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LAZER NO ACAMPAMENTO LARANJEIRA ÑANDERU, MUNICÍPIO DE RIO BRILHANTE, MATO GROSSO DO SUL

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LAZER NO ACAMPAMENTO LARANJEIRA ÑANDERU, MUNICÍPIO DE RIO BRILHANTE, MATO GROSSO DO SUL

Professora Indígena: llda Barbosa de Almeida Rio Brilhante/MS Profª Drª Marina Vinha/UFGD marinavinha@ufgd.edu.br Introdução

O presente artigo corresponde à finalização do Componente Curricular/Módulo “Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)” para obter o título de licenciada no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu/UFGD, na Habilitação Linguagens.

Resultado do estudo realizado por mim, Ilda Barbosa de Almeida, tratando do tema “Lazer no Acampamento Laranjeira Ñanderu, Município de Rio Brilhante/MS”, a pesquisa teve como objetivo geral reconhecer a situação lúdica vivida no Acampamento Laranjeira Nanderu e os sonhos lúdicos dos jovens e adultos da comunidade.

Os objetivos específicos foram: a) levantar dados sobre os interesses das atividades lúdicas dos jovens do Acampamento Laranjeiras; e b) levantar os sonhos dos jovens que hoje lutam pelos direitos indígenas Guarani e Kaiowá e o que pensam sobre lazer. A metodologia utilizada para a obtenção dos dados foi: a) realizar leituras dos textos tratando dos temas lazer e patrimônio cultural imaterial, estudados em aula, dos autores Marcellino (2005) e Gaillois (2006); b) entrevistar jovens do Acampamento Laranjeiras, seguindo um roteiro previamente estabelecido.

As referências bibliográficas foram delimitadas a autores estudados durante as aulas do Componente Curricular/Módulo “Estudos do Lazer” que compõe a grande área Linguagens, são eles: Marcellino (2005); Marcellino e Vinha (2008) e Gaillois (2006) e o documento de abrangência nacional a Constituição Brasileira de 1988.

O “Acampamento Laranjeira Ñenderu” estava localizado no município de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul, nas margens da BR 163. Neste local estavam acampadas aproximadamente 135 pessoas, totalizando 35 famílias indígenas. Atualmente essa situação foi alterada, pois retornamos à nossa terra, por força de ações do Ministério Público, mas nada é definitivo, portanto estamos no mesmo nível de conflito tendo em vista que as questões da terra não foram solucionadas.

Durante os últimos anos, ou melhor, já faz alguns anos que os indígenas de Mato Grosso do Sul vêm lutando pela retomada de suas terras, impondo a alguns grupos

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acamparem às margens das Rodovias, como se fossem “sem terra”. Praticamente o sofrimento é total. Para mim, como indígena, é difícil de entender essa condição social vivida pelo meu povo!

Durante dois anos morei no “Acampamento Laranjeira Ñenderu”. Sou natural de Douradina, município localizada próximo ao de Dourados ao qual estão jurisdicionadas as Terras Panambi e a Aldeia Lagoa Rica, onde nasci. Meus pais são da etnia Kaiowá, são naturais de Caarapó, outro município da região de Dourados, mas cresceram e se casaram em Panambi. Meus pais sempre moraram em Panambi, nas terras do meu tio. Quando nascemos formamos uma família com sete filhos, sendo todos do mesmo pai e da mesma mãe.

Meus irmãos maiores, inclusive eu, fomos casando e não tínhamos onde construir nossas casas, mantendo a tradição da família extensa. Meu pai procurou em várias aldeias para nos mudarmos, mas minha mãe não queria mudar e deixar sua terra. Sendo assim, ficamos muitos anos morando juntos, construindo nossas casas umas ao lado das outras, mas muito próximas. Como a aldeia Panambi era pequena demais para muitas famílias, em 2004 fizeram grupos organizando uma liderança para a retomada das nossas terras ancestrais. Assim, fizemos duas retomadas naquele ano, uma foi liderada pelo grupo do Farides Mariano e a outra liderada pelo grupo do Joel Aquino. Os dois líderes são da etnia Kaiowá.

Durante todo este tempo, no total foram aproximadamente sete anos, convivi com um grupo de acampados liderados pelo Farides Mariano. Morando em barracas de lona, juntamente com a minha família e com outros jovens, crianças, adultos e idosos. Foram três anos morando na aldeia Lagoa Rica e três anos e meio morando no Acampamento Laranjeiras. Em todo este período pouco entendia sobre lazer e lúdico. Minha vivência era dos momentos de alegria com meu povo, ora comemorando, ora lutando, ora correndo em fuga, para deixar nossa terra.

Lazer – palavra nova para os Guarani e Kaiowá

Lazer é uma palavra nova para a sociedade ocidental explica Marcellino (2005). Segundo o dicionário Luft (s/d, p. 182) lazer “é tempo livre, descanso, vagar, ócio”. A palavra ócio (p. 219), no mesmo dicionário é “descanso, folga de trabalho, lazer, preguiça”. Por sua vez a palavra “preguiça” é compreendida como “pouca disposição, aversão ao trabalho, desocupação, indolência, moleza, negligência”.

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Para os Guarani e Kaiowá lazer também é uma palavra nova, porque antes não se pronunciava essa palavra entre meu povo. Por isso, neste estudo o termo lazer foi adotado no sentido de traduzir as festas, as diversões, o cotidiano indígena que não separava o trabalho das atividades lúdicas e de alguns rituais.

Esse movimento do modo de vida era quase todo brincadeira, não viam como ‘diversão’ em algum momento de descanso. As mães indígenas eram muito rígidas quando tratavam de diversão porque pensavam que seus filhos não prestariam futuramente, se os deixassem se divertindo, quando pequenos. Apenas um tipo de diversão [brincadeira] era bom para os Guarani e Kaiowá que eram as atividades que realizavam durante as festas com dança katyhu, jeroky e outras danças realizadas nas cerimônias rituais.

Este estudo está priorizando os jovens principalmente porque eles ficam no Acampamento à beira da estrada, naquele local inadequado, que traz baixa auto-estima, a desvalorização do nosso modo de ser, pois não estamos na nossa terra. Os jovens, nesse local sentem pressão familiar e muitos deles têm adotado vícios como alcoolismo e cigarro. Todo esse contexto leva também, às vezes, à tentativa de tirar a própria vida.

Nós, adultos do Acampamento, atribuímos esses fatores aos seguintes motivos: a) a atual condição dos jovens é por viverem juntos demais por muitos anos; b) pode ser também por rebeldia; e c) falta do espaço tradicional, principalmente por não termos nossa terra para viver. Em todas as situações, o maior problema enfrentado por todos é a falta de terra para morar.

Portanto, para amenizar essa situação que atinge principalmente os jovens, desenvolvi uma pesquisa sobre lazer neste Acampamento. Ao estudar os temas ligados aos Estudos do Lazer, na Habilitação Linguagens, na qual estou licenciada a partir de 2011, percebi alguma coisa que despertava muito interesse nos jovens e sensibilizava a todos os indígenas. Era algo parecido com nosso modo de ser, que sempre teve a alegria e a felicidade de sermos quem somos. Agora estamos muito tristes com a situação de acampados.

Lazer entre os Kaiowá e Lazer na Constituição de 1988

Na língua Guarani a palavra “lazer” está significando “lugar de brincar, lugar de jogar” e isso se escreve ñevangahaty, ñmbosaraihaty. Mas o lazer como direito social, de acordo com a atual Constituição, é direito de todos os brasileiros. Segundo a Carta

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Magna, que afirma em seu Art.6º “São direitos sociais a educação, saúde, o trabalho, o lazer, a segurança e a previdência social”.

No passado existia também um lazer indígena, mas era algo por dentro da cultura e da tradição indígena. Com a chegada dos não índios ao Brasil, os indígenas foram perdendo ou trocando muito dessas atividades, aos poucos. Primeiro foi a igreja católica que fez sua primeira missa, com os jesuítas rezando juntamente na presença dos indígenas. Depois os povos indígenas foram perseguidos pelos ‘brancos’ e, aos poucos, foram cedendo suas culturas, crenças, e também o lazer que eles praticavam foi deixado de lado para se apossarem de muitas atividades de lazer dos não índios. Com isso, os indígenas foram perdendo também suas terras para se tornarem a ‘imagem’ do ‘branco’. Sem saber, nós, indígenas, futuramente viríamos cair no maior sofrimento. Nem ao menos pensamos nas próximas gerações que viriam depois, as gerações de hoje!

Quando estudei que o lazer, a partir da Constituição de 1988, passou a ser um direito social, assim como o direito à terra/moradia, educação, saúde e trabalho demorei a acreditar. Dessa forma, o lazer, no sentido de recuperar atividades lúdicas do modo de ser Kaiowá, no contexto atual de acampados, penso que pode contribuir para socializar os jovens, para fortalecer nossa luta pela terra e, ao mesmo tempo, proporcionar recreação para a comunidade em situação de risco.

Isto porque, as relações mediadas pelas atividades lúdicas do jogo, do esporte, das danças têm como base a solidariedade, a cooperação, o sentimento de equipe que são muito importantes na formação dos jovens. Principalmente de jovens que precisam lutar por uma conquista social muito importante para nós, indígenas, que é a terra, nosso tekohá. Gostei muito quando estudei que o lazer deve proporcionar descanso, diversão e principalmente transformação social, segundo Marcellino (2005).

Acampamento Laranjeiras Ñanderu

Devido à superpopulação da nossa Reserva, ou das Terras do Panambi, algumas pessoas saíram em busca de moradias em outras aldeias. Outras pessoas se juntavam com grupos e ocuparam áreas de conflito, a fim de conseguirem na justiça suas terras tradicionais, ligadas aos seus antepassados.

Uma coisa que os indígenas sofreram de conseqüência com a perda da terra tradicional foi a perda do próprio Tekorá tradicional, que envolve todos os Tekore [aldeias]. Em geral, a falta de demarcação das terras fez com que os indígenas que praticavam lazer nas suas comunidades não o pratiquem mais, deixaram de lado. Além

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disso, já perdemos muitos jovens nas lutas, várias lideranças foram mortas pela retomada da terra. Então, o modo de viver Kaiowá foi todo alterado.

Mesmo com todo sofrimento, essa comunidade que viveu no Acampamento Laranjeira Nanderu tem muita história bonita. Embora sendo uma terra improvisada, o grupo de acampados dispunham de equipamentos de lazer, mesmo que improvisados. Segundo Marcellino e Vinha (2008) as atividades de lazer podem ser realizadas em diferentes espaços físicos e em dois tipos de equipamentos – os específicos e os não-específicos. Os ‘equipamentos específicos’ de lazer são caracterizados por serem construídos predominantemente para fins de lazer, enquanto os ‘equipamentos não-específicos’ são usados também para atividades de lazer, mas não foram construídos predominantemente para este fim.

O Acampamento Laranjeira Ñanderu possuía alguns ‘equipamentos não-específicos’ de lazer como: rua, barracas de lona, espaço vazio que tínhamos para realizar danças tradicionais [jeroky] às margens do Rio Brilhante. Possuía também equipamento que considero específico para lazer, que era um campo de futebol e um campinho de areia para vôlei.

Tínhamos somente isso, depois que fomos despejados, retirados à força da Aldeia Laranjeira Ñanderu que ficava na nossa terra indígena, agora em poder do fazendeiro. Nesta Aldeia dispúnhamos de um córrego bem limpo que passava no fundo da Aldeia. Nele pescávamos e também lavávamos roupas, brincávamos e nos banhávamos. Havia e ainda há uma mata onde colhíamos frutos e ervas para os remédios caseiros e onde fazíamos brincadeiras e outras atividades lúdicas do modo de ser do meu povo. Muito diferente de quando estávamos à margem da Rodovia BR 163!

Atividades lúdicas no Acampamento Laranjeira Ñanderu – BR 163

Dentre uma população de 135 pessoas, que moravam no Acampamento Laranjeira Ñanderu – BR 163, aproximadamente 55 eram jovens. Estes dados foram coletados em 2009, mas em 2010 morreram dois jovens, vítimas de acidente e enforcamento. Sendo assim, os adultos somavam 80 pessoas, sendo que o número de homens é um pouco maior do que o das mulheres, não tendo exatidão sobre a quantidade.

Os 53 jovens indígenas estudavam no município de Rio Brilhante, nas escolas públicas e eles tinham entre 11 a 20 anos. Cursavam do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio.

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Os cinco jovens que selecionei para a entrevista foram contactados durante o horário dos jogos de futebol e de vôlei. Não vou citar os nomes deles neste estudo, a pedido deles, mas tenho registro de cada um deles. A pergunta norteadora que fiz foi previamente pensada e organizada para iniciar um diálogo com eles: “O que você entende por lazer?”

A primeira jovem que procurei foi do sexo feminino, e ela disse: “não quero falar nada, porque tenho vergonha da vida que levo”.

O segundo e o terceiro jovens foram dois rapazes que disseram “não quero falar nada, pois nunca ouvi falar de lazer”. O quarto foi uma jovem que explicou “tenho interesse pelo lazer, mas minha mãe não me deixa jogar, fico somente em casa”.

O quinto jovem, Jorge (2010), me autorizou a citá-lo e disse que entendia que o lazer era tudo para ele “ninguém mais vive sem o lazer”, explicou. O jovem detalhou que tudo o que praticava no dia a dia era lazer, seja andar de bicicleta, andar a pé, nadar no rio, caçar, pescar, danças que não são indígenas, cantar música, dançar jeroky [dança tradicional usando mbaraká e taquara], praticar esporte e outros. Tudo isso era lazer.

Na vida real, do dia a dia no Acampamento, estes e os outros jovens, na maioria, ficavam o dia todo sem nenhuma atividade. No Acampamento não tínhamos a roça tradicional e os espaços para as festas e outras situações culturais do modo de ser guarani. Devido a nossa longa luta pela terra, muitos desses jovens não tiveram na infância a vivência do modo de ser tradicional. Penso que, talvez por isso, aprenderam cedo algumas atividades lúdicas que eram mais usadas nas cidades, tais como: esportes como o vôlei, o basquete, o tênis de mesa, a corrida de maratona e outras.

Sou muito preocupada com tudo o que aconteceu nestes anos que convive com esta comunidade, pois vejo o quanto de prejuízo meu povo está passando na espera de retomar nosso território tradicional. Os prejuízos são de toda ordem: doenças contagiosas, desnutrição das crianças e o abuso de bebidas alcoólicas. Têm outros prejuízos, como os maus vícios que se desenvolvem mais por dentro das pessoas, pelo lado dos jovens Guarani e Kaiowá. Por outro lado, não tinha como e onde os jovens procurarem solução de suas vidas! Na rotina do dia a dia e nas noites os jovens ficavam em grupo, mas inertes, sem poder praticar qualquer tipo de atividade de lazer mais ruidosa, que fizesse barulho, para não despertar ou chamar a atenção dos que nos ameaçavam.

Foi motivada por este meu estudo e com a ajuda de alguns jovens que construímos um pequeno espaço para realizar atividades de lazer, dentro do

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Acampamento Laranjeira Ñanderu. Além disso, ajudei os alunos nos seus trabalhos escolares, aqueles que estudam na cidade, pois não tínhamos uma escola nossa. Logo cedo os pequeninos vão para a escola na cidade de Rio Brilhante e os maiores ficam sem fazer nada.

Diante dessa realidade, dei idéia para meus dois sobrinhos comprarem um aparelho de som. Eles conseguiram adquirir um caraoquê – tipo de vídeo em que as músicas são soladas e as pessoas podem cantar, com a ajuda de um microfone, pois a letra aparece na tela. Com este aparelho animaram seus colegas a treinarem as músicas, todas as noites. Além disso, no movimento de recuperação das atividades de lazer, escrevemos um documento político sobre a situação daquele lugar e o encaminhamos, organizamos a limpeza do acampamento, realizamos jogos de competição com as regras vindas das relações interculturais, levamos um palestrante para explicação do uso das plantas medicinais, dentre outras atividades realizadas com o envolvimento do grupo.

Por exemplo, no período da tarde, esses jovens praticavam esporte, o vôlei e os pequenos brincavam ao redor da quadra pulando corda, pulando em sacos, correndo de um lado a outro. Também durante a noite o cacique Olímpio faz uma atividade de dança Jeroky que é também uma reza, treinando os pequenos com idade de 5 a 12 anos, todos usando os trajes típicos de índio Kaiowá. Essa recuperação da nossa cultura trouxe benefícios, pois hoje esse grupo de dança/reza já fez muitas apresentações na cidade de Rio Brilhante, na praça principal do município. Nas escolas municipais o grupo de dança/reza também participou do evento “Vídeo Índio Brasil1” que aconteceu em agosto de 2010, no centro de Rio Brilhante. Com isso, chamamos a atenção e demos mais visibilidade sobre nossa situação política e cultural.

Realizações e Sonhos

Um dia conversando com a dona Alda Mariano, senhora com idade de 96 anos, fiquei impressionada com a conversa dela. Contou como sofreu, na sua infância, a pressão dos fazendeiros. Ela perdeu todos seus parentes. Seus pais atravessaram o Rio Brilhante a nado, outros grupos seguiram em fuga à margem do Rio Brilhante se escondendo dos capangas, que eram empregados das fazendas, os quais recebiam e

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Mostra de Cinema e Vídeo com temática indígena, produzidos por índios e não índios, na sua 3ª edição em 2010 realizada em Campo Grande/MS e mais 111 municípios brasileiros, sob o patrocínio do Ministério da Cultura, Secretaria da Diversidade e da Identidade Cultural, Secretaria do Áudio Visual, do Governo Federal.

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cegamente seguiam ordens dos patrões para persegui-los. Dona Alda Mariano (2010) explicou que:

A terra, para mim, é como se fosse nossa mãe sobrenatural, ela dá tudo o que nós precisamos. É ela que tem o futuro dos nossos jovens, nossos netos. Se um dia trouxerem de volta nossa moradia, quero ver ainda. Se a justiça e os governos não demarcarem, para reconhecer de fazer demarcação do nosso tekohá.

Ela estava muito lúcida sobre todos esses anos que vem, junto ao seu povo, lutando pelo tekohá. Junto dela, naquele dia da entrevista, também conversei sobre meu sentimento a respeito da nossa terra e disse:

Ñanderu Tupã Guassu [deus todo poderoso] ajuda para realizar esse

sonho que nós todos esperamos. Vamos pensar positivo e ter fé para que os órgãos federais e FUNAI resolvam logo isso, para que possamos ser vistos como cidadão e não como invasores, que estão à procura de terra.

Somente assim, nós, Kaiowá, poderemos ter nossas casas, nossos espaços de lazer, as roças, plantar, criar vários tipos de animais, fazer o próprio negócio com produtos plantados e colhidos por nós mesmos. Tendo de volta seu tekohá as meninas voltarão a brincar no cipó, a subir nas árvores e pular, a tomar banho de rios e córregos. Os meninos se divertindo com suas flechas e pontarias. Também poderemos construir uma bela construção para realização de atividades de lazer, com campos esportivos, uma quadra de ‘salão’ [futsal]. Estes são sonhos de todos os jovens de hoje!

Na escola, hoje, cada criança e jovem constrói seu próprio lazer com atividades de brincar de esconde-esconde; corrida; os pequeninos brincam de juntar terra formando casinha de barro e outros tipos de brincadeiras.

A partir do final de 2010 estou morando na aldeia Rancho Jacaré, município de Laguna Carapã, distante de Rio Brilhante em torno de 150 km. A Aldeia Rancho Jacaré tem mais de 95 famílias e uma escola com aproximadamente 180 alunos. Fui convidada pelos colegas indígenas que também cursavam a Licenciatura Intercultural Indígena, para ministrar aulas, sendo contratada pela prefeitura de Laguna Carapã.

Neste meu breve período na escola da aldeia observei que poucos alunos participam nas aulas de Educação Física, por causa da religiosidade. A Igreja Deus é Amor está nessa Aldeia, e é uma das seitas que está destruindo a cultura indígena, que está contribuindo para acabar com as atividades de lazer indígena. O sentido que nós damos às festas, às danças, às brincadeiras que tantas alegrias trazem ao meu povo Kaiowá, aqui na Aldeia Rancho Jacaré não são permitidas por eles!

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Hoje, após estudar e compreender os significados e o direito social ao lazer, meu olhar sobre o mundo e as condições das aldeias, consigo perceber as diferentes realidades e consigo também fazer algumas comparações sobre o quanto o modo de ser do meu povo tem sido afetado pelas mudanças nas relações de contato, muitas vezes forçada, ou mesmo autorizadas, como no caso da presença de instituições religiosas. Os jovens, sujeitos desse estudo são os mais prejudicados. Perdem o espaço de conhecimento do lazer da cultura guarani e kaiowá, do nosso jeito lúdico de ser e se aproximam muito rapidamente de outras atividades de lazer das cidades.

Considerações Finais

Este estudo foi destinado principalmente para atender o objetivo de levantar a compreensão do lúdico e os sonhos dos jovens sobre lazer. O Acampamento Laranjeira Ñanderu com seus 53 jovens que foram envolvidos nas atividades de lazer programadas durante o estudo, e realizadas com a ajuda do cacique e da comunidade em geral, conseguiram reverter o tempo inerte de um modo de vida em um acampamento, localizado perigosamente às margens da rodovia. Além disso, escrevemos um documento político sobre a situação daquele lugar, organizamos a limpeza do acampamento, realizamos jogos de competição vindos das relações interculturais, levamos um palestrante para explicação do uso das plantas medicinais, valorizamos a dança/reza do senhor Olímpio em [Jeroky], o cacique que recuperou esse conhecimento tradicional para crianças e jovens separados do mundo vivido nas terras tradicionais. Todos nós reconhecemos que aqueles jovens precisavam de ajuda. Eles sofriam muito sem poder fazer nada. Com muita pressão dos fazendeiros, moradores ao redor do acampamento, os vícios adotados pelos jovens parecia que os ajudavam a esquecer a realidade. Com este estudo, espero ter ajudado os jovens a melhorarem a qualidade de vida, principalmente naquele período de violência que meu povo passou, e ainda está passando, pois a luta pela terra continua.

Referências

MARCELLINO, Nelson Carvalho e VINHA, Marina. Lazer, Palavra Nova. Texto não publicado, extraído do Livro “Estudos de Lazer – uma introdução”, de Marcellino (2005), estudado em aula no ano de 2008.

MARIANO, Alda. Histórias Vividas. Narrativa oral realizada em entrevista no dia 19 de junho de 2010, Acampamento Laranjeira Ñanderu, para Ilda Barbosa de Almeida. Anotações pessoais.

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MARCELLINO, Nelson Carvalho e VINHA, Marina. Equipamentos Específicos e Não Específicos de Lazer. Texto não publicado, extraído do Livro Estudos de Lazer – uma introdução, de Marcellino (2005), Editora Papirus, estudado em aula no ano de 2008. JORGE, Wanderson. Lazer para um jovem Kaiowá. Relato oral, obtido em 2010, no Acampamento Laranjeira Ñanderu, para a pesquisadora Ilda Barbosa.

Referências

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