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CONTRATO DE SEGURO SEGURADORA RESPONSABILIDADE

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0230339

Relator: ALZIRO CARDOSO Sessão: 05 Novembro 2002 Número: RP200211050230339 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.

CONTRATO DE SEGURO SEGURADORA RESPONSABILIDADE

JUROS DE MORA CULPA IN VIGILANDO PRESUNÇÃO

ACIDENTE CULPA

Sumário

I - A responsabilidade da seguradora depende do contrato de seguro existente, pelo que a sua condenação nunca pode ir além do capital seguro uma vez que a sua responsabilidade é contratual e aquele o limite estabelecido.

II - A seguradora tem de pagar juros a partir da constituição em mora.

III - A presunção de culpa in vigilando emergente do artigo 491 do Código Civil apenas tem lugar no caso de danos causados pelo vigiado a terceiros e não ao próprio, em relação aos quais se aplicam os princípios gerais.

IV - Não se tendo provado factos que permitam afirmar que os pais da menor tenham agido culposamente e que tenham, por omissão do dever de vigilância, contribuído para a produção do acidente, não pode atribuir-se-lhes qualquer parcela de culpa.

Texto Integral

ACORDAM NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DA RELAÇÃO DO PORTO:

*

I - Relatório

1. Bento... e esposa Brasilina..., na qualidade de representantes da sua filha menor Sónia..., instauraram contra a Companhia de Seguros..., Maria... e José..., acção sumária, destinada à efectivação de responsabilidade civil

(2)

emergente de acidente de viação, pedindo a condenação dos Réus no

pagamento da quantia de 13.339.702$00, acrescida de juros de mora a partir da citação, a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela menor Sónia em consequência de acidente em que foi

interveniente o tractor agrícola de matricula ET-..-.., pertencente ao Réu José..., na ocasião, conduzido, no seu interesse e ao seu serviço, pela Ré Maria..., sua filha, à data ainda menor e seguro na Ré seguradora.

Imputaram à condutora do tractor agrícola a culpa exclusiva do acidente e alegaram que em consequência deste a menor Sónia sofreu os danos morais e patrimoniais que discriminam e computam no montante total de 13.339.702

$00.

Citados, contestaram todos os Réus.

A Ré seguradora invocou a prescrição, defendeu que o facto da condutora do tractor agrícola interveniente no acidente não estar habilitada com carta de condução exclui a sua obrigação de indemnizar, alegou que houve culpa in vigilando dos pais da menor Sónia e impugnou o montante dos danos invocados pelos Autores, concluindo pela improcedência da acção.

Os Réus Maria... e José... arguiram a incompetência material do tribunal comum, defendendo ser competente o Tribunal Marítimo de Leixões, excepcionaram a sua ilegitimidade, alegando que foi transferida para a Ré seguradora a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do veículo interveniente no acidente, invocaram a prescrição do direito que os Autores se arrogam e alegaram que o acidente ocorreu devido à omissão pelos Autores do dever de vigilância da filha menor que se atravessou inesperada e abruptamente à frente do tractor, não podendo a sua condutora evitar o atropelamento.

Impugnaram ainda o montante do danos invocados pelos Autores e concluíram também pela improcedência da acção.

Responderam os Autores, defendendo a improcedência das excepções deduzidas pelos Réus.

Em despacho unitário saneou-se o processo, foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas pelos Réus e organizou-se especificação e questionário, de que não houve reclamações.

Procedeu-se a julgamento, com intervenção do Tribunal Colectivo que julgou a matéria de facto controvertida, constando as respostas aos quesitos do

acórdão de folhas 121-124.

Após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente

procedente, condenando a Ré seguradora a pagar a quantia de 1.500.000$00 e os Réus Maria... e José... a pagar a quantia de 10.550.000$00 à Autora, quantias essas acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de

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10% ao ano desde a citação até 16-04-99 e à taxa de 7% desde 17-04-99 até integral pagamento.

Inconformados, com o assim decidido, os Autores e os Réus Maria... e José...

interpuseram recursos de apelação, que foram admitidos.

2. Na sua alegação os Autores formulam as seguintes conclusões:

a) sendo nulo o limite de 1.000.000$00 constante da apólice de seguro

versada nos autos, terá de considerar-se que o respectivo contrato de seguro deixou de ter qualquer limitação de capital, pelo que a Ré seguradora deverá responder pela totalidade do montante da indemnização fixada na sentença recorrida;

b) caso assim não se entenda, o valor do montante indemnizatório pelo qual a Ré seguradora é responsável em face do limite do capital seguro à data do acidente (1.500.000$00), deveria ser sujeito a actualização para compensar os efeitos decorrentes da desvalorização da moeda;

c) de facto entre a data do acidente (Agosto de 1984) e a data em que foi

proferida a sentença recorrida (Julho de 2001) ocorreu uma grave e acentuada erosão monetária devida à inflação, de tal forma que seria a mais profunda das injustiças não tomar em conta para efeitos indemnizatórios essa realidade e não aplicar um adequado procedimento de correcção ou compensação que permita actualizar e repor esse valor;

d) a não actualização do montante indemnizatório da responsabilidade da Ré seguradora em função da inflação implica o não cumprimento do estatuído quanto à determinação da medida do valor da indemnização em dinheiro nos artigos 566º n.º 2 e 562º do Código Civil e o desrespeito pelo critério apontado pelo artigo 551º do mesmo código para a actualização das obrigações

pecuniárias;

e) e representará uma forma de reconhecer à Ré seguradora a possibilidade de se locupletar injustificadamente à custa dos recorrentes, enquanto

credores da prestação indemnizatória, já que àquela apenas se exige que na data presente satisfaça o quantum indemnizatório pelo qual é responsável por referência ao valor corrente da moeda há cerca de dezassete anos atrás;

f) procedendo-se à actualização do limite máximo do seguro obrigatório

vigente à data do acidente (1.500.000$00) por aplicação das taxas de inflação verificadas entre a data do acidente e a data em que foi proferida a sentença recorrida, chega-se a um valor actual nunca inferior a 5.750.000$00, valor esse que deverá ser considerado como montante máximo da responsabilidade da seguradora na satisfação da indemnização pelos danos que advieram à menor Sónia... em consequência do acidente;

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g) por outro lado, a sentença recorrida enferma de um outro grave e flagrante vicio, consubstanciado no facto de ter omitido na parte dispositiva a

condenação respeitante a parte dos danos sofridos pela menor Sónia que na sentença haviam sido precedentemente apreciados, considerados provados e quantificados;

h) com efeito, examinando a sentença recorrida verifica-se que o M.º Juiz apreciou e reconheceu expressamente a existência de danos que quantificou no montante global de 13.150.000$00, mas na parte dispositiva condenou a seguradora a pagar a quantia de 1.500.000$00 e os demais Réus a quantia de 10.550.000$00, o que perfaz apenas 12.050.000$00;

i) assim, deverão os Réus ser condenados também no pagamento da quantia de 1.100.000$00, correspondente à diferença entre o valor total dos danos reconhecidos e quantificados na sentença e a soma dos valores que foram condenados a pagar à Autora.

3. Por sua vez os Réus Maria... e José..., encerram a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) à data do acidente beneficiavam de seguro que sobejamente dava cobertura ao montante dos danos sofridos pela menor Sónia;

b) o tribunal a quo não atendeu ao momento do acidente, à data da

propositura da acção e ao facto de, à data do acidente, terem seguro que dava cobertura a todos os danos morais e patrimoniais sofridos;

c) não considerou que os recorrentes não contribuíram para a propositura tardia da acção e que à data em que a acção foi proposta o valor do seguro estava praticamente engolido pela inflação, por inércia dos autores a que os recorrentes são completamente alheios.

d) a serem condenados sempre o seguro existente à data do acidente deverá cobrir os valores indemnizatórios;

e) por outro lado, a sentença recorrida não valorizou a responsabilidade da Sónia que foi quem contribuiu exclusivamente para o acidente (ou quem a devia guardar dos perigos que se mostravam à vista de toda a gente e a deixou abandonada não cuidando da sua segurança apesar de ser visível o acelerado movimento dos tractores na recolha do sargaço);

f) A sentença recorrida viola os artigos 483º, 462º, 564º, 491º, do Código Civil e os artigos 668º n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código De Processo Civil.

4. A Ré seguradora contra-alegou, defendendo que, na parte que lhe respeita, deve ser mantida a sentença recorrida.

5. Questões a decidir.

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Como é sabido é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690º e 684º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões de conhecimento oficioso.

Assim, em face das conclusões dos recursos de apelação interpostos pelos Autores e pelos Réus, são as seguintes as questões a decidir:

1) Se ocorrem as causas de nulidade da sentença recorrida previstas nas alíneas b), c) e d), do n.º 1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil;

2) Se a seguradora deve responder pela totalidade da indemnização ou se, pelo menos, o montante do capital do seguro obrigatório vigente à data do acidente deveria ser actualizado em função da inflação verificada desde aquela data até à data em que foi proferida a sentença recorrida;

3) Se houve culpa da sinistrada Sónia ou dos pais desta por culpa in vigilando.

II - Fundamentos 1. De facto

É de aceitar a factualidade dada como assente na 1ª instância, por não ter sido impugnada, nem haver fundamento para a alterar no quadro da

enumeração taxativa do n.º 1, do artigo 712º do Código de Processo Civil.

Assim, têm-se como provados os seguintes factos:

1- No dia 24-08-84, cerca das 10h15 m, na Praia de..., freguesia de..., Esposende, ocorreu o atropelamento da Autora pelo tractor agrícola de matricula ET-..-.., pertencente ao Réu José... e conduzido pela co-ré Maria..., sua filha.

2- A Ré Maria... conduzia o tractor sem para tal estar habilitada.

3- Fazia constantes deslocações de e para a praia, transportando para fora dela o sargaço que ia sendo apanhado pelos seus familiares.

4- A Autora encontrava-se a brincar com outras crianças junto à água.

5- Numa das deslocações para recolher o sargaço, a Ré Maria... colheu violentamente a Autora com a parte da frente do tractor por não se ter apercebido da presença da mesma.

6- A Autora nasceu em 6-3-81.

7- No momento do acidente o tractor agrícola era conduzido pela Ré Maria..., por ordem do Réu José..., no seu interesse, ao seu serviço, com o seu

conhecimento e sob a sua direcção efectiva.

8- Pela apólice n.º..., foi transferida para a Ré Companhia de Seguros... a responsabilidade pelos danos causados a terceiros com o veículo ET-..-.., constando da apólice, à data do acidente, a quantia de 1.000.000$00 como limite do capital seguro.

9- A Ré Maria... não se apercebeu da presença da Autora, porque circulava com desatenção.

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10- Como consequência necessária e directa do acidente a Autora sofreu hemopneumotorax, fractura do úmero direito e atrofia óptica direita.

11- Como consequência permanente e irreversível do acidente, a Autora ficou com cegueira total da vista direita.

12- Sequela essa que determinou uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 30%.

13- A Autora esteve internada desde o dia do acidente até ao dia 31-08-84.

14- Face à atrofia óptica direita a Autora foi sujeita a novo internamento hospitalar entre os dias 4 e 9-2-85.

15- Os ferimentos e lesões sofridas pela Autora acarretaram-lhe inicialmente 90 dias de doença.

16- A Autora sentiu dificuldades de adaptação à visão uniocular e constrangimento no processo de integração social.

17- A Autora sofreu enormes dores no decurso do acidente e dos tratamentos e exames médicos a que foi submetida.

18- O acidente e as lesões sofridas tornaram a Autora uma jovem taciturna e com problemas de sociabilidade.

19- Quando findar o seu processo de crescimento a Autora terá de ser submetida a uma intervenção cirúrgica ao olho direito.

20- Operação essa que custará nunca menos de 600.000$00.

21- Em internamentos hospitalares, consultas médicas, medicamentos e transportes, durante os tratamentos e exames médicos, despendeu mais de 500.000$00.

2. De direito

2. 1 Apelação dos Autores

Têm os Autores razão quando defendem existir contradição entre os

fundamentos da sentença e a decisão, na parte, respeitante, ao montante da indemnização, que os Réus foram condenados a pagar.

Com efeito, nos fundamentos da decisão concluiu-se que a Autora Sónia sofreu danos morais e patrimoniais no montante global de 13.150.000$00

(10.550.000$00 por diminuição da capacidade de ganho + 1.500.000$00 de danos morais + 500.000$00 de despesas com internamentos, tratamentos, exames médicos, consultas médicas, medicamentos e transportes + 600.000

$00 do custo da operação a que a Autora terá de ser submetida quando findar o seu processo de crescimento).

Porém, na parte decisória, condenou-se a Ré seguradora a pagar à Autora a quantia de 1.500.000$00 e os Réus Maria... e José..., solidariamente, a quantia de 10.550.000$00, o que perfaz o montante total de apenas Esc. 12.050.000

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$00.

Assim, verifica-se que há contradição lógico-juridica entre os fundamentos e a decisão, o que a acarreta a nulidade, nessa parte, da sentença recorrida

(artigo 668º n.º 1, alínea c).

Não tendo sido posto em causa o valor total dos danos indicados nos

fundamentos da sentença recorrida, impõe-se a alteração, nessa parte, por forma a que o montante total das quantias parcelares a pagar pelos Réus corresponda ao montante total, dos danos patrimoniais e não patrimoniais, apurados na sentença recorrida, nessa parte não impugnada (artigo 715º n.º 1).

Por último sustentam os Autores que o montante do seguro obrigatório deverá ser actualizado em função da inflação verificada desde a data do acidente até à data da sentença, condenando-se a Ré seguradora a pagar o montante actualizado e não apenas o valor do capital seguro à data do acidente.

Mas também, nessa parte, não lhe assiste razão.

A seguradora só poderá responder para além do limite contratualmente estipulado, quando a sua conduta seja contrária à boa fé, designadamente quando não põe à disposição do lesado o capital seguro, logo que não haja razões plausíveis para contestar, nem a responsabilidade do segurado, para ela transferida até ao limite do capital seguro, nem o montante da

indemnização devida ao lesado, situação que não ocorre no caso dos autos, dado que não lhe é imputável a demora na propositura da acção e a culpa está ainda em discussão por força do recurso interposto pelo segurado.

Com excepção da indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta de má fé, de recusa ou retardamento do pagamento das compensações devidas, o limite de responsabilidade transferida para a seguradora não pode ser

ultrapassado, por efeito da consideração da inflação ou da desvalorização monetária. (v. entre outros, os Acs. da Rel. de Évora, de 8-7-93, C.J., Tomo III, p. 291, Ac. da Rel. de Lisb. de 4-02-93, C.J., Tomo I, p. 135 e o Ac. do S.T.J. de 3-6-93, BMJ n.º 428, pág. 562).

Assim o tem afirmado a jurisprudência publicada sobre a questão em causa:

"A responsabilidade da seguradora depende do contrato de seguro existente, pelo que a sua condenação nunca pode ir além do capital seguro, uma vez que a sua responsabilidade é contratual e aquele o limite estabelecido" - Ac. do STJ, de 18-05-89, BMJ n.º 387, p. 553;

"O limite de responsabilidade transferida para a seguradora não pode ser ultrapassado, por efeito da consideração da inflação ou da desvalorização monetária” (Ac. da Rel. de Évora de 8-7-93, C.J.,Tomo III, p. 291);

“A responsabilidade da seguradora depende do contrato de seguro existente, pelo que a sua condenação nunca pode ir além do capital seguro, com

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excepção da indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta de má fé, de recusa ou retardamento do pagamento das compensações devidas – Ac. da Rel. de Lisb. de 4-02-93, C.J., 1993, Tomo I, p. 135);

Como vem sendo decidido há que destinguir entre a responsabilidade do segurado e a responsabilidade da seguradora. "Enquanto a responsabilidade do segurado, em relação a terceiras pessoas, é uma responsabilidade

extracontratual por facto ilícito ou pelo risco, representando uma divida de valor, ou seja, uma divida cujo objecto não é directamente uma soma de

dinheiro mas uma prestação de outra natureza - intervindo o dinheiro apenas como meio de liquidação - a responsabilidade da seguradora, no que concerne aos limites que se acordaram, é uma obrigação pecuniária, no sentido mais próprio e autêntico, sujeita ao principio nominalista previsto no artigo 550º do Código Civil (Ac. inédito do STJ de 24-10-91, citado no Ac. da Rel. de Évora de 8-7-93, C.J.. Tomo III, p. 291).

Daí que enquanto a obrigação do segurado está sujeita a actualização decorrente da inflação, nos termos dos artigos 562º, 564º e 566º n.º 2, do Código Civil, a obrigação contratual da seguradora, tem como limite o montante do capital seguro ou do limite mínimo do seguro obrigatório.

"A obrigação da seguradora, no quadro da responsabilidade civil automóvel afere-se pela responsabilidade do segurado, dentro dos limites do capital

seguro. Sendo a obrigação da seguradora uma obrigação pecuniária, vale para ela o principio nominalista consagrado no artigo 550º do Código Civil, por virtude do qual a prestação que a seguradora se obrigou não pode ser alvo de qualquer actualização, irrelevando, por isso, o grau de inflação monetária ocorrida entre o momento em que tal obrigação se tornou eficaz e o momento do respectivo cumprimento. Diferentemente se passam as coisas com a

obrigação de indemnizar, decorrente para o segurado, do sinistro estradal.

Está, então, em causa uma divida de valor, cuja liquidação em dinheiro, por força do disposto nos artigos 562º, 564º nº1 e 566º n.º 1 e 2 do Código Civil, haverá de ser actualizada tendo-se em conta, particularmente, a inflação monetária" (Ac. da Rel. de Lisb. de 4-02-93, C.J., Tomo I, p. 135).

Dentro das chamadas obrigações pecuniárias, há que distinguir entre as chamadas dividas de valor e as obrigações chamadas de soma ou quantidade.

Enquanto estas estão sujeitas ao principio nominalista consagrado no artigo 550º do Código Civil, só sendo a actualização admitida a titulo excepcional, às dividas de valor não é aplicável aquele principio. Trata-se de dividas que não têm directamente por objecto o dinheiro, mas uma prestação de outra

natureza ou a atribuição de certo poder aquisitivo. O dinheiro é apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação, deixa de ser nelas um instrumento de trocas, para ser apenas a medida do valor de

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outras coisas ou serviços, como é o caso, por exemplo, da indemnização, quando a reconstituição natural não seja possível.

O limite contratual, coincidente ou não com o quantitativo do seguro

obrigatório, é um limite de capital que pode vencer juros, mas que não tem de ser actualizado por não ser uma obrigação de valor, mas sim uma obrigação pecuniária, no sentido mais próprio e autêntico.

Embora o valor da indemnização deva ser actualizado, a seguradora só responde até ao limite do capital acordado entre ela e o segurado ou se inferior até limite mínimo do seguro obrigatório.

Por isso, no caso dos autos, a responsabilidade da Ré seguradora não pode ir além da quantia de 1.500.000$00, correspondente ao capital mínimo do seguro obrigatório fixado à data do acidente.

Diferente resposta merece a questão de saber se face ao limite legal do seguro obrigatório a Ré seguradora pode ou não ser condenada a pagar também juros moratórias, à taxa legal, desde a citação.

A resposta deve, quanto a essa questão ser afirmativa, sendo de confirmar a posição acolhida na sentença recorrida, no sentido de que ao limite do seguro obrigatório vigente à data do acidente acrescem juros à taxa legal a partir da citação.

A obrigação de pagar juros de mora não se confunde com a obrigação de

pagar a indemnização devida. Aquela é uma consequência da mora, ou seja, do retardamento do cumprimento desta, pelo que não se confundem:

Os limites legais respeitam apenas á obrigação de indemnizar pelo facto

ilícito; enquanto os juros de mora se destinam a indemnizar o credor pela falta do devedor em cumprir atempadamente aquela obrigação principal.

Assim, a condenação da seguradora no montante máximo coberto pelo seguro obrigatório à data do acidente, pode cumular-se com a condenação daquela em juros de mora, contados desde a data da citação. O facto da

responsabilidade da seguradora estar contratualmente limitada a 1.500.000

$00, apenas a isenta de pagar, a titulo de indemnização, quantia superior a essa, mas não de pagar de juros a partir da constituição em mora (v. Acs. do STJ, de 6-7-00, BMJ n.º 499, p. 321, de 9-03-88, BMJ n.º 375, p. 342, e de 17-01-90, BMJ 393, pág. 585, Ac. da Rel. de Coimb. de 20-12-88, C.J., 1988, Tomo V, p. 87).

Improcede, porém, por falta de qualquer fundamento legal, a pretensão dos Autores no sentido do seguro, por o capital da apólice ser inferior ao mínimo do seguro obrigatório fixado à data do acidente, passar a vigorar sem

qualquer limite de capital, bem como a pretendida actualização em função da inflação.

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2. 2 Da apelação dos Réus

Valem aqui as considerações tecidas a propósito da apreciação da apelação dos Autores, quanto à responsabilidade da Ré seguradora que, conforme se referiu, se encontra limitada ao valor do seguro obrigatório fixado à data do acidente, acrescido de juros legais a partir da citação.

Improcede, assim, na parte em que pretendem atribuir à seguradora

responsabilidade superior ao limite do seguro obrigatório, as conclusões dos Réus Maria... e José....

Arguiram estes ainda as nulidades previstas nas alíneas b), c) e d), do n.º 1, do artigo 668ºdo Código de Processo Civil. Porém, nessa parte, é manifesta a sua falta de razão. A sentença recorrida não enferma de falta de fundamentação, não deixou de apreciar e decidir qualquer questão que devesse apreciar, nem há qualquer outra oposição entre os fundamentos e a decisão, além da

apontada na apreciação da apelação dos Autores.

Defendem por último os Réus que deve ser atribuída à então menor Sónia, ou aos pais desta, por culpa in vigilando, a culpa do acidente.

Mas também, nessa parte, sem razão.

A presunção de culpa in vigilando emergente do artigo 491º do Código Civil apenas tem lugar no caso de danos causados pelo vigiado a terceiros e não ao próprio, em relação aos quais se aplicam os princípios gerais ( Ac. da Rel. do Porto, de 10-04-96, C.J., Tomo II, p. 240 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. p. 493).

Porém, como resulta do artigo 486º do Código Civil, as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.

Os pais estão legalmente obrigados a velar pela segurança e saúde dos filhos (artigo 1878º n.º 1).

Assim, pese embora a não aplicação do disposto no artigo 491º, há que

indagar se dos factos provados, se pode extrair, nos termos gerais, a conclusão de que à menor ou aos pais será de imputar alguma parcela de culpa no

acidente.

No caso em que se afirma a culpa do lesado a regra que este infringe não é estabelecida no interesse alheio mas refere-se ao seu próprio interesse. Por isso se não pode afirmar que ao violar regras de prudência, ele pratique qualquer acto ilícito. Mas os termos culpa, culposo, culpabilidade, têm aqui um sentido: a lei aludindo ao facto culposo do lesado como pressuposto da diminuição ou exclusão da indemnização quer manifestamente afastar os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico causal para apenas abranger os casos em que o

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comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável ( cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed. p. 344).

E ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus

representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado (artigo 571º do Código Civil).

Porém, não resultaram provados factos que permitam afirmar que os pais da menor Sónia tenham agido culposamente (no sentido supra apontado) e que tenham, por omissão do dever de vigilância, contribuído para a produção do acidente.

Não se provou que a então menor Sónia andasse na praia desacompanhada dos pais ou que se tenha atravessado na frente do tractor. Antes resulta dos factos assentes que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente ao facto da condutora do tractor, à data menor e sem carta de condução, por circular desatenta, não se ter apercebido da menor que se encontrava a brincar com outras crianças, junto à água, local onde veio a ser colhida.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam em:

1 – julgar improcedente a apelação interposta pelos Réus Maria... e José...;

2- julgar parcialmente procedente a apelação dos Autores, anulando a sentença recorrida, na parte em que condenou os Réus Maria... e José... a pagar à Autora apenas a quantia de 10.550.000$00 e juros, condenando-se estes a pagar à Autora a quantia de 11.650.000$00 (onze milhões seiscentos e cinquenta mil escudos) acrescida de juros de mora, à taxa de 10% ao ano desde a citação até 16-04-1999 e à taxa de 7% ao ano desde 17-04-99 até integral pagamento;

3- julgar, na restante parte improcedente a apelação dos Autores, confirmando-se a sentença recorrida.

As custas da apelação interposta pelos Réus Maria... e José... ficam a cargo destes, sendo as do recurso de apelação interposto pelos Autores devidas por estes e pelos apelados Maria... e José..., na proporção do decaimento.

**

Porto, 05 de Novembro de 2002.

Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge

Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho

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