RECLAMAÇÃO 22.105 GOIÁS
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA RECLTE.(S) :ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERALDO ESTADODE GOIÁS RECLDO.(A/S) :JUIZ DO TRABALHO DA 1ª VARA DO TRABALHO
DE GOIÂNIA
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) :ROMÁRIO DOS SANTOS PESSOA ADV.(A/S) :ALBANITADOS PASSOS MÁXIMO
DECISÃO
RECLAMAÇÃO. ADMINISTRATIVO.
ALEGADO DESCUMPRIMENTO DAS DECISÕES PROFERIDAS NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3.395-MC: RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
Relatório
1. Reclamação, com requerimento de medida liminar, ajuizada por
Goiás, em 7.10.2015, contra o Juízo da Primeira Vara do Trabalho de Goiânia, que, ao processar a Reclamação Trabalhista n. 0011070-63.2015.5.18.0001, teria descumprido a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395-MC.
O caso
2. Em 7.7.2015, Romário dos Santos Pessoa, ex-policial temporário,
desligado do Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual – SIMVE, instituído pela Lei goiana n. 17.882/2012, ajuizou reclamação trabalhista com o objetivo de obter o reconhecimento de vínculo empregatício com Goiás, equiparação salarial com soldado de primeira classe e verbas
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alcançariam o patamar de R$ 189.976,95 (cento e oitenta e nove mil, novecentos e setenta e seis reais e noventa e cinco centavos).
Intimado da audiência de instrução, Goiás apresentou contestação, na qual arguiu a incompetência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar a ação, nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395 (fl. 41-72, doc. 3).
Em 1º.10.2015, diante da impossibilidade de conciliação entre as partes, o juízo da Primeira Vara do Trabalho de Goiás agendou audiência de instrução e julgamento, a ser realizada em 24.11.2015 (fl. 362, doc. 3).
A presente reclamação foi ajuizada contra o processamento da ação no juízo da Primeira Vara do Trabalho de Goiânia.
3. O Reclamante assevera ter sido admitido Romário dos Santos
Pessoa em 3.6.2014, após prévio processo seletivo, para exercer atribuição de policial temporário no Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual – SIMVE na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar estadual, nos termos da Lei goiana n. 17.882/2012. Declarada a inconstitucionalidade daquela lei estadual no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.163, o ex-policial temporário teve o vínculo rescindido com o Reclamante, o que teria motivado o ajuizamento da Reclamação Trabalhista n. 0011070-63.2015.5.18.0001.
Alega ter o Interessado mantido “vínculo de natureza administrativa
com [o] ente estatal (…) [e] que não h[averia] que se cogitar, na espécie, ante a nulidade declarada pelo STF, de transmutação do regime temporário/estatutário dos servidores admitidos sob o regime do SIMVE para o regime celetista de contratação” (fl. 6).
Pondera que
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jurídica de natureza empregatícia (rectius: celetista) com o Estado de Goiás, vez que admitido sob a égide da Lei estadual nº 17.882/2012, que, segundo esta própria Corte, no julgado da ADIN 5.163 GOIÁS, consubstanciou diploma legal regente de classe de policiais temporários, cujos integrantes, sem o indispensável concurso público de provas e títulos, passam a ocupar, após seleção interna, função de natureza policial militar de maneira evidentemente inconstitucional“
(fl. 8).
Assinala que o não acolhimento da preliminar de incompetência e a designação da audiência de encerramento de instrução evidenciariam descumprimento da decisão proferida por este Supremo Tribunal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395-MC.
Requer medida liminar para “suspend[er-se] o julgamento da
reclamatória trabalhista n. RTOrd-0011070-63.2015.5.18.0001, com a determinação (...) de que o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Goiânia se abstenha de praticar qualquer ato processual na ação em questão até o julgamento final e definitivo da presente Reclamação” (fl. 14).
No mérito, pede a procedência da reclamação para determinar-se a remessa dos autos à Justiça comum estadual.
Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO.
4. Dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República,
nos termos do parágrafo único do art. 52 do Regimento Interno deste Supremo Tribunal, pois a matéria versada nos autos é objeto de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
5. Os Ministros deste Supremo Tribunal têm julgado
monocraticamente reclamações nas quais, como a presente, se debate sobre o descumprimento da decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395, na qual se declarou a incompetência da
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Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas instauradas entre ente estatal e servidor a ele vinculado por regime jurídico estatutário ou jurídico-administrativo, como ocorre na espécie.
6. No art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, dispõe-se que “o Relator poderá julgar a reclamação quando
a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal”, como se dá na
espécie em exame.
7. Põe-se em foco nesta reclamação se, ao processar reclamação
trabalhista na qual se controverte sobre o vínculo jurídico estabelecido entre Goiás e ex-policial temporário contratado nos termos da Lei n. 17.882/2012, o juízo da Primeira Vara do Trabalho de Goiânia/GO teria descumprido a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395.
Em 5.4.2006, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395/DF, este Supremo Tribunal, por maioria, referendou medida cautelar deferida pelo Ministro Nelson Jobim:
“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência.
Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária” (DJ 10.11.2006).
Na decisão de deferimento da medida liminar, ad referendum, o Ministro Nelson Jobim assentou:
“Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na
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redação da EC n. 45/2004. Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a ‘(...) apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo’”
(DJ 4.2.2005).
8. Consta dos autos ter sido o Interessado aprovado em processo
seletivo para exercer, no Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual – SIMVE, a atribuição de policial temporário na Polícia Militar goiana. Esse vínculo provisório com o ente público estadual perduraria de 12 a 33 meses, nos termos da Lei goiana n. 17.882/2012, na qual se estabelecia:
“Art. 3º O Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual –
SIMVE –, que tem assento e fundamento na hierarquia e disciplina, reger-se-á pelas normas estatutárias e pela legislação estadual pertinente à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás”.
9. O vínculo firmado entre Goiás e os ex-policiais temporários que
integravam o Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual – SIMVE tem natureza jurídica jurídico-administrativa, a afastar a competência da Justiça do Trabalho, porque a competência para dirimir conflito decorrente de relação administrativa não comporta discussão jurídica, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal:
“Agravo regimental na medida cautelar na reclamação Administrativo e Processual Civil Ação civil pública Vínculo entre servidor e o poder público Contratação temporária - ADI n. 3.395/DF-MC Cabimento da reclamação Incompetência da Justiça do Trabalho. 1. A reclamação é meio hábil para conservar a autoridade do Supremo Tribunal Federal e a eficácia de suas decisões e súmulas vinculantes. Não se reveste de caráter primário ou se transforma em sucedâneo recursal quando é utilizada para confrontar decisões de
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juízos e tribunais que afrontam o conteúdo do acórdão do STF na ADI n. 3.395/DF-MC. 2. Compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público fundadas em vínculo jurídico-administrativo. É irrelevante a argumentação de que o contrato é temporário ou precário, ainda que haja sido extrapolado seu prazo inicial, bem assim se o liame decorre de ocupação de cargo comissionado ou função gratificada . 3. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requerer verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito à própria natureza da relação jurídico-administrativa, posto que desvirtuada ou submetida a vícios de origem, como fraude, simulação ou ausência de concurso público. Nesse último caso, ultrapassa o limite da competência do STF a investigação sobre o conteúdo dessa causa de pedir específica” (Rcl n.
4.069-MC-AgR, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 6.6.2011).
“Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL.
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO.
COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. EX-EMPREGADO DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A. ADI 3.395 MC. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É de competência da Justiça Comum o processo e julgamento dos dissídios entre o Poder Público e seus servidores subordinados a regime jurídico estatutário, a teor do que decidiu o STF na ADI (MC) 3.395, Min. Cezar Peluso, DJ de 10.11.06. 2. Em se tratando de pagamento de complementação de aposentadoria de ex-empregado da extinta RFFSA, a competência para apreciar a causa é da Justiça Comum, conforme a jurisprudência desta Corte. Precedente: Rcl 12.571-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 6/11/2013. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (Rcl n. 16.164-AgR, Relator o Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 13.10.2014).
“Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL.
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AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DISSÍDIO ENTRE SERVIDOR ESTATUTÁRIO E O PODER PÚBLICO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM. ALEGAÇÃO DE OFENSA À ADI 3.395-MC. PROCEDÊNCIA. PUBLICAÇÃO DE LEI LOCAL INSTITUIDORA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO. QUESTÃO ESTRANHA À RECLAMAÇÃO. PRECEDENTE. 1. É de competência da Justiça Comum o processo e julgamento dos dissídios entre o Poder Público e seus servidores subordinados a regime jurídico estatutário, a teor do que decidiu o STF na ADI (MC) 3.395, Min. Cezar Peluso, DJ de 10.11.06. 2. A reclamação ajuizada por alegado desrespeito à ADI 3.395-MC não comporta discussão quanto à legitimidade formal de lei que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”
(Rcl n. 5.635-AgR, Relator o Ministro Teori Zavascki, Plenário, DJe 19.2.2014).
O vínculo firmado entre o Interessado e Goiás tem natureza jurídico-administrativa, a afastar a competência da Justiça do Trabalho.
10. Pelo exposto, caracterizado o desrespeito ao decidido pelo
Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395/DF, julgo procedente a reclamação, declaro a incompetência da
Justiça do Trabalho para processar e julgar a Reclamação Trabalhista n. 0011070-63.2015.5.18.0001 e determino a remessa dos autos à Justiça comum.
Publique-se.
Brasília, 15 de outubro de 2015.
Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora