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Melhoria de qualidade nos processos da indústria dos pneus

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Academic year: 2021

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nos processos da indústria dos pneus

Hermano Emanuel Rodrigues Maia

Dissertação de Mestrado

Orientador: Prof.ª Maria Henriqueta Sampaio da Nóvoa

Mestrado Integrado em Engenharia e Gestão Industrial

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À minha Mãe. Ao meu Pai. Aos meus Avós.

“What I want to do has no end, since I am on the endless frontier of a branch of knowledge.” Joseph M. Juran in John Butman, “Juran: A Lifetime of Influence”, 1997

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Resumo

Numa economia que se tornou definitivamente global, caracterizada por uma crescente competitividade de mercado e por clientes cada vez mais exigentes e com necessidades mais específicas, a gestão da qualidade evoluiu para um paradigma em que, através do envolvimento de todas as partes interessadas das empresas e das respetivas cadeias de abastecimento, se visa prevenir a ocorrência de defeitos desde o momento da conceção dos produtos e ao longo de todas as etapas dos processos produtivos. Para assegurar resultados financeiros sólidos, as empresas procuram, no seu quotidiano, reduzir o desperdício, diminuir os custos de não qualidade e aumentar a sua produtividade, através da melhoria contínua dos seus processos. O Grupo Continental, sediado na Alemanha, é um dos maiores fornecedores mundiais da indústria automóvel, sendo em Portugal que se localiza a sua fábrica mais eficiente. A Continental Mabor - Indústria de Pneus, S.A. dedica-se à produção de pneus para veículos de passageiros e comerciais ligeiros e encontra-se em fase de expansão, sendo crítico garantir que o crescimento da produção não comprometa a qualidade do produto final.

Foi neste contexto que se desenvolveu o projeto de dissertação de mestrado em ambiente empresarial que o presente documento encerra. O projeto contemplou três áreas de atuação: (i) os controlos do processo de misturação; (ii) a análise dos sistemas de medição das características críticas para a qualidade – o peso e a espessura – da camada calandrada; e (iii) o desperdício gerado no processo de calandragem. A metodologia adotada para resolução dos problemas existentes em cada área envolveu a definição concreta dos objetivos e prioridades, a obtenção de dados através da medição, a análise da informação recolhida com recurso a técnicas analíticas e estatísticas e, finalmente, a proposta de soluções e de ferramentas de controlo. O Grupo Continental impôs à fábrica portuguesa a implementação de um novo conjunto de controlos no processo de misturação. Neste projeto, foram analisados dois controlos: o controlo da exatidão das balanças dos misturadores, com vista à definição do procedimento e do seu impacto em termos de quebra de produção, para o que se realizou um teste piloto; e o controlo da temperatura de paletização, que implicou a definição do método de controlo e a comparação de dois equipamentos de medição através de modelos de regressão.

No âmbito dos sistemas de medição da camada calandrada, pretendeu-se quantificar a variabilidade associada ao processo de medição, a fim de perceber a adequabilidade dos sistemas existentes. Estudou-se o enviesamento e aplicaram-se testes de repetibilidade e reprodutibilidade (R&R), os quais sugeriram que o medidor de espessura apresentava uma precisão questionável, motivando a pesquisa de equipamentos alternativos mais robustos. No que concerne ao desperdício do processo de calandragem, identificou-se a emenda das telas têxteis como a principal causa de scrap. O tratamento e a análise de dados históricos, bem como o acompanhamento in loco da produção, sugeriram a relevância do fator “máquina” e do método de trabalho do operador do enrolamento na quantidade de desperdício produzida. Findo o projeto, considera-se que os seus objetivos foram globalmente cumpridos: foi delineado o procedimento de autocontrolo das balanças dos misturadores e estimado o seu impacto na produção; o método de controlo de paletização está definido e a ferramenta construída para o seu registo e análise está finalizada; foi elaborada uma proposta concreta de um sistema alternativo para a medição da espessura que deverá reduzir a variabilidade associada e permitirá uma efetiva monitorização desta característica; relativamente ao processo de calandragem, foi formulado um conjunto de recomendações, cuja implementação permitirá reduzir o respetivo desperdício.

Considera-se, então, que o projeto permitiu criar uma base sólida para a melhoria contínua da qualidade, podendo as abordagens adotadas ser replicáveis nos demais processos da Continental Mabor, de modo a reforçar a excelência e competitividade da empresa.

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Quality Improvement in Tire Industry Processes

Abstract

In a globalized economy, characterized by increasing market competitiveness and increasingly demanding customers with more specific needs, quality management evolved to a paradigm that aims to prevent the occurrence of defects, from the moment of design of the products throughout all stages of the production process, through the involvement of all corporate departments and supply chain. To ensure sound financial results, in their daily operations, companies seek to reduce waste, reduce costs of poor quality and increase their productivity through continuous improvement of their processes.

Continental Group, based in Germany, is one of the world’s largest suppliers of the automotive industry. Its most efficient plant is located in Portugal. Continental Mabor - Indústria de Pneus, S.A. produces passenger and light truck tires (PLT) and is facing a process of expansion. This expansion is a major challenge, since it is necessary to ensure that growth does not compromise final product quality.

The dissertation project in a business environment presented in this document was developed in this context. The project covered three areas: (i) the controls of the mixing process; (ii) analysis of the measurement systems of critical-to-quality characteristics – weight and thickness – of the calendered sheet; and (iii) the waste generated in the calendering process. The methodology used to address the problems in each area involved the definition of the objectives and priorities, obtaining data through measurement, analyzing the information collected using analytical and statistical techniques and, finally, proposing solutions and control tools.

The Continental Group imposed a new set of controls of the mixing process on the Portuguese factory. In this project, two controls were analyzed: the control of the accuracy of the mixers’ scales to define the procedure and determine its impact on production losses, for which a pilot test was carried out; the control of the palletizing temperature, which implied the definition of the control method and the comparison of two measurement devices through regression studies. In what concerns the measurement systems of the calendered sheet, the goal was to quantify the variability associated with the measurement process, to determine the suitability of the existing systems. The bias was analyzed and repeatability and reproducibility (R&R) studies were applied, which suggested that the thickness gauge had a questionable precision, motivating search for alternative devices that allow the implementation of a more robust system.

Regarding the waste of the calendering process, the textile ply seam was identified as the main cause of scrap. The analysis of historical data, as well as the on-site monitoring of production, exposed the relevance of both the “machine” factor and the work method of the winding operator in the amount of waste produced.

At the end of the project, it is considered that its objectives have been globally fulfilled: the procedure of self-control of the mixers’ scales was outlined and their impact on the production estimated; the palletizing control method was defined and documented and the tool developed for its registration and analysis is completed; a concrete proposal was made for an alternative thickness measurement system that should reduce the associated variability and allow an effective monitoring of this characteristic; the scrap analysis of the calendering process allowed to define a set of recommendations that, when implemented, will result in a reduction of waste. It is thought that the present project has created a solid basis for continuous improvement of quality. The adopted approaches can be applied to the other processes of Continental Mabor, in order to reinforce its excellence and competitiveness.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço à Professora Henriqueta Nóvoa, cujo apoio e constante disponibilidade contribuíram de forma ímpar para o desenvolvimento da dissertação que o presente documento encerra. A serenidade com que sempre me recebeu e a sua permanente vontade de acrescentar valor científico a esta dissertação permitiram-me enfrentar mais facilmente os desafios do projeto e alguns momentos de insegurança naturais a um trabalho académico tão relevante quanto este. Por tudo isto, pelo que me ensinou enquanto Professora e Orientadora, estou-lhe profundamente grato, acalentando a esperança de que este não seja o único projeto em que tenhamos cooperado.

Seguidamente, agradeço ao Engenheiro Rui Barbosa, o meu orientador na empresa, porque me conferiu uma elevada autonomia de ação, sem prejuízo de ter estado sempre disponível para me auxiliar na realização do projeto de dissertação, permitindo a adaptação dos seus objetivos ao rigor académico que se lhe impõe.

Um sincero obrigado à Continental Mabor, que, no âmbito do programa ContiBest, tornou possível este projeto de dissertação, tendo-me potenciado uma experiência única de crescimento pessoal e profissional.

À Clara Costa, agradeço por me ter acolhido no Departamento de Qualidade da melhor maneira, por se preocupar e fazer tudo ao seu alcance para melhorar a minha experiência na empresa. Na minha memória, guardarei os momentos de maior descontração que partilhamos com o Frederico, a quem estou também grato, por me desafiar constantemente a conhecer melhor a fábrica e o processo produtivo.

Deixo ainda um agradecimento especial à Rosário, ao Sr. Campos, ao Daniel, ao Gilberto, ao Luís, ao Ângelo, ao Jorge, ao Nuno, à Ana, ao Pedro, ao Sr. Martins e ao Sr. Rui.

Mas, sendo a dissertação o culminar de um percurso universitário de cinco anos – que, naturalmente, foi antecedido de outros doze anos de ensino – é obrigatório referir a instituição que o tornou possível.

Agradeço à FEUP pela valiosa formação que me disponibilizou e por me ter permitido, no último ano, transmitir aos novos estudantes, enquanto monitor do Projeto FEUP, uma ínfima parte dos conhecimentos adquiridos, sob a supervisão da Professora Dulce Lopes – a quem estou também muito grato.

Acrescento uma palavra de grande apreço pelos docentes do MIEGI, e em particular pela sua Diretora, Professora Ana Camanho, que, como um todo, garantem a excelência crescentemente reconhecida deste nosso curso.

Aos meus colegas e amigos Ana, Rita, Andreia e Nuno, que a FEUP me permitiu conhecer e que pontuaram de forma determinante estes últimos anos, à Márcia e ao Ricardo, que estão presentes sempre que é preciso, um fraterno obrigado.

E termino agradecendo ao meu porto seguro: a minha família.

Obrigado Mãe, por seres a minha matriz basilar de valores, por me dares liberdade para traçar o meu próprio percurso e estares sempre ao meu lado.

Obrigado Pai, pela forma sui generis com que manifestas o teu orgulho nas minhas conquistas.

Obrigado avô José, avó Lurdes e avó Fernanda por terdes sempre acreditado nas minhas capacidades – infelizmente, já não conto com a vossa presença, mas procuro que tudo o que faço vos honre e orgulhe.

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Índice de Conteúdos

1 Introdução ... 1

1.1 Enquadramento do projeto e motivação ... 1

1.2 O projeto na Continental Mabor ... 2

1.3 Objetivos do projeto ... 4

1.4 Metodologia ... 5

1.5 Estrutura da dissertação ... 5

2 Enquadramento Teórico ... 6

2.1 A Qualidade ... 6

2.1.1 Paradigmas da gestão da qualidade ... 7

2.1.2 Requisitos específicos da indústria automóvel ... 8

2.2 Projetos de melhoria de qualidade... 9

2.2.1 Six Sigma ... 10

2.2.2 Lean Six Sigma ... 12

2.3 Análise de sistemas de medição (MSA) ... 13

2.3.1 Enviesamento e repetibilidade ... 15

2.3.2 Repetibilidade e reprodutibilidade (R&R) ... 16

2.4 Síntese ... 19

3 Caracterização da situação atual ... 20

3.1 O pneu ... 20

3.2 Processo de produção de um pneu ... 22

3.2.1 Matérias-primas ... 23

3.2.2 Misturação ... 23

3.2.3 Preparação: calandragem e demais processos ... 24

3.2.4 Construção, Vulcanização e Inspeção final ... 26

3.2.5 Outras considerações sobre o processo produtivo ... 27

3.3 Descrição dos problemas ... 27

3.3.1 Controlos no processo de misturação ... 27

3.3.2 Sistemas de medição da camada calandrada ... 29

3.3.3 Scrap produzido no processo de calandragem ... 31

4 Controlos no processo de misturação ... 33

4.1 Controlo dos equipamentos de pesagem dos misturadores ... 33

4.1.1 Resultados ... 34

4.1.2 Conclusões ... 35

4.2 Controlo da temperatura de paletização ... 35

4.2.1 Resultados ... 36

4.2.2 Conclusões ... 39

4.3 Comentário ... 39

5 Sistemas de medição da camada calandrada ... 40

5.1 Testes de enviesamento e repetibilidade ... 40

5.2 Testes de repetibilidade e reprodutibilidade (R&R) ... 42

5.3 Conclusões e propostas de melhoria ... 45

6 Scrap produzido no processo de calandragem ... 47

6.1 Resultados do acompanhamento in loco da produção ... 49

6.2 Conclusões e propostas de melhoria ... 52

7 Conclusões e perspetivas de trabalho futuro ... 53

Referências ... 55

ANEXO A: Controlo de temperaturas nas câmaras de misturação ... 59

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ANEXO C: Controlo dos equipamentos de pesagem dos misturadores ... 65

ANEXO D: Controlo da temperatura de paletização ... 72

ANEXO E: Sistemas de medição da camada calandrada ... 77

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Siglas

AIAG Automotive Industry Action Group ANOVA Analysis of Variance

AV Appraiser Variation

Cg, Cgk Índices de capacidade dos sistemas de medição

CoP Cost of Production (Custo de Produção)

CTQ Critical to Quality

DMADV Define, Measure, Analyze, Design and Verify (Definir, Medir, Analisar,

Desenhar e Verificar)

DMAIC Define, Measure, Analyze, Improve and Control (Definir, Medir, Analisar,

Melhorar e Controlar)

DOE Design of Experiments (Desenho de Experiências)

EV Equipment Variation

FMEA Failure Mode and Effects Analysis

IATF International Automotive Task Force

ISO International Organization for Standardization KPIV Key Process Input Variables

KPOV Key Process Output Variables

LSS Lean Six Sigma

MS Mercado de Substituição

MSA Measurement System Analysis (Análise de Sistemas de Medição)

NDC Number of Distinct Categories

OE Original Equipment market (mercado de Equipamento Original)

PLT Passenger and Light Truck Tires (pneus para veículos de passageiros e

comerciais ligeiros)

PTR ou P/T Precision-to-tolerance Ratio

PV Part Variation

R&R Repeatability and Reproducibility (Repetibilidade e Reprodutibilidade)

SIPOC Supplier, Input, Process, Output and Customer

SPC Statistical Process Control

TQM Total Quality Management (Gestão da Qualidade Total)

TV Total Variation

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Índice de Figuras

Figura 1 - Indicadores económico-financeiros da Continental Mabor ... 3

Figura 2 - Diferença entre os conceitos de exatidão e precisão ... 14

Figura 3 - Elementos que constituem um pneu ... 21

Figura 4 - Fases principais do processo de produção de um pneu ... 23

Figura 5 - Esquema ilustrativo do processo de misturação ... 24

Figura 6 - Linha de calandragem têxtil ... 25

Figura 7 - Esquema ilustrativo da calandragem de material metálico ... 25

Figura 8 - Excerto do plano de controlo do processo de misturação ... 28

Figura 9 - Procedimento de recolha de amostras da camada calandrada ... 30

Figura 10 - Medidor de espessura montado numa bancada de base granítica ... 30

Figura 11 - Exemplos de scrap produzido no processo de calandragem ... 31

Figura 12 - Diagrama de Pareto dos custos associados ao scrap da calandragem têxtil ... 32

Figura 13 - Aspeto da camada calandrada na zona de emenda de telas têxteis ... 32

Figura 14 - Ações necessárias previamente à implementação do autocontrolo das balanças dos misturadores ... 33

Figura 15 - Pontos de medição da temperatura do composto paletizado ... 36

Figura 16 - Cartas de controlo de valores individuais e amplitudes móveis para a temperatura de paletização ... 36

Figura 17 - Modelo de regressão entre as variáveis temperatura ambiente e temperatura de paletização ... 37

Figura 18 - Modelo de regressão entre as temperaturas obtidas com o termómetro de agulha e com o pirómetro ótico ... 38

Figura 19 - Teste de medição do tipo 1 à balança ... 40

Figura 20 - Teste de medição do tipo 1 ao medidor de espessura ... 41

Figura 21 - Procedimento adotado para aplicação do teste R&R ao medidor de espessura ... 43

Figura 22 - Teste R&R ao medidor de espessura ... 45

Figura 23 - Scrap da calandragem têxtil com origem em setup, por calandra e por equipa ... 48

Figura 24 - Scrap da calandragem têxtil com origem em setup, por estilo ... 48

Figura 25 - Comprimento médio da emenda, por máquina e equipa, com base na folha de cálculo construída ... 49

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Índice de Tabelas

Tabela 1 - Semelhanças e diferenças entre Six Sigma e Lean ... 12

Tabela 2 - Regras de aceitação de um sistema de medição com base no PTR ... 18

Tabela 3 - Fatores que influenciam as características da camada calandrada ... 29

Tabela 4 - Tempo de execução das tarefas do autocontrolo dos equipamentos de pesagem dos misturadores ... 34

Tabela 5 - Resultados do teste de repetibilidade à balança ... 43

Tabela 6 - Resultados do teste R&R segundo a abordagem clássica ... 44

Tabela 7 - Teste ANOVA para o estudo R&R ... 44

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1 Introdução

No âmbito do ciclo de estudos integrado conducente ao grau de Mestre em Engenharia e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, a presente dissertação descreve um projeto desenvolvido em ambiente empresarial – in casu, na Continental Mabor - Indústria de Pneus, S.A. – que visou, por um lado, a avaliação e implementação de controlos no processo de misturação e, por outro lado, uma análise do processo de calandragem focada nos sistemas de medição das características consideradas críticas para a sua qualidade e também no desperdício gerado.

Neste capítulo introdutório, divido em cinco subcapítulos, principia-se pela identificação do tema do projeto, referindo-se a sua relevância para a Continental Mabor e o contexto que motivou a sua realização. Segue-se uma apresentação mais detalhada da empresa, caracterizando-se a sua atividade, estrutura e dimensão, como forma de retratar o ambiente em que o projeto foi desenvolvido. Ulteriormente, são definidos os objetivos do projeto e é formulada a metodologia adotada para alcançar os mesmos. Finalmente, é descrita, de forma breve, a estrutura da dissertação.

1.1 Enquadramento do projeto e motivação

A indústria automóvel revela-se um palco privilegiado no que concerne à evolução da forma como o conceito de qualidade é percecionado, o que é reconhecido por Juran e Godfrey (1999) que afirmam que a “a palavra qualidade adquiriu um novo significado no setor automóvel”. A crescente competitividade desta indústria, reforçada pelo fenómeno da globalização, exige, portanto, um esforço contínuo no sentido do aumento da eficiência e da eficácia dos processos, pelo que a aplicação de filosofias e metodologias de melhoria de qualidade pode desempenhar um papel relevante.

É nesta conjuntura que a Continental Mabor – que está inserida no Grupo Continental, um dos maiores fornecedores da indústria automóvel mundial – desenvolve a sua atividade de produção de pneus. A fábrica de Lousado1 tem sido sucessivamente eleita como a melhor unidade de produção do grupo, tanto em termos de eficiência como em termos de qualidade (Continental 2016, 15). Para tal, muito contribui o esforço persistente do Departamento de Qualidade, que procura ativamente identificar imperfeições, descobrir e agir sobre as respetivas causas, reduzindo o nível de scrap e os custos de não qualidade, de forma a assegurar a melhoria contínua dos processos.

Além de existirem programas transversais e contínuos, como o ScrapAttack, que visam a redução do nível de scrap de forma continuada, é frequente a criação de equipas multidisciplinares (isto é, que integram colaboradores de vários departamentos) às quais são atribuídos projetos de melhoria com objetivos específicos e um horizonte temporal predefinido.

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A empresa encontra-se em fase de expansão, estando em curso diversos investimentos que visam, nomeadamente, o alargamento da fábrica original e das instalações do ContiSeal2, a construção de uma nova área de inspeção final e de uma unidade de produção de pneus agrícolas (projeto LousAgro). Este aumento de dimensão da Continental Mabor constitui um importante desafio, na medida em que é necessário garantir que o crescimento da produção não comprometa a qualidade do produto final, ou seja, que o nível de scrap não aumente.

Surge, assim, neste contexto, o presente projeto de dissertação. Por um lado, pretende-se realizar um estudo crítico dos requisitos mínimos definidos pela Central (sede da Continental AG, em Hannover) em termos do controlo de determinadas variáveis do processo de misturação, tendo em conta a frequência de controlo e o impacto do respetivo tempo de execução. Por outro lado, pretende-se analisar o processo de calandragem em duas vertentes: a primeira respeita à adequabilidade dos sistemas existentes para a medição do peso e da espessura do output do processo (a camada calandrada), e a segunda corresponde ao desperdício gerado no contexto da calandragem, visando-se a determinação das causas de scrap mais relevantes e o entendimento dos fatores que as influenciam.

1.2 O projeto na Continental Mabor

A Continental Mabor – Indústria de Pneus, S.A., sediada na freguesia de Lousado do concelho de Vila Nova de Famalicão, surgiu em 1989 como uma joint-venture entre a empresa portuguesa Mabor – Manufatura Nacional de Borracha, S.A., com uma participação de 40% do capital social, e a empresa alemã Continental AG, titular dos 60% remanescentes. Cerca de três anos após a constituição da joint-venture, a investidora alemã passou a deter 100% do seu capital, tornando-se, desde então, acionista única.

A fábrica da Mabor – Manufatura Nacional de Borracha, S.A., foi inaugurada em 1946, sendo pioneira em Portugal em termos de produção de pneumáticos e contando com o suporte técnico da General Tire and Rubber Company (empresa americana de manufatura de pneus) (Continental 2017a).

A Continenal AG3 foi fundada em 1871, em Hannover, dedicando-se originalmente ao fabrico de artefactos de borracha flexível e de pneus maciços para carruagens e bicicletas. Em 1898, iniciou a produção de pneus lisos para automóveis, tendo, desde então, contribuído decisivamente para o progresso técnico deste componente. Com a aquisição da Siemens VDO Automotive AG, em 2007, passou a integrar o grupo dos cinco maiores fornecedores da indústria automóvel (Continental 2017b). Em 2016, a empresa registou um volume de negócios superior a 40 mil milhões de euros, estando presente em 56 países e contando com cerca de 220 mil trabalhadores (Cardoso 2017). Em Portugal, além da Continental Mabor, o Grupo Continental controla a Continental Pneus (comercialização de pneus), a Continental - Indústria Têxtil do Ave (produtora de telas têxteis), a Continental Lemmerz (montagem de rodas) e a Continental Teves (fabricante de sistemas de travagem) (Larguesa 2016).

Atualmente, a Continental Mabor, que se dedica à produção de pneus para veículos de passageiros e comerciais ligeiros (Passenger and Light Truck Tires, PLT) é a quarta maior exportadora portuguesa (Neves 2017a), tendo encerrado o ano de 2016 com um volume de negócios de 831 milhões de euros, um valor acrescentado bruto (VAB) de 416 milhões de euros e um resultado líquido de 226 milhões de euros (Neves 2017b). Na Figura 1, apresenta-se um

2 Nas instalações do ContiSeal, anexas à fábrica principal, é aplicado sealant no interior de pneus vulcanizados.

Os pneus com sealant constituem uma das linhas de produtos da Continental. O sealant é uma substância viscosa e aderente (espécie de goma), que atua como vedante, impedindo a fuga de ar aquando da ocorrência de furos.

3 Ao longo do texto da presente dissertação, a expressão “Grupo Continental” deve entender-se como sendo uma

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gráfico que retrata a evolução destes três indicadores económico-financeiros entre 2012 e 2016, observando-se que no ano de 2016 se atingiu o valor máximo em termos de volume de negócios, existindo uma tendência de crescimento do VAB.

Figura 1 - Indicadores económico-financeiros da Continental Mabor

No final de 2016, 1902 trabalhadores integravam o quadro permanente da Continental Mabor, mais 108 do que no ano anterior, quando a empresa contava com 1794 colaboradores com uma idade média de 38 anos (Continental 2016), esperando-se que os investimentos em curso permitam a contratação de mais duas centenas de pessoas até 2018.

A fábrica labora de forma contínua, em três turnos, sendo a produção interrompida para manutenção durante duas semanas, no verão, e quatro dias, aquando da Páscoa. Entre 1990 e 1996, a produção diária da Continental Mabor mais do que quadruplicou, passando de 5 mil para 21 mil pneus. Em 2016, a produção anual superou os 18 milhões de pneus, sendo, atualmente, produzidos cerca de 60 mil pneus por dia.

Os pneus produzidos destinam-se a dois mercados distintos4: o mercado do equipamento de origem (OE), composto pelos fabricantes de automóveis, e o mercado de substituição (MS), constituído por oficinas e lojas de venda de pneus. Em 2015, 98% da produção foi exportada, tendo o mercado de substituição absorvido cerca de 60% dos pneus produzidos, e os custos de não qualidade, em percentagem dos custos de produção (% CoP), foram de 1,53% (Continental 2016).

A estrutura organizacional da Continental Mabor é do tipo funcional, assentando em onze departamentos/direções. Embora o presente projeto tenha sido formulado pelo Departamento de Qualidade, a sua consecução implicou a colaboração com o Departamento de Engenharia, o Departamento de Engenharia Industrial, o Departamento de Produção e o Departamento de Apoio Técnico à Produção.

O Departamento de Qualidade, recentemente reestruturado, está organizado em quatro áreas – Laboratórios, Clientes e Sistemas; Processos PLT; Produto e Uniformidade; Continental

4 Aquando da inspeção final, cada pneu é classificado como OE, MS ou scrap. Os fabricantes de automóveis são

os clientes mais exigentes, sendo necessário cumprir um conjunto mais vasto de requisitos, pelo que se pode considerar que os pneus para OE são de primeira qualidade e os pneus para MS são de segunda qualidade: um pneu pode cumprir todas as exigências legais e ser considerado apto e seguro à função a que se destina, mas, se

796 316 187 794 347 196 759 336 182 821 410 243 831 416 226 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

Volume de Negócios Valor Acrescentado Bruto Resultado Líquido

m ilh õ es d e eu ro s

Indicadores económico-financeiros da Continental Mabor

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Commercial Specialty Tires (projeto LousAgro), ContiSeal e Armazém de Produtos Acabados Externo –, cujas principais funções se indicam de seguida:

• Monitorizar os processos nas várias áreas, tomando ações, quando necessário, de modo a garantir o cumprimento das especificações dos processos e produtos;

• Participar e dinamizar os diferentes grupos de análise de problemas, assegurando a melhoria contínua dos produtos e processos de fabrico, utilizando diversas ferramentas da qualidade;

• Planear e gerir o plano de calibrações dos dispositivos de medição; • Realizar os ensaios de aprovação e controlo nos laboratórios; • Desenvolver os programas de controlo estatístico do processo;

• Participar na elaboração dos planos de controlo da empresa e garantir a sua execução; • Programar, planear e gerir o sistema de auditorias internas;

• Garantir a aplicação dos requisitos dos clientes e a sua divulgação pela organização, gerindo as auditorias externas;

• Analisar as reclamações de clientes e promover a implementação de ações corretivas e preventivas necessárias e adequadas.

O projeto sobre o qual incide a presente dissertação, cujos objetivos e metodologia se descrevem nas secções seguintes, está circunscrito aos processos de misturação e calandragem, os quais são da responsabilidade da área de Processos PLT do Departamento de Qualidade.

1.3 Objetivos do projeto

No que concerne ao processo de misturação, os objetivos do projeto são os que se resumem de seguida:

• Identificar os requisitos impostos pela Central que não estão contemplados nos planos de controlo da Continental Mabor;

• Definir os equipamentos de medição mais apropriados e os métodos de controlo mais adequados, suportando a avaliação em técnicas estatísticas;

• Avaliar os recursos necessários à realização dos controlos e o impacto da sua frequência em termos de quebra de produção.

Relativamente ao processo de calandragem, pretende-se:

• Avaliar os sistemas de medição das variáveis de qualidade (peso e espessura);

• Propor sistemas alternativos que permitam minimizar a variabilidade associada à medição e que possibilitem reduzir o tempo associado ao registo, tratamento e análise dos dados;

• Medir o nível de scrap produzido;

• Identificar a principal causa de scrap, em termos de quantidade e de custo, e os fatores que a influenciam de forma mais determinante;

• Apurar se os métodos de trabalho definidos são cumpridos e estudar o impacto da sua eventual incorreta execução no nível de scrap gerado;

• Propor ferramentas para monitorizar o scrap do processo de calandragem.

O presente projeto de dissertação contempla, então, três áreas de atuação: (i) controlos do processo de misturação, (ii) análise dos sistemas de medição da camada calandrada e (iii) análise do scrap da calandragem. Só a conceção ponderada e adequada dos controlos do processo de misturação, a determinação concreta da origem da variabilidade dos sistemas de medição das características críticas para a qualidade da camada calandrada e ainda a análise estruturada e metódica do scrap gerado no processo de calandragem permitirão contribuir de forma efetiva para a melhoria de qualidade destes processos.

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1.4 Metodologia

A fim de concretizar os objetivos elencados em 1.3, procurou-se adotar, em cada uma das três áreas de atuação do projeto, uma abordagem inspirada na metodologia de resolução de problemas DMAIC (Define, Measure, Analyze, Improve and Control), tendo em conta as filosofias e técnicas revistas no capítulo 2. Assim, depois de enquadrar a atividade da empresa, o seu produto e o respetivo processo produtivo, procedeu-se da seguinte forma:

(1) Definir concretamente os problemas existentes em cada uma das três áreas de atuação, especificar os objetivos e estabelecer prioridades de ação (por exemplo, entre os quatro controlos em falta no processo de misturação priorizou-se o controlo dos equipamentos de pesagem e da temperatura de paletização, enquanto que na análise dos sistemas de medição da camada calandrada, foram estudados apenas os sistemas de medição das características críticas para a qualidade);

(2) Obter informação, sobretudo sobre a forma de dados quantitativos, para posterior análise. Neste âmbito, realizou-se um teste piloto para quantificar os tempos associados à execução das tarefas de controlo dos equipamentos de pesagem; durante um período experimental, foram medidas as temperaturas de paletização; realizaram-se testes R&R aos sistemas de medição da camada calandrada; e compilaram-se dados existentes nos sistemas informáticos sobre o scrap da calandragem. Os dados foram representados, nomeadamente, através de gráficos de dispersão e de diagramas de Pareto;

(3) Analisar os dados recolhidos, com recurso a ferramentas analíticas e estatísticas. Recorreu-se a modelos de regressão na análise da temperatura de paletização, de modo a definir o método de controlo mais fiável; foram identificadas as origens da variabilidade presente nos sistemas de medição; e determinou-se a principal causa de

scrap do processo de calandragem;

(4) Com base na análise realizada, propor soluções de melhoria e conceber métodos e ferramentas de controlo. Foi apresentada uma proposta de sistema alternativo de medição da espessura da camada calandrada e foram construídas folhas de cálculo que permitem registar e analisar (graficamente e através de indicadores de capacidade de processo) a temperatura de paletização e o scrap proveniente das emendas.

1.5 Estrutura da dissertação

A presente dissertação compõe-se de sete capítulos, com as epígrafes a seguir enunciadas: Introdução; Enquadramento Teórico; Caracterização da situação atual; Controlos no processo de misturação; Sistemas de medição da camada calandrada; Scrap produzido no processo de calandragem; Conclusões e perspetivas de trabalho futuro.

No capítulo 2, partindo da definição da palavra qualidade, apresenta-se uma análise breve da literatura publicada sobre os conceitos, as metodologias e as ferramentas que se considera estarem enquadrados no âmbito do projeto e aos quais se recorreu na consecução dos objetivos deste.

No capítulo 3, principia-se pela apresentação da estrutura de um pneu, seguindo-se uma explicação sucinta do respetivo processo produtivo. Posteriormente, são descritos, de forma detalhada, os problemas conexos ao projeto de dissertação.

Nos capítulos 4, 5 e 6, que incidem sobre cada uma das áreas de atuação do projeto, são analisados os problemas e são apresentados os resultados dos diversos testes aplicados, com base nos quais se propõe soluções e ferramentas de controlo apropriadas.

No capítulo 7, que encerra a dissertação, são elencadas as principais conclusões do projeto empreendido, bem como as possíveis perspetivas de trabalhos futuros.

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2 Enquadramento Teórico

Neste capítulo, procede-se a uma breve revisão da literatura que se entende estar enquadrada nas áreas de atuação do presente projeto, considerando os objetivos que o norteiam. Principia--se pela definição do conceito de qualidade nas suas diversas vertentes, sendo apresentado um resumo da evolução histórica dos paradigmas da gestão da qualidade e ainda identificados os requisitos específicos aplicáveis aos fornecedores da indústria automóvel. Segue-se uma revisão das abordagens e metodologias que atualmente são mais utilizadas em projetos de melhoria de qualidade. Finalmente, aborda-se a análise de sistemas de medição.

2.1 A Qualidade

O conceito de qualidade, de acordo com Dale (2003), pode ser interpretado de várias formas e utilizado em diferentes contextos, o que implica que tenha múltiplas definições. A norma NP EN ISO 9000:2015 define qualidade como o “grau de satisfação de requisitos dado por um conjunto de características intrínsecas de um objeto” (IPQ 2015), todavia, Dale (2003) considera que não existe apenas uma definição válida de qualidade e, no mesmo sentido, Montgomery (2009) aponta a qualidade como uma “entidade multifacetada”.

Garvin (1987) propôs um desdobramento do conceito de qualidade num conjunto de oito dimensões críticas, às quais, posteriormente, Montgomery (2009) associou oito questões que encerram o âmbito de cada uma daquelas dimensões: (1) desempenho – “o produto faz o trabalho pretendido?”; (2) funcionalidades extra – “o que faz o produto?”; (3) fiabilidade – “com que frequência o produto falha?”; (4) conformidade – “o produto foi feito exatamente como desenhado?”; (5) durabilidade – “quanto dura o produto?”; (6) assistência – “quão fácil é reparar o produto?”; (7) estética – “qual a aparência do produto?”; (8) qualidade percecionada – “qual é a reputação da empresa ou do seu produto?”.

Juran e Godfrey (1999) referem que, entre os vários significados da palavra qualidade, existem dois que se apresentam como críticos para a gestão da qualidade: a qualidade enquanto satisfação das necessidades dos clientes e a qualidade enquanto ausência de defeitos. No primeiro caso, o significado é orientado para a receita, visando-se a maximização da satisfação dos clientes, o que, geralmente, implica que os produtos apresentem mais ou melhores funcionalidades, acarretando um custo de produção mais elevado. No segundo caso, está em causa a conformidade do produto com as respetivas especificações, existindo uma orientação para o custo, na medida em que a ausência de erros evitará o retrabalho ou a reparação do produto, bem como a insatisfação e as reclamações dos clientes.

Montgomery (2009) prefere uma “definição moderna” da qualidade: “a qualidade é inversamente proporcional à variabilidade”. Consequentemente, Montgomery (2009) define a melhoria de qualidade como a “redução da variabilidade presente nos processos e nos produtos”, a par da “redução do desperdício”.

No contexto da indústria automóvel, Juran e Godfrey (1999) distinguem três dimensões da qualidade: (i) a “qualidade no produto”, que corresponde à capacidade global do produto em

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desempenhar as funções exigidas; (ii) a “qualidade na produção”, que se avalia pela capacidade de garantir uma produção consistente com o projetado (ausência de defeitos) sem comprometer os objetivos definidos em termos de volume e custo; e (iii) a “qualidade na ownership” que é, simultaneamente, a dimensão mais crítica e aquela cuja compreensão é mais difícil, correspondendo à capacidade de satisfazer os clientes ao longo do ciclo de vida do produto, o que tem em conta a experiência de quem o compra (quer do dono inicial, quer dos subsequentes), os custos de propriedade (custos de operação, de manutenção e de reparação, bem como a depreciação do valor do produto que influencia o valor de revenda) e ainda o valor psicológico inerente à propriedade (implicações na autoconfiança e na imagem social decorrentes da posse de um determinado produto).

2.1.1 Paradigmas da gestão da qualidade

Face à crescente competitividade de uma economia que se tornou global e para responder às necessidades de clientes cada vez mais exigentes, as empresas tiveram que repensar a maneira como perspetivavam a qualidade, assistindo-se, particularmente desde o surgimento da produção em massa no início do século XX, a um contínuo desenvolvimento da gestão da qualidade. Com base em Dale (2003), é possível identificar pelo menos quatro fases ou paradigmas da gestão da qualidade: a inspeção da qualidade, o controlo da qualidade, a garantia da qualidade e a gestão da qualidade total (TQM).

Desde a Revolução Industrial e particularmente durante o período da produção em massa, a gestão da qualidade em contexto industrial era sinónimo de inspeção, a qual tinha como objetivo que os produtos entregues aos clientes não apresentassem falhas, garantindo uma qualidade suficiente para evitar reclamações. A inspeção incidia unicamente sobre o produto final, muitas vezes a 100%, o que resultava em custos elevados – incorridos quer na deteção, quer na reparação ou substituição dos produtos defeituosos – e em elevadas quantidades de desperdício. A correção das falhas tardiamente detetadas (no final do processo de fabrico) motivava um importante consumo de recursos (operários e tempo), resultando numa “fábrica escondida” (Weckenmann et al. 2015).

Na fase da inspeção da qualidade, os problemas eram analisados segundo o triângulo “qualidade, custo e tempo”. No entanto, a intensificação da pressão económica conduziu a uma mudança de paradigma, tendo o foco da qualidade sido transferido do produto para os processos na origem do seu fabrico; já não se pretendia inspecionar e reagir, mas sim acompanhar e controlar a qualidade ao longo dos processos de produção. O controlo da qualidade motivou o surgimento de ferramentas de qualidade como o ciclo Plan, Do, Check, Act (PDCA) e os “cinco porquês”, tendo também promovido o uso generalizado do controlo estatístico de processo (SPC), a fim de identificar e reagir a alterações ao longo do tempo para evitar o desperdício (Weckenmann et al. 2015).

De facto, na época do controlo da qualidade, intensificou-se o recurso a técnicas estatísticas e a métodos de inferência, cujo desenvolvimento decorreu ainda na fase de inspeção da qualidade, sobretudo em empresas de produção em série dos EUA, tendo as cartas de controlo formuladas por Walter A. Shewhart na década de 1920 assumido um papel relevante (Cabral 2015). Ainda assim, na fase de controlo da qualidade, perdurava a lógica de reação, sendo os inputs dos processos corrigidos quando se verificava um desvio da qualidade desejada. A partir da década de 1960, a perspetiva do controlo da qualidade dos produtos e processos e da reação a

posteriori, começou a ser substituída pela perspetiva de garantir a qualidade a priori,

identificando possíveis riscos e problemas a fim de prevenir a sua ocorrência, atuando-se não só nos processos de fabrico, mas também na fase de conceção dos produtos. Neste contexto, surgiram métodos como a análise de modos de falha e seus efeitos (FMEA) (Weckenmann et

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O aumento da complexidade dos produtos e dos mercados implicou também uma crescente complexidade das organizações e das relações entre estas. A necessidade de considerar as interdependências entre organizações, particularmente entre fornecedores e compradores, e as interdependências internas (e.g. entre departamentos) na gestão da qualidade, motivou a estandardização dos requisitos de qualidade através da publicação do grupo de normas ISO 9000, que permitiu harmonizar internacionalmente documentos, atividades e a certificação da qualidade, promovendo a confiança mútua entre empresas parceiras (Weckenmann et al. 2015). Neste contexto, surgiu a perspetiva da gestão da qualidade total (TQM) que “envolve a aplicação dos princípios da gestão da qualidade a todos os aspetos da organização, incluindo clientes e fornecedores, e a sua integração com os processos-chave de negócio” (Dale 2003). A TQM pode ser vista como “uma cultura corporativa caracterizada pelo aumento da satisfação dos clientes através da melhoria contínua, na qual todos os trabalhadores da empresa participam ativamente” (Dahlgaard et al. 1998 in Andersson et al. 2006) ou como “um sistema de gestão em contínua evolução baseado em valores, metodologias e ferramentas que visam o aumento da satisfação dos clientes internos e externos empregando poucos recursos” (Hellsten e Klefsjö 2000 in Andersson et al. 2006).

A TQM, que é a base do paradigma atual da gestão da qualidade, reconhece, portanto, as relações entre a liderança, os trabalhadores, os processos, a satisfação dos clientes e os resultados do negócio, assentando no envolvimento e comprometimento de todos os níveis das organizações e das suas partes interessadas como forma de garantir a otimização do desempenho geral (Arunachalam e Palanichamy 2017).

2.1.2 Requisitos específicos da indústria automóvel

Uma parte cada vez mais significativa das organizações exige aos seus fornecedores um sistema de gestão da qualidade certificado de acordo com o grupo de normas internacionais ISO 9000, o qual compreende (i) a norma ISO 9000, que define os fundamentos e conceitos do sistema de gestão da qualidade, (ii) a norma ISO 9001, que define os requisitos, e (iii) a norma ISO 9004, que estabelece linhas de orientação para melhoria de desempenho.

Em certas indústrias, contudo, é exigido o cumprimento de mais requisitos, de acordo com as respetivas especificidades. Trata-se do caso da indústria automóvel, em que a generalidade dos fabricantes exige aos seus fornecedores uma certificação de acordo com a norma ISO/TS 169495 (renomeada como IATF 16949), a qual se baseia na norma ISO 9001, adaptando-a à realidade daquela indústria.

Além da norma IATF 16949 e ainda relativamente à estandardização de requisitos de qualidade na indústria automóvel, foram publicados pelo Automotive Industry Action Group (AIAG) diversos manuais de referência, nomeadamente sobre controlo estatístico de processo (AIAG 2005) e análise de sistemas de medição (AIAG 2010). Este grupo foi constituído em 1982, reunindo, originalmente, representantes dos três maiores fabricantes de automóveis (Ford, General Motors e Chrysler), com o objetivo de padronizar os requisitos exigidos aos seus fornecedores e aos da indústria automóvel em geral (AIAG 2017).

5 A primeira edição da norma ISO/TS 16949 ocorreu em 1999 (ISO/TS 16949:1999), como resultado do trabalho

conjunto da International Automotive Task Force (IATF) e do comité técnico para a gestão da qualidade da International Organization for Standardization (ISO) (AIAG 2016). A IATF é um grupo ad hoc que integra fabricantes de automóveis e respetivas associações comerciais, visando a melhoria da qualidade dos produtos entregues aos clientes (IATF 2017). A versão mais recente da ISO/TS 16949 data de 2009, tendo sido, em 2016, substituída e renomeada como IATF 16949.

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2.2 Projetos de melhoria de qualidade

A melhoria da qualidade consubstancia-se na eliminação do desperdício, podendo ser associada à redução da variabilidade presente nos processos e nos produtos (Montgomery 2009). O objetivo de um projeto de melhoria é identificar as causas-raiz dos problemas do processo em estudo, removendo ou mitigando os seus efeitos de forma permanente, de modo a reduzir os custos de não qualidade decorrentes das deficiências existentes (Juran e Godfrey 1999). Partindo da premissa de que “o diagnóstico deve anteceder o remédio”, Juran e Godfrey (1999) estabeleceram uma sequência universal com duas fases para a melhoria de qualidade, que permanece atual e está patente na metodologia DMAIC dos projetos de Six Sigma:

(1) A fase de diagnóstico estrutura-se em três etapas: o entendimento dos problemas (sintomas); a formulação de teorias sobre as suas causas, recorrendo, nomeadamente, a sessões de brainstorming e a diagramas de causa e efeito; e a comprovação dessas teorias, através da análise do fluxo e da capacidade do processo e de técnicas como o desenho de experiências (DOE);

(2) Na fase do remédio, são implementadas as soluções com maior potencial de entre as várias identificadas na fase de diagnóstico, iniciando-se com um teste piloto pouco abrangente (circunscrito, por exemplo, a um determinado produto ou linha de produção); se deste resultar uma efetiva melhoria de qualidade, as soluções concebidas podem ser aplicadas de forma generalizada, devendo, contudo, realizar-se uma análise de custo-benefício, de modo a aferir se as melhorias, que podem ser avaliadas pelo seu impacto na redução dos custos de não qualidade, compensam os custos inerentes à sua implementação. As alterações devem ser documentadas e os planos de controlo devem ser atualizados de modo a contemplarem verificações regulares, que permitam garantir que as melhorias são permanentes, e a promoverem a identificação de novas oportunidades de melhoria.

As abordagens sistemáticas para a melhoria de qualidade podem ser contínuas, por vezes denominadas de Kaizen (que significa melhoria contínua), ou descontínuas, sendo que ambas dependem de um esforço de equipa e visam a melhoria do desempenho dos processos. As abordagens descontínuas são disruptivas, envolvendo a reengenharia dos processos e implicando alterações radicais, cuja implementação e aceitação pelos trabalhadores pode constituir um grande desafio. Já as abordagens de melhoria contínua assentam em mudanças incrementais e menos abrangentes (focadas em problemas específicos e bem delimitados), visando de igual modo melhorias relevantes, mas menos ambiciosas do que as melhorias descontínuas (Juran e Godfrey 1999).

As primeiras abordagens estruturadas para a melhoria da qualidade surgiram no Japão, sendo o

Toyota Production System (TPS), criado na viragem para a segunda metade do século XX,

precursor na aplicação da filosofia Kaizen e na criação das bases do “pensamento Lean”, conceito introduzido por James Womack e Daniel Jones em 1996 (Al-Zu'bi 2015; Castro 2012; Womack e Jones 1996).

Lean é uma abordagem sistemática para identificar e eliminar o desperdício através da melhoria contínua, em que o fluxo dos materiais e produtos é determinado pelos pedidos dos clientes (sistema pull), visando-se a perfeição (NIST 2000 in Andersson et al. 2006). Com a evolução da qualidade na indústria japonesa, o desperdício (muda) passou a ser entendido como qualquer atividade que não acrescenta valor, do ponto de vista do cliente (Castro 2012), sendo com base nesta perspetiva que são definidos os cinco princípios da abordagem Lean:

(1) Entender o que é valor do ponto de vista do cliente: só aquilo a que o cliente atribui valor é importante;

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(2) Analisar a cadeia de valor: determinar as atividades dos processos de negócio que acrescentam valor, sendo que as atividades que não acrescentam valor devem ser modificadas ou eliminadas;

(3) Criar um fluxo contínuo: organizar um fluxo contínuo de materiais e informação ao longo da produção e da cadeia de abastecimento, evitando movimentações em lotes desnecessárias;

(4) Implementar um sistema puxado (pull): a produção deve ser determinada pela procura dos clientes, evitando-se a produção para stock; nenhum trabalho deve ser realizado, a menos que seja requerido a jusante da produção;

(5) Trabalhar no sentido da perfeição: a eliminação das atividades que não acrescentam valor (desperdício) é um processo de melhoria contínua, permanentemente inacabado (Andersson et al. 2006).

O sucesso da abordagem nipónica da qualidade conduziu a um amplo acolhimento da filosofia Lean nas indústrias europeia e americana (Al-Zu'bi 2015), tendo igualmente motivado a procura de abordagens alternativas que promovessem a competitividade. Uma das novas metodologias que assumiu maior destaque a partir da década de 1980 foi a abordagem Six Sigma, com origem na empresa norte-americana Motorola, que se detalha na secção seguinte.

2.2.1 Six Sigma

Sigma corresponde a uma letra do alfabeto grego, σ, à qual se recorre, no âmbito da Estatística, para representar o desvio padrão, que é uma medida de variação. Um nível de qualidade “Six Sigma” implica que por cada milhão de unidades produzidas, apenas 3,4 sejam defeituosas (Jirasukprasert et al. 2014). A Motorola foi pioneira na conceção e aplicação de um programa Six Sigma, tendo como objetivo reduzir a variabilidade para um nível em que a ocorrência de falhas ou defeitos fosse altamente improvável (Montgomery 2009).

Antony (2004) caracteriza a metodologia Six Sigma como uma “poderosa estratégia de negócio que recorre a uma abordagem disciplinada para atacar a variabilidade presente nos processos, aplicando ferramentas e técnicas estatísticas e não-estatísticas, de forma rigorosa”. A dimensão estratégica da abordagem Six Sigma é também percetível na definição presente em Andersson

et al. (2006): “um processo de negócio que permite à empresa melhorar drasticamente os seus

resultados, projetando e monitorizando as atividades diárias do negócio de uma maneira que minimize o desperdício e os recursos”.

A operacionalização da metodologia Six Sigma assenta num conjunto de passos pré-definidos, a saber, Define, Measure, Analyze, Improve and Control (DMAIC), ou Define, Measure,

Analyze, Design and Verify (DMADV), consoante o projeto incida sobre processos existentes

ou envolva o desenho de novos processos. DMAIC é um procedimento estruturado de resolução de problemas, que permite implementar soluções para as causas-raiz de problemas de qualidade e estabelecer as melhores práticas para assegurar que as melhorias são permanentes e replicáveis noutras áreas relevantes da empresa (Montgomery 2009). De seguida, são apresentadas as cinco fases do procedimento DMAIC:

• Fase de Definição (D)

Nesta fase, define-se a equipa de trabalho e o papel de cada participante; o âmbito do projeto e os seus limites; as expectativas e requisitos dos clientes (“ouvir a voz dos clientes”); os objetivos e os benefícios – tanto para a empresa (desempenho operacional e financeiro), como para os clientes (satisfação das expectativas) – que se espera atingir com a implementação do projeto de melhoria (Jirasukprasert et al. 2014).

Também nesta fase é crucial a identificação das características críticas para a qualidade (Critical to Quality, CTQ), na perspetiva do cliente, que o projeto deve influenciar, bem como o entendimento do fluxo do processo que se pretende melhorar, através de mapas

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de processo de alto nível como os diagramas SIPOC (identificação dos fornecedores, entradas, fases do processo, saídas e clientes) (Montgomery 2009).

• Fase de Medição (M)

Na fase de medição, pretende-se avaliar e entender o estado atual do processo, o que implica recolher dados sobre medidas de qualidade, custos e tempos de ciclo, devendo identificar-se um conjunto de variáveis chave de entrada e de saída do processo (Key

Process Input Variables, KPIV, e Key Process Output Variables, KPOV), tendo em

conta as características CTQ estabelecidas na fase D (Montgomery 2009). Estas variáveis chave, além de permitirem caracterizar o estado inicial do processo, permitirão avaliar o impacto das melhorias a implementar (Jirasukprasert et al. 2014).

A recolha de dados deve ser precedida de uma análise dos sistemas de medição (vide subcapítulo 2.3), a fim de apurar se os dados recolhidos são fiáveis, ou seja, se são exatos e precisos. Os dados recolhidos podem ser representados graficamente, nomeadamente através de histogramas, gráficos de dispersão e diagramas de Pareto, para análise na fase posterior. As atividades do processo alvo de melhoria devem ser classificadas de acordo com a sua relevância para a criação de valor, recomendando-se o registo do tempo de execução das mesmas (Montgomery 2009).

• Fase de Análise (A)

A fase de análise suporta-se nos dados recolhidos na fase M e centra-se na determinação da causa-raiz dos problemas – a qual pode ser apoiada em diagramas de causa e efeito –, visando o entendimento do motivo pelo qual ocorrem os defeitos e a identificação das oportunidades de melhoria (Jirasukprasert et al. 2014). A análise dos dados suporta--se em técnicas estatísticas, nomeadamente testes de hipóteses, intervalos de confiança, análise de variância (ANOVA), modelos de regressão e cartas de controlo (Montgomery 2009).

Os modelos de regressão permitem avaliar a relação entre as variáveis de entrada e as variáveis de saída, a fim de serem identificadas potenciais ações de melhoria. O recurso a cartas de controlo permite separar a variabilidade com origem em causas comuns (cuja remoção implica alterar o processo) e em causas assinaláveis (cuja remoção implica a eliminação de um problema específico). Para um processo estável, isto é, em que a variabilidade presente seja atribuível apenas a causas comuns, será possível estimar a capacidade do processo (Montgomery 2009).

Deve ser estabelecida uma ordem de prioridade relativamente às oportunidades de melhoria, sendo selecionadas, para investigação na fase posterior, aquelas que se considere terem maior potencial. Neste sentido, a análise de modos de falha e seus efeitos (FMEA) poderá desempenhar um papel relevante, na medida em que permite ordenar as diferentes causas potenciais de variação em termos da sua criticidade ou risco (Montgomery 2009).

• Fase de Melhoria (I)

Na fase de melhoria, o foco está na experimentação e no recurso a técnicas estatísticas que permitam definir concretamente ações que desencadeiem melhorias das características CTQ (Jirasukprasert et al. 2014). Pode proceder-se a uma alteração do fluxo do processo, o que exigirá a representação do processo através de mapas mais detalhados do que os SIPOC, como, por exemplo, os fluxogramas. Por outro lado, o recurso a desenho de experiências (DOE) permite aferir a contribuição dos diversos fatores na variação das características CTQ, o que possibilita a determinação dos respetivos níveis ótimos. Esta fase terminará idealmente com um teste piloto, que tem

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como objetivo validar a efetiva melhoria inerente às alterações introduzidas (Montgomery 2009).

• Fase de Controlo (C)

A última fase da abordagem DMAIC visa monitorizar a solução implementada, por exemplo através de cartas de controlo, e garantir que existe uma melhoria sustentada do processo. As alterações introduzidas devem ser documentadas e o plano de controlo do processo deve ser atualizado mediante a inclusão dos novos parâmetros que passarão a ser verificados periodicamente e dos métodos definidos para a sua monitorização. A literatura publicada regista diversas aplicações da abordagem Six Sigma e do procedimento DMAIC no contexto da indústria automóvel. Por exemplo, Gijo et al. (2014) desenvolveram um projeto numa pequena fábrica de fundição a fim de reduzir a percentagem de rejeição de um componente para a indústria automóvel por incumprimento das especificações. Antes da implementação do projeto, 48,33% das unidades produzidas deste componente eram rejeitadas, tendo a abordagem adotada permitido a redução daquela percentagem para 0,79%, o que possibilitou uma poupança de 8000 USD por ano (valor que compara com o custo de 1100 USD do projeto). O projeto incluiu um estudo R&R e um DOE, nas fases M e I, respetivamente, do procedimento DMAIC.

Gijo et al. (2011), por sua vez, implementaram numa fábrica de injetores de combustível destinados à indústria automóvel um projeto de Six Sigma no âmbito do processo de polimento de um componente, tendo conseguido uma poupança anual de 2,4 milhões de USD decorrente da diminuição do nível de rejeição de 16,6% para 1,19%.

Numa empresa de produção de motores para a indústria automóvel, Kumar et al. (2007), pretendendo elevar a satisfação dos clientes e reduzir os custos de não qualidade inerentes ao processo de fundição, aplicaram a metodologia Six Sigma e o procedimento DMAIC, conseguindo uma redução dos defeitos por unidade de 0,194 para 0,029, uma melhoria do índice de capacidade de processo Cpk de 0,49 para 1,28 e, consequentemente, uma poupança de 110

mil USD no primeiro ano e 250 mil USD no ano subsequente.

2.2.2 Lean Six Sigma

Embora ambas as abordagens Lean e Six Sigma visem a melhoria contínua, registam-se diferenças na maneira como perspetivam os processos, nas metodologias e ferramentas a que recorrem e nos efeitos que potenciam. Na Tabela 1, apresenta-se um resumo das características dos dois conceitos em várias dimensões de análise.

Tabela 1 - Semelhanças e diferenças entre Six Sigma e Lean, adaptado de Andersson et al. (2006)

A abordagem Lean visa a remoção do desperdício, sendo que, ao defini-lo como tudo aquilo que não acrescenta valor para o cliente, foca-se de forma mais pronunciada na satisfação dos clientes do que a abordagem Six Sigma, que se centra na redução da variabilidade, a fim de

Conceitos Six Sigma Lean

Origem Evolução da qualidade no Japão e Motorola Evolução da qualidade no Japão e Toyota

Teoria Zero defeitos Remover desperdício

Visão dos processos Reduzir a variabilidade e melhorar os processos Melhorar o fluxo dos processos

Metodologias DMAIC ou DMADV Entender a perceção do valor pelo cliente, cadeia de

valor, fluxo, pull , perfeição

Ferramentas Ferramentas analíticas e estatísticas avançadas Ferramentas analíticas

Efeitos pretendidos Poupar dinheiro Reduzir o lead time

Outros efeitos Atingir os objetivos do negócio e melhorar o

desempenho financeiro

Reduzir o inventário, aumentar a produtividade e a satisfação dos clientes

Críticas Não envolve todos, não melhora a satisfação dos

clientes, não tem uma visão de sistema

Reduz a flexibilidade, causa o congestionamento da cadeia de abastecimento, não é aplicável em todas as indústrias

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eliminar os defeitos e, consequentemente, através da redução dos custos de não qualidade, melhorar os resultados financeiros. Por outro lado, as metodologias e o tipo de ferramentas utilizadas (analíticas na Lean e sobretudo estatísticas na Six Sigma) implicam que a abordagem Six Sigma envolva um menor número de elementos da organização.

O sucesso das metodologias de melhoria contínua Six Sigma e Lean e a perceção de que a conjugação destas filosofias permite ultrapassar as respetivas limitações através do aproveitamento das sinergias que decorrem das diferenças acima enunciadas, motivaram a integração destas filosofias numa outra, mais abrangente, designada de Lean Six Sigma (LSS). Salah et al. (2010) exploram as relações existentes entre os cinco princípios Lean e as cinco fases do procedimento DMAIC, descrevendo a LSS como uma metodologia focada na eliminação do desperdício e da variabilidade, que, através da estrutura DMAIC, procura garantir a satisfação dos clientes em termos de qualidade, tempo de entrega e custo.

O reconhecimento de que a abordagem Lean Six Sigma “ajuda as empresas a prosperarem num mundo novo em que os clientes esperam que os produtos não apresentem defeitos e sejam entregues com rapidez, ao custo mínimo” (George et al. 2004 in Andersson et al. 2006), tem despertado o interesse da indústria e também da comunidade científica, tendo sido publicados, entre 2003 e 2015, 235 artigos sobre esta filosofia, como apuraram Sreedharan e Raju (2016) numa recente revisão da literatura.

2.3 Análise de sistemas de medição (MSA)

O sucesso da atividade das organizações está consideravelmente dependente da sua capacidade de recolher e tratar a informação relativa aos respetivos processos, sob a forma de dados – quantitativos ou qualitativos –, e de, ulteriormente, agir sobre essa informação. Na origem desses dados estará sobretudo a medição.

Eisenhart (1962) define a medição como “a atribuição de números a coisas materiais para representar as relações existentes entre elas relativamente a características particulares”, sendo a Metrologia, de acordo com o Bureau International des Poids et Mesures (2017) “a ciência da medição, que engloba os aspetos práticos e teóricos, qualquer que seja o nível de incerteza, o campo de aplicação ou a tecnologia”. Por sua vez, o AIAG (2010) define um sistema de medição como o processo para obter medições, o qual se estrutura num conjunto formado por equipamentos de medição, normas, métodos, operadores e ambiente.

A importância dos sistemas de medição – e, consequentemente, da sua análise –, é salientada por Montgomery (2009), que considera ser “muito difícil monitorar, controlar, melhorar, ou gerir eficazmente um processo com um sistema de medição desadequado”, comparando a situação com uma embarcação sem radar que navega com nevoeiro: “eventualmente vai embater contra um iceberg”. Pop e Elod (2015) referem também que a análise de sistemas de medição (MSA) tem um papel importante na metodologia Six Sigma.

A relevância da MSA é ainda reconhecida pela Norma ISO/TS 16949, que impõe como requisito a realização de estudos estatísticos para analisar a variação dos sistemas de medição contemplados nos planos de controlo, remetendo os métodos analíticos e os critérios de aceitação para manuais de referência como o formulado pelo AIAG (2010).

De forma simples, e adotando a formulação de Montgomery (2009), pode considerar-se que o valor apurado numa medição (y) integra, além do valor verdadeiro (x) da característica do produto em estudo, uma componente que se pode designar como erro de medição (ε), assumindo-se que x e ε são variáveis aleatórias independentes e normalmente distribuídas com μ = 0 e variâncias σP2 e σgauge2 , respetivamente.

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Na variabilidade total do processo (σTotal2 ) estão, portanto, incluídas a variabilidade do produto (σP2) e a variabilidade inerente ao sistema de medição (σgauge2 ), como se observa na equação

2.2. É, então, fundamental, por um lado, desenvolver estudos que permitam determinar essa variabilidade e, por outro lado, que o equipamento e o método de medição consubstanciem um sistema de medição com reduzida variabilidade; só assim será possível tomar decisões fundamentadas no que concerne à capacidade do processo.

σTotal2 = σP2 + σgauge2 (2.2)

Um sistema de medição desadequado, isto é, que comporte elevada variabilidade, afeta as atividades desenvolvidas para melhorar os processos, implicando, por exemplo, uma maior dimensão das amostras ou mais repetições no desenho de experiências (DOE), o que conduz a testes mais demorados e dispendiosos. Além disso, se o sistema de medição é desadequado, o estudo da variabilidade e da capacidade do processo pode sugerir problemas que afinal não existem, uma vez que essa variabilidade pode, eventualmente, resultar em grande parte do sistema de medição (Montgomery 2009).

Previamente à clarificação das condições que se entendem como necessárias para que um sistema de medição seja considerado adequado, importa discernir os conceitos “exatidão” e “precisão”. Um sistema de medição será tanto mais exato quanto mais próximas do valor verdadeiro forem as leituras geradas para a característica do produto em estudo. A precisão, por sua vez, aumenta com a maior proximidade entre as várias leituras da mesma característica do mesmo produto, sendo uma medida da variabilidade intrínseca ao sistema de medição (Montgomery 2009). A Figura 2 ilustra estes dois conceitos, através de uma analogia com um alvo em que os pontos pretos correspondem às leituras do sistema de medição e o círculo vermelho central corresponde ao valor verdadeiro.

Figura 2 - Diferença entre os conceitos de exatidão e precisão, adaptado de Davies (2013)

Knowles et al. (2003) propõem um conjunto de seis critérios para que um processo de medição seja considerado “bom”:

(1) ser linear: resposta proporcional ao longo da amplitude de medição definida para o equipamento;

(2) ser estável: inexistência de causas assinaláveis de variação;

(3) ser exato: gerar leituras próximas do valor de referência (valor conhecido ou valor verdadeiro);

(4) ser consistente: gerar para o mesmo produto leituras com reduzida dispersão;

(5) ser robusto: não ser afetado por mudanças de operador, das condições ambientais ou pela presença de fatores que causem ruído;

(6) ser capaz de suportar a análise: gerar dados quantitativos em vez de dados qualitativos (atributos). elevada exatidão baixa precisão elevada exatidão elevada precisão baixa exatidão baixa precisão baixa exatidão elevada precisão (a) (c) (d) (b)

Referências

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