir que a juventude da periferia de São Paulo se viu de mão atadas na busca de um emprego digno e um futuro. Isso fez com que muitos tivessem trabalhos precários e sem direitos trabalhistas afetando negativamente a vida de todos jovens periféricos e uma vida que já era precária se tornou ainda pior. Isso ocorreu paralelamente com a ascensão do Hip-Hop em São Paulo e demonstra como o contexto social influenciou totalmente a crescente do movimento.
Apresentando dados do SEADE, Silva (1998) atenta para o fato de que especialmente para os segmentos entre 15 e 17 anos e 16 e 24 anos, as possibilidades de inserção no mercado de trabalho reduziram-se drasticamente durante esse novo momento da economia brasileira. No segundo trimestre de 1998, por exemplo, o desemprego entre jovens de 15 e 17 anos atingiu 48%
da força de trabalho juvenil. Para a faixa dos 16 a 24 anos, o final dos anos 90 significou também um dramático momento em que o índice de desemprego alcançou de 23% a 26% - dobrando em relação ao final dos 80 (Silva, 1998).
(MENDES, 2014, P. 10)
Além do contexto de desemprego e pobreza, a segregação proporcionada pela
geografia da cidade de São Paulo que, a partir da década de 90 começou a existir um
padrão urbanístico diferente, sendo esse a existência de condomínios de luxo
altamente fortificados e regiões pobres lado a lado. Isso escancarou ainda mais a
desigualdade da cidade e trouxe ainda mais revolta a população periférica.
A grande novidade desta nova paisagem é o que Caldeira (1997) chama de “enclaves fortificados”, que são “espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer ou trabalho” (Idem) das elites. Por conta especialmente da violência urbana que atinge grandes metrópoles (o trabalho de Cadeira cita, além de São Paulo, a cidade de Los Angeles – curiosamente um centro relevante dentro da cena de rap no Estados Unidos, especialmente na sua vertente mais ligada à violência das gangues: o estilo gangsta), as classes médias e altas começaram a abandonar as áreas centrais, deslocando-se para áreas periféricas, onde construíram condomínios residenciais, shoppings centers e centros comerciais. (MENDES, 2014, p 12)