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PERCEPÇÃO E CONTROLE NA ARTE INTERATIVA PERCEPTION AND CONTROL IN INTERACTIVE ART

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PERCEPÇÃO E CONTROLE NA ARTE INTERATIVA

PERCEPTION AND CONTROL IN INTERACTIVE ART

Cleomar Rocha / UFG RESUMO

A cibernética como controle da entropia se problematiza, para a percepção, com a imprevisibilidade dos sistemas. Os conceitos de aleatoriedade e imprevisibilidade tornaram-se uma estratégia bastante difundida enquanto elemento poético da arte tecnológica, justamente por retirar a perspectiva de controle, na interatividade usuário/sistema. O artigo discute essa relação à luz da percepção fenomenológica, concluindo que, em arte tecnológica, tal recurso pode conduzir à frustração do interator.

PALAVRAS-CHAVE: interatividade, cibernética, arte interativa, percepção, fenomenologia. ABSTRACT

The cybernetics as the control of entropy is problematized by perception, with the unpredictability of the systems. On the other hand, the concepts of randomness and unpredictability have become a widespread strategy as a poetic element of technological art, because it removes the perspective of control, in the interactivity of the user-system. The article discusses this relationship in the light of phenomenological perception.

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ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na arte interativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo:

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.338-344. 339 Cibernética

Quando do surgimento da computação como a conhecemos, a preocupação dos especialistas estava voltada para ao controle dos processos, conhecidos como entropia dos sistemas. Para ter melhor controle dessa medida entrópica, surge, em meados do século XX, a cibernética, área de estudo dos sistemas reguladores, tendo abrangência vinculada à teoria de controle e teoria geral de sistemas. Embora sua extensão abarque o lastro social, foi nas ciências da computação que essa área foi mais pródiga, usando a repetição sistemática como subterfúgio para vencer a entropia computacional.

Os pioneiros Norbert Wiener e Arturo Rosenblueth Stearns defendiam a perspectiva de controle e comunicação, em animais e sistemas, definindo cibernética como a ciência que se dedica a essa área. Mas foi a partir dos anos 1960, com a geração de computadores digitais, que a área logrou reconhecimento, tendo nas artes e na comunicação o palco para consolidar seu protagonismo enquanto técnicas e ferramentas de controle da entropia. A polifonia tida nesses campos foi estratégica para os estudos e aplicações das técnicas, que recursivamente foram usadas a partir de então. Como resultado, a cibernética ganhou credibilidade, ascendendo para o papel ótimo que hoje é creditado a ela.

Na cibernética de primeira ordem o observador não era visto como um elemento a ser observado. Efetivamente, ele não era tido como um elemento do sistema ou da entropia. Entre 1968 e 1975, Heinz von Foerster (1979) , dentre outros, desenvolve uma nova proposta cibernética, chamada cibernética da cibernética ou cibernética de segunda ordem, colocando o observador como um elemento do sistema. Esta inclusão cria uma condição diferenciada do próprio observador ou usuário, que passa a compor a complexidade dos estudos cibernéticos.

Na mesma direção, Edmond Couchot (2003) propõe a segunda interatividade, baseada em duas categorias específicas, a saber, aquela vinculada ao processamento de sistemas, de modo interno, e baseada em interação com o usuário. Se a primeira categoria é usual, considerando o processamento de códigos via parametrização das linguagens de programação, na segunda categoria o sistema se abre para uma interatividade stricto sensu, com ações entre usuários e sistemas. Couchot lembra que a segunda interatividade já considera o processamento interno,

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ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na arte interativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo:

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.338-344. 340

o que significa dizer que a segunda categoria contém a primeira, não cabendo discutir sobre uma interatividade apenas externa aos sistemas, tampouco em uma categoria mista, interna e externa.

Na cibernética de segunda ordem e na segunda interatividade o papel do usuário/interator é ponto fundamental para se compreender as perspectivas de interação e complexidade da comunicação usuário-sistema. É nesse ponto que se funda a perspectiva de uma fenomenologia da cibercepção, como fundamento para se compreender como a percepção do sistema afeta a própria realização da tarefa nos sistemas interativos, em conformidade com a cibernética.

A percepção e a cibercepção

Tematizada sobre uma pilastra por merecer um primado, a percepção foi objeto de pesquisa da fenomenologia e, com maior centralidade, no pensamento do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, cuja obra orbitou justamente esse tema. Para Merleau-Ponty (1999), a percepção é o modo inequívoco de experimentar o mundo, sendo essa experimentação o elemento fiel que conduz ao conhecimento, ou ao modelo de conhecimento em que se acredita. Sendo o corpo próprio o ancoradouro do eu/consciência no mundo, a percepção se tem pelo corpo é o único modo de experienciar o mundo natural. Essa defesa cria, de início, uma condição de desmantelamento da perspectiva de uma cibernética de primeira ordem e mesmo de uma primeira interatividade. Se é possível ao observador verificar se os sistemas processam corretamente uma tarefa, é PELO observador que essa validação se dá, o que o identifica como pertencente ao sistema de verificação. Estaríamos diante de algo similar ao gato do físico austríaco Erwin Schrödinger. Sem o observador, o sistema estaria processando e não processando ao mesmo tempo.

A coisa nunca pode ser separada de alguém que a perceba, nunca pode ser efetivamente em si, porque suas articulações são as mesmas de nossa existência, e porque ela se põe na extremidade de um olhar ou ao termo de uma investigação sensorial que a investe de humanidade. (MERLEAU-PONTY, 1999, 429)

A percepção de funcionamento, em si, inscreve o observador como parte do sistema, por só assim ser possível saber se o sistema cumpre, de fato, sua função. Sem essa condição, de intervenção de algum usuário que, nesse caso, faria a verificação de efetividade do processamento, seria impossível precisar a

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ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na arte interativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo:

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.338-344. 341

operacionalidade do sistema, mesmo em processamento interno. Mas, mais que isso, caberia ao observador estar instruído sobre a validação de funcionamento, sem o quê nada poderia asseverar. Falamos, aqui, de uma verificação instruída, de reconhecimento de elementos sígnicos que indicam seu processamento. A decodificação dos elementos que asseguram o processamento é tão fundamental quanto a percepção. A cognição é condição, como se observa, para a correta interpretação do sistema e seu funcionamento. De outro lado, será preciso que o sistema mantenha uma chave léxica constante, permitindo sua decodificação. Ao agir aleatoriamente, quebra-se a perspectiva de reconhecimento dos elementos indicativos. A aleatoriedade, nesse caso, seria confundida com a entropia, corroborando para o desnorteamento do usuário, impossibilitado que estaria de verificar o correto funcionamento do sistema.

A percepção, como abertura do mundo para a consciência, apesar de ser fundamental para a tarefa de encontrar o mundo, não o é sozinha. Tampouco Merleau-Ponty assim a descreve. O conceito de cibercepção, termo proposto por Roy Ascott (2002) e discutido em outro artigo (ROCHA, 2012), parece buscar um alinhamento mais profícuo entre a percepção e a intelecção. Para Ascott, cibercepção é o termo que define nossa percepção ampliada pela tecnologia, no sentido de antever ações de sistemas e informações acessíveis a partir de um link, os hipertextos. Mas o termo merece uma discussão mais densa. Merleau-Ponty, ao interpelar e discorrer sobre a percepção, a caracteriza como uma primeira roupagem de sentido, cabendo ao processamento cognitivo a completude interpretativa. Reconhecimento e relações denotativas são recursos hermenêuticos supridos pela percepção. Já processamentos relacionais, causais e metafóricos, são atribuições intelectivas, nascidas na percepção, mas efetivamente completadas em estruturas mentais posteriores. Entretanto, será preciso comparar a discussão que o filósofo francês apresenta, ao descrever a capacidade perceptiva de antever, com base na experiência, a face oculta de um objeto, afirmando que a unidade perceptiva cria uma condição da visão possuir tato.

A experiência tátil pura assim como a experiência visual pura, com seu espaço de justaposição e seu espaço representado, são produtos da análise. (MERLEAU-PONTY, 1999, 627)

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ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na arte interativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo:

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.338-344. 342

Ao indicar que a distinção perceptiva é produto da análise, e não da percepção, verificamos, igualmente, uma inclinação, denunciada pelo mesmo autor, sobre a dicotomização, tida como clássica, entre corpo e consciência. O corpo resumiria a percepção e, a consciência, a atributos como antecipação, vinculadas ao índice semiótico de causalidade, por exemplo. Desse modo, se a visão alcança a identificação de links de um hipertexto, é a consciência que cria, via experiência, a antecipação de existência de alguma informação acessível a partir daquele ponto. Nesse caso, o que Ascott determina como capacidade ampliada pela tecnologia é, de fato, algo já tratado pela percepção, ao reconhecer que consciência não está para além da capacidade perceptiva, mas a partir e com a perceção. Implicar a consciência na percepção, a partir do termo cibercepção, passa a caracterizar mais um contexto em que se dá a percepção que uma caracterização ampliada, como quer Ascott.

Com a aleatoriedade do sistema, em seus feedbacks, quebra-se a perspectiva de causalidade regular, pela imprevisibilidade dada. Embora continue sabido que um feedback há de existir, a ação propriamente dita não é previsível, torna-se um jogo de dados, com qualquer ação como um possível. De outro lado, trabalhos que assumem a aleatoriedade como partido poético, desnorteiam por completo o interator, restando a ele crer que sua agência produziu, de fato, aquele feedback. Nesse ponto, a fruição é mais de base cognitiva, já que a experiência se mantém nesse campo, que perceptiva.

Cibernética e percepção na arte

Tomemos um exemplo na arte interativa: um caminhar sobre um tapete com sensores, que altera as imagens projetadas à frente, observando a localização do interator. O interator, ao deslocar pelo espaço, faz com queas imagens projetadas mudem, embora a mudança seja constante, mesmo quando não há o exercício do caminhar, por parte do interator. Ao ler a descrição do trabalho interativo, a informação é de que as alterações são ativadas aleatoriamente pelo sistema, mediante a captação da movimentação do interator sobre o tapete. O interator, nesse exemplo, caminha com maior e menor agilidade, em vários pontos do tapete, mas não consegue definir se ele mesmo promove as alterações ou se somente o

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ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na arte interativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo:

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.338-344. 343

sistema o faz ou se nem este: poderia tratar-se de um vídeo contínuo. Frente à dúvida, o interator prefere crer na descrição, que manter seus neurônios inquietos. No exemplo, embora faça parte do discurso poético a aleatoriedade, ela confere, perceptivamente, ao interator, mais dúvidas que certezas, operando exatamente entre a percepção de ausência de controle ou de agência, e a informação de seus movimentos provocarem a ação de sistema, ainda que aleatório. Falamos, necessária e estritamente, em cibernética, visto que o sistema, apesar de continuar operando em relação às projeções, não cria indicativos de funcionamento dos sensores e, portanto, de seus feedbacks. Nesse exemplo, a aleatoriedade se contrapõe à ideia de cibernética, seja de primeira ou segunda ordem, seja no contexto de primeira ou segunda interatividade.

Será preciso um mínimo de controle para fazer ver a resposta do sistema, sem o quê torna-se ingrata a sua verificação. Mais ainda, torna-se frustrada a perspectiva de interação e, por conseguinte, de fruição. Não perceber a agência resulta em não perceber a transformação, seguindo os conceitos propostos por Janet Murray (2012).

O que se verifica, nesse hipotético exemplo - mas que encontra várias similaridades em trabalhos de arte tecnológica -, é um jogo poético que aborda a percepção, a cognição e seus encontros, a partir de crenças e percepções. A arte contemporânea, e não só ela, explora elementos cognitivos a partir da percepção - não por outro motivo Ascott aborda o contexto cibernético como cibercepção -, mas quanto há na aleatoriedade a ausência de reconhecimento da causalidade interativa, o interator não reconhece o princípio poético, ao menos não pela percepção. Face a isso, o modelo entrópico acaba por gerar frustração, por vezes barrando a fruição.

Em busca de um ponto final

Havemos de concordar com Merleau-Ponty (1999) de que é da percepção que a estrutura cognoscente emerge. Se ali, na percepção, a cibernética, tida enquanto controle da entropia computacional, não se verifica, de modo similar a cognição não a alcançará, senão por outro método, o teórico.

A aleatoriedade, recurso poético que busca discutir a cibernética de primeira ordem e a primeita interatividade, estabelecendo bases para um diálogo mais produtivo

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ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na arte interativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo:

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entre interator e sistema, de modo a não caracterizar uma subserviência da máquina, busca seu adensamento no conceito de autopoiesis (MATURANA, VARELA, 1995). Ao fazê-lo, cria necessariamente um contexto ulterior da arte tecnológica, em relação à cibernética, embutindo o sistema como um elemento pró-ativo, inclusive na produção de sentido.

Essa ação, em si, ainda que reforce o caráter cibernético do sistema, o lança a outra extremidade, de possibilitar a incômodo sentido de não encontrar a agência na percepção. A imprevisibilidade do sistema resulta, nessa extremidade, em uma ausência de diálogo, uma quebra no sentido dialógico entre interator e obra-sistema. Há de se atentar, nesse quesito, para a efetiva relação entre poética, tida como estratégia de produção de encantamentos, e a interatividade, efetivada no balanço entre agência e transformação, interatividade e cibernética, percepção e cognição.

Referências

ASCOTT, Roy. A arquitetura da cibercepção. In: LEÃO, Lucia (org.). Interlab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.

COUCHOT, E.; TRAMUS, M.; BRET, M. A segunda interatividade. Em direção a novas práticas artísticas. In: DOMINGUES, Diana. Arte e Vida no Século XXI. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.

FOERSTER H. von. Cybernetics of Cybernetics. In: Krippendorff K. (ed.) Communication and Control in Society. Gordon and Breach, New York: 1979. 5–8.

FOERSTER, H. von. Ethics and second-order cybernetics. In Psychiatria Danubia, Vol. 5 Nos. 1-2, 1993, pp. 40-46.

MATURANA, H. R.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas, SP: Psy II, 1995.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 2a. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1999.

MURRAY, Janet H. Inventing the Medium: Principles of Interaction Design as a Cultural Practice. Cambridge, MA: The MIT Press, 2012.

ROCHA, Cleomar. Fenomenologia da cibercepção - DOI 10.5216/vis.v2i2.17911. Visualidades, [S.l.], v. 2, n. 2, abr. 2012. ISSN 2317-6784. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/view/17911>. Acesso em: 05 dez. 2017.

Cleomar Rocha

Pós-doutor em Poéticas Interdisciplinares (UFRJ), em Estudos Culturais (UFRJ) e em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP). Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA) e mestre em Arte e Tecnologia da Imagem (UnB). É professor Associado da UFG, atuando como professor no PPG em Arte e Cultura Visual da FAV e coordenador do Media Lab / BR. Pesquisador CNPq.

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