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Capítulo 1 O nome dele era Jones. Pelo menos era assim que eu o chamava. Não de senhor Jones. Apenas Jones. Ele se referia a mim como meu jovem ou fil

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O nome dele era Jones. Pelo menos era assim que eu o chamava. Não de senhor Jones. Apenas Jones. Ele se referia a mim como “meu jovem” ou “filho”. E eu raramente o ouvi chamar qualquer pessoa pelo nome. Era sempre meu jovem ou minha jovem, filho ou filha.

Era velho, mas sua idade era difícil de quantificar. Não dava para saber se ele tinha 65 ou 80 anos — ou 180 anos. E todas as vezes em que eu o vi, ele carregava uma velha mala de couro marrom.

E quanto a mim? Eu tinha 23 anos quando o vi pela pri-meira vez. Ele estendeu sua mão e, por algum motivo, a pe-guei. Pensando bem, acho que esse simples ato representava um pequeno milagre. Em qualquer outro momento, com qualquer outra pessoa, dadas as circunstâncias, eu teria me en-colhido de medo ou partido para a briga.

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Eu tinha andado chorando e imagino que ele ouvira. Meu choro não era como os soluços abafados da solidão ou as lamúrias do desconforto — embora certamente eu me sentisse só e desconfortável —, mas o pranto angustiado que um ho-mem só se permite liberar quando está seguro de que não há ninguém por perto. E eu estava seguro. Errado, obviamente, mas seguro. Ao menos tão seguro quanto era possível para al-guém que passava mais uma noite debaixo de um cais.

Minha mãe sucumbira ao câncer havia muitos anos, e essa tragédia em minha vida foi agravada logo em seguida por meu pai, que deu um jeito de encontrá-la no além ao sofrer um acidente de carro que teria sido banal se tivesse lembrado de colocar o cinto de segurança.

Durante o período turbulento que eu enxerguei como “meu abandono”, tomei uma série de decisões questionáveis, e, dentro de poucos anos, cá estava eu na Costa do Golfo, sem casa, carro ou meios financeiros para adquirir qualquer um dos dois. Vivia de bicos — na maioria das vezes, limpando peixes no cais ou vendendo iscas aos turistas — e tomava ba-nho no mar ou nas piscinas dos hotéis.

Quando fazia frio, sempre havia uma garagem aberta em uma das muitas casas de veraneio vazias espalhadas pela praia. Logo aprendi que os ricos (ou seja, qualquer pessoa que tivesse uma casa de praia) sempre tinham uma segunda geladeira ou um freezer encostado na garagem. Não só eram ótimas fontes de comida e bebida, mas também funcionavam quase tão bem quanto um aquecedor se eu me deitasse próximo ao ar quente que saía da ventoinha.

Na maioria das noites, no entanto, eu preferia meu “ca-fofo” embaixo do cais no parque Gulf State. Eu tinha cavado um buraco bem largo e nivelei o fundo onde o concreto e a

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areia se encontravam. Imagine um alpendre gigantesco: espa-çoso, completamente protegido e o mais seco possível em se tratando de uma praia. Deixava meus poucos pertences ali — tralha de pesca, camisetas e shorts —, em geral por muitos dias, e nunca me roubaram. Sinceramente, nunca imaginei que alguém soubesse que eu dormia ali, e é justamente por isso que fiquei tão surpreso quando olhei para cima e me deparei com Jones.

— Venha aqui, meu filho — disse, estendendo a mão. — Venha para a luz.

Eu arrastei os pés em sua direção, segurando sua mão direita com a minha, encontrando conforto no brilho suave das lâmpadas de vapor de sódio sobre o cais.

Jones não era um homem grande — não tinha nem um metro e oitenta — mas também não era baixo. Seu cabelo branco estava todo penteado para trás. Era comprido demais, mas parecia ter sido escovado e modelado com cuidado. Seus olhos, mesmo diante de pouca luz, pareciam brilhar. Eram claros, de um azul límpido, emoldurado por um rosto profun-damente enrugado. Ainda que vestisse jeans, camiseta branca e chinelos de couro, o velho parecia majestoso — embora eu reconheça que esta é uma palavra difícil de ser aplicada a um velho de um metro e setenta e poucos que se encontrava de-baixo de um cais no meio da noite.

Já que estou descrevendo o Jones, vou aproveitar para dizer que nunca soube se ele era negro ou branco. Não sei se isso de fato importa, além da tentativa de pintar um retrato mental do sujeito, mas nunca perguntei e nem ficou claro para mim se sua pele café com leite era resultado da genética ou de uma vida inteira passada ao ar livre. De qualquer forma, ele era moreno. Ou coisa do tipo...

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— Está chorando por algum motivo em particular? — perguntou. — Talvez por alguém em particular?

Sim, pensei. Eu. Eu sou o “motivo em particular”.

— Você veio aqui para me roubar? — perguntei em voz alta.

Era uma pergunta bizarra. Acho que era um sinal do ní-vel de desconfiança que eu tinha por tudo e por todos naquela época.

As sobrancelhas do velho levantaram-se. Olhou para além de mim, para a escuridão de onde eu havia surgido há poucos momentos, e riu.

— Te roubar? Não sei... Tem algum móvel ou uma TV aí que eu não esteja vendo?

Não respondi. Devo ter baixado os olhos. De alguma forma, sua tentativa de fazer graça me fez sentir pior. Não que ele parecesse se importar.

Ele me acertou o braço como gesto de brincadeira. — Pega leve, meu jovem — ele disse. — Para início de conversa, você é muito maior que eu, então, não, não vim aqui para te roubar. Além do mais, existe uma vantagem em não ter um monte de coisas.

Olhei para ele sem entender, e ele continuou:

— Você está seguro. Não sou só eu que não vai te roubar:

ninguém vai. Você não tem nada que possa ser levado! Ele parou, consciente de que eu ainda não sorria. Na ver-dade, pelo contrário — eu estava ficando irritado.

O velho mudou de tática.

— Ei, Andy, se eu prometer que não vou te roubar nun-ca, posso pegar uma das latas de Coca-Cola que você guardou aí atrás?

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— Sim? Não? — perguntou. — Por favor? — Como você sabe o meu nome? — perguntei. — A propósito, pode me chamar de Jones.

— Tá legal. Então como você sabe o meu nome? E como sabe que tenho latas de Coca aqui embaixo?

— Isso é mole. Há tempos que venho te observando. Conheço muita gente. E suspeito que as Cocas sejam fruto de suas incursões noturnas pelas garagens dos habitantes ricos e famosos da cidade. Então... Posso pegar uma?

Eu o observei por um momento, considerando sua res-posta, e fiz que sim com a cabeça, voltando à escuridão para pegar-lhe uma Coca. Peguei duas latas e passei uma para o velho.

— Você não as sacudiu, né? — perguntou, sorrindo. En-tão, vendo que mais uma vez eu não esboçava o menor sorriso, suspirou. — Minha nossa, você é difícil mesmo.

Enquanto abria a lata de Coca, Jones mudava de posição na areia e cruzava as pernas.

— Muito bem — disse ele, dando um grande gole na latinha vermelha —, vamos começar.

— Como assim, começar? Começar o quê? — perguntei categoricamente.

Jones deu mais um gole e disse:

— Precisamos começar a perceber algumas coisas. Preci-samos testar seu coração. PreciPreci-samos de um pouco de perspectiva.

— Nem sei do que está falando — respondi. — Eu nem sei quem você é.

— Faz sentido — sorriu. — Deixe-me ver, agora... Como posso explicar? — Ele se inclinou em minha direção rapida-mente. — Sobre quem sou, pode me chamar de Jo...

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— Isso você já disse — interrompi. — O que quero saber...

— Sim, eu sei o que quer saber. Quer saber de onde eu surgi e coisas desse tipo.

Fiz que sim com a cabeça.

— Bem, essa noite eu vim lá daquela ponta da praia. Suspirei e revirei meus olhos. Rindo, ele levantou as mãos em protesto.

— Calma, tenha calma. Não se irrite com o velho Jones. — E acrescentou em um tom mais suave: — Tá bom?

Concordei, e ele continuou.

— Sou um cara que percebe as coisas. É o meu dom. Enquanto outras pessoas são capazes de cantar bem ou correr rápido, eu percebo coisas que passam despercebidas por outras pessoas. E a maior parte dessas coisas são óbvias.

O velho inclinou o corpo para trás e levantou a cabeça. — Percebo detalhes em situações e pessoas que geram uma perspectiva. Isso é o que a maioria perde de vista — a perspectiva —, uma visão mais ampla. Então dou a elas essa visão mais ampla... E isso permite que elas se reorganizem, parem para respirar e retomem suas vidas.

Por longos minutos nos sentamos em silêncio, fitando as águas mornas do Golfo do México. Eu me sentia estranha-mente calmo na presença desse velho, que agora estava deitado de lado com o cotovelo apoiado na areia e a cabeça apoiada na mão. Depois de um tempo, voltou a falar. Dessa vez fez uma pergunta.

— Então, seu pai e sua mãe não estão mais entre nós? — Como sabe disso?

Ele encolheu os ombros sutilmente, como quem diz: To-dos sabem, mas eu sabia que não era bem assim.

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Apesar de me alarmar que esse estranho soubesse tanto sobre mim, ignorei a incômoda sensação e respondi a sua pergunta.

— É, os dois estão mortos. Ele contraiu os lábios.

— Bom... É uma questão de perspectiva também. Quando o indaguei com um olhar, ele continuou. — Existe uma grande diferença entre “estar morto” e “não estar mais entre nós”.

— Não para mim — bufei.

— Não é você que não está mais aqui.

— Disso você pode ter certeza — retruquei com amar-gura. — Sou eu que estou sobrando.

Prestes a chorar de novo e em um tom nada cordial, dei-xei escapar:

— Então, qual é a sua perspectiva quanto a isso? Hein? Cuidadosamente, Jones respondeu:

— Bom, por que você acha que está aqui? Nessa situa-ção... Nesse lugar?

— Porque escolhi estar — respondi de imediato. — Por causa das minhas próprias decisões ruins. Minha atitude.

O encarei duramente.

— Tá vendo? Sei de todas as respostas. Não preciso ouvi--las de você. É tudo culpa minha, tá legal? É isso que quer que eu diga?

— Não — disse o velho, calmamente. — Só estava curio-so pra ver se tinha alguma perspectiva curio-sobre você mesmo.

— Não tenho, não — respondi. — Fui criado para acre-ditar que Deus, segundo o Seu próprio coração, coloca uma pessoa onde Ele quer que ela esteja. E aí Ele me coloca debaixo de um cais? — blasfemei, acrescentando: — A propósito,

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so-bre aquela referência da diferença entre “estar morto” e “não estar mais entre nós”, passei bastante tempo da minha vida na igreja e sei o que você está sugerindo. Só não sei se essa ladai-nha ainda me convence.

— Está bem assim por enquanto — disse Jones em tom apaziguador. — Eu sei. E entendo por que se sente assim. Mas escuta... Não estou tentando te convencer de nada. Lembre--se, só estou aqui pra...

— Pra me dar uma perspectiva, sim, eu sei.

Jones ficou em silêncio por um tempo e comecei a me perguntar se eu tinha sido rude o suficiente para calá-lo por completo. Mas não. Aquela era apenas a primeira de muitas oportunidades que eu lhe daria de desistir de mim e me deixar em paz. Mas ele não desistiu.

— Meu jovem? — perguntou Jones, enquanto retirava uma mecha de cabelo branco da frente dos olhos. — O que você pensaria se eu te dissesse que, sim, suas escolhas e deci-sões erradas contribuíram para você parar embaixo desse cais, mas que, muito além disso, embaixo desse cais é exatamente onde você precisa estar para trazer à tona um futuro que vai além do que você pode imaginar?

— Não estou entendendo — respondi. — E mesmo se entendesse, não sei se acreditaria.

— Você vai entender. Acredite em mim. Um dia você vai. Então, subitamente sorrindo, disse:

— É o seguinte, filho, todo mundo parece entender erra-do o que você disse há um minuto atrás. Por que toerra-do munerra-do pensa que a frase “Deus, segundo o Seu próprio coração, colo-ca uma pessoa onde Ele quer que ela esteja” quer dizer que Deus vai colocá-la no topo de uma montanha, num casarão ou no primeiro lugar da fila?

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“Pense comigo... Todo mundo quer estar no topo da montanha, mas lembre-se que os topos de montanha são ro-chosos e frios. Nada cresce no topo da montanha. Claro, a vista é incrível, mas de que serve uma vista? Uma vista só nos dá um vislumbre de nosso próximo destino — nossa próxima meta. Mas para alcançar essa meta, temos que sair da monta-nha, ir pelos vales, e começar a escalar a próxima encosta. É no vale que andamos pela grama exuberante e pelo solo rico, aprendendo e nos tornando o que nos permite chegar ao pró-ximo pico da vida. É por isso que afirmo que você está exata-mente onde você deve estar.”

O velho pegou um punhado generoso de areia branca e a deixou escorrer por entre os dedos.

— Pode te parecer areia pura, filho, mas nada poderia estar mais longe da verdade. Te digo que, quando deitar sua cabeça essa noite, estará dormindo sobre solo fértil. Pense. Aprenda. Reze. Planeje. Sonhe. Pois em breve... você se tornará.

Antes de ir embora aquela noite, Jones abriu sua mala, protegendo-a do meu olhar curioso, e retirou três pequenos livros de capa dura de cor laranja.

— Você lê? — perguntou.

No que fiz que sim, ele acrescentou.

— Não estou perguntando se sabe ler; estou perguntan-do se você lê.

— Leio — respondi. — Geralmente, revistas e coisas as-sim, mas leio sim.

— Muito bem — disse Jones. — Então leia isso.

Olhei para o que ele me entregou quase no escuro. Os títulos eram todos nomes de pessoas. Winston Churchill. Will Rogers. George Washington Carver. Olhei de volta para ele.

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— São livros de história?

— Não — disse ele, com um brilho no olhar —, são histórias de aventura! Sucesso, fracasso, romance, intrigas, tra-gédia e triunfo — e a melhor parte é que cada palavra é verda-deira! Lembre-se, rapaz, a experiência não é o melhor profes-sor. A experiência de outras pessoas é o melhor professor. Lendo

sobre suas vidas, você pode desvendar os segredos que contri-buíram para se tornarem grandes.

Li WINSTON CHURCHILL até o sol raiar. Foi de certo

modo confortador descobrir uma vida em que a tragédia persistiu mais do que na minha. E não deixei de notar que no fim de sua vida, Churchill encontrou o sucesso na mesma medida.

Jones se despedira de mim um pouco depois de eu come-çar minha leitura. Mal notei sua partida, mas, pela manhã, lamentei não ter sido mais simpático com o velho. Fiquei en-cabulado, um pouco envergonhado de mim, mas nem de lon-ge tão destituído de esperança como na noite anterior. Quan-do caiu a noite, já tinha terminaQuan-do de ler George Washington Carver e estava tão cansado que dormi até a manhã seguinte.

Aquele dia, lavei barcos na marina e pensei muito no que havia lido. Também fiquei de olho para ver se encontrava Jo-nes, mas ele não apareceu. Gene, gerente da marina, disse que o conhecia bem. Ele me contou que havia anos que o velho costumava aparecer na cidade.

— Na verdade, Jones já era velho quando eu era menino — disse Gene. — E tenho 52 anos.

Li Will Rogers nas 24 horas seguintes, mas se passaram

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arremes-sando uma rede na lagoa, tentando pegar camarões e tainhas para vender como isca, quando o velho apareceu atrás de mim.

— Fazendo algo de bom? — perguntou.

— Oi, Jones! — exclamei. — Não te ouvi chegar! Por onde andou? Já terminei de ler os livros!

Ele gargalhou diante do meu entusiasmo. (Na verdade, eu mesmo fiquei um pouco surpreso comigo mesmo por estar tão feliz em vê-lo.)

— Calma, rapaz! Me deixa falar — ele sorriu. — Você não me ouviu chegar porque está se mexendo tanto que não me ouviria mesmo se eu estivesse montado em um elefante. Sobre por onde andei? Por aí — inclusive te vi algumas vezes —, mas não quis incomodar. E estou feliz que tenha termina-do de ler os livros. Gostou?

— Sim, senhor — respondi, ofegante. — Gostei muito. — Que bom. Imaginei que já teria terminado os três. Espero que não se importe, mas parei no cais e os peguei de volta. E deixei mais três.

— Jura? — respondi, surpreso. — Obrigado.

— Não há de quê. Estou pegando os livros emprestados da biblioteca. Mas estou fazendo uma seleção especialmente para você.

Jones então levantou um saco plástico. — Está com fome? Eu trouxe o almoço.

— Estou sempre com fome — disse eu. — Recentemen-te sou “o cara de uma refeição só”, ou o que minha mãe cha-mava de “comedor oportunista”.

— Bem, venha — disse ele. — Saia da água. Trouxe um banquete.

O “banquete” consistia em salsichas enlatadas e sardinhas. Eu estava com fome, então comi, mas não estava lá muito

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empolgado com a comida e Jones sabia disso. Me perguntei de-pois se esse foi o motivo inicial pelo qual ele resolveu trazê-las.

Sentamos embaixo de um carvalho em uma duna, a praia logo à nossa frente e a lagoa de um azul intenso atrás de nós. Eu vestia um par de tênis velhos, jeans cortados, e estava sem camisa. Jones, em seus trajes despojados como de costume, usava uma bandana azul enrolada na cabeça. O azul daquele lenço parecia fazer seus olhos brilharem. De onde sentamos podíamos ouvir as ondas quebrando, e havia brisa suficiente para tornar suportável o calor do verão.

— Então, o que está comendo? — perguntou Jones, me fitando com um sorriso.

Olhei de volta, desconcertado. Engoli, limpando minha boca com as costas da mão.

— Como assim, o quê? Você sabe o que estou comendo. O mesmo que você.

— Mesmo? — provocou o velho com um olhar malicio-so. — Por algum motivo, duvido. Mas vamos ver... — Ele se inclinou para espiar minha comida e então voltou para mim. — O que está comendo? — perguntou novamente. — E onde está comendo?

Vendo que eu estava agora mais confuso que nunca, complementou gentilmente:

— Não é um jogo; apenas responda às perguntas. Ergui minhas sobrancelhas e disse:

— Bem...

Levantei as mãos, como que dizendo: Ainda não sei aonde você quer chegar. Então disse:

— Acho que eu...

— Não ache. Apenas me diga.

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— Onde? — Na areia. Jones sorriu.

— Foi o que pensei — disse ele, balançando a cabeça. — Foi o que pensei. Bem, os livros vão te ajudar, mas acredito que eu também possa dar uma mãozinha.

— Jones — disse eu, sacudindo a cabeça —, do que você está falando?

— Seu ponto de vista, meu garoto. É incrivelmente ne-buloso no momento, mas tenho certeza de que podemos abrir um caminho da sua cabeça para o coração e para o seu futuro.

Me senti frustrado, mas curioso. — Ainda não entendi.

Jones pôs a mão em meu ombro.

— Sei disso. E não esperava que entendesse — disse, se inclinando em minha direção. — Porque te falta perspectiva.

Ele riu da expressão em meu rosto, mas continuou. — Jovem, você só vê a areia embaixo dos seus pés e aqui-lo que você come e que gostaria que fosse outra coisa. Não estou te repreendendo, mas você vê as coisas de forma muito comum. A maioria das pessoas é como você, desgostosos con-sigo mesmos por causa de quem são, do que comem e do tipo de carro que dirigem. A maioria de nós nunca para pra pensar que existem literalmente milhões nesse mundo que não têm nossas bênçãos e oportunidades, não têm o que comer, nem mesmo a esperança de um dia terem um carro.

“A situação na qual você se encontra é mesmo cheia de dificuldades. Mas é também repleta de benefícios.”

Jones parou para meditar sobre um pensamento, espre-meu os olhos, e continuou.

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— Para você, meu jovem, existe uma lei universal: uma entre muitas, mas que é especialmente aplicável à sua vida no momento. Lembre-se, aquilo em que focar, não importa o que seja, irá aumentar.

Franzi as sobrancelhas, tentando captar o sentido de suas palavras. Felizmente, Jones não me deixou tentando adivinhar.

— Quando você foca naquilo de que precisa — conti-nuou explicando —, você percebe que suas necessidades au-mentam. Se você concentra seus pensamentos no que não tem, logo vai estar se concentrando em outras coisas das quais tinha esquecido que não tem — e se sentirá pior! Se pensar em perdas, é provável que venha a perder... Mas uma perspectiva de gratidão traz felicidade e abundância à vida de uma

pessoa.

Jones viu a dúvida estampada em meu rosto. Colocou as latas de lado e mudou a posição do corpo de modo a me enca-rar diretamente.

— Leve isso em consideração: quando estamos felizes e entusiasmados — disse ele —, outras pessoas têm prazer em estar por perto. Não é verdade?

— Acho que sim — respondi.

— Sem achismos — me censurou Jones. — Quando es-tamos felizes e entusiasmados, outras pessoas gostam de estar em nossa companhia. Sim ou não?

— Sim.

— E sabendo que oportunidades e estímulos vêm de pes-soas, o que acontece com o cara que todos querem por perto?

Eu estava começando a entender.

— Ele tem mais oportunidades e estímulos? — arrisquei. — Exatamente — afirmou Jones. — E o que acontece com uma vida preenchida com oportunidades e estímulos? —

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No que abri minha boca para falar, o velho respondeu por mim: — Uma vida preenchida por oportunidades e estímulos resulta em cada vez mais oportunidades e estímulos, e o suces-so se torna inevitável.

Ao ver a esperança e a nova compreensão em minha ex-pressão, Jones levantou o dedo.

— Devo te precaver, no entanto, que o oposto desse princípio também é verdadeiro. Quando uma pessoa é negati-va, rabugenta e desagradável, os outros mantêm distância. E aquela pessoa recebe menos estímulos e menos oportunidades — porque ninguém quer estar em sua companhia. E sabemos o que acontece com a vida sem oportunidades e estímulos...

— As coisas ficam cada vez piores — respondi.

Jones parou por um momento para deixar cair a ficha da verdade contida em minha última constatação. Então ele me ofereceu um plano de ação.

— Então como alguém se torna uma pessoa que os

ou-tros querem por perto? Deixe-me fazer uma sugestão. Faça essa pergunta a si mesmo todos os dias: “O que é que as pes-soas mudariam em mim, se pudessem?”

Pensando por um instante, tinha uma pergunta a fazer. — Jones, e se eu obtiver uma resposta sobre alguma coisa que não quero mudar?

Com um riso abafado, o velho respondeu:

— A pergunta não era sobre você inicialmente. A

pergun-ta era o que os outros mudariam em você se pudessem?

Percebendo minha incerteza, ele respondeu:

— Olha, filho, não estou dizendo que deva viver a sua vida de acordo com os caprichos dos outros. Estou simples-mente apontando que se você vai se tornar alguém influente — se quer que os outros acreditem naquilo em que você

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acre-dita ou comprem o que você tem a vender —, então as pessoas devem pelo menos se sentir confortáveis perto de você. Uma vida de sucesso tem muito a ver com perspectiva. E a perspec-tiva de outra pessoa sobre você pode às vezes ser tão importan-te quanto sua perspectiva sobre si mesmo.

Por longos minutos, permanecemos sentados em silên-cio, observando as gaivotas levantando voo, ouvindo o estou-rar das ondas na praia. Então Jones começou a catar as latas vazias e colocá-las no saco plástico. De pé, estendeu a mão e me ajudou a levantar.

— A propósito — disse ele com um sorriso enviesado —, você comeu sardinhas e salsichas enlatadas na areia. Eu

degustei dois pratos finos com vista para o mar. Ele me deu um tapinha nas costas. — É tudo uma questão de perspectiva.

Mais tarde, voltei exausto a meu lar sob o cais. Me-todicamente apoiados sobre minha caixa de equipamentos es-tavam três outros livros laranja. Mais uma vez, eram todos biografias: Joana d’Arc, Abraham Lincoln e Viktor Frankl. Escolhi Frankl primeiro, já que não o conhecia. O livro se chamava Em Busca de Sentido. Assim, aprendi que Frankl foi

um psiquiatra austríaco que sobreviveu aos campos de con-centração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Sua mulher, seu pai e sua mãe foram assassinados.

É tudo uma questão de perspectiva... Eu podia ouvir a voz

de Jones martelando em minha cabeça.

De repente percebi que havia um pedaço de papel dobra-do dentro dobra-do livro. Quandobra-do o retirei, vi que se tratava de um guardanapo. Nele estava escrito:

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Jovem,

Leia este primeiro. Estou orgulhoso de você. Jones

Lágrimas encheram meus olhos quando coloquei a carta de volta no livro. Fazia muito tempo que alguém não se orgu-lhava de mim.

Hoje sou capaz de me lembrar nitidamente que os três livros seguintes foram Harry Truman, Florence Nightingale

e o Rei Davi. Em seguida recebi Harriet Tubman, Rainha Eli-zabeth I e John Adams. O décimo terceiro, o décimo quarto e

o décimo quinto foram Eleanor Roosevelt, Mark Twain e Joshua Chamberlain. Escondido dentro do livro de Chamberlain

ha-via um bilhete de Jones, instruindo-me a, por favor, devolver pessoalmente estes três últimos livros à biblioteca, o que fiz — e eu mesmo resolvi pegar emprestado os próximos três li-vros: George Washington, Anne Frank e Cristóvão Colombo.

Não muito depois, percebi que Jones fora embora. Passei semanas o procurando e a cada esquina encontrava indícios de que ele estivera “por perto”. Jones tinha combina-do com Nancy, a combina-dona combina-do Sea N Suds, um restaurante na praia, que fritasse qualquer peixe que eu trouxesse. A promo-ção exclusiva incluía ainda uma porpromo-ção de fritas e um refresco. E os biscoitos de água e sal eram liberados, sendo que tudo me custava um dólar.

Passado pouco tempo, capitães de barcos fretados come-çaram a me contratar para lavar seus barcos e, em alguns casos, limpar o peixe de seus clientes. Todas as vezes, o nome de Jo-nes era mencionado.

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Um dia, Brent Burns, um músico que estava se apresen-tando num hotel da cidade, me disse que o velho lhe contara que eu era engraçado e sugerira que eu fizesse algum número cômico durante suas férias. Ele perguntou se eu toparia. Eu aceitei e, embora não tenha me saído tão bem, Brent achou graça do número que preparei e me encorajou com seus elo-gios e, de vez em quando, com uma refeição.

Os anos se passaram sem grandes mudanças. Conti-nuei a ler biografias, mesmo quando o cais deixou de ser o meu abrigo. Sob a influência do general George Patton, Ma-dame Curie, Joshua, Caleb, Harriet Beecher Stowe, Alexan-dre, o Grande, Booker T. Washington, Daniel Boone e mais de duzentas outras biografias, eu começava a tocar minha vida pra frente.

Num certo momento desse período, vivenciei um ins-tante cristalizador enquanto lia mais um relato sobre alguém influente, financeiramente seguro, e de grande sucesso. Perce-bi que um gráfico havia se formado em minha mente, incons-cientemente identificando sete coisas que todas essas grandes figuras tinham em comum — sete princípios aplicados por todos eles. Pensei: o que aconteceria em minha vida se eu con-centrasse e empregasse o poder desses sete princípios? Afinal, prin-cípios se aplicam sempre, em qualquer situação. E se aplicam quer eu os entenda ou não. O princípio da gravidade estava em ação bem antes da maçã cair sobre a cabeça de Newton... Ainda assim, quando ela finalmente caiu e Newton compreendeu o princípio por trás disso, a sociedade estava livre para usufruir daquele prin-cípio para voar de avião, construir pontes suspensas e muitas ou-tras coisas!

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Seguindo essa linha de raciocínio, me convenci de que os princípios de sucesso pessoal — no que tange à criação dos filhos, finanças, liderança e relacionamento — não são dife-rentes do princípio da gravidade. E uma vez que eles sempre se aplicam, e eles agem mesmo sem o meu conhecimento — concluí

porque eu não os aproveito e os aplico em minha vida, para criar o futuro que Deus quer para mim?

Dito e feito.

Minha vida hoje, o bem-estar de minha família e qual-quer sucesso que alcançamos foram resultados diretos do po-der desses sete simples princípios. Há alguns anos, partilhei esses princípios com o mundo em um livro que entrou na lista de mais vendidos do New York Times e que, desde então, foi

traduzido para mais de vinte idiomas. A viagem da sabedoria é

usado por corporações, equipes, governos e indivíduos no mundo todo.

A viagem da sabedoria conta a história de uma família

que está passando por um período trágico. No decorrer da narrativa, é concedido ao pai o poder de viajar no tempo e conhecer sete personalidades históricas que estão passando por uma fase conturbada e de privações. Cada uma dessas pessoas — entre elas Harry Truman, Anne Frank, Abraham Lincoln, o rei Salomão e Cristóvão Colombo — oferece um princípio isolado a ser incorporado à sua vida. E por causa desses sete princípios, sua vida é transformada para sempre.

Portanto, se já me ouviu falar em um evento corpora-tivo ou leu qualquer dos meus livros e se perguntou o que me levou a ler mais de duzentas biografias — livros que me con-duziram aos sete princípios —, agora você sabe. Foi um velho

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homem chamado Jones que se interessou (ou se compadeceu) por um jovem passando pela pior fase de sua vida.

Não teve um dia nesses últimos 25 anos de minha vida em que não pensei no velho Jones. No dia de meu casamento, desejei que ele estivesse lá. Queria que ele se sentasse na pri-meira fileira, onde meu pai deveria estar. Quando cada um dos meus filhos nasceu, saí do hospital sozinho e caminhei à meia--luz da madrugada, na esperança de encontrar Jones ali, me aguardando, sorrindo, pronto para dar um bom conselho e me tranquilizar sobre meu futuro como pai. Houve tantas ve-zes que desejei passar uma hora sozinho com o velho homem. Mas nunca mais o vi.

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