A TÉCNICA
*"A técnica é a experiência individual, despersonalizada, transmitida e capitalizada, uma maneira de fazer separada das razões de fazer, o ato despojado de seus motivos."
FABRE
As competições esportivas de mais alto nível (Jogos Olímpicos, campeonatos dos Estados Unidos ou da Europa, encontros internacionais etc.) põem em evidência, num dado momento, a excelência dos métodos de treinamento e o grau de perfeição alcançado pelos gestos dos nadadores.
Cada nadador tem um ESTILO que o caracteriza, uma maneira pessoal de se comportar na água, de resolver o problema que lhe é proposto, por exemplo: percorrer nadando, o mais rapidamente possível, uma determinada distância; tal maneira foi adquirida e depois estabilizada por um número considerável de quilômetros percorridos a nado.
Evidentemente seria cômodo considerar que o desempenho tem como causa única o estilo. Educadores, treinadores pouco prudentes, que copiam o que está na moda, deixam‐se influenciar por isso, dando a impressão de grande inconstância nas suas convicções. Para ter alguma oportunidade de eliminar as características excepcionais dos fatores do desempenho que não estejam ligados ao gesto, é preciso levar em consideração um número significativo de nadadores do mais alto nível e, para cada modalidade de nado, tirar os elementos que permanecem constantes e comuns. (É necessário despersonalizar.)
É assim que se poderia passar do estilo ou dos estilos (que destacam aquilo que distingue os nadadores) à TÉCNICA que reúne numa mesma representação tudo o que os melhores especialistas podem ter de comum, e que, para uma dada época, representa o conhecimento prático mais elaborado. É verdade que a técnica está destinada a ser transmitida, enriquecida, melhorada. Seria absurdo abandonar o indivíduo tateando e fazê‐lo reviver a experiência das gerações que o precederam. Pelo fato de constituir uma aquisição cultural, a técnica faz parte do patrimônio do qual cada um pode e deve se apropriar.
No afã de melhor conhecer‐lhe a essência, de enriquecê‐la, são utilizados meios de pesquisa cada vez mais numerosos, mais adequados, mais precisos, tais como: a cronofotografia, o estreboscópio, o cinema ou o magnetoscópio que estudam o gesto na água; a biomecânica aplica‐se à natação. Todos os elementos reunidos e confrontados culminam em uma certa concepção do gesto e realizam um primeiro grau de abstração da realidade; nesse sentido a técnica é uma construção. Para ser transmitida, a técnica necessita de um "suporte". Nesta obra utilizamos essencialmente o desenho feito a partir de fotos ou de cronofotografias, a descrição escrita. Surgem lacunas inevitáveis e é preciso tomar consciência delas.
Através dos desenhos é possível representar melhor as situações no espaço, embora este esteja reduzido a "duas dimensões"; mas eles expressam muito mal as modificações em função do tempo.
A descrição oral ou escrita aborda geralmente o gesto e suas diferentes partes segundo uma certa ordem ‐ por exemplo: equilíbrio do corpo ‐ ação dos braços ‐ ação das pernas ‐ respiração ‐etc. Mas essa ordem mesmo quando pretende ser lógica, nem por isso é menos arbitrária. Por natureza, a descrição (que utiliza apenas um único "canal") é imprópria para relatar simultaneamente dois ou vários fenômenos que acontecem no mesmo instante em pontos diferentes do espaço; se eles dizem respeito aos braços e às pernas, por exemplo, ela deve evocá‐los sucessivamente e por essa razão introduzir uma "ordem" que não está na coisa observada. A descrição não nos capacita melhor para abordar as modificações em função do tempo; é sempre difícil especificar as características do ritmo. Notemos finalmente que a melhor descrição apenas nos fornecerá um MODELO
INCOMPLETO e IMPERFEITO. Com efeito, ela nunca permitirá relatar a realidade na sua TOTALIDADE e os termos mais bem escolhidos jamais traduzirão de forma absolutamente FIEL
essa mesma realidade.
Não se deve deduzir daí que a técnica deva ser negligenciada ou que o modelo representado pelo melhor nadador atual seja inacessível e não possa ser ultrapassado. Os fatos, muito rapidamente, desmentiriam tais afirmações.
No capítulo FORMALIZAÇÃO DA TÉCNICA o leitor encontrará evocado o novo "tratamento" que se impõe para ser utilizável pelo pedagogo ou treinador. Atualmente, quatro modalidades de nado são praticadas em competições: 1. O CRAWL (nado livre) em todas as provas, longas ou curtas, de nado livre. 2. O nado BORBOLETA em todas as provas de nado borboleta. 3. O NADO DE COSTAS em todas as provas de nado de costas. 4. O NADO DE PEITO em todas as provas de nado de peito.
As três últimas modalidades de nado constituem o grupo dos NADOS DE
ESPECIALIDADE.
Nas provas de nado livre, o competidor tem o direito de utilizar qualquer modalidade de nado e ate' mesmo de mudá‐la. Para partir, contudo, ele deve "mergulhar" (art.61).
Nos nados de especialidade, o regulamento mostra‐se cada vez mais exigente. Assim, em nado de costas, o nadador é obrigado a conservar sua posição dorsal sem que se especifique se os membros agem simultânea ou alternativamente. O regulamento da F.IN.A.1 (Federação Internacional de Natação Amadora) é mais restritivo ainda quando se trata do nado borboleta e principalmente de peito.
1
Esse regulamento figura no Anuário, editado todo ano pela Federação Francesa de Natação, 148, Av. Gambetta, 75020, Paris.
Nas provas de "quatro nados", quer individuais, quer em equipe, o termo "nado livre" designa qualquer nado que não seja o de costas, o de peito ou o borboleta. Com efeito, a técnica do crawl (nado livre) é praticamente a única utilizada.
Nas provas "em equipe" ou revezamento, a ordem é a seguinte: costas, peito, borboleta, livre.
Nas provas "individuais", a ordem dos nados é determinada da seguinte maneira: borboleta, costas, peito, livre.
A maneira mais eficiente de realizar estas diferentes modalidades de nado constitui o que habitualmente chamamos de técnica. Isso supõe uma certa estabilidade das formas de propulsão definidas, e sua validade para todos os indivíduos.
O crawl (nado livre)
O crawl é atualmente a única modalidade de nado praticada nas provas de nado livre, pois é a forma de propulsão que apresenta o melhor rendimento. Os documentos que publicamos no começo da obra provam com evidência que o nado que hoje chamamos crawl, adotando uma terminologia anglo‐saxônica era praticado bem antes do aparecimento da nossa civilização.
O ensino de tipo analítico na Europa só poderia culminar com o empobrecimento técnico e absolutamente não é paradoxal ver que o ressurgimento deste nado tenha se embrenhado por uma via complexa, como se ele tivesse permanecido prisioneiro da prática exclusiva do nado de peito.
Nesse quadro historicamente limitado, o crawl, visto através das competições esportivas, nasceu do aperfeiçoamento trazido ao que se chamou de “double over arm
stroke", isto é, um nado que utiliza ações alternadas dos braços e das pernas; estas últimas
efetuam‐se num plano oblíquo em relação à superfície da água. O "double over arm strok" já era considerado um aperfeiçoamento do "trudgeon" que utilizava ações simultâneas das pernas.
Toda a evolução dos nados esportivos parece caminhar no mesmo sentido, a saber, que os nados procuram uma colocação ótima das articulações dos membros superiores e inferiores, de forma a pôr em jogo, numa profundidade ótima, ações de grande amplitude que tendem a se afastar o mínimo possível do eixo de deslocamento. O rendimento do nado pode resultar de diversos fatores: ‐ Da utilização máxima das massas musculares que têm o melhor rendimento; ‐ De um relaxamento muscular completo fora das fases propulsivas; ‐ De uma respiração fisiologicamente adequada; ‐ De uma resistência frontal reduzida; ‐ Da procura da melhor sincronização das ações do membro inferior e superior etc.
Todas as etapas da evolução da técnica do crawl enfatizaram alternativamente um ou vários destes princípios, para chegar à técnica moderna que tende a utilizá‐los todos.
É reconfortante assinalar que nadadores como: Gottvallès, Schollander, Wenden, Rousseau, Spitz, que até hoje permanecem entre os melhores do mundo, são nadadores que têm uma excelente técnica. Seus desempenhos, em boa parte, devem‐se à precisão dos gestos que eles utilizam, de acordo com os princípios definidos mais acima. Em igualdade de nível de treinamento, aquele que possuir a melhor técnica terá sempre vantagem, razão pela qual, o fato de um nadador melhorar sua técnica acarreta sempre melhoria de seus desempenhos, concretizada por um ganho de tempo. Um certo número de modas influenciou a técnica do crawl. Como todas as modas, elas nasceram da imitação, pelos outros, de um estilo utilizado com êxito por este ou aquele campeão.
A mobilidade dos apoios, a dificuldade em determinar experimentalmente os planos nos quais os membros devem se deslocar fizeram com que os treinadores e os nadadores tivessem sempre procurado e ainda procurem melhorar a eficiência dos gestos, modificando‐lhes as formas e os ritmos. Uma idéia feliz neste domínio pode convir às disposições deste ou daquele nadador; mas daí a fazer uma regra geral há uma margem que é justamente a que separa o estilo da técnica.
Veremos que as diferenças fundamentais observadas devem‐se a coordenações diferentes ou a localizações diferentes das ações propulsivas dos braços, um em relação ao outro.
Descrição
O equilíbrio do corpo
Acreditamos que falar de equilíbrio é mais sensato do que falar de uma "posição do corpo" em relação aos membros, considerando sempre que o equilíbrio de um ser vivo éuma perpetua “procura de equilíbrio”. É exatamente o que acontece na natação, onde as ações dos membros (isoladas, coordenadas ou sincronizadas) têm tendência a modificar constantemente a linha geral do corpo e seu equilíbrio na água.
O conceito de equilíbrio abrange, com efeito, um conjunto rico e complexo onde entram em jogo fatores físicos ligados às forças que se exercem sobre o indivíduo ou que o indivíduo exerce sobre o meio;e fatores fisiológicos que determinam inconscientemente no indivíduo a coordenação e a sincronização de seus gestos, bem como a orientação de seu corpo e de seus deslocamentos.
Somos levados a considerar a influência de um certo número de fatores:
a) Densidade: Ela varia de maneira notável nos adultos. O volume torácico e o grau de
tonicidade ou de desenvolvimento do sistema muscular muitas vezes funcionam em sentido inverso. Os nadadores que têm baixa densidade podem tender a se orientar para o nado de longas distâncias. O nado de velocidade exige cada vez mais um desenvolvimento da força muscular; este leva freqüentemente a um aumento da densidade.
Fig. 32.: Coincidência do fim da tração com a ação re‐equilibrante de uma perna. b) Ações motoras: Esta função está reservada aos membros e à sua articulação ao tronco. Sua distância do eixo do corpo revelar‐se‐á perturbadora do equilíbrio na transmissão das forças. Isto acontece também com as mãos que criam e utilizam os "apoios motores". A técnica da ação dos braços, conforme seja melhor ou pior dominada, acarretará desequilíbrios observáveis nos diferentes planos do espaço ou então contribuirá para atenuá‐ los. As oscilações laterais mais evidentes parecem ligadas a uma passagem do braço afastado (exteriormente) do plano vertical que contém o eixo de deslocamento.
Menos freqüente e às vezes deliberada, a passagem dos braços por dentro será acompanhada de uma imersão considerável do ombro (Fig‐ 33).
Por causa da força utilizada e da rapidez dos trajetos, os nadadores de velocidade parecem não poder realizar movimentos axiais de braços por tanto tempo quanto os de nadadores de distância.
As oscilações laterais são específicas dos nados alternados.
Veremos como e por que, nas proximidades da superfície, são evitados os movimentos intempestivos dos braços, os quais acarretariam oscilações verticais.
Fig. 33. Veremos enfim que as variações de velocidade, assimiladas por nós a oscilações longitudinais, são, neste nado e particularmente nos melhores nadadores, as mais reduzidas.
c) Respiração: Em função da duração aquém da qual ela não poderia permanecer, a fase
inspiratória, exigindo que a boca seja mantida na superfície, mostra‐se tanto mais desequilibrante quanto mais rápido for o nadador. Os nadadores de velocidade encontram‐se por isso diante de um dilema; quanto mais rápido eles nadem, mais aumenta a necessidade de oxigênio. Porém, quanto mais elevada for a cadência dos braços, mais reduzido será o tempo reservado à inspiração. Cada vez são mais numerosos os nadadores que prolongam o tempo inspiratório até a metade do retorno aéreo do braço (e às vezes além). Acontece que certos desequilíbrios tornam‐se "benéficos" pois a melhor oxigenação compensa a pequena perda de rendimento motor.
A cada fase inspiratória, o ciclo dos braços vê‐se perturbado (cf. a perda de simetria do gesto em Shane Gould, cuja estrutura rítmica inclui uma inspiração).
d) Movimento das pernas: Evocar, nos nados, uma possibilidade de movimento das pernas
independentemente do movimento dos braços e da respiração, procede de uma análise superficial. Evidenciamos em nadadores de seis batimentos e em nadadores de dois batimentos fases superponíveis posto que ligadas à função re‐equilibradora das pernas.
Fig. 34. O tempo dos nadadores dominando a água parece terminado. Nesta foto o prestigioso nadador Spitz está muito imerso.
É revelador constatar a importância crescente da utilização das pernas, em alto nível, nos nadadores de distância.
e) Visão: Num grau menos ou mais importante e a intervalos menos ou mais próximos, o
nadador utiliza a visão para se orientar, quer por ocasião das fases inspiratórias (a respiração alternada pode ser preferida), quer fora dessas fases (a marcação padronizada das piscinas é importante). Sem referencial exterior num fundo totalmente branco e uniforme, ou de olhos fechados, os melhores nadadores não se deslocam em linha reta.
As informações tácteis devem combinar‐se com o conjunto dos estímulos exteroceptivos e contribuir para a simetria da propulsão.
f) Velocidade e estatura: Poderíamos enfim notar a influência da velocidade e do tamanho dos
Assinalemos, como sincinesias ainda não superadas, o comportamento de nadadores principiantes "dobrados" sobre a água: nádegas muito levantadas, enquanto os abdominais se contraem ao mesmo tempo que os músculos que abaixam os braços.
Num grau menor, esse mesmo fenômeno pode ocorrer em conexão como movimento das pernas.
O movimento dos braços
Para comodidade da descrição, consideramos o mesmo esquema para os nados que utilizam movimentos alternados dos braços: 1. Movimento de um braço; 2. Movimento de um braço em relação ao outro, isto é, a coordenação pela qual seremos levados a estudar as diferentes tendências.
Movimento do braço
Ele se caracteriza por dois momentos:‐ Um movimento de trás para diante em relação ao sentido do nado, de preparação ou de condicionamento favorável à fase seguinte e que chamamos de RECUPERAÇÃO.
‐ Um movimento de frente para trás em relação ao sentido do nado, essencialmente motor e inteiramente subaquático. Esse movimento motor pode também subdividir‐se em duas fases: o Uma tração; o Um impulso. a) Retomo Descrição: De maneira clássica, tendo o braço terminado seu impulso ao longo da coxa, o ombro sai da água, levando consigo o braço, o cotovelo depois o antebraço e a mão. O antebraço está dobrado sobre o braço, a mão está descontraída.
Fig. 35. Certos nadadores têm uma flexão pouco acentuada do cotovelo (descontração com cadência elevada).
Fig. 36. Retorno clássico — o antebraço e a mão estão descontraídos.
Depois que o cotovelo passou à posição vertical do ombro, o antebraço e a mão continuam seu trajeto para a frente, precedendo o braço devido à inércia destes. Depois a mão vem colocar‐se no prolongamento do antebraço.
Os dedos serão os primeiros a penetrar na água, mais ou menos afastados do eixo do mesmo grau que o ombro, enquanto o cotovelo ainda está flexionado. A mão penetra na água a pouca profundidade, seguida do antebraço, do braço, depois do ombro que também avança, no último momento, a fim de alongar na mesma medida o comprimento do trajeto motor. Há, portanto, extensão geral oblíqua dos segmentos do membro superior.
O movimento segue a regra básica da natação que requer que toda a fase de movimento que não participe diretamente da propulsão seja executada rapidamente.
O gesto é lançado e rápido, sem deixar de ser relaxado.
Comentário: Esta fase se reveste de uma importância muito grande, pelo
relaxamento muscular que possibilita. O problema que se apresenta ao nadador de velocidade será o de passar da contração máxima (durante a fase propulsora) ao relaxamento máximo, no mínimo de tempo, durante a ação descrita anteriormente.
Variantes: Dependendo do nadador, a flexão do cotovelo, durante a recuperação
para a frente, é menos ou mais marcada. Alguns nadadores obtêm assim uma passagem da mão pouco afastada do eixo do corpo, enquanto para outros a passagem da mão ocorre longe do ombro e menos ou mais obliquamente para o lado.
Nesta forma o movimento é, incontestavelmente, menos econômico (a contração do deltóide é tanto maior quanto mais o braço vai roçar a água); mas, algumas vezes tal movimento é exigido por um relaxamento relativamente limitado da articulação do ombro. b) Ação motora Descrição: A fase precedente teve como efeito colocar as articulações do ombro, do cotovelo e da mão nas condições mais favoráveis para uma eficaz entrada na água de todos os segmentos do membro superior.
Para facilitar a descrição, dividimos arbitrariamente a ação motora em dois momentos, mas trata‐se na verdade de uma única ação. A TRAÇÃO A entrada na água por onde começa esta fase e que orienta a palma da mão para trás, com os dedos para baixo e mais ou menos para o interior, situa‐se a uma profundidade variável, dependendo do nadador. Julgamos que deva ser relativamente profunda e coincidir com a mais completa extensão do ombro, do braço e do antebraço
Para que a mão possa encontrar apoio na água e aumentá‐lo conservando sua orientação perpendicular ao eixo de deslocamento, o antebraço vai flexionar‐se sobre o braço e penetrar menos ou mais profundamente na água, conforme se trate de um nadador de velocidade (passagem subaquática pouco flexionada) ou de um nadador de meio‐fundo (passagem mais flexionada).
A flexão, que nunca ultrapassa 90°, é a mais marcada no momento da passagem da mão na vertical do ombro, isto é, no final da fase de tração. Durante a tração, o cotovelo e o ombro devem constituir pontos de apoio para a ação do antebraço e da mão. Isto quer dizer que deve haver um atraso da ação do braço com relação à do antebraço. Fala‐se, assim, da
"posição alta e avançada" do cotovelo em relação à mão, para favorecer o segundo momento
da fase propulsora.
O EMPURRE
O empurre é orientado, sem a menor descontinuidade, da frente para trás, quando a mão passa, no plano vertical, dos ombros ela se encontra no prolongamento do antebraço. O ombro correspondente e o cotovelo penetram, então, profundamente na água. Dependendo do nadador, a mão cruza menos ou mais o plano vertical onde está o eixo de deslocamento e, em casos extremos, em alguns nadadores de velocidade, não o cruza.
Fig. 37. Braçadas no nado crawl.
É a transposição do plano vertical, passando pelos ombros, que transforma a tração em empurre.
Na realidade, o nadador não procura cruzar o eixo‐ com a mão; mas para que sua ação não o desequilibre, ele vê‐se obrigado a isso, quando a superfície do antebraço vem encontrar a da mão para puxar a água para trás. A rotação interna do braço, que "coloca" o cotovelo em posição alta e avançada, deve ser compensada por uma rotação externa do antebraço, para que a direção da mão possa ser mantida.
Quando toda a superfície propulsora se desloca de forma axial, as oscilações laterais são reduzidas.
A extensão contínua do antebraço sobre o braço reduz progressivamente a ação motora do antebraço até anulá‐la. Quando essa extensão está completa, a mão que se conservou orientada perpendicularmente ao eixo de deslocamento, no final de seu trajeto para trás chega ao nível da coxa. Sua mudança de sentido, que será imposta pela recuperação, manifesta‐se por uma batida na água cuja eficácia motora é nula, pois resulta de um relaxamento.
Fig.38.
Terminado o empurre, o desprendimento dos braços é então facilitado pela penetração do ombro oposto na água.
Variantes: Via de regra, é necessário que o nadador de velocidade de nada se
descuide quanto à eficácia do empurre e da tração. O problema para o nadador de velocidade consiste em tomar à sua frente uma grande massa de água e impulsioná‐la com força para trás. Obviamente, esse gesto deve ser compatível com as possibilidades musculares e com o nível de treinamento do nadador.
Um empurre incompleto traz sempre como conseqüência desastrosa uma recuperação contraída e forçada, ao passo que um empurre completo é a condição essencial para uma recuperação relaxada. O RITMO Ele segue a regra básica da natação que requer que a recuperação seja um tempo fraco e a parte motora um tempo forte. Fig. 39. Nesta visão subaquática, é evidente a continuidade da ação propulsora dos braços (Wenden).
1. Ritmo dos segmentos
A recuperação caracteriza‐se basicamente pelo relaxamento. A pequena resistência (para não dizer insignificante) do ar e a necessidade de proporcionar uma ação motora “contínua” fazem dele um movimento rápido, um movimento impetuoso.
A prática na água, ao contrário, só pode ser rápida progressivamente. A mudança de sentido do deslocamento do membro superior e a resistência oferecida pela água são a causa disso. Para conservar e aumentar o apoio sobre a massa de água colocada em movimento com relação ao nadador, ele deve aumentar a velocidade de deslocamento de seus segmentos e de suas "superfícies motoras". Ele só poderá conseguir isso se seus músculos desenvolverem uma força de intensidade crescente.
2. Coordenação dos movimentos de braços
Podem‐se observar três formas principais de coordenação, conforme a importância relativa atribuída à eficiência do movimento dos braços com relação ao das pernas. Algumas vezes é impossível classificar um nadador em uma ou outras dessas formas de coordenação; digamos então que as formas que descrevemos estão voluntariamente esquematizadas, ficando claro que cada nadador adota a coordenação correspondente às suas possibilidades.
A chamada coordenação "de retomada"
Fig. 40. Coordenação "em retomada". A descontinuidade das ações motoras está evidente nessa coordenação. O braço direito espera a recuperação do braço esquerdo para começar seu trabalho de propulsão.
Fig. 41. Coordenação clássica (tipo distância). O braço esquerdo mal começa a voltar e já o braço direito entra em ação para dar impulso ao corpo. Fig. 42. Coordenação moderna (tipo velocidade). Observa‐se aqui a superposição das ações propulsoras. Ela só se tornou possível devido a recuperação extremamente rápida do braço e por um posicionamento favorável dos segmentos durante seu alongamento para a frente sob a água.
Esta coordenação é utilizada, sobretudo por nadadores que possuem um batimento de pernas especialmente eficaz, mas pouca força nos braços.
Os braços entram em ação de maneira descontínua e em um determinado momento ambos se encontram à frente: um no final da recuperação e o outro que se manteve na frente durante toda a fase aérea dessa recuperação. Por isso, a ação motora de cada braço é muito inferior à duração de um semiciclo. O nadador dá a impressão de deslizar à superfície da água, quando os dois braços estão na frente.
Obviamente, a forma reduzida da resistência frontal possibilita que o batimento de pernas seja totalmente eficaz. Toda a importância do trabalho subaquático está na fase de tração.
Coordenação clássica
Há aqui menor descontinuidade das ações motoras dos braços: enquanto um braço se posiciona, o outro executa a tração, o empurre e a recuperação.
Há tendência para um revezamento das ações motoras dos dois braços, o que proporciona a continuidade do deslocamento.
Coordenação moderna
É o que a técnica procura obter. Ela pretende chegar a uma superposição parcial das ações motoras: enquanto um braço termina o empurre, o outro começa a tração; isto é, o período de posicionamento é praticamente nulo. Toda a importância é dada à fase do empurre. A duração da recuperação deve ser a máxima.Superposição parcial das ações motoras Fig.43.
Técnica de movimentação das pernas
No crawl, as pernas têm um papel de equilíbrio, mantendo o corpo, no seu conjunto, sempre estendido e "em linha reta".
Seu efeito diretamente propulsor foi contestado, quando a velocidade que elas podem proporcionar, agindo sozinhas, e' inferior à atingida pelos braços agindo sozinhos. Se incontestavelmente o nadador se desloca mais depressa quando utiliza braços e pernas, é preciso atribuir o fato ao melhor rendimento que os braços podem ter, quando o corpo está mais horizontal. Se a função das pernas deve ser interpretada de maneira diferente, nem por isso ela é insubstituível, tanto para o nadador de distância como para o nadador de velocidade. Observe‐se, para finalizar, que para o treinador, essa técnica constitui um excelente meio de preparação cardiopulmonar. 1. Forma A alternância do trabalho das pernas vai se manifestar por uma fase ascendente e uma fase descendente.
a) Fase ascendente:Partindo em extensão, com o pé no prolongamento da perna,
na sua posição mais baixa, o membro movido pelas massas musculares posteriores (especialmente glúteos máximos e isquiotibiais) vai se elevar, encontrando a resistência decrescente da massa de água superposta. Quando essa resistência se atenuar, a ação dos isquiotibiais vai trazer como conseqüência uma inevitável flexão da perna sobre a coxa, compensada por um abaixamento do joelho.
Essa flexão nunca é proposital nem comandada pelo nadador, mas e' anatomicamente lógica e dá ao movimento harmonia e flexibilidade.
No ponto mais baixo, no momento preciso em que começa a fase ascendente, a perna apresenta, com relação à coxa, uma fase muito curta de hiperextensão em função da intensidade das ações musculares e da "carga" de água, e naturalmente do grau de flexibilidade da articulação que terá como conseqüência aumentar, em resposta, a força desenvolvida.
b) Fase descendente: Chegando ao ponto mais alto do seu percurso, um pouco
acima e às vezes um pouco abaixo da superfície da água, o pé vai orientar‐se deliberadamente para dentro e oferecer, assim uma maior superfície motora.
Num primeiro tempo, o joelho vai se abaixar e a perna flexionar‐se um pouco mais sobre a coxa. Resulta daí um estiramento dos extensores da perna sobre a coxa e um fenômeno comparável, sob todos os pontos, ao que havíamos constatado com relação aos músculos antagonistas, no ponto mais baixo desse movimento alternado.
A perna flexionada vai estender‐se sobre a coxa que, por sua vez, vai manter‐se apoiada na água e transmitir aos quadris o componente ascensional do movimento.
Durante os batimentos, pode‐se notar que alguns deles são nitidamente orientados para o interior. Eles quase sempre acompanham as fases inspiratórias e têm a função de compensar o desequilíbrio criado por essas fases.
c) Amplitude e valor motor: Parece que, em um mesmo indivíduo, o produto da
amplitude pela freqüência aproxima‐se de um valor constante. Ora, na natação, evidentemente é a freqüência que comanda, pois ela está sempre sincronizada com a freqüência do trabalho dos braços. É por isso que não se pode fixar o grau do ângulo formado pelos segmentos, nem a profundidade atingida pelos pe's, tanto mais que o comprimento do segmento é um fator que não deve ser esquecido.
O valor motor do movimento das pernas está fundamentalmente ligado à flexibilidade do tornozelo e também do ritmo.
2. Ritmo
Se compararmos o mecanismo motor das pernas com o movimento da cauda do peixe, somos tentados a procurar acelerar o gesto toda vez que a superfície motora se aproxima do eixo e a desacelera‐Io, quando ela se afastar do eixo.
Mas é preciso admitir que uma tal precisão na coordenação do comando nervoso pressupõe uma longa adaptação ao elemento líquido.
A maioria dos principiantes e muitos nadadores optam por transformar em tempo forte ou o tempo ascendente ou o tempo descendente, durante os percursos apenas com as pernas.
Parece que, em certos casos, essa escolha pode ser conseqüência da presença, ausência, e mesmo da importância dos apoios exercidos pela mão ou pelas mãos à frente do corpo, quer esse apoio seja executado sobre a água diretamente pela mão, no nado, ou por intermédio de uma prancha nos exercícios de pernas. Assim, no nado completo, o tempo forte descendente é praticamente uma constante. d) Coordenação dos batimentos das pernas: A coordenação dos movimentos das pernas é afetada, por essa escolha; não em sua natureza, mas na sua forma.
O esquema que apresentamos para um tempo forte ascendente deve ser invertido de alto para baixo, no caso do tempo forte descendente.
Constata‐se uma perfeita regularidade das alternâncias de tempo, ao passo que o cruzamento dos dois segmentos ocorre não no meio do percurso, mas para o alto ou para baixo, de acordo com a orientação do tempo forte.
A respiração
A posição ventral, a necessidade de preservar o equilíbrio geral do nado, a preocupação de não oferecer uma resistência frontal importante, a fisiologia respiratória, a cadência dos movimentos dos braços, a tática de percurso, todos esses elementos constituem imperativos para o nadador. Esses imperativos determinam a técnica respiratória.
1. A inspiração
A necessidade de absorver oxigênio obriga o nadador a levar as vias respiratórias até a superfície. É conveniente que a tomada de ar pela boca quebre o menos possível a continuidade da progressão por uma mudança do equilíbrio do corpo. Dependendo do nadador, tais alterações são menos ou mais sensíveis (ver a estrutura rítmica).
Por outro lado, é preciso que a inspiração se efetue num mínimo de tempo; daí a necessidade de abrir bem a boca para absorver o ar.
O nadador vai aproveitar a onda produzida pelo avanço da cabeça para girá‐la, evitando levantá‐la.
A fisiologia nos ensina que a respiração diafragmática é mais fácil, quando os músculos peritorácicos não estão contraídos; portanto, a inspiração deverá situar‐se no final da ação motora de um braço (fim do impulso) e no começo da recuperação desse mesmo braço.
O nadador respira no "buraco" da onda. Fig. 46.
À medida em que o braço volta para a frente, a cabeça também vai voltando à posição normal para a expiração que vai se produzir.
A intensidade das trocas respiratórias é de tal importância nas competições que atualmente observamos uma generalização no prolongamento do tempo de inspiração.
Esse aumento do tempo de inspiração pode ser real ou aparente. Com efeito, se os braços "giram" mais rápido, em um mesmo período de tempo, a inspiração deverá prosseguir ate' à metade da recuperação do braço para a frente (analogia com o nado borboleta) e às vezes além; mas nesse caso o desequilíbrio do nado torna‐se inevitável.
No mais alto nível (Spitz), a duração da fase de inspiração e' quase a de'cima parte da duração de um ciclo (pois o nadador não inspira necessariamente em cada ciclo).
A inspiração que se situa depois de uma expiração forçada e' necessariamente reflexa e não exige a intervenção da vontade do nadador. Conforme vemos, isso está em contradição com a fisiologia respiratória do homem em terra firme, em repouso, situação em que, embora a vontade também não seja necessária, a inspiração e' ativa, enquanto a expiração e' passiva. A formação do nadador deverá, portanto, contribuir para inverter esse mecanismo inato, dando sempre ênfase à expiração completa e voluntária.
Fig. 47. Os ombros e a bacia oscilam de forma considerável. A imersão do nadador impõe uma torção pronunciada durante a inspiração.
2. A expiração
Ela é forçada e progressiva, pois desenvolve‐se no mínimo durante um ciclo completo dos dois braços sob a água.
Para ser completa, a expiração deve efetuar‐se pela boca muito aberta e não crispada, de maneira que não haja obstáculo para a saída do ar. Ela não deve ser forte demais, a fim de não criar desvios excessivos de pressão no interior da caixa torácica.
Além disso, é necessário anular um reflexo (muitas vezes observado no principiante) de fechamento da glote, que vai impedir a passagem do ar livre embora a boca esteja bem aberta. Notemos que a expiração forçada determinada pelos músculos expira‐tórios, em particular os do abdômen (grande e pequeno oblíquos, transversal e grande reto), exige que o nadador tenha uma musculatura abdominal adequadamente desenvolvida. Às vezes, no final da expiração bucal, o nadador faz uma leve expiração nasal a fim de evitar o contacto desagradável das gotículas de água na mucosa nasal.
Os ritmos respiratórios
Os ritmos respiratórios adotados vão depender, em grande parte, da maior ou menor capacidade do nadador para repor o déficit de oxigênio.
Entretanto, em provas de 100 m, em que o déficit de oxigênio é considerável, justamente devido à intensidade do trabalho muscular, certos nadadores podem produzir um esforço intenso, durante os primeiros 10 ou 15 metros do percurso, praticamente sem inspirar; e são capazes de renovar esse bloqueio respiratório nos últimos metros do percurso.
Os ritmos respiratórios mais comumente observados são: ou uma respiração unilateral, a cada ciclo de braço; ou uma respiração bilateral feita alternativamente à direita e depois à esquerda, isto é, a cada três movimentos de braços. Esta última modalidade respiratória apresenta uma dupla vantagem: ‐ É um fator de equilíbrio do nado; ‐ Permite observar o adversário a qualquer momento do percurso.
Ela é adotada durante quase todo o tempo por nadadores de meio‐fundo, mas alguns nadadores de velocidade também a utilizam.
A sincronização
A sincronização da respiração com os movimentos propulsores dos braços e das pernas apresenta o problema do ritmo para todo o nado. Este fator rítmico não deve absolutamente ser negligenciado, porque constitui um dos elementos essenciais do rendimento, do valor motor. Certos fatos perturbam os treinadores. Muitas vezes acontece que os nadadores são, ao mesmo tempo, os mais rápidos no trabalho isolado dos braços e das
pernas, e que, entretanto, são regularmente vencidos, no nado completo, por certos elementos que eles haviam dominado.
Convém, portanto, dar uma atenção toda especial à maneira de unir todas as ações propulsoras, de separar a importância que e' preciso dar à parte anterior e à parte posterior do corpo, de respirar com eficácia, perturbando o menos possível estas ações. No crawl, as sincronizações mais utilizadas na freqüência do trabalho das pernas com relação ao dos braços, são as de quatro e seis batimentos em cada ciclo de braço. Embora haja exceções, os nadadores de distância geralmente adotam a sincronização de quatro batimentos e os nadadores de velocidade a de seis batidas.
A escola australiana, e especialmente Shane Gould, divulgaram um nado com dois batimentos, cuja eficiência não pôde ser colocada em dúvida. Devemos observar nesse fato uma importância atribuída quase exclusivamente à ação dos braços?
Esse tipo de batimento não é espontâneo e deve ser “aprendido”.
A sincronização correta determina o melhor equilíbrio do nadador. É por isso que utilizando‐se os circuitos nervosos dos mecanismos alternativos tais como a marcha e a corrida, não se poderia conceber a sincronização com um número ímpar de batidas por ciclo. .. Além disso, esse problema de freqüência é uma preocupação menor do educador.
Com maior freqüência do que se imagina, a melhor sincronização está fundamentalmente ligada a uma respiração correta; é a esse ponto que se deve dar toda atenção.
Os diferentes estilos
Se, em um passado relativamente recente, podia‐se ouvir falar de diferentes técnicas (japonesas, americanas etc.), em nossos dias os estudos sistemáticos, as grandes competições internacionais, as trocas de_ idéias verbais ou escritas trouxeram como conseqüência uma certa unidade de técnica. Entretanto, é evidente que os nadadores de velocidade não nadam como os nadadores de distância. Nos primeiros, trabalho mais profundo, os antebraços menos flexionados fazem com que a mão percorra um trajeto quase semicircular. Nos últimos, a amplitude do gesto (jogo de ombro), e busca de economia (trabalho axial) fazem com que a mão percorra um trajeto quase retilíneo e menos profundo, o que produz uma acentuada flexão do antebraço sobre o braço na passagem do ombro para a vertical e uma posição sempre avançada do cotovelo.
Entretanto, não se deve esquecer o aspecto de ofensiva do nado com dois batimentos, que inicialmente era considerado como uma técnica exclusivamente reservada à "distância".
Nas mulheres, a potência exigida dos braços é muito grande.
É adaptando‐se aos princípios gerais que cada esportista poderá encontrar o estilo que melhor lhe convém.
1. Inicio da tração do braço esquerdo. 2. Fim do empurre do braço esquerdo. 3. Início da passagem aérea do braço esquerdo. 4. Entrada da mão esquerda na água. 5. Início da tração do braço direito. 6. Fim do empurre do braço direito. 7. Início da passagem aérea do braço direito. 8. Entrada da mão direita na água. 9. Ponto alto do pé esquerdo. 10. Ponto baixo do pé esquerdo. 11. Ponto alto do pé direito. 12. Ponto baixo do pé direito. 13. Início da inspiração. 14. Fim da inspiração. Fig. 48. Estrutura rítmica de um ciclo em crawl
1. Início da tração do braço direito. 2. Fim do empurre do braço direito. 3. Início da passagem aérea do braço direito. 4. Entrada da mão direita na água. 5. Início da tração do braço esquerdo. 6. Fim do empurre do braço esquerdo. 7. Início da passagem aérea do braço esquerdo. 8. Entrada da mão esquerda na água. 9. Ponto alto do pé direito. 10. Ponto baixo do pé direito. 11. Ponto alto do pé esquerdo. 12. Ponto baixo do pé esquerdo. Fig. 49. Estrutura rítmica de um ciclo do nado crawl.