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Alteridade em diálogos no processo de desenvolvimento de software : análise de conversas entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da

Informação

ALTERIDADE EM DIÁLOGOS NO PROCESSO DE

DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE: ANÁLISE DE

CONVERSAS ENTRE GESTORES DE NEGÓCIO E

ENGENHEIROS DE REQUISITOS

Autor: Valéria Sateles do Prado

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pires de Campos

Coorientador: Prof. Dr. Ricardo Spindola Mariz

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VALÉRIA SATELES DO PRADO

ALTERIDADE EM DIÁLOGOS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE: ANÁLISE DE CONVERSAS ENTRE GESTORES DE NEGÓCIOS E

ENGENHEIROS DE REQUISITOS

Dissertação apresentada ao programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do título de Mestre em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pires de Campos

Coorientador: Prof. Dr. Ricardo Spindola Mariz

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7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

P896a Prado, Valéria Sateles do.

Alteridade em diálogos no processo de desenvolvimento de software: análise de conversas entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos. / Valéria Sateles do Prado – 2014.

99 f.; il.: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Prof. Dr. Rodrigo Pires de Campos

Coorientação: Prof. Dr. Ricardo Spindola Mariz

1. Gestão do conhecimento. 2. Tecnologia da informação. 3. Engenharia de software. 4. Software – desenvolvimento. 5. Diálogo. 6. Engenharia de requisitos. I. Campos, Rodrigo Pires de, orient. II. Mariz, Ricardo Spindola, coorient. III. Título.

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AGRADECIMENTO

À minha mãe, pelo amor e apoio incondicional.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Rodrigo Pires de Campos, pela paciência e sabedoria com que me conduziu neste processo.

Ao meu coorientador, Prof. Dr. Ricardo Spindola Mariz, pela grande contribuição, principalmente, na leitura e interpretação de Bakhtin.

Ao Prof. Dr. Gentil José de Lucena Filho, responsável pelo meu ingresso no mestrado, pelas aulas e pelas conversas que me instigaram a aprender cada vez mais, por sua grandeza pessoal e profissional.

Aos colegas de curso, pelo companheirismo, apoio e incentivo nos momentos de dificuldades.

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A verdadeira viagem de descoberta não consiste em ver novas paisagens, mas em ter novos olhos.

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RESUMO

PRADO, Valéria Sateles do. Alteridade em diálogos no processo de desenvolvimento de software: análise de conversas entre gestores de negócios e engenheiros de requisitos. 2014. 99 f. Dissertação (Mestrado em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

É consenso de vários autores que abordam a Engenharia de Software que a atividade de Engenharia de Requisitos é a atividade mais crítica e mais problemática do processo de desenvolvimento de softwares. Isso porque, na maioria dos casos, há uma falta de entendimento recorrente no processo de comunicação nessa atividade. No entanto, apesar de inúmeros estudos sobre o desenvolvimento de software, ainda são raros os estudos nessa área que exploram o tema diálogo. Este estudo visa investigar a alteridade no processo dialógico entre gestores de negócios e engenheiros de requisitos. Parte-se do pressuposto de que a capacidade de “colocar-se no lugar do outro” é fator primordial para o entendimento mútuo em qualquer área de atividade humana e, consequentemente, na Engenharia de Requisitos. O estudo busca observar, pelas inúmeras formas de expressão linguística, indícios ou evidências de alteridade em conversas na Engenharia de Requisitos que carreguem o potencial de promover o entendimento mútuo entre as partes envolvidas. A pesquisa consiste na análise de diálogos entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos, sob a ótica de Bakhtin. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e empírica, baseada em Análise da Conversação. Como resultado foi identificado, por meio de alguns indícios, que a alteridade é estabelecida na atividade de engenharia de requisitos na medida em que se estabelece uma relação de interdependência entre os participantes do diálogo. Finalizando, são apresentados alguns pressupostos para diálogos entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos, com o intuito de facilitar a compreensão entre os participantes do diálogo na atividade de engenharia de requisitos.

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ABSTRACT

It is consensus of several authors that address Software Engineering that the activity of Requirements Engineering is the most critical and more problematic activity in the software development process. That's because, in most cases, there is a recurrent lack of understanding in the communication process in this activity. However, despite numerous studies on software development there are few studies in this area that explore the theme dialog. This study aims to investigate the otherness in the dialogic process between business managers and requirements engineers. It is based on the assumption that the ability to "put yourself in another's place" is a key factor for mutual understanding in any area of human activity and, consequently, in Requirements Engineering. The study aims to observe, by the numerous forms of linguistic expression, signs or evidence of otherness in conversations of Requirements Engineering that carry the potential to promote mutual understanding between the parties involved. The research consists in the analysis of dialogues between business managers and requirements engineers, from the perspective of Bakhtin. This is a qualitative and empirical research, based on Conversation Analysis. As a result it was identified that otherness is established in the activity of Requirements Engineering so far as it establishes a relationship of interdependence between the participants in the dialogue. Finally, strategies of dialogues between business managers and requirements engineers are presented, in order to facilitate understanding between dialogue participants in the activity of Requirements Engineering.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

1.1.CONTEXTUALIZAÇÃO ... 12

1.2.OBJETIVOS ... 21

1.2.1. Objetivo Geral ... 21

1.2.2. Objetivos Específicos ... 21

1.3.ESTRUTURA DO TRABALHO ... 21

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 23

2.1.DIÁLOGO EM BAKHTIN ... 23

2.2.DIÁLOGO NAS ORGANIZAÇÕES ... 37

2.2.1. Conceitos ... 39

2.2.2. Objetivos do diálogo nas organizações ... 44

2.2.3. Métodos, técnicas e premissas para um diálogo eficaz ... 47

2.2.4. Benefícios ... 55

2.3.DIÁLOGO ENTRE BAKHTIN E OS AUTORES QUE ABORDAM O DIÁLOGO NAS ORGANIZAÇÕES ... 60

3. MÉTODO ... 66

3.1.COLETA DE DADOS ... 66

3.2.ANÁLISE DE DADOS ... 67

4. RESULTADOS E ANÁLISE ... 72

5. PRESSUPOSTOS PARA DIÁLOGOS ENTRE GESTORES DE NEGÓCIO E ENGENHEIROS DE REQUISITOS ... 87

5.1.RECONHECIMENTO E RESPEITO ÀS DIFERENÇAS DE CONTEXTOS SOCIAIS . ... 87

5.2.ABERTURA PARA COMPREENDER A VISÃO DO OUTRO ... 88

5.3.COLOCAR-SE NO LUGAR DO OUTRO E RETORNAR AO SEU EU ... 89

(11)

5.5.PRESENÇA DE UM FACILITADOR QUE MANTENHA O FOCO DAS REUNIÕES ..

... 90

5.6.COMPARTILHAMENTO DE EXPERIÊNCIAS ... 90

6. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES DE TRABALHOS FUTUROS ... 91

REFERÊNCIAS ... 92

(12)

1. INTRODUÇÃO

1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO

Como nos explica Pressman (2011), um software surge sempre para satisfazer a necessidades de negócios, seja para criar um novo produto, serviço ou sistema, seja para corrigir um software já existente.

Assim como qualquer produto que passa por um processo de desenvolvimento em sua fabricação, até atingir seu resultado final, os softwares passam por diversas atividades no seu desenvolvimento, como planejamento, elaboração, construção, testes e implantação.

O desenvolvimento de softwares é sustentado pelo estudo da Engenharia de Software que traz diretrizes para todas as atividades envolvidas no seu processo de desenvolvimento, no intuito de fornecer estruturas de suporte para a construção de softwares com qualidade.

De acordo com Pressman (2011), a Engenharia de Software:

Engloba processos, métodos e ferramentas que possibilitam a construção de sistemas complexos baseados em computador dentro do prazo e com qualidade. O processo de software incorpora cinco atividades estruturais: comunicação, planejamento, modelagem, construção e implantação; e elas se aplicam a todos os projetos de software. (PRESSMAN, 2011, p. 48)

A atividade de comunicação permeia todas as atividades do processo de desenvolvimento de software e abrange, principalmente, a Engenharia de Requisitos (ER).

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A atividade de planejamento “descreve as tarefas técnicas a serem conduzidas, os riscos prováveis, os recursos que serão necessários, os produtos de trabalho a serem produzidos e um cronograma do trabalho”. (PRESSMAN, 2006, p. 19).

A atividade de modelagem inclui a criação de modelos ou esboços que permitem aos envolvidos no processo de desenvolvimento do software ter uma ideia melhor do todo do software que será desenvolvido e quais serão suas principais características. (PRESSMAN, 2011).

A atividade de construção compreende um conjunto de tarefas de geração de códigos e de testes que são necessários para revelar possíveis erros no código do software. (PRESSMAN, 2011).

Na atividade de implantação são realizadas as entregas do software (como uma entidade completa ou como um incremento parcialmente efetivado) ao cliente, que faz avaliações do software recebido. (PRESSMAN, 2011).

Este estudo se concentra na atividade de comunicação, que é realizada por meio da Engenharia de Requisitos.

A ER consiste em um conjunto de tarefas cujo objetivo final é o entendimento da necessidade dos gestores de negócio, para que o software possa ser desenvolvido de maneira correta, de modo a atender as necessidades dos gestores de negócio no processo de descobrir, analisar, documentar e verificar os requisitos do software solicitados pelos gestores. (SOMMERVILLE, 2007, p. 79).

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Por meio de várias reuniões de levantamento de requisitos, os gestores de negócios tentam explicar para os engenheiros de requisitos suas necessidades que devem ser atendidas na entrega do software, como destaca Pressman (2011):

Antes de iniciar qualquer trabalho técnico, é de vital importância comunicar-se e colaborar com o cliente (e outros interessados). A intenção é compreender os objetivos das partes interessadas para com o projeto e fazer o levantamento das necessidades que ajudarão a definir as funções e características do software. (PRESSMAN, 2011, p. 40)

No entanto, a atividade de ER não é simples. Como nos explica Pressman (2011), “entender os requisitos de um problema está entre as tarefas mais difíceis enfrentadas por um engenheiro de software”.

Além da dificuldade de entender os requisitos do software a ser desenvolvido, vários autores apontam uma série de outros problemas que ocorrem durante a atividade de ER. Christel e Kang (apud PRESSMAN, 2011, p. 127) explicam alguns deles:

• Problemas de escopo. Os limites do sistema são definidos de forma precária ou os clientes/usuários especificam detalhes técnicos desnecessários que podem confundir, em vez de esclarecer, os objetivos globais do sistema.

• Problemas de volatilidade. Os requisitos mudam com o tempo. Para ajudar a superar esses problemas, devemos abordar o levantamento de requisitos de forma organizada.

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A figura 1 abaixo faz analogia aos problemas de comunicação enfrentados pela maioria dos projetos de desenvolvimento de software.

Figura 01: Comunicação no processo de desenvolvimento de software

Fonte: Project-Cartoon (2013)

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PRESSMAN, 2011, p. 127) na atividade de levantamento de requisitos: a comunicação.

O primeiro desenho descreve como o cliente explicou o que gostaria que fosse desenvolvido. No entanto, o último desenho que representa o que de fato o cliente precisava, apresenta algo bem diferente do que foi explicado pelo cliente no primeiro desenho. Nos desenhos seguintes é possível perceber os desentendimentos que ocorreram pelos demais participantes do processo de desenvolvimento do software.

Assim como para Pressman (2011), é consenso de vários autores que abordam a Engenharia de Software que a atividade de ER é a atividade mais crítica e mais problemática do processo de desenvolvimento de softwares. (SOMMERVILLE E VILLER, 1999; MICHAEL, 1992; GOTTESDIENER, 2003; BENTO-DEMELLO, 2006; KOTONYA E SOMMERVILLE, 1998; LAUSEN, 2002; YOUNG, 2001; LEFFINGWELL, 2000; TORANZO, 2003; COUGHLAN, LYCETT E MACREDIE, 2003; ARANDA, VIZCAÍNO, PIATTINI, 2010; HERLEA, 1999; CORRÊA, 2007).

Baetjer (1998, p. 85 apud PRESSMAN, 2011, p. 52), faz referência ao diálogo no processo de desenvolvimento de software, afirmando que o desenvolvimento de software envolve um contínuo diálogo entre as partes envolvidas:

Pelo fato de software, como todo capital, ser conhecimento incorporado, e pelo fato de esse conhecimento ser, inicialmente, disperso, tácito, latente e em considerável medida, incompleto, o desenvolvimento de software é um processo de aprendizado social. Esse processo é um diálogo no qual o conhecimento, que deverá tornar-se o software, é coletado, reunido e incorporado ao software. Tal processo possibilita a interação entre usuários e projetistas, entre usuários e ferramentas em evolução e entre projetistas e ferramentas em evolução (tecnologia). Trata-se de um processo iterativo no qual a própria ferramenta em evolução serve como meio de comunicação, com cada nova rodada do diálogo extraindo mais conhecimento útil das pessoas envolvidas. (BAETJER, 1998, p. 85 apud PRESSMAN, 2011, p.

52)

(17)

desenvolvimento do software que a atividade de ER é realizada, possibilitando a interação e compreensão dos objetivos a serem alcançados pelo software a ser desenvolvido.

Beyer e Holtzblatt (1995), afirmam que as definições dos requisitos levantados no processo de desenvolvimento do software acontecem por meio de indivíduos que dialogam de maneira eficaz com os outros indivíduos. Tanto gestores quanto engenheiros de requisitos devem apoiar-se no diálogo, já que não fazem parte de uma rotina de trabalho comum.

O fato de não fazerem parte de uma rotina comum, e por possuírem diferenciadas visões, interesses e necessidades é, na visão de Gottesdiener (2003), a principal causa da maioria das dificuldades ocorridas na atividade de levantamento de requisitos, pois, para os gestores de negócio que têm a tarefa de expor as necessidades a serem atendidas pelo software, sua visão é muito clara, e não necessita de maiores explicações.

Complementando este entendimento, Beyer e Holtzblatt (1995) explicam que o primeiro problema para os engenheiros de requisitos é compreender as necessidades, os desejos e a abordagem do trabalho dos gestores, pois, na maioria dos casos, o trabalho tornou-se tão habitual para as pessoas que o fazem, que muitas vezes elas têm dificuldade em articular-se e explicar o que elas fazem e por que fazem determinada atividade.

No entanto, apesar de inúmeros estudos sobre o desenvolvimento de software, ainda são raros os estudos nessa área que exploram o tema diálogo. Peres (2007) é um desses raros estudos. Sua pesquisa surgiu após seu trabalho de mestrado, em que, depois de analisar os diálogos de crianças ao usarem um software educativo, concluiu que o software participava dos diálogos, na medida em que o software também participava da interação face a face, através dos feedbacks e das sugestões apresentadas na interface.

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as vozes desses outros são abreviadas em um único objeto? E como este único objeto entra no discurso do usuário final?” (PERES, 2007, p. 16).

Assim, a pesquisa de doutorado de Peres teve como principal interesse a compreensão das atividades de usuários e desenvolvedores no processo de desenvolvimento de software, além do entendimento sobre a construção das ações em cada uma dessas atividades, que permitem aos sujeitos (desenvolvedores e usuários) construírem-se, uns aos outros, nas diferentes condições em que atuam. (PERES, 2007, p. 17).

Argumentando que a perspectiva de sujeito entende a subjetividade pela condição de alteridade que lhe é constituinte, a tese de Peres (2007) teve como objetivos investigar a construção das ações relacionadas à atividade de desenvolvimento de softwares e o papel do usuário (um outro social), e explorar a construção das ações específicas relacionadas à atividade de uso de softwares e o papel do desenvolvedor (um outro social).

Em seu trabalho, Peres (2007) resgatou em Bakhtin o conceito de autoria, propondo “uma nova metáfora para os estudos sobre IHC (Interação Humano-Computador) acerca dos processos de desenvolvimento de software: o dialogismo”. (PERES, 2007, p. 6).

Ao final de seu estudo, Peres (2007), conclui que deve ser menor a distância que separa desenvolvedores e usuários:

Defendemos algumas implicações básicas advindas do dialogismo para as fábricas de software. Por exemplo, apontamos para a necessidade de engajamento mútuo entre as práticas de desenvolvedores e usuários finais. Especificamos um caminho para este engajamento focalizado concretamente na noção de alteridade. Finalmente, evidenciamos características particulares da configuração dialógica inerentes ao processo, o que nos permitiu pensar como computadores podem tornar-se mais efetivamente “responsivos” às ações humanas. (PERES, 2007, p. 6).

(19)

Além da abordagem de diálogo por Bakhtin destacada em Peres (2007), estudos organizacionais, sobretudo dos anos 1990 e 2000, exploram potencialidades do diálogo em organizações. Tais estudos são de interesse para o presente estudo em razão, sobretudo, de sua instrumentalização, isto é, o desenvolvimento de princípios e técnicas passíveis de aplicação em diferentes realidades organizacionais. Dentro dessa linha, e aparentemente convergente com Bakhtin, Isaacs (1999) explica que, no diálogo, colocando-se no lugar do outro, os indivíduos aprendem a perceber como os outros estão pensando e sentindo sobre determinado assunto.

Ainda de acordo com Isaacs (1999), o diálogo é algo que se faz com as outras pessoas. Ou seja, toda relação de diálogo exige, no mínimo, a participação de dois indivíduos, de forma que sem a presença de outro indivíduo, não é possível a realização do diálogo.

Assim, no diálogo as pessoas devem estar cientes de que não estão sozinhas, e de que os demais participantes do diálogo possuem visões diferenciadas, e que, por isso, as mensagens devem ser elaboradas de acordo com as outras pessoas que participam do diálogo.

Nesse sentido, Bakhtin (1997) explica que no diálogo os indivíduos elaboram seus discursos de acordo com o outro que irá recepcioná-lo, preocupando-se com a mensagem e a imagem que irão passar para os outros indivíduos. Além disso, a existência de cada indivíduo é justificada e determinada em virtude da existência do outro indivíduo.

Essa relação que um indivíduo mantém com o outro no diálogo, Bakhtin chama de Alteridade. A alteridade, explica Bakhtin, é a base para a constituição dos indivíduos como seres sociais, pois, para o autor, um indivíduo não existe sem o outro. (BAKHTIN, 1997).

Oliveira (2007) reforça o conceito de alteridade:

Essa palavra, construída a partir do prefixo latino alter (outro), possui o

(20)

Assim, este trabalho situa-se no âmbito das relações de diálogo mantidas entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos, buscando identificar em que medida a alteridade está presente nestes diálogos.

Como destaca Bokeno (2007), o sucesso do diálogo não é medido pela qualidade do resultado alcançado, mas sim pela capacidade dos participantes do diálogo em entender melhor uns aos outros, e, portanto, ser capaz de pensar e interagir em conjunto.

Segundo especialistas na área de ER, portanto, há uma falta de entendimento recorrente no processo de comunicação nessa área. De fato, é comum encontrar, entre engenheiros de requisitos e gestores de negócio, a opinião de que a especificidade de termos técnicos do desenvolvimento de software dificulta o entendimento mútuo. Essa opinião, porém, carrega o pressuposto de que o entendimento mútuo depende, em primeira e última instância, de palavras extraídas de dicionários técnicos, e não do sentido intersubjetivo extraído do contexto em que atuam gestores de negócios e engenheiros de requisitos. Seria como se o domínio de uma coleção de palavras de cunho técnico pudesse, por si só, garantir entendimento mútuo.

Pelo presente estudo, explora-se a alteridade no processo dialógico entre gestores de negócios e engenheiros de requisitos. Parte-se do pressuposto de que a capacidade de “colocar-se no lugar do outro” é fator primordial para o entendimento mútuo em qualquer área de atividade humana e, consequentemente, na ER. Mais do que o uso adequado de termos técnicos, o estudo busca observar, pelas inúmeras formas de expressão linguística, indícios ou evidências de alteridade em conversas de ER que carreguem o potencial de promover o entendimento mútuo entre as partes envolvidas.

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alteridade no diálogo da atividade de ER. Assim, este trabalho pretende responder a seguinte questão de pesquisa: Como ocorre o diálogo entre engenheiros de requisitos e gestores de negócio na atividade de ER?

1.2. OBJETIVOS

1.2.1. Objetivo Geral

Explorar a dimensão da alteridade no diálogo entre engenheiros de requisitos e gestores de negócio na atividade de ER.

1.2.2. Objetivos Específicos

• Investigar o diálogo existente entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos.

• Apresentar pressupostos para um processo dialógico com potencial de promover a compreensão mútua entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos.

1.3. ESTRUTURA DO TRABALHO

Esta dissertação está organizada em seis capítulos. O primeiro deles é a Introdução. O segundo capítulo apresenta a fundamentação teórica, que inclui o diálogo segundo Bakhtin e o diálogo apresentado pelos autores que estudam o diálogo nas organizações. Além disso, no segundo capítulo apresenta o diálogo entre Bakhtin e os autores que abordam o diálogo nas organizações.

(22)

O quarto capítulo apresenta o resultado da pesquisa, com a análise do objeto de estudo, ou seja, diálogos gravados entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos, analisados a partir das lentes teóricas de Bakhtin através da Análise de Conversação.

No quinto capítulo serão apresentados alguns pressupostos para diálogo entre gestores de negócio e engenheiros de requisitos.

(23)

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Etimologicamente, o termo diálogo, que possui origem grega, é constituído pelo prefixo dia, que significa “através de” e pelo prefixo logos, que quer dizer sentido, significado, palavra, ou ainda significado da palavra.

Desde a época da Grécia Antiga os filósofos já destacavam que o diálogo só se dá com a presença de outros indivíduos. Pessanha (2003) explica que Empédocles, grande filósofo grego, trouxe conceitos importantes a respeito dos diálogos na democracia grega. Para Empédocles são condições indispensáveis para a existência do diálogo: “1º – a consideração do “outro” como outra consciência, como interlocutor, como “alter ego”; 2º – a construção da compreensão humana a partir das experiências comuns”. (PESSANHA, 2003).

Destacam-se, para os fins deste estudo, duas vertentes de abordagem sobre diálogos: Bakhtin e os autores que abordam o diálogo nas organizações.

2.1. DIÁLOGO EM BAKHTIN

“Ser significa comunicar-se pelo diálogo. Quando termina o diálogo, tudo termina. Daí o diálogo, em essência, não poder ou dever terminar”.

Bakhtin, 2002, p. 257

Dentre tantos outros conceitos apresentados por Bakhtin, como sentido, significado, metalinguística, enunciado, gêneros do discurso, polifonia e alteridade, o conceito de diálogo foi o que mais se destacou.

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Para uma melhor compreensão dos conceitos de Bakhtin, faz-se necessário um breve passeio sobre o contexto da época em que Bakhtin viveu e sobre os estudos das teorias que realizou.

Bakhtin foi um grande pensador e filósofo russo, que nasceu em 1895 e morreu em 1975, na cidade de Moscou. Em 1913 deu início à sua vida acadêmica, em que começou sua graduação em História e Filologia pela Universidade de São Petersburgo.

Ainda no período acadêmico, Bakhtin passou a participar de grupos de intelectuais e artistas, onde eram discutidos, além de novas ideias, conceitos e teorias, os acontecimentos políticos, sociais e científicos que estavam emergindo naquela época. Esse círculo ficou conhecido como o “círculo de Bakhtin”. O nome foi dado posteriormente, e justifica-se pelo fato de que, das publicações feitas pelo grupo, as ideias de Bakhtin foram as que tiveram maior peso e reconhecimento científico.

Da forma de trabalho e comunicação do círculo de intelectuais em que participava Bakhtin, origina a introdução de um dos principais conceitos de seus estudos: o diálogo. Isso porque no círculo de Bakhtin não havia falas unilaterais, para todas as falas e enunciados havia réplicas, eram dadas respostas, que eram complementadas, questionadas e respondidas novamente.

Segundo Faraco (2009), uma das características do circulo de Bakhtin era o coletivismo, em que a maioria das ideias que ali eram discutidas não tinha um único dono, pois eram frutos de um diálogo coletivo, em que todos participavam e todos davam contribuições para sua formação. Talvez essa seja a razão da incerteza em torno da autoria de algumas publicações de Bakhtin e de seus colegas do círculo1

1

Não há um consenso entre os pesquisadores da vida de Bakhtin sobre o motivo que o levou a abdicar da autoria dessas obras. Segundo Marina Yaguello, que escreve a introdução do livro

Marxismo e Filosofia da Linguagem (2006), existem dois motivos: o primeiro é que Bakhtin teria se

negado a efetuar algumas alterações exigidas pelo editor. Volochínov e Medviédiev teriam então se

oferecido a realizar tais alterações para fazer as publicações e assinaram as obras. O segundo motivo é que Bakhtin valorizava o anonimato e a modéstia científica. Deste modo, não fazia questão de divulgar seu nome e obter reconhecimento crítico. No entanto, na visão de Faraco (2009), nunca foram apresentados argumentos efetivos de que as três obras foram de fato escritas por Bakhtin.

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Algumas obras, como O Freudismo (1925) e Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), assinadas por Volochínov, e O método formal nos estudos literários (1928) assinada por Medviédiev, foram posteriormente atribuídas à Bakhtin, pelas características e semelhanças com outras obras por ele publicadas2

Em meio ao aumento da repressão russa, em 1930 as reuniões do círculo de Bakhtin deixaram de acontecer e Bakhtin foi exilado por dez anos no Cazaquistão, acusado de manter ligações com sociedades de caráter filosófico religiosas que haviam sido expulsas da União Soviética e por influenciar os jovens de sua época. Neste mesmo ano, Volochínov e Medviédiev (intelectuais do círculo que haviam publicado três obras de Bakhtin) desapareceram devido aos expurgos stalinistas.

.

Em 1945, após o término de seu exílio, Bakhtin voltou a dar aulas de literatura em universidades. Em 1969 aposentou-se e em 1975 faleceu na cidade de Moscou.

Bakhtin e seu círculo viveram na época da revolução russa, uma época de grandes repressões a qualquer tipo de movimento de grupos suspeitos e à liberdade de expressão, o que obrigou o silêncio dos intelectuais da época. A literatura era então o meio que os intelectuais encontravam para expressar suas análises crítica e social do cotidiano em que viviam.

Para Tezza (2003), o contexto de inibição e limitação de expressão vivido por Bakhtin o motivou dedicar suas obras e aprofundar seus estudos sobre os problemas relacionados à linguagem como dimensão sociológica, e ao diálogo, valorizando a importância das relações com o outro.

Bakhtin fundamentou seus estudos na oposição a duas abordagens do estudo da linguagem: à linguística dos formalistas russos e à psicologia social que até então era tratada pelos estudiosos de sua época.

A primeira crítica de Bakhtin aos formalistas é que eles não conheciam os fundamentos de sua própria filosofia. Ou seja, para Bakhtin os formalistas não

2 Neste trabalho, não entrarei em discussão sobre a verdadeira autoria dessas publicações. Para

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fizeram as reflexões teóricas necessárias sobre a doutrina que pregavam para então poder defender com clareza e consistência suas teorias e filosofias.

Para Bakhtin, a linguística dos formalistas fazia análises limitadas apenas à forma material da língua e sua composição sintática, fonética, gramatical e lexical, ignorando fatores que Bakhtin considerava essenciais para o estudo da linguagem, como a forma, o conteúdo e a relação deste com o mundo. A linguística dos formalistas não possuía uma visão sistêmica acabada, pois tinha apenas uma visão individual da fala, ou seja, a análise era feita por frases separadas e independentes do contexto a que pertenciam. (TODOROV, 2010).

No entanto, e ao contrário dos formalistas, Bakhtin defende que a linguagem é de natureza social, por isso a fala não pode ser analisada de forma independente dos fatores que compõem a comunicação, já que as falas estão sempre ligadas às estruturas sociais, seja na arte, seja na vida real e cotidiana.

A crítica de Bakhtin em relação à psicologia incide sobre o psiquismo subjetivo consciente do homem, que, na visão de Bakhtin, não deve ter apenas fundamentos fisiológicos e biológicos, mas deve ter, principalmente, fundamentos sociológicos. Em outras palavras, Bakhtin entende que a consciência humana é formada e influenciada muito mais pelos aspectos sociais em que o indivíduo está inserido, do que pelos aspectos fisiológicos e biológicos. (BAKHTIN, 2010).

Consequentemente, a ideologia também está por trás do resultado da consciência humana, já que a ideologia, para Bakhtin, é um reflexo das estruturas sociais do indivíduo. A consciência depende do que a pessoa viveu, do que apreendeu sobre o certo e o errado, das posturas que passaram a fazer parte de suas decisões e que foram criadas a partir de vivências do passado, formando assim a sua visão de mundo. Nenhum desses fatores é dado pela biologia ou fisiologia, eles dependem da interação social dos indivíduos.

A consequência do equívoco da psicologia descrita acima é outro equívoco que incide sobre a integração do signo interior com o signo exterior.

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da linguagem que o pensamento é externado. Além disso, a consciência interior também se dá por meio da linguagem e o signo exterior nasce, necessariamente, na consciência interior.

O signo interior é, na visão de Bakhtin, de natureza filosófica, portanto, deve fazer parte tanto dos estudos da psicologia, quanto da ideologia. Por isso, o signo interior passa a ser um problema da filosofia da linguagem, já que Bakhtin considera que o signo interior se dá pela linguagem.

A partir desse contexto, surge o interesse de Bakhtin pelo estudo da filosofia da linguagem como um fenômeno social.

Bakhtin explica que a linguagem é um fenômeno complexo que não pode ser devidamente estudado e avaliado se for delimitado e isolado dos fatores sociais que o cerca. Desta forma, Bakhtin coloca a contextualização do meio social como condição essencial para a compreensão da linguagem, pois todos os indivíduos que fazem uso da linguagem possuem um “horizonte social”, que os influencia diretamente na escolha das palavras que irão usar para exprimir seus pensamentos, interagindo e comunicando-se uns com os outros, afinal, as pessoas só utilizam as palavras que algum dia escutou de pessoas que geralmente fazem parte do mesmo meio social que elas.

Os indivíduos fazem uso da linguagem porque precisam comunicar-se, e, se precisam comunicar-se, é porque precisam, de alguma maneira, de outro indivíduo. Assim, para que haja a comunicação, a interação, e consequentemente a linguagem, faz-se necessário a presença de outro indivíduo.

Desta maneira, a fundamentação de todos os conceitos e teorias de Bakhtin, inclusive o diálogo, deriva da importância que Bakhtin dá ao social, pois para ele o contexto social determina a linguagem, as palavras e ações dos indivíduos, uma vez que o ser humano não consegue sobreviver sozinho no mundo.

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que irão passar para os outros indivíduos, julgam-se e condicionam-se a partir dos olhos dos outros. Elaboram seus discursos de acordo com o outro que irá recepcioná-lo.

O outro é então o ponto central das relações humanas. Bakhtin justifica essa visão explicando que somente no outro, o ser humano se completa:

Só ao outro eu posso cobrir com minha atividade, só dele posso aflorar os lábios com meus lábios, só dele posso abraçar o corpo inteiro e a alma alojada nele. Tudo isso, não me é dado viver no tocante a mim mesmo, e, aliás, trata-se menos da impossibilidade física do que da falsidade emotivo-volitiva da transferência de tais atos a si mesmo. (BAKHTIN, 1997, p. 60)

Bakhtin realiza seus estudos sobre a linguagem e a alteridade não só sob a abordagem da linguagem textual que envolve a relação entre o autor e o personagem, mas também sob a abordagem do discurso oral, das conversas do cotidiano, pois entende que o texto é o discurso oral traduzido em letras, e este é sempre baseado na comunicação verbal da vida real, ao qual Bakhtin chama de Diálogo real.

Portanto, ambas as formas de linguagem, oral e textual, são constituídas pelo diálogo, que Bakhtin define da seguinte maneira:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2006, p. 127)

Seja qual for a forma de linguagem adotada, a produção de sentidos é essencial, pois possibilitará uma construção coletiva com a participação do outro.

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O mais importante para Bakhtin é a relação de diálogo que um sentido mantém com o outro, pois um sentido é sempre uma resposta a uma pergunta. O que não responde a nenhuma pergunta deixa de ser sentido e passa a ser somente um significado, com potencial de sentido.

Assim, da mesma maneira que um indivíduo só se constitui mediante a presença do outro, um sentido só existe quando se relaciona com outro sentido, ou seja, quando há uma relação dialógica entre eles.

Por entender o caráter dialógico entre as palavras que compõem os sentidos, Bakhtin vai além da linguística dos formalistas do início do século XIX, que possuía como objeto somente o estudo da língua como um fenômeno semântico que se limita ao universo individual do locutor que deseja expressar-se, e que não leva em consideração as diferentes esferas do diálogo real e todo o seu contexto sociológico e ideológico.

Como exposto anteriormente, Bakhtin faz várias críticas à visão individualista da linguística, em que um único enunciado satisfaz ao locutor e ao ouvinte, não abordando a relação dialógica que existe entre uma frase e outra, ou entre um enunciado e outro. Bakhtin entende que, desta forma, o todo real da comunicação não pode ser representado.

Para preencher a lacuna deixada pela linguística, Bakhtin criou então o conceito de Metalinguística, que, ao contrário da linguística, leva em consideração também “A relação dialógica entre os enunciados, cujo percurso também passa por dentro do enunciado considerado isoladamente”. (BAKHTIN, 1997, p. 342)

A metalinguística é, conforme explica Barros e Fiorin (1994):

Nome dado a uma disciplina geral que, ultrapassando o objeto da linguística (a língua enquanto sistema abstrato e a análise tendo a frase como limite), teria no discurso o seu objeto e permitiria a descrição e a análise das relações dialógicas, ou seja, as relações entre enunciados que também atravessam por dentro os enunciados isolados. (BARROS E FIORIN, 1994, p. 24)

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mesmo fenômeno – o discurso, e devem completar-se mutuamente, mesmo que tratem do mesmo assunto sob pontos de vista diferentes. Desta forma, o que falta para a linguística é a visão do todo e a abordagem das relações dialógicas entre os enunciados do discurso. Mas para Bakhtin isso é justificável, pois ele entende que a relação dialógica não existe no sistema puro da língua, que é o objeto da linguística.

A base das relações dialógicas é a alteridade, ou seja, o reconhecimento do outro como fundamental para a constituição do indivíduo. Ademais, a relação dialógica é muito mais profunda e complexa do que defendiam os linguistas, e é definida por Bakhtin da seguinte forma:

A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido (não como objeto ou exemplo linguístico), entabularão uma relação dialógica. (BAKHTIN, 1997, p. 345)

Desta forma, se dois enunciados, mesmo que estejam separados pelo tempo e pelo espaço, tiverem alguma convergência de sentidos, possuem uma relação dialógica. Enunciados distintos que possuam um assunto em comum, mesmo que um não esteja se referenciado ao outro, possui uma relação dialógica, pois trata do mesmo assunto. Questões científicas que tratam de um problema comum possuem relação dialógica. Até mesmo as obras com discursos monológicos possuem relações dialógicas, pois são constituídos de enunciados do mesmo assunto.

A relação dialógica não pode ser confundida com a fala dialógica, pois aquela tem uma amplitude muito maior que esta, alerta Bakhtin (1997, p. 355). As relações dialógicas não podem ser simplificadas ao ponto de serem vistas apenas nos desacordos, nas refutações e discussões, já que a concordância também é tida como uma relação dialógica. Mesmo que haja enunciados iguais, em que um concorda plenamente com o outro, há relação dialógica, pois são pronunciados por pessoas distintas.

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enunciados concluídos, que podem estar próximos um do outro ou não, mas que se conversam e se entendem de alguma forma.

Por enunciado, entende-se o ato de enunciar, de exprimir, transmitir pensamentos, sentimentos em palavras. Os enunciados concretos são para Bakhtin o discurso verbal, que está relacionado ao evento, à fala e à interação. O enunciado é sempre rico de sentido. Um enunciado formado somente por palavras cheias de significados, mas que juntas não formam nenhum sentido, não existe.

Na visão de Bakhtin, os enunciados dos indivíduos são enriquecidos de enunciados que já foram ouvidos em algum outro momento de suas vidas e que foram, de alguma forma, internalizados de maneira inconsciente e que serão utilizados em um contexto semelhante em enunciados futuros.

Para Bakhtin, todas as atividades humanas, de uma forma ou de outra estão relacionadas com o diálogo, que é realizado por meio dos enunciados, seja verbal ou escrito. Quando o ser humano fala ele escolhe as palavras que formarão o enunciado de acordo com a sua intenção, que foi previamente planejada em sua mente, e que irá variar de acordo com o todo do enunciado almejado, ou de acordo com o sentido que se quer transmitir ao outro.

O enunciado é a unidade real do diálogo que se inicia no discurso do locutor e termina quando a palavra é repassada ao outro, essas são as fronteiras do enunciado. Desta forma, um enunciado é finalizado quando um dos locutores passa a palavra para o outro. (BAKHTIN, 1997, p. 294)

Os enunciados são sempre respostas a enunciados anteriores e estão sempre relacionados a uma dada questão, ou a algum problema antes já colocado por alguém. Ou seja, o conteúdo e o sentido de um enunciado vão se formar de acordo com o enunciado anterior, e também de acordo com o outro, ou o destinatário do enunciado proferido, pois o enunciado é um elo na cadeia do diálogo.

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objeto já foi falado em algum outro momento, mesmo que por locutores distintos, em momentos e contextos distintos. (BAKHTIN, 1997, p. 320)

As réplicas, ou alternância de enunciados, podem assumir formas variadas na comunicação verbal de diversas esferas da vida, e é no diálogo que Bakhtin evidencia as réplicas dos enunciados:

O diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a forma clássica da comunicação verbal. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui um acabamento específico ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta, relação à qual se pode assumir uma posição responsiva. As réplicas são ligadas umas às outras. Mas a relação que se estabelece entre as réplicas do diálogo — relações de pergunta-resposta, asserção-objeção, afirmação-consentimento, oferecimento aceitação, ordem-execução, etc. – só é possível entre enunciados provenientes de diferentes sujeitos do discurso e pressupõe a relação com outros. (BAKHTIN, 1997, p. 294)

Desta forma, o enunciado ora proferido é sempre uma resposta ou uma referência que o locutor faz a outro enunciado, mesmo que de forma inconsciente. Mas cada enunciado é próprio do locutor que o faz e é sempre carregado de suas opiniões, visões de mundo, tendências e vivências do passado. O locutor determina as palavras e a forma que irá utilizar para elaborar o enunciado, e esta forma escolhida pelo locutor para o enunciado é que determina o tipo a que pertence o enunciado, ou seja, o gênero do discurso.

Gêneros do discurso são formas padrões e relativamente estáveis de enunciados. Ao contrário dos gêneros linguísticos, os gêneros do discurso são maleáveis, pois são mais fáceis de combinar, não exigem regras normativas e rígidas para serem utilizados no diálogo. (BAKHTIN, 1997, p. 262)

Mas os gêneros do discurso não são totalmente imunes às normas, ou seja, os gêneros do discurso são “pré-existentes”, o locutor não os cria e não pode fazer combinações livres de palavras sem nenhum sentido.

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começam a apreender os gêneros do discurso ainda quando estão aprendendo a falar e a coordenar as palavras para formarem algum sentido.

As falas são moldadas pelo gênero do discurso que as pessoas escolhem e que dominam com facilidade. Não é necessário saber das definições conceituais e teóricas, pois as pessoas utilizam os gêneros do discurso diariamente, de acordo com a realidade do locutor, as circunstâncias, o local, o nível de relacionamento entre os locutores e a posição social e cultural.

Graças aos gêneros do discurso, as pessoas conseguem se comunicar facilmente. Caso contrário, se não houvessem formas padrões de enunciados e fosse necessário elaborar uma nova construção de enunciado a cada fala, as pessoas teriam grandes dificuldades para se comunicarem.

Os gêneros do discurso facilitam o entendimento do enunciado do locutor e nos permite uma visão do todo do discurso. O conhecimento que se adquire sobre os gêneros do discurso utilizados pelas pessoas que estão em sua volta permite que, quando, ainda no início da fala do locutor, se consegue identificar o gênero do discurso utilizado, é possível ter uma boa noção sobre o enunciado que está por vir.

A entonação utilizada pelo locutor é também um dos componentes do enunciado que deve ser observado para o reconhecimento do gênero do discurso. A entonação é responsável por expressar as emoções do locutor. Bakhtin explica que mesmo quando uma só palavra é carregada de algum tipo de entonação, pode converter-se em enunciado, pois a entonação dá sentido à palavra que antes sozinha teria apenas um significado. (BAKHTIN, 1997)

Apesar de compreender que os gêneros do discurso são extremamente heterogêneos e reconhecer a dificuldade de definir a natureza geral do enunciado, Bakhtin classifica os gêneros do discurso em primários (simples) e secundários (complexos). (BAKHTIN, 1997, p. 19)

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Os gêneros secundários são mais elaborados e surgem de um convívio cultural mais complexo e desenvolvido, como os textos literários, científicos, ideológicos, os romances e o teatro. Os gêneros secundários são formados pelos gêneros primários de todas as espécies, pois são baseados em diálogos reais, que se transformam ao perder a alternância do discurso dos locutores. Por exemplo, os personagens literários criados nos romances dos gêneros complexos secundários são criados a partir de simulações dos diálogos cotidianos e discursos verbais dos gêneros primários. (BAKHTIN, 1997, p. 282)

Conforme exposto anteriormente, no começo de seus estudos sobre a linguagem Bakhtin fez várias críticas aos formalistas do século XIX por limitarem seus estudos somente à língua e por ignorarem os aspectos práticos, sociais e cotidianos em que os diálogos acontecem. Além disso, os formalistas, que possuíam como fundamentação principal a linguística, propunham uma dicotomia entre linguagem poética e linguagem cotidiana, arte e não arte, e minimizavam os problemas da linguagem poética a questões de linguagem, ignorando questões importantes na criação do enunciado, como o conteúdo e a sua relação social com o mundo externo e a construção da obra observando sua estrutura, forma, material e conteúdo.

Incomodado com essa visão incorreta dos formalistas, nos anos 50 Bakhtin deu grande ênfase de seus estudos aos gêneros primários, por considerar que esses são o cerne da linguagem, que se constituem fundamentalmente dos diálogos, os quais Bakhtin chamou de Ideologia do Cotidiano. (GRILLO, 2008)

Bakhtin utilizou o termo Ideologia do Cotidiano para se referenciar à comunicação do dia a dia, que, como em todas as esferas da vida humana, é diretamente influenciada pelo meio social em que vive o indivíduo. A Ideologia do Cotidiano de Bakhtin representa a consciência do indivíduo como um todo, englobando tanto a linguagem interna, quanto a linguagem externa, que estão sempre situadas no contexto social.

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particularidade de cada um. Os enunciados irão variar também de acordo com o indivíduo, suas crenças, ideologias e contextos sociais.

Já nos gêneros secundários é possível a utilização de formas, pois se trata de discursos que são previamente planejados, como os discursos literários e artísticos.

Bakhtin nos fala sobre o uso de fórmulas na enunciação. Para ele, não se pode falar de fórmulas específicas no diálogo, ao menos que:

(...) existam formas de vida em comum relativamente regularizadas, reforçadas pelo uso e pelas circunstâncias. Assim, encontram-se tipos particulares de fórmulas estereotipadas servindo às necessidades da conversa de salão, fútil e que não cria nenhuma obrigação, em que todos os participantes são familiares uns aos outros e onde a diferença principal é entre homens e mulheres. (BAKHTIN, 1997, p. 130)

Portanto, apenas nos diálogos em que os indivíduos pertencem ao mesmo meio social e possuem algum tipo de relacionamento mais íntimo, como marido e mulher, irmão e irmã e sem grande importância, podem ser utilizadas fórmulas, pois outras interações verbais já foram feitas anteriormente e já existe um conhecimento das interações recorrentes.

Para Bakhtin, que possui uma visão primordialmente dialógica, os gêneros primários e as interações verbais estão relacionados à vida real e não podem ser compreendidos em sua plenitude se analisados isoladamente ou independente de suas crenças e do contexto social a que está relacionado. “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação.” (BAKHTIN, 2006, p. 117).

Para alcançar a compreensão plena das interações verbais, Bakhtin destaca três fatores do “contexto extraverbal” que devem ser observados por darem sustentação ao discurso verbal: 1) o horizonte espacial comum dos interlocutores, 2) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores, e 3) sua avaliação comum dessa situação. (BAKHTIN, 1926)

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a compreensão do discurso verbal no sentido global, tornando-se essenciais na constituição do enunciado concreto.

A partir do entendimento da formação do discurso verbal pelos três fatores acima, Bakhtin destaca ainda duas partes que permitem a compreensão do enunciado concreto como um todo. A primeira refere-se à parte percebida ou realizada em palavras e a segunda refere-se à parte presumida.

A primeira parte consiste no mundo concreto, material e visível do discurso verbal, aquela que é clara para a visão de todos os participantes do enunciado.

A segunda parte consiste na compreensão dos participantes do discurso verbal, que se dá por meio dos juízos de valor que são construídos com base na primeira parte do enunciado: a unidade material do discurso verbal.

Os juízos de valor são particulares de cada indivíduo e são concebidos a partir do conhecimento de cada participante do discurso, suas emoções, vivências e visões de mundo. Além disso, o juízo de valor determina a posição que as pessoas irão tomar em relação à situação que está sendo vivida. (BAKHTIN, 1997)

O meio social em que vive o participante do enunciado também é fator determinante para a formação do juízo de valor, somente aqueles que fazem parte do mesmo contexto social do enunciado terá condições de compreender o todo do enunciado.

Naturalmente, as pessoas evoluem e possuem visões distintas umas das outras. E para que se possa compreender completamente a visão do outro, é preciso se colocar no lugar do outro de maneira verdadeira e concreta e fechar a visão que se tem da própria vida, como explica Bakhtin:

Se quero operar uma transposição que nos coloque, eu e o outro, num único e mesmo nível, devo, em meus valores, situar-me fora da minha própria vida e perceber-me como outro entre os outros. (BAKHTIN, 1997, p. 76)

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umas das outras, pois as pessoas se preocupam com a sua própria estética, a visão que o mundo que os outros têm delas. As pessoas moldam seus comportamentos de acordo com o outro que estão se relacionando em determinada situação e que está julgando, afinal, na visão de Bakhtin, a vida do ser humano está condicionada à existência do outro.

2.2. DIÁLOGO NAS ORGANIZAÇÕES

Ao longo da história, o diálogo tem sido alvo de estudos em várias áreas do conhecimento, como na educação, na saúde, nas relações internacionais, e até mesmo na vida cotidiana, como a convivência social e familiar, e, principalmente, nas organizações, que, desde os anos 1990, estão em busca de evolução e inovação.

O diálogo nas organizações ganhou força como área de estudo, sobretudo a partir dos anos 1990. Para os autores dessa área do conhecimento seria a concorrência acirrada a razão de as organizações buscarem uma contínua inovação. A inovação, por sua vez, dependeria do que os autores chamam de “maior flexibilidade” para aprender e realizar mudanças internas rapidamente.

Mas, segundo esses autores, as organizações ainda são consideradas deficientes, pois não estão preparadas para o uso correto do diálogo como uma ferramenta capaz de trazer para as organizações a flexibilidade necessária para aprender e realizar mudanças.

No intuito de sanar essa deficiência das organizações no uso do diálogo, Senge e outros autores, como Willian Isaacs, Schein, Elinor e Gerard, Mengis e Eppler, Levine, Raelin e Henricks, dedicaram seus estudos a encontrar formas em que as empresas pudessem melhorar a sua comunicação interna, e, assim, aprender e mudar de forma mais rápida e eficaz.

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por suas experiências e modelos mentais, e essa união de culturas diferentes acaba gerando conflitos e desentendimentos. Por isso o diálogo torna-se peça fundamental para que todos cheguem a um acordo para alcançarem objetivos comuns. (SCHEIN, 1993).

Da literatura sobre diálogo nas organizações, foi verificado que a grande maioria aborda o diálogo nas organizações sob a perspectiva das mudanças que se fazem necessárias para que haja a aprendizagem, o compartilhamento de conhecimento e, consequentemente, melhores gestão e liderança nas organizações. Desta forma, com a adoção do diálogo, esses autores chegam à conclusão de que todos terão maiores condições de alcançar seus objetivos de forma satisfatória, não só as organizações, mas também as pessoas que delas fazem parte.

Foi verificado também que os autores que publicaram trabalhos sobre o diálogo nas organizações têm como fundamentação teórica o físico David Bohm, que apresentou seus estudos sobre o diálogo com base na suspensão de pressupostos, de modo que os indivíduos possam mudar suas visões de mundo, permitindo a abertura para as mudanças necessárias em um ambiente organizacional.

Bohm se interessou pelo estudo do diálogo a partir de uma analogia que fez sobre a relação entre as propriedades coletivas das partículas e o funcionamento do pensamento humano, e percebeu que o pensamento é “um fenômeno em grande parte coletivo”. E já que o pensamento humano é em grande parte coletivo, assim como os elétrons ele não pode se sustentar sozinho. Por isso, ele necessita da interação com os outros, que no caso dos seres humanos, se dá por meio do diálogo.

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2.2.1. Conceitos

Alguns autores, como Willian Isaacs (1999), Mengis e Eppler (2008), Senge (1990), Levine (1994), Raelin (2012) e Henricks (1998), abordam o diálogo sob a perspectiva da Aprendizagem Organizacional. Os autores desta abordagem entendem que o diálogo é uma poderosa ferramenta a ser utilizada pelas organizações para que as pessoas possam compartilhar conhecimento, de modo que seus pensamentos e visões sejam compreendidos pelas outras pessoas.

De acordo com os autores que fizeram publicações sobre a aprendizagem organizacional, as organizações são compostas por pessoas, e que por isso, a relação entre elas deve ser cuidada e valorizada. Neste sentido, o diálogo é visto pelos autores que estudam o diálogo nas organizações como um meio de manter as pessoas alinhadas e com um entendimento comum, mantendo um pensamento único e coletivo nas organizações.

Para Isaacs (1999), o diálogo é uma experiência viva que permite uma investigação compartilhada, é uma maneira das pessoas exporem seus pensamentos, compartilharem suas visões de mundo e refletirem juntas. Não é algo que se faz para outra pessoa. É algo que se faz com as outras pessoas. Assim, o diálogo proporciona um fluxo livre de significados e permite a exploração vigorosa do pensamento coletivo na organização.

De acordo com Isaacs (1999), atualmente nas organizações as pessoas têm deixado de dialogar, e se conectam umas às outras por meio da linguagem da ação individual e do poder centralizado.

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diferentes, pois falta-nos uma linguagem de plenitude. Isso é consequência da falta do diálogo e do compartilhamento dos pensamentos entre as pessoas. (ISAACS, 1999).

Para Mengis e Eppler (2008), o diálogo é uma forma específica de conversa, em que as pessoas procuram explorar os problemas sob múltiplas perspectivas, a fim de compreender o todo e as partes, aprender sobre um problema que envolve todos os parceiros de diálogo e criar um significado compartilhado entre todos.

Henricks (1998) define o diálogo como sendo um instrumento fundamental para a criação da organização de aprendizagem, que se tornou um objetivo de muitas empresas hoje, que estão dispostas a promover mudanças para alcançar seus objetivos.

Para apresentar o conceito de diálogo, Levine (1994) faz distinção entre diálogo e discussão. Para ele, O diálogo é o mais criativo, aberto, atividade para ser realizada em grupos que pensam em conjunto e abrem possibilidades. A discussão é realizada para definir ações e escolhas. Nas discussões as pessoas mantêm posições, como em um debate. No diálogo, as pessoas suspendem seus pressupostos e suas posições, e se abrem para descobrir novas possibilidades, permitindo novos aprendizados.

Assim como Levine (1994), Senge (1990) faz distinção entre diálogo e discussão, apesar de entender a importância de ambos para a aprendizagem nas organizações:

No diálogo, há a exploração livre e criativa de assuntos complexos e sutis, uma profunda “atenção” ao que os outros estão dizendo e a suspensão do ponto de vista pessoal. Na discussão, por outro lado, diferentes visões são apresentadas e defendidas, e existe uma busca da melhor visão que sustente as decisões que precisam ser tomadas. (SENGE, 1990, p. 264)

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Raelin (2012) entende que o diálogo é forma desafiadora de troca autêntica entre as pessoas. Baseado em conversas genuínas, e não competitivas, o diálogo proporciona novas aprendizagens pessoais e sociais. Assim, os diálogos são inerentes à democracia, e são caracterizados pela igualdade de participação.

Com o foco em mudanças nas organizações, Schein (1993), acredita que o diálogo é um veículo criativo para a identificação e resolução de problemas nas organizações, e uma condição necessária para a eficácia de grupos de ação que se mobilizam para prover mudanças nas organizações. O diálogo, então, está na raiz de todos os grupos de ação eficaz. O diálogo é resultado do modo de pensar, das percepções e cognições das pessoas, que são resultados das experiências passadas.

Para o físico David Bohm (2005) o diálogo colabora com a mudança nas organizações na medida em que examina a forma pela qual o pensamento é gerado e mantido no plano coletivo. Assim, em seu sentido mais profundo, o diálogo é um convite para pôr à prova a viabilidade de definições tradicionais do que significa sermos humanos.

Entendendo que cada pessoa, que é parte da organização, possui uma visão diferenciada do mundo, e diante da necessidade das organizações em manter um objetivo comum e compartilhado, Bohm (2005) encara o diálogo como um método propício para examinar um âmbito extraordinariamente amplo da experiência humana: os valores mais intimamente arraigados; a natureza e a intensidade das emoções; os padrões dos processos de pensamento; a função da memória; a importância dos mitos culturais herdados; e, por fim, a maneira segundo a qual a neurofisiologia estrutura a experiência do aqui-e-agora.

Ainda de acordo com Bohm (2005), existem, entre outros, dois componentes chaves para o diálogo: o significado compartilhado e a natureza coletiva do pensamento.

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para a formação do diálogo, como por exemplo, as expressões corporais e a sensibilidade de cada participante em perceber a reação das pessoas envolvidas no diálogo e o que está acontecendo. Todos esses componentes formam o significado.

Bohm (2005) faz a seguinte definição para significado:

O significado é uma forma mais sutil de percepção, é aquilo que dá suporte ao conjunto. É a amálgama. O significado não é estático é um fluxo. Quando o compartilhamos, ele flui entre nós, ajuda a manter a coesão do grupo. (BOHM, 2005)

De acordo com Bohm (2005), cada pessoa que participa do diálogo tem sensibilidade e pensamentos próprios, que formam seus próprios significados. No entanto, o intuito do diálogo não é deixar que cada pessoa fique somente com seus próprios significados. Por isso, os significados são compartilhados, e dessa maneira todos podem falar juntos coerentemente e pensar em grupo.

Por significado compartilhado, Bohm (2005) tem o seguinte entendimento:

O despertar do processo do diálogo em si mesmo, como um livre fluxo de significados entre todos os participantes, que permite que as pessoas não sustentem apenas seus pontos de vista. Assim, uma nova espécie de mentalidade começa a surgir, com base no desenvolvimento de um significado comum que está em constante transformação no processo do diálogo. (BOHM, 2005)

Assim como Bohm (2005), Janet Smith (1998) defende que o diálogo se propõe a explorar e compartilhar as crenças de cada indivíduo, possibilitando a descoberta de novos caminhos e talvez a criação de um significado comum, pois as organizações estão mudando muito rapidamente, por isso as pessoas precisam mudar paradigmas.

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Ellinor e Gerard (1998) apresentam a seguinte definição para diálogo:

O diálogo é feito sob medida para nos ajudar a enfrentar desafios. Oferece um processo que nos auxilia a tirar plena vantagem daquilo que as novas ciências nos dizem a respeito do potencial inerente nos sistemas humanos para a auto-organização e a capacidade geradora. Tudo que precisamos é discernir quando e sob quais condições utilizar o diálogo. Ao fazê-lo, seremos recompensados com organizações mais adaptáveis, flexíveis e autossustentáveis. (ELLINOR e GERARD, 1998, p. 94)

As autoras explicam que um dos motivos do crescente interesse pelo diálogo surge do reflexo da cultura que atualmente reside na maioria das organizações. Essa cultura enfatiza excessivamente o individualismo, a competitividade e o materialismo. Tudo isso causa o que Ellinor e Gerard (1998) chamam de “fragmentação do pensamento”, em que cada indivíduo se isola e não compartilha suas ideias para não correr o risco de perder a autoria das soluções que o valorizam como o melhor funcionário.

De acordo com Ellinor e Gerard (1998), a divisão interna nas organizações em áreas ou setores é um exemplo de fragmentação. Em muitos casos, essas divisões internas acabam por dividir as organizações em micro-organizações, com culturas e objetivos diferentes. Daí surge uma competitividade entre as áreas, em que, certamente, não haverá diálogo para que não haja troca de informações. Com a fragmentação do pensamento, as pessoas agem individualmente, sem preocupação com o todo e com as consequências do isolamento causadas ao longo do tempo.

A saída então apontada por Ellinor e Gerard (1998) para os problemas causados pela fragmentação do pensamento é o compartilhamento do pensamento, pois quando as pessoas se reúnem para dialogar sobre determinado assunto, elas estão pensando juntas, coletivamente. Assim, elas estão compartilhando pensamentos e significados.

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Ellinor e Gerard (1998) destacam que:

Significados compartilhados formam a pedra fundamental dos comportamentos sociais. Se todos nós compartilhássemos, na liderança, a responsabilidade para agirmos coerentemente visando o todo, poderíamos, juntos, transformar o mundo. (ELLINOR e GERARD, 1998, p. 78)

Nesse contexto de liderança, Mazutis e Slawinski (2008) nos fala sobre um tipo de diálogo que é equilibrado, congruente e transparente, e que facilita a aprendizagem entre vários níveis de organização. Este tipo de diálogo as autoras chamam de o diálogo autêntico.

O diálogo autêntico estimula a detecção e correção de erros, incentiva a participação reflexiva que promove o autoconhecimento. Desta forma, os lideres autênticos encorajam a realização de um diálogo autêntico, a fim de promover a transparência em torno de temas difíceis e de criar novos conhecimentos.

Mazutis e Slawinski (2008) faz um importante esclarecimento acerca da diferença entre os termos “conversa” e “diálogo”. O diálogo faz referência à complexidade do pensamento e da linguagem, e descreve de forma mais precisa o ato de troca de ideias e opiniões que contribuem para a aprendizagem. Além disso, o termo diálogo tem sido especificamente descrito como um mecanismo que pode levar as pessoas a reconhecer as inconsistências em seus comportamentos e detectar e corrigir erros. (MAZUTIS e SLAWINSKI, 2008).

Já o termo conversa é usado para descrever mais uma troca informal de pensamentos e informações, e se concentra mais nos aspectos relacionados à convivência social. (MAZUTIS e SLAWINSKI, 2008).

2.2.2. Objetivos do diálogo nas organizações

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Isaacs (1999) defende que o objetivo central do diálogo é manter um ambiente com abertura para compreensão e investigação, no qual as pessoas mantenham um fluxo livre de significados, com uma exploração vigorosa do fundo coletivo de seus pensamentos, suas predisposições pessoais e as características de suas suposições individuais e coletivas.

Os autores Mengis e Eppler (2008), afirmam que o diálogo tem como objetivo possibilitar a compreensão sobre um problema que envolve todos os parceiros de diálogo e criar um significado compartilhado entre várias pessoas, e argumentam que o objetivo final do diálogo é aumentar a inovação, aprendizado e compreensão.

Para Bokeno (2007), o sucesso do diálogo não é medido pela qualidade do resultado alcançado, mas sim pela capacidade dos participantes do diálogo em entender melhor uns aos outros, e, portanto, ser capaz de pensar e interagir de maneiras – em conjunto – que não tinha antes. Esse é o objetivo principal do diálogo.

Bokeno (2007) atribui ainda três objetivos ao diálogo:

1. Obter maior compreensão do outro para promover a tolerância e minimizar conflitos;

2. Obter soluções criativas e inovadoras para tomada de decisão e resolução de problemas;

3. Realizar uma transformação mútua nos participantes.

Para Schein (1993), um objetivo importante do diálogo consiste em permitir que um grupo de pessoas reunidas no diálogo possa atingir um nível mais elevado de consciência e de criatividade através da criação progressiva de um conjunto de significados compartilhados e de um processo de pensar comum.

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pessoas, e assim abrir novas possibilidades não só para a transferência de conhecimento, mas também para a criação de novos conhecimentos

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Cayer e Minkler (1998), se referenciando a David Bohm (2005), dizem que o objetivo do diálogo é libertar a mente das pessoas da crença de que se deve sempre estar ligado a objetivos definidos, metas e propósitos, com pressupostos rígidos, de modo que possam explorar novos significados mais livremente.

Para Bohm (2005), o objetivo do diálogo é compreender as ideias e pensamentos das pessoas e investigar a natureza problemática dos relacionamentos e comunicações do cotidiano.

Bohm (2005) ressalta que:

O objetivo do diálogo não é analisar as coisas, ganhar discussões ou trocar opiniões. Seu propósito é suspender as opiniões e observá-las – ouvir os pontos de vista de todos, suspendê-los e a seguir perceber o que tudo isso significa. (BOHM, 2005, p. 65)

Portanto, Bohm (2005) deixa claro que não é objetivo do diálogo que alguém vença, pois se uma pessoa ganha, todos ganham, e se pelo menos uma pessoa perde, todos perdem. Esse é o espírito do diálogo.

Assim como Bohm, Senge (1990) explica que o objetivo do diálogo é permitir que as pessoas consigam chegar a um entendimento comum sobre um determinado assunto, que sozinhas não conseguiriam. E se todos conseguem chegar a um entendimento comum, todos terão vencido. Portanto, para Senge (1990), o objetivo do diálogo não é competir para vencer individualmente, mas coletivamente, favorecendo que eventuais mudanças internas aconteçam em prol de toda a organização.

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devidamente o diálogo como uma ferramenta eficiente para gerar maior competitividade.

Alguns autores que abordam o diálogo como ferramenta para a liderança nas organizações, como Ellinor e Gerard (1998), o objetivo do diálogo é criar conversações que ampliem as possibilidades para a criação e a sustentação de parcerias colaborativas no trabalho das organizações.

Para Raelin (2012), no que tange à mudança na liderança democrática das organizações, o diálogo tem o objetivo de servir de comunicação para a tomada de decisão sem privilegiar intervenientes específicos por causa de seu status ou autoridade, uma vez que, para a realização do diálogo, é necessária a igualdade entre as partes.

Para Jacobs e Heracleous (2005) que trabalham com inovação estratégica, o maior objetivo do diálogo nas organizações é ser um facilitador para realizar mudanças nos modelos mentais dos gestores, de modo que estes se tornem flexíveis e abertos para novos modelos mentais, e, assim, a inovação estratégica poderá ser promovida.

2.2.3. Métodos, técnicas e premissas para um diálogo eficaz

Com o objetivo de facilitar a aprendizagem organizacional, alguns autores apontam práticas recomendadas para a realização de um diálogo eficaz, de modo que os objetivos previamente estabelecidos para a realização do diálogo se cumpram.

De acordo com Bokeno (2007), o diálogo deve começar com uma premissa fundamental: o de que há algo que não sabemos e que podemos aprender juntos uns com os outros. Para que o diálogo ocorra, é necessário que as pessoas exponham seus próprios padrões de pensamento aos outros.

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Figura 01: Comunicação no processo de desenvolvimento de software

Referências

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