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A teoria labeling approach frente ao processo de construção da imagem do inimigo: simbolismo e subjetividade da política de drogas no brasil

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Academic year: 2021

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UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

LAVINIA RICO WICHINHESKI

A TEORIA LABELING APPROACH FRENTE AO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO INIMIGO: SIMBOLISMO E SUBJETIVIDADE DA POLITICA DE

DROGAS NO BRASIL

Ijuí (RS) 2020

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LAVINIA RICO WICHINHESKI

A TEORIA LABELING APPROACH FRENTE AO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO INIMIGO: SIMBOLISMO E SUBJETIVIDADE DA POLÍTICA DE

DROGAS NO BRASIL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Msc. Sergio Luiz Fernandes Pires

Ijuí (RS) 2020

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Agradeço, primeiramente, à família, por me incentivar a cada momento e acreditar em minhas escolhas, dando todo o suporte necessário. Ao professor orientador, que durante 12 meses me acompanhou pontualmente, dando todo o auxílio necessário para a elaboração deste trabalho. Aos meus amigos, pela compreensão das ausências e pelo afastamento temporário. Enfim, agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente fizeram parte dessa etapa decisiva em minha vida, bem como, colaboraram para o sucesso desse trabalho.

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“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los. O meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.”

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise crítica quanto a teoria labeling approach frente ao processo de construção de imagem do inimigo, bem como, a subjetividade da política de drogas no Brasil. Analisa o conflito e o seu caráter transformador na sociedade. Aborda a criminalidade como um etiquete, demonstrando então que a noção de crime e criminoso são construídas através da influência de uma justiça classista, bem como demonstra que a atual política de combate às drogas é ineficaz, pois há um encarceramento em massa com base em uma etiqueta, portanto, não há uma prevenção do crime e sim a marginalização da população com menos poderio econômico. Finaliza concluindo que, para uma política efetiva de combate às drogas, se faz necessário dar oportunidade de fala aos indivíduos que vivem em tal cenário, bem como é necessária uma inovação nas instâncias de controle formal, de modo a eliminar a ideia de que o caráter repressivista da pena irá reduzir os índices da violência, do tráfico e do consumo.

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The present work of conclusion of the course makes a critical analysis as to the theory of labeling approach in face of the process of construction of the image of the enemy, as well as, the subjectivity of drug policy in Brazil. It analyzes the conflict and its transforming character in society. It approaches crime as a tag, thus demonstrating that the notion of crime and criminal is constructed through the influence of class justice, as well as demonstrating that the current drug policy is ineffective, as there is a mass incarceration based on a label, therefore, there is no crime prevention, but the marginalization of the population with less economic power. He concludes by concluding that, for an effective policy to combat drugs, it is necessary to give speech opportunity to individuals who live in such a scenario, as well as, it is necessary to innovate in the formal control instances, in order to eliminate the idea that the repressive character of the sentence will reduce the rates of violence, trafficking and consumption.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 PRODUZINDO INIMIGOS DO SISTEMA: O ETIQUETAMENTO E A POLITICA DE DROGAS NO BRASIL ... 10

1.1 O labeling approach ... 10

1.2 A etiqueta do inimigo ... 16

1.3 A realidade social sob a perspectiva do direito penal do inimigo e a seletividade do sistema penal ... 19

2 O COMBATE AS DROGAS E O SISTEMA FUNCIONAL PUNITIVO ... 24

2.1 A justiça industrializada ... 24

2.2 O perfil de consumo dos usuários de substâncias psicoativas ... 26

2.3 O estigma e o preconceito vivenciado pelos usuários ... 29

3 A SUPERAÇÃO DA LABELING APPROUCH ... 34

3.1 Controle social e encarceramento de massas ... 35

3.2 Criminologia e a eficácia do combate às drogas ... 37

CONCLUSÃO ... 41

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da teoria labeling approach em questões que envolvem a guerra às drogas proposta pelo Estado, a fim de efetuar uma investigação no que diz respeito à seletividade repressivista de controle penal Brasileiro, situação em que nos mostra com clareza a omissão por parte do Estado em criar políticas de prevenção a fim de evitar danos futuros à sociedade, devido ao preconceito e marginalização estatal.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas por meio físico e eletrônico, bem como, foram feitas análises legislativas e levantamento de dados estatísticos, a fim de permitir um estudo aprofundado no que diz respeito à teoria do etiquetamento, bem como, à marginalização do sujeito pelo Estado em políticas de combate às drogas.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi exposto o conceito e a origem da teoria do etiquetamento, bem como uma análise quanto à construção da imagem do inimigo, no que diz respeito à política de guerra às drogas. Desta forma, também são analisados os principais motivos que fazem o Estado marginalizar os indivíduos, pois entende-se que vivemos em uma cultura de imposições, em que o crime é uma ficção e a criminologia é o conjunto de todos os fatores sociais associados ao crime.

No segundo capítulo, resta exposta uma crítica quanto à justiça classista, o perfil de consumo dos usuários de substâncias psicoativas, e ainda o estigma e o preconceito vivenciado por tais indivíduos. Nesse sentido, a análise possui como objetivo principal a demonstração de que o sistema penal punitivo, e as instâncias formais de controle são estruturas com base em discurso de poder, colocando os indivíduos que não se enquadram em tais perfis como a massa marginalizada da sociedade, prevalecendo de maneira injusta o preconceito e a violência do Estado sob estes indivíduos.

E por fim, no terceiro e último capítulo, é analisado os efeitos de tal etiquetamento, colocando em discussão o encarceramento de massas, estas que correspondem na grande maioria dos casos em vítimas das injustiças criadas pelo Estado, bem como, uma análise crítica do combate às drogas e consequentemente a superação do sistema elitista que possui ideologias criminológicas distorcidas, a fim de mascarar aos indivíduos a preocupação estatal no que diz respeito ao estudo da prevenção de tais conflitos sociais.

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A partir desse estudo, se verifica que a política de guerra às drogas vigente no Brasil é subjetiva, permitindo então que instâncias formais e informais de controle construam uma imagem de inimigo, estes que correspondem na grande maioria dos casos a indivíduos de cor preta e pobre, desta forma, manifesta vantagem excessiva com base em estereótipos, fomentando ainda mais o preconceito e a discriminação, descartando a possibilidade de voz ativa desses sujeitos nas discussões do Estado quanto às principais formas de prevenção da dependência química e tráfico. Com isso, torna-se necessário a implementação de novas medidas estatais de redução dos índices do crime previsto na lei de drogas, bem como, colocar em discussão as principais formas de prevenção, com a participação ativa de tais sujeitos.

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1 PRODUZINDO INIMIGOS DO SISTEMA: O ETIQUETAMENTO E A POLÍTICA DE DROGAS NO BRASIL

O corpo social é estruturado frente a uma cultura de imposições, assim, rotineiramente os indivíduos menos favorecidos que compõem a sociedade sofrem com a exclusão social. Tal problema funciona como a principal “engrenagem” para o funcionamento da teoria do etiquetamento no sistema penal brasileiro, visto que o indivíduo fragilizado é facilmente oprimido pelo Estado. É importante ressaltar que o crime diz respeito a uma criação estatal de imposições de regras sobre os indivíduos, ou seja, o crime é ficção e a criminologia é o conjunto de todos os fatores sociais, desta maneira, há uma relação do Estado como dominador e doutrinador e o indivíduo como o dominado.

De tal modo, a polícia, o ministério público, o tribunal penal e demais instituições são fortemente influenciadas pelo sistema capitalista de produção, assim, têm-se a ideia de que o preto e pobre corresponde à massa marginalizada da sociedade, concepção que é fruto da Labeling Approach, essa situação é perceptível com maior abundância frente aos requisitos subjetivos da Lei de Drogas nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, pois com a inexistência de critérios objetivos torna-se fácil para o Estado marginalizar os oprimidos historicamente.

1.1 O labeling approach

As regras são princípios as quais baseiam-se em situações concretas do cotidiano da sociedade, para avaliar os valores éticos e morais e condutas que possam decidir quais são consideradas certas ou erradas, justas ou injustas; processo que emerge dentro de um contexto histórico, temporal e social, visto que vivemos em um grande processo evolutivo, cabe a nós, nomear o que nos rodeia, para auxiliar nas dificuldades que encontramos em classificar “o que é?”, “como é? e “por que é?”. Com isso, são aplicados termos e designações para os atos que nós indivíduos, sujeitos de direitos e deveres, cometemos durante a vida, atos como determinar um criminoso, um agressor, uma testemunha e uma vítima. Por conseguinte, a Labeling Approach foi criada entre os anos 60 e 70, constituindo como uma das principais influências para a construção da noção de crime e criminoso, possuindo como principal referência o sociólogo americano Howard Saul Becker (1963), que defende duas correntes

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sociológicas, sendo estas, o processo de criação e aplicação da norma através da criminalização primaria e secundária, e por fim, a mais importante, o processo de desvio pessoal, este que ocorre através do etiquetamento o desvio primário e secundário. Tais discursos são defendidos em seu livro Outsiders.

A teoria sofreu grandes influências da 2ª guerra mundial, situação quando os Estados Unidos estavam em desenvolvimento no que diz respeito ao Estado de Bem-Estar Social. A década de 60 foi marcada pela existência de dois grandes blocos rivais, sendo estes, o bloco capitalista e o socialista, situação na qual originou a Guerra Fria, sendo então um período marcado pelos movimentos sociais que lutavam pela descriminalização das minorias e consequentemente pela reinvindicação pelos direitos civis. Com isso, surge a necessidade da criação de um novo paradigma criminológico, para justificar as condutas desviantes da sociedade, tais como, homossexualidade, uso de entorpecentes e etc.

De tal modo, conforme as influências em que a teoria sofreu, o autor defende a ideia que os indivíduos com maior poderio, criminalizam os demais, ou seja, as elites fazem a etiqueta, onde os “etiquetados” através de seu desvio se tornam vítimas de preconceitos tanto na esfera penal quanto na social. Assim, de acordo com Becker (2018, p. 19),

Regras sociais são criação de grupos sociais específicos. As sociedades modernas não constituem organizações simples em que todos concordam quanto ao que são as regras e como elas devem ser aplicadas em situações específicas. São, ao contrário, altamente diferenciadas ao longo de linhas de classe social, linhas étnicas, linhas ocupacionais e linhas culturais. Esses grupos não precisam partilhar as mesmas regras e, de fato, frequentemente não o fazem. Os problemas que eles enfrentam ao lidar com seu ambiente, a história e as tradições que carregam consigo, todos conduzem à evolução de diferentes conjuntos de regras. À medida que as regras de vários grupos se entrechocam e contradizem, haverá desacordo quanto ao tipo de comportamento apropriado em qualquer situação dada.

Assim, Becker (2018, p. 19) faz a seguinte análise,

Imigrantes italianos que continuaram fabricando seu próprio vinho para si e para os amigos durante a Lei Seca estavam agindo adequadamente segundo os padrões dos imigrantes italianos, mas violavam a lei de seu novo país (como também o faziam, é claro, muitos de seus velhos vizinhos norte-americanos). Pacientes que consultam vários médicos, da perspectiva de seu próprio grupo, talvez estejam fazendo o necessário para proteger sua saúde, assegurando-se de conseguir o que lhes parece ser o melhor médico possível; da perspectiva do médico, porém, o que fazem é errado, porque viola a regra da confiança que o paciente deveria depositar em seu médico. O delinquente de classe baixa que luta para defender seu “território” faz

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apenas o que considera necessário e direito, mas professores, assistentes sociais e a polícia veem isso de maneira diferente.

Conforme o entendimento do autor, a conduta do desvio é criada pela própria sociedade de maneira formal pelo Estado e informal pela tradição. Assim, os fatores sociais incitam sua ação de desvio, este que não diz respeito a uma qualidade do ato cometido, mas sim uma consequência em decorrência do êxito em rotular o sujeito como desviante, simplesmente por não seguir as regras padronizadas do corpo social, ou seja, as politicamente aceitas.

Para Becker (2018, p. 14), o indivíduo excluído corresponde com o outsider, este que nas palavras do autor recebe tal denominação pois desvia das regras do grupo, ocorre que por diversas vezes as pessoas pensam no desvio como um produto de doença mental, e portanto são descriminados e considerados disfuncionais para o corpo social, sob o argumento de que auxiliam no rompimento da estabilidade do grupo. Assim, de acordo com Becker (2018, p. 9), “a atitude desviante não é um atributo da atitude que comete a pessoa, mas a consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um ofensor”. Isto posto, o comportamento desviante pode se dar através de conduta intencional e não intencional. A segunda ocorre pois os indivíduo encontra-se submerso em um subcultura em que não acredita que tal conduta possa ser inapropriada, ou seja, tradicionalmente não aceita pela sociedade.

Desta forma, o autor aborda o desvio como uma carreira desviante, explicando como exemplo o processo do uso da maconha. Este que segundo o autor se dá através da existência de uma técnica, aprendizado e percepção dos efeitos e por fim o prazer. Becker (2018, p. 31) afirma preliminarmente que nos Estados Unidos há um número desconhecido da quantidade de usuários de maconha, mas provavelmente é um número exorbitante, e por esta razão o assunto recebeu atenção de psiquiatras e agentes da lei, buscando entender o porquê do aumento desenfreado de usuários de maconha, mesmo que tal conduta seja ainda ilegal em alguns e Estados. Ocorre que,

Tentativas de explicar o uso da maconha apoiam-se com firmeza na premissa de que a presença de qualquer tipo particular de comportamento num indivíduo pode ser mais bem explicada como resultado de algum traço que o predispõe ou motiva a se envolver nesse comportamento. No caso do uso de maconha, esse traço é de hábito identificado como psicológico, como uma necessidade de devanear e fugir de problemas psicológicos que o indivíduo não é capaz de enfrentar. (BECKER, 2018, p. 31)

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Ou seja, não há uma explicação adequada frente ao uso da maconha, pois este se dá através da função e da concepção da maconha, onde o indivíduo particularmente irá desenvolver tal ideia conforme vai aumentando sua experiência com a droga. Assim, com o intuito de buscar uma explicação adequada frente ao uso da referida droga, o autor desenvolve uma entrevista com 50 usuários. O autor ao realizar tal entrevista, possui como hipótese a não comprovação de que o uso da maconha se dá através da ideia de prazer, assim, o autor focalizou na “história da experiência da pessoa com a maconha, procurando mudanças importantes em sua atitude com relação a ela e no seu uso efetivo, e as razões dessas mudanças.” (BECKER, 2018, p. 32).

No que diz respeito a pesquisa, o autor conclui que para tornar-se um usuário é preciso aprender a técnica, tais como, não fumar a droga como tabaco, devendo então, segurar o ar o máximo de tempo possível, só assim, a droga surtirá o efeito do “barato”, caso contrário, o usuário não desenvolverá a ideia de consumo por prazer, e portanto não continuará a consumir. Na maioria dos casos os novos usuários aprendem a técnica através da convivência em grupos onde a maconha é usada. Assim, o autor afirma (2018) que nenhum dos entrevistados continuaram a usar maconha sem que tenham aprendido a técnica.

Ocorre que “mesmo depois que aprende a técnica adequada de fumar, o novo usuário pode não ter um barato e não formar uma concepção da droga como algo que pode ser usado por prazer.” (BECKER, 2018, p. 34), tal ideia dá a entender

[...] que ter um barato consiste em dois elementos: a presença de sintomas causados pelo uso da maconha e o reconhecimento desses sintomas e sua vinculação, pelo usuário, com o uso da droga. Isto é, não basta que os efeitos estejam presentes; por si sós, eles não fornecem automaticamente a experiência de estar no barato. Antes de ter essa experiência, o usuário precisa ser capaz de mostrá-los para si mesmo e associá-los conscientemente ao fato de ter fumado maconha. De outra maneira, quaisquer que sejam os efeitos reais produzidos, ele considera que a droga não teve efeito algum sobre ele. “Achei que ela não tinha nenhum efeito sobre mim ou que os outros estavam exagerando o efeito sobre eles, entende? Achei que provavelmente era psicológico, sabe.” Essas pessoas pensam que a coisa toda é uma ilusão e que o desejo de entrar num barato leva o usuário a se enganar, acreditando que alguma coisa está acontecendo quando de fato não está. Elas não continuam usando maconha, sentindo que a droga “não faz nada” para elas. (BECKER, 2018, p. 34)

Com isso, é preciso aprender a gostar dos efeitos, para dar continuidade na utilização da droga, estes que de início podem não ser fisicamente tão agradáveis,

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vários noviços relatam que em sua primeira experiência tem sensação de tontura e enjoo, principal questão que amedronta estes. Ocorre que os usuários mais experientes ensinam o noviço a encontrar prazer em tais sensações, chamando atenção aos aspectos mais prazerosos. Diante do exposto, conclui-se que a continuidade da utilização da maconha se dá apenas em decorrência da definição favorável feita por um usuário mais experiente, criando uma espécie de prazer psicológico.

Através da entrevista que o autor (2018) realizou conclui-se que aprender a gostar de maconha não decorre do sentimento de prazer, mas sim da condição psicológica imposta através de usuários mais experientes, ocorre que as ideias repressivistas de controle social fazem com que o ato pareça inconveniente e imoral. Com a existência de tais ideias repressivistas, no que diz respeito ao uso da maconha, o corpo social e principalmente o Estado trata tal assunto através de inúmeros preconceitos, e consequentemente

[...] um julgamento prematuro e inadequado sobre o uso e abuso de drogas. Ou seja, é quando se define algo ou alguém, construindo-se uma ideia sem prévios conhecimentos. O preconceito é a valoração negativa que se atribui às características da alteridade; implica a negação do outro diferente e, no mesmo movimento, a afirmação da própria identidade como superior/dominante. (ANTUNES et al., 2019, p. 2)

Assim, torna-se nítido que o processo do etiquetamento encontra-se com grande predominância na questões que dizem respeito ao uso da maconha, na qual a teoria irá enfatizar que o direito penal irá proteger poucos, e excluir muitos. Os primeiros correspondem a pessoas com maior poderio econômico e consequentemente a um grupo tradicionalmente dominante, já os demais correspondem aos fracos, sem quaisquer condições financeiras para “comprar” sua garantia de proteção de direitos do Estado. Ou seja, o sistema capitalista de produção, por mais que nos permita o avanço tecnológico, a facilitação do acesso à informação, este também transforma o Estado e seu sistema punitivo em um repleto circo de horrores.

Ainda sobre o processo de etiquetamento, o cenário penal brasileiro sofre com essas imposições, auxiliando de maneira exorbitante na classificação dos indivíduos como sujeitos criminosos através de seus estereótipos. Assim, há uma distribuição

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seletiva e discriminatória quanto a criminalização, auxiliando para que a sociedade rompa e desvalorize valores fundamentais de qualquer sujeito na condição existencial humanista. Com a labeling approach (teoria do etiquetamento) “a criminalidade é

uma etiqueta, a qual é aplicada pela polícia, pelo ministério público e pelo tribunal penal, pelas instâncias formais de controle social”. (HASSEMER, 2005,

p. 101-102, grifo do autor).

Assim, através da labeling approach pode-se concluir que as elites etiquetam o criminoso, como por exemplo a preocupação do Estado em promover a segurança com maior ênfase em questões patrimoniais.

De acordo com Bianchini (2000, p. 63), o sistema penal brasileiro

[...] marginaliza e exclui, cada vez mais, os menos favorecidos financeiramente, pois não se encaixam no ‘modelo ideal’ preconizado pela classe dominante. Com efeito, temos ainda hoje, guardadas as devidas proporções, o que acontecia antigamente com a diferenciação entre nobres e plebeus, isto é, o direito como instrumento para manter e perpetuar a estratificação de classes sociais.

Outro exemplo do que foi mencionado corresponde com a seletividade do perfil da população carcerária brasileira do sexo masculino, estes em grande maioria são homens de 18 a 30 anos, de pele negra e com baixo grau de escolaridade. Estas poucas características já tornam possível a marginalização do indivíduo pelo Estado, tornando a sua convivência em sociedade quase impossível, acarretando inúmeros fatores negativos. Assim, pode-se dizer que, de acordo com Fernandes (2019, p. 16), a exclusão causa um distanciamento do indivíduo, a falta de recursos auxilia com que ele seja “empurrado” para fora ou para a periferia da sociedade, pelo fato de não fazer parte das representações sociais dominantes.

Nessa perspectiva, a labeling approach interfere no bem comum da coletividade, pois o sujeito tachado de delinquente, não consegue mais se distanciar de tal rótulo social. Tal condição é conhecida como imputação criminosa, essa que é resultado da criminalização primária e secundária.

Para a autora Linck (2019, p. 3), a criminalização primária corresponde com a intolerância legislativa no que concerne as condutas dos indivíduos. Sendo assim, o desvio primário se dá através da criação de leis penais severas contra os indivíduos mais desfavorecidos, ou seja, a impunidade e a criminalização são distribuídas desigualmente através do etiquetamento do sujeito. Este que se dá através da

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interação do senso comum com o ordenamento jurídico, favorecendo na grande maioria das vezes os indivíduos que possuem voz ativa, em geral, pessoas com maior poderio econômico. Ainda conforme o entendimento da autora, a criminalização secundária corresponde com o conceito prévio da conduta desviante, situação na qual entram em cena os órgãos de controle social, tais como, polícia e o judiciário, para aplicar formalmente o conceito de delinquente para aquele indivíduo que desvia as regras do Estado.

De tal modo, para Becker (2018, p.39),

Os controles sociais afetam o comportamento individual, em primeiro lugar, pelo uso do poder, a aplicação de sanções. O comportamento valorizado é recompensado, e o comportamento negativamente valorizado é punido. Como seria difícil manter o controle caso a imposição se tornasse sempre necessária, surgem mecanismos mais sutis que desempenham a mesma função. Entre eles está o controle do comportamento, obtido influenciando-se as concepções que as pessoas têm da atividade a ser controlada e da possibilidade ou exequibilidade de se envolver nela. Essas concepções surgem em situações sociais em que elas são comunicadas por pessoas consideradas respeitáveis e validadas pela experiência. Tais situações podem ser ordenadas de tal maneira que os indivíduos passam a conceber a atividade como desagradável, inconveniente ou imoral, não devendo, portanto, ser praticada.

Como sociedade, devemos nos atentar ao que hoje consideramos ser atos deploráveis, devemos refletir acerca do aumento da população carcerária e por fim implementar novas medidas que possam auxiliar na redução dos índices de “crime”. Este que não existe por natureza, e sim é apenas uma classificação, um conceito que é usado para determinar condutas, atos e acontecimentos dentro de um caráter social, ou seja, ele é fruto de uma decisão política.

1.2 A etiqueta do inimigo

Diante de um forte crescimento do crime na sociedade moderna, e a deficiência estatal em conter tal avanço, o Estado acabou desviando o foco anterior do direito penal, que correspondia a pacificação social, buscando apenas a proteção do texto normativo, sem quaisquer políticas de prevenção. Tal situação se deu em decorrência da aplicação do direito penal do inimigo, este que foi desenvolvido nos anos 80 pelo alemão Günter Jakobs, como principal resposta à crescente onda de criminalidade. (JAKOBS, 2007, p. 21)

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Tal teoria busca aplicar a norma de forma severa para aqueles que são considerados inimigos do Estado, restringindo o indivíduo ou até mesmo alienando frente as garantias fundamentais do homem. Assim, pode-se dizer que o autor defende a existência de dois ordenamentos jurídicos, um que se aplica ao cidadão e outro, ao inimigo. (JAKOBS, 2007, p. 26)

A teoria do direito penal do inimigo tem base remota no pensamento de alguns filósofos, tais como Rousseau, Hobbes e Kant. O primeiro defende a ideia de que o relacionamento do indivíduo e do Estado é um contrato de direito social, em que o indivíduo deve respeitar o Estado sob pena de deixar de ser membro do mesmo; já para Hobbes, quem desrespeitar o Estado com alta traição deve ser tratado como inimigo; e por fim, Kant sustenta a ideia que o indivíduo deve participar do Estado comunitário-legal, caso contrário este irá ser tratado como inimigo. (JAKOBS, 2007, p. 28)

Para os três filósofos contratualistas, o ordenamento jurídico auxilia na criação de um sentimento de confiança coletiva e consequentemente maior segurança para os indivíduos, ou seja, cria-se o Estado de cidadania, e aquele que recusar a condição de cidadão não poderá beneficiar-se do conceito de pessoa, portanto este será considerado inimigo. (JAKOBS, 2007, p. 28) Assim, a pena funciona como um instituto que deverá ser aplicado apenas aos cidadãos que cometem crimes por descuido, que servirá como um instrumento de ressocialização do indivíduo, já o inimigo que é criminoso por vocação, deverá receber um tratamento diferenciado, este que corresponde a uma medida de segurança, pois acredita-se que o seu caráter criminoso é imodificável.

Na mesma linha de pensamento dos filósofos acima descritos, Jakobs (2007, p. 26) defende a ideia de que o inimigo não é considerado ser humano, e que, portanto, sofrerá somente medidas de segurança e não será aplicado a pena, assim, o Estado elimina o perigo. Pode-se dizer que o direito penal do inimigo criminaliza o indivíduos através de suposições sem quaisquer analises junto ao contexto fático, ou seja, apenas garante a vigência e aplicação da norma penal, ou seja, o ordenamento jurídico faz a punição dos crimes mesmo antes de iniciado a sua execução e consequentemente sem a consumação do delito, basta a tentativa.

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[...] quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode esperar ser tratado como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.

Ocorre que o conceito de inimigo proposto por Jakobs é estritamente normativo, o indivíduo apenas receberá tal designação se desviar da norma por princípio, ou seja, ele mesmo nega a qualidade de pessoa, e não reconhece o Estado como um terceiro responsável pela pacificação social, reincidindo na comissão de delitos e atentando diretamente contra sua própria existência. (JAKOBS, 2007, p. 29)

Para Jakobs (2007, p. 42), o inimigo seria:

Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode ser tratado “[...] quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode esperar ser tratado como pessoa, mas o Estado não deve trata-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.

Já para Sanchez (2002, p.149):

[…] O Inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente mediante sua vinculação a uma organização abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental. Em todo caso, é alguém que não garante mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e manifesta esse déficit por meio de sua conduta.

Assim, através de um resumo didático de Sanchez (2002) são enumeradas diversas características da Teoria do Direito Penal do Inimigo, de tal modo, tem-se como as principais: a) antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios) criação de tipos de mera conduta; c) previsão de crimes de perigo abstrato; d) flexibilização do princípio da legalidade; e) inobservância do princípio da ofensividade e da exteriorização do fato; f) preponderância do direito penal do autor; g) desproporcionalidade das penas; h) endurecimento da execução penal; i) restrição das garantias penais e processuais.

Com tais características, percebe-se que o direito penal do inimigo não é um sistema ordenado e lógico, e sim um sistema arbitrário no qual há vantagem manifestantemente excessiva sob os indivíduos de maneira desproporcional, violando os direitos e garantias da pessoa humana. Nessa perspectiva, trata-se de apenas uma estratégia de controle da criminalidade, ligada diretamente aos movimentos políticos

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e criminais repressivistas, possuindo como base a diferenciação dos indivíduos através da classificação entre inimigo, aquele que não aceita e norma e expõem risco ao controle estatal, e por fim, cidadão, este que respeita a norma, mas que porventura comete alguns delitos por “descuido”, portanto não expõem risco ao Estado e possui amparo frente aos direitos e garantias inerentes ao direito penal garantista e liberal.

Mas qual a relação do direito penal do inimigo com a Labeling Approach? Tais teorias impõem ao sistema uma etiqueta marginalizadora, que faz a identificação automática do inimigo, sem quaisquer análises fáticas, ou seja, o conceito de criminoso é apenas o resultado de uma decisão política, de tal modo, o Estado segue a lógica de que apenas uma situação de marginalização já é suficiente para gerar o efeito de convite para a existência das demais, havendo então a antecipação da punibilidade. Conforme o entendimento do autor Carvalho (2008, p. 22), a ciência criminal trata as demais áreas cientificas como servis, havendo uma espécie de arrogância do direito penal, auxiliando para que a ciência criminal se isole dos saberes científicos distintos e consequentemente se distancie dos reais problemas da vida.

1.3 A realidade social sob a perspectiva do direito penal do inimigo e a seletividade do sistema penal

Antigamente, a sociedade já entendia que para regular e preservar a vida é necessário a imposição de regras sobre o corpo social, ocorre que esta busca incessante auxiliou no florescimento da lógica seletiva do sistema, onde o direito penal é intitulado como um instrumento de controle do inimigo, tendo então repercussões tanto no contexto histórico brasileiro como no mundial.

De acordo com o autor Edvaldo dos Santos Júnior (2019, p. 6), o direito penal do inimigo e consequentemente a lógica seletivista se deu antes do tema ter sido desenvolvido por Günther Jakobs e Howard Becker, tais como o modo em que o homem primitivo regulava as suas condutas através do temor do misticismo religioso, tal período pode ser definido como “a vingança privada”, pois o infrator seria aquele que desrespeitasse as ordens de suas divindades, estas que correspondem aos seus antepassados, portanto o criminoso sofreria como punição a expulsão do grupo, ou seja, tal indivíduo sofreria reações vingativas para que a classe social não fosse contagiada.

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Para o autor mencionado, nos tempos atuais, tais como o ano de 1933, no que diz respeito ao movimento nazista, há uma nítida marginalização do sujeito com base em critérios repressivistas. O movimento nazista foi marcado pelo racismo, totalitarismo e nacionalismo. Com isso, os opositores, tais como, judeus, comunistas e homossexuais eram levados aos campos de concentração para ser submetidos a uma brutal execução através de câmaras de gás e outras formas de tortura, todo essa situação apenas se deu pois tais indivíduos eram considerados os inimigos do Estado, sendo negado a eles qualquer direito.

Ainda, no que diz respeito a repercussão do direito penal do inimigo, conforme o autor Edvaldo dos Santos Júnior (2019, p. 7), outro momento marcante diz respeito ao ataque do 11 de setembro de 2001, onde terroristas derrubaram as torres gêmeas de World Trade Center, em New York e parte do prédio do Pentágono, em Washington D.C., após o fatídico, em 26 de outubro de 2001, foi aprovada a lei Patriot Act, pela qual os Estados Unidos passam a adotar medidas excepcionais para combater e prevenir o terrorismo, tais como espionagem de cidadãos, torturas de possíveis suspeitos e invasão de lares, sem qualquer direito à defesa e até mesmo o devido processo legal, configurando total desrespeito a dignidade da pessoa humana.

Já no Brasil, pode-se dizer que o direito penal do inimigo pode ser visualizado com maior amplitude no que diz respeito à edição da lei dos crimes hediondos (lei 8.072/1990). Tal lei surgiu em decorrência do forte apelo midiático e, segundo o autor, tal situação é característica do direito penal de emergência, pois cria-se uma maior liberdade no que diz respeito em criar mecanismos excepcionais de combate ao crime. Assim, o legislador é quem possui competência para decidir quais crimes possam ser hediondos ou não, havendo então, o processo de etiquetamento do sujeito pelo Estado, e consequentemente a construção da imagem de inimigo.

De acordo com Junior (2019, p. 10),

Analisando, de forma especifica, os reflexos do Direito Penal do Inimigo na lei dos crimes hediondos, pode-se perceber que a referida lei tentou rotular os condenados a crimes hediondos como se fosse uma classe determinada de infratores, sendo, todos eles, independente do crime que praticou, tratado de uma forma igual, suprimindo qualquer possibilidade do magistrado analisar o caso concreto e aplicar os institutos possíveis aos outros crimes, invadindo a atividade típica do judiciário, e consequentemente, violando a separação do poder.

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De tal modo, segundo o autor (2019), a lei dos crimes hediondos desconsidera quaisquer políticas de ressocialização do indivíduo, a pena é vista apenas como um instrumento normativo de retribuição e repressivista, portanto, torna-se nítida as características do direito penal do inimigo e o etiquetamento, violando os direitos e garantias fundamentais do homem.

Já quanto à política de drogas do Brasil, prevista na lei 11.343 de 2006, a situação não é diferente, sofrendo então reflexos do Direito Penal do Inimigo. Esta inicialmente foi considerada um grande avanço, pois esta teria o intuito de vencer a guerra as drogas no Brasil. Finalmente, com a nova lei de drogas, não há mais a punição pelo consumo, mas apenas para o tráfico ilícito de entorpecentes. Ocorre que a lei não utiliza quaisquer critérios objetivos para determinar qual quantidade de entorpecente configura-se como tráfico.

De tal modo, frente ao contexto literal da norma antes mencionada, que é estabelecido pelo Estado o cumprimento de dispor medidas educativas de reinserção social de usuários e dependentes químicos, ou seja, o Estado firma o compromisso com a sociedade em prevenir o uso indevido. A lei em seu artigo 3º prescreve a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas; e a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas, ou seja, há uma distinção de usuário e traficante.

Esta distinção é considerada um grande progresso, tendo em vista que as drogas são substâncias com capacidade de alterar as funções intelectuais e provocar dependência, assim, com o artigo 3º da lei, impõem-se a ideia de que o Estado mostra-se preocupado em socorrer os usuários proteger mostra-seus direitos e garantias fundamentais. Mas como nem tudo é um “mar de rosas”, a lei é simbólica, visa apenas a mascarar a despreocupação do Estado frente aos indivíduos, deixando inúmeras falhas no sentido de prevenção do crime.

O uso ou consumo é considerado um dos crimes da Lei, estando expresso no caput do artigo 28, tendo as possíveis penas previstas nos incisos I, II e III (BRASIL, 2006), da seguinte forma:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas;

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III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. (BRASIL, 2006)

Tal artigo supramencionado deixa claro a inexistência da punição com pena privativa de liberdade, pois as condutas descritas devem ser praticadas para uso pessoal, de tal modo as medidas repressivas não são aplicadas ao usuário. Já em seu parágrafo 2º, torna-se nítida a seletividade do indivíduo, visto que não existem critérios objetivos e sim apenas subjetivos, tal parágrafo é escrito da seguinte forma: “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”. (BRASIL, 2006)

De tal modo que, nas palavras de Rodrigues (2019, p. 2), no que se refere ao parágrafo 2º do artigo 28, em nenhum momento este nomeia objetivamente formas de determinar se era para consumo pessoal que a droga destinava-se, além disto, também não existe uma quantidade determinada, não existe nenhum motivo que explique o porquê de ser relevante saber o local da abordagem, e muito menos que demonstre ser relevante conhecer das circunstâncias sociais e pessoais do agente. Assim, os critérios para a abordagem nada mais é do que critérios da polícia, critérios pessoais e etc.

A lei 11.343/06, enaltecida por muitos pela descaracterização do uso de drogas, não resolveu um dos maiores problemas existentes na criminalização do tráfico e consumo de drogas no Brasil, qual seja, o da diferenciação, na prática, entre tais condutas criminosas. O que se pretende analisar é o fato de que a distinção entre usuário e traficante, na justiça penal brasileira, é realizada de forma seletiva. (WEIGERT, 2006, p. 97)

Com a falta de objetividade, a seletividade da norma desumaniza o indivíduo e principalmente criminaliza a pobreza, pois tendo em vista que não existem critérios legais que determinem qual a quantidade de droga é para uso ou para o tráfico, torna-se fácil para o Estado rotular o preto e pobre como “bandido”. Assim, estorna-ses indivíduos que já são vítimas pela violência simbólica, no momento que se juntam ao sistema prisional, podem eles não possuir antecedentes criminais, mas o fato é que sairão do sistema de privação de liberdade apenas reeducados para o crime.

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[...] os traficantes das favelas são os alvos principais da repressão policial. Só no Estado do Rio de Janeiro, morrem, em média, aproximadamente 1.000 pessoas por ano, em decorrência da política criminal de enfrentamento. Desde a redemocratização, já morreram mais de 30.000 pessoas. No último ano, de 2007, foram mortos mais de 1.260 homens, conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, sem estarem incluídos dezenas de mortos, por se encontrarem em áreas vinculadas à delegacias ainda não informatizadas. (PEDRINHA, 2019, p. 12)

Para a autora Pedrinha (2019, p. 15), com o contexto fático e histórico da criminalização de drogas no Brasil, mostra-se de grande importância a aplicação de ações públicas para que possamos combater o discurso midiático onde o senso comum estabelece tais indivíduos como inimigos para a sociedade. De tal modo, o discurso frente ao tema das drogas deve colocar-se diante de questões de saúde pública, para que assim, possamos combater a dependência química e consequentemente reduzirmos os índices de tráfico de drogas no país.

Diante da situação exposta, conforme os autores David, Ribas e Silva (2019, p. 1), a presença de droga na sociedade é recorrente e por esta razão requer que o fato seja analisado com maior amplitude, então torna-se necessário que seja divulgado políticas de educação preventiva, para que a sociedade tenha conhecimento frente aos efeitos e consequências ao uso indevido de drogas ilícitas, tais como os riscos físicos, psíquicos e social causado ao ser humano.

Com o entendimento dos autores mencionados, percebe-se que o direito penal do inimigo e a seletividade do sujeito se mantêm presente há muito tempo. Ocorre que a lógica do sistema tem tendência repressivista, portando devemos prevalecer do discurso de educar para prevenir, de modo em que possamos proporcionar reinserção social de todos os indivíduos e principalmente reformar as instâncias de controle formais e informais de tratamento, protegendo os direitos e garantias fundamentais do homem, somente assim há possibilidade de superarmos a criminalidade. Assim, a labeling approach permite com que o Estado etiqueta os indivíduos com base em critérios pessoais, não prevenindo o crime e sim marginalizando ainda mais a população, de tal modo que abre-se as portas para a criminalidade distribuída desigualmente.

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2 O COMBATE ÀS DROGAS E O SISTEMA FUNCIONAL PUNITIVO

O principal instrumento para o combate as drogas está previsto na Lei nº 11.343/06 (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), tal dispositivo jurídico estabelece normas repressivistas sobre a venda ilegal de substâncias psicoativas. Ocorre que o Estado preocupa-se apenas com a punição do indivíduo, descartando a possibilidade de prevenção ou até mesmo ressocialização, o que é péssimo para o cenário nacional, pois necessitamos de uma nova política sobre drogas que de ênfase ao combate da violência e proponha um diálogo sensibilizado com os dependentes químicos, tornando possível um estudo sobre as principais causas e efeitos que levam a condição de dependente.

O sistema funcional punitivo segue os preceitos estabelecidos pela labeling approach, deste modo, através de um processo de criminalização o próprio Estado atribui o status de criminoso aos indivíduos, portanto há uma distribuição desigual de valores na sociedade, de acordo com as relações de poder político, econômico e social. Há uma crença de que o sistema penal funciona como solução, desta forma, passamos a esconder o óbvio de que o sistema punitivo tem funcionado como uma ferramenta política com função estrutural na organização social.

2.1 A justiça industrializada

Na sociedade capitalista, são utilizados mecanismos seletivistas no processo de criminalização, buscando privilegiar apenas os interesses das classes dominantes, tornando os demais indivíduos em outsiders. Assim, torna-se evidente que o crime é político, pois a conduta desviante afronta o comportamento do padrão social, ou seja, daqueles que possuem maior poderio econômico, dessa forma, as leis e as agências executivas penais não são movidas conforme o interesse e bem estar social de todos.

O autor Franco (1994, p.10) afirma o seguinte:

A função nitidamente instrumental do Direito Penal ingressa numa fase crepuscular cedendo passo, na atualidade, à consideração de que o controle penal desempenha uma função nitidamente simbólica. A intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados essenciais para a convivencialidade, mas apenas produzir um impacto tranquilizador sobre o cidadão e sobre a opinião pública, acalmando os sentimentos individual ou coletivo, de insegurança.

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A justiça industrializada abre portas para um Direito Penal simbólico e ilusório, desta forma conforme o autor Zaffaroni (1991, p.27), o sistema penal é estruturado para que a legalidade processual não se opere, e sim apenas exerça seu poder com alto grau de arbitrariedade seletiva. Com o entendimento do autor, as relações desiguais na sociedade auxiliam na fabricação de inimigos do sistema, onde a prisão vai ser vista como um reflexo de sociedade industrializada, onde nada importa além do poderio econômico e político.

Para a revista eletrônica Plataforma Política, em seu artigo Novo Modelo de Política Sobre Drogas,

Construir uma nova política sobre drogas é imprescindível para reverter o quadro atual de violência, descaso e dependência química que atinge as juventudes no país. A população jovem é um dos segmentos mais expostos às consequências do proibicionismo, da repressão e da criminalização do uso, características que estruturam o modelo das políticas públicas sobre o tema em todos os níveis de governo. Um efeito direto dessa lógica é o encarceramento em massa de jovens envolvidos com substâncias psicoativas, tanto usuários quanto, principalmente, agentes do sistema que sustenta o tráfico de drogas, que atinge preferencialmente jovens negros e pobres, quase sempre submetidos a condições degradantes e insalubres de trabalho. Uma nova política sobre droga deve ser orientada a partir de uma lógica que vise compreender o problema da drogadição a partir da ótica social e de saúde desvinculado de uma lógica criminal. (PLATAFORMA POLITICA, 2020, p. 1)

O único dado em comum entre as condutas criminalizadas dizem respeito ao ato político de criminalizar, à afronta de um grupo político está relacionada a conduta criminosa moderna, esta que diz respeito a um interesse egoísta. Nesse sentido, “o Estado encontra um potente mecanismo de poder, já que cria para si a legitimação necessária para incidir de forma rigorosa sobre os cidadãos. A etiqueta de crime, criada pelo Estado, é justamente o código que deflagra sua atuação mais potente: a pena.” (LEMOS, 2015, p. 57).

Para a autora Pastana (2009, p. 123), mesmo vivendo com a égide de uma Constituição democrática, as relações políticas e a sociais vem caracterizando cada vez mais pela ilegalidade e arbitrariedade, situação em que nos mostra com clareza de que a reforma constitucional não soube evitar a ancestralidade perversa dos

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detentores de poder. Assim, auxiliamos na fomentação de um círculo vicioso de insegurança pública. Infelizmente, estamos nos distanciando cada vez mais da égide democrática, tranquilizando a população com base em um discurso de excesso de ordem.

Nesse sentido, com a instauração da justiça industrializada e a labeling approach, a guerra as drogas é utilizada como pretexto para atacar negros e pobres, que conforme a autora Briolly (2020, p. 1), que é mulher trans e negra, “a lógica de criminalização da juventude negra, trabalhadora e moradora de favela, origina-se do legado imperial-escravista, que historicamente funcionou para encobrir a intensa conflitividade social e os diferentes projetos de cidade.”

Para a autora Briolly (2020, p. 1), o negro é injustamente tratado como um objeto supérfluo de uma elaboração social, em que até os dias de hoje, devido ao período escravocrata, carrega consigo valor de uso e valor de troca, ou seja, o Estado entende que este pode ser facilmente descartado. Desta forma,

Enquanto em outros países, se discutem a questão da “legalização” das drogas, no Brasil, as medidas para repressão ao tráfico e criminalização do uso, se tornam cada vez mais austeras. A Lei 11.343/06 no Artigo 33 dispõe sobre as penas a serem aplicadas, que vão de 5 a 15 anos de reclusão, pautadas no discurso de que a penalização elevada reduza a incidência do envolvimento no tráfico. Entretanto, em 2013, um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas, mostrou que na América do Sul, o mercado de cocaína vem se expandindo, e o Brasil está como um dos principais países entre eles. O Estado então, com sua lógica punitiva e de políticas sociais focalizadas, respaldado legalmente, atua de forma a criminalizar a pobreza. Assim, a seletividade do sistema penal brasileiro, historicamente desenvolvida no país e o uso da força letal da polícia, demarcam que a popularmente chamada “guerra às drogas”, tem alvo certo, definido por cor/raça, faixa etária e classe social. (BRIOLLY, 2020, p. 1)

Pois bem, um fato é claro, a política de drogas no brasil é repressiva e deriva de inúmeros preconceitos. Ocorre que para procedermos com uma melhor análise no que diz respeito ao estigma e preconceito vivenciado pelos usuários, se faz necessário entender qual é o perfil de consumo de tais substâncias.

2.2 O perfil de consumo dos usuários de substâncias psicoativas

Desde sempre, o homem buscou formas de alterar o seu Estado de consciência, o consumo de substâncias psicoativas estava vinculado às práticas culturais e religiosas. Ocorre que o uso e abuso de substâncias psicoativas modernas,

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tais como o crack, cocaína e maconha, tornou-se um grave problema de saúde e segurança pública, portanto, o uso dessas substâncias foi banalizado.

Um fato é claro, com a consolidação do capitalismo, as drogas passam a ser mercadorias, onde o consumo atinge diretamente o sistema nervoso central do corpo humano, fazendo com que o indivíduo desenvolva um padrão de consumo abusivo, o que a leva a dependência química. Umas das principais questões quanto à dependência química, dizem respeito às causas que levam o indivíduo a se envolver com tais drogas, que são extremamente complexas, e requer uma maior ênfase no que diz respeito à criação de novas políticas públicas de prevenção, redução do uso e tráfico, bem como a eliminação dos riscos.

Nesse sentido,

[...] a dependência química constitui um problema grave de saúde pública, por ser responsável por uma série de prejuízos socioeconômicos, ocupacionais, psicológicos e físicos aos seus usuários. Tanto no mundo quanto no Brasil, estudos especializados revelam que há uma semelhança no perfil de usuários de substâncias psicoativas. Dentre esses, os mais propícios ao uso abusivo ou dependência de drogas encontram-se os jovens, desempregados, com baixa escolaridade, baixo poder aquisitivo e provenientes de famílias desestruturadas. Todavia, tem-se observado a difusão das drogas por todas as classes sociais e a iniciação do consumo em idades, cada vez mais, precoces, quase sempre, precedida pelo uso do álcool. (LACERDA et al., 2015, p. 55)

No que diz respeito a uma das pesquisas mais recente sobre o consumo de drogas licitas e ilícitas no Brasil, esta diz respeito ao 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, feita pela Fundação Oswaldo Cruz, na qual 16.273 pessoas com idade entre 12 a 65 anos foram entrevistadas em suas residências no ano de 2015.

Quanto aos resultados obtidos em tal pesquisa,

[...] as substâncias em relação às quais foram observadas as maiores prevalências na vida foram a maconha, a cocaína em pó, os solventes, e as cocaínas fumáveis. Em relação a estas últimas, cabe observar que trata-se de um conjunto de produtos que se caracterizam por uma utilização marcadamente extradomiciliar (seja por parte de populações vivendo em situação de rua, seja por parte de entrevistados que declaram passar parte substancial das suas vidas cotidianas longe dos seus domicílios e família, e que, portanto, não poderiam, obviamente, estar ausentes e presentes nestes mesmos domicílios; (BASTOS et al., 2017, p. 109)

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A pesquisa extraiu aproximadamente 2,2 milhões de indivíduos usuários de maconha, valor 5 vezes maior a qualquer outra substância, bem como, mostrou que o uso das substâncias ilícitas é mais frequente entre homens.

Ao se referir nas estimativas de consumo com base ao nível de escolaridade, Bastos et al (2017, p.113), considerando um total de 2.297 entrevistados, cerca de 871 pessoas com ensino médio completo e superior incompleto, e 528 sem instrução e ensino fundamental, e 523 com ensino fundamental completo e ensino médio, e 375 com ensino superior completo, consumiram substâncias ilícitas na vida. Tais dados nos mostram com clareza que a predominância do uso de substâncias psicoativas prevalece entre os indivíduos com maior nível de escolaridade. Quanto às estimativas levando em consideração os domínios geográficos, as regiões metropolitanas são as que maior possuem a prevalência do consumo, quando comparadas com as não-metropolitanas.

Ocorre que de acordo com a realidade fática do Brasil, os usuários que vivem em situação de rua correspondem majoritariamente com a massa marginalizada da sociedade. Portanto, houve uma omissão por parte da pesquisa no que diz respeito a quais são as principais causas que levam à dependência e o uso, em situações especiais, tais como usuários e dependentes químicos que vivem em abrigos, presídios e até mesmo na rua.

Nesse sentido,

[...] dado às vulnerabilidades socioeconômicas às quais estão expostas as pessoas que vivem nas ruas e que fazem uso abusivo de drogas, estas se tornam mais vulneráveis aos controles, repressões e exclusões baseados em estigmas e estereótipos que associam a figura do morador de rua usuário de droga ao estereótipo de bandido ou criminoso, aquele que representa perigo à sociedade. (LIMA; HOLANDA; RODRIGUES, 2018, p. 426)

Portanto, o perfil de usuário que vive em condição especial, é criminalizado indevidamente pela sociedade, fazendo com que este sofra os reflexos da política de guerra as drogas, pois

[...] na construção de Políticas Públicas, no caso específico do crack, vimos que a pessoa que usa drogas não tem vez nem voz, porque na formulação de Políticas Públicas voltadas à questão de drogas são chamados diversos atores sociais envolvidos na questão DROGAS: policiais, juristas, políticos, padres, pastores, médicos, psicólogos, sociólogos, dirigentes de comunidades terapêuticas, representantes de associações médicas, Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de

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Políticas de Drogas, mas não são chamados representantes do público-alvo, ou seja, nunca são consultadas pessoas que fazem uso de drogas para discutir qual a melhor forma de se pensar em políticas públicas que contemplem suas necessidades, um exemplo de como isso acontece é o acirrado debate sobre o uso de crack no Brasil como uma epidemia e a resposta rápida do governo na formulação de um Plano Emergencial para Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e Outras Drogas no SUS (PEAD). (LOIVA, 2010, p. 164)

Já com base em uma pesquisa realizada por Bacharéis de Enfermagem pelo Centro Universitário UNINORTE de Rio Branco – AC, foram entrevistados 31 indivíduos atendidos no CAPS-AD III, em maio de 2019. Estes foram selecionados aleatoriamente para coleta de dados sobre as características sociodemográficas e os fatores relacionados à dependência química, tal pesquisa possui um resultado distinto da realizada pela Fundação Oswaldo Cruz.

Quanto aos resultados da referida pesquisa, Santos et al (2019, p.3) conclui que 87,1% dos usuários era do sexo masculino, com faixa etária de 36 a 45 anos de idade, sendo que 45,2% possuem apenas o ensino fundamental completo, bem como 64,5% possui algum antecedente familiar com uso de substância psicoativa, sendo o álcool identificado como o primeiro acesso a droga e em momento posterior a maconha. Ainda tratando-se dos dados obtidos na pesquisa, grande parte dos indivíduos informou que o principal motivo por consumir as drogas pela primeira vez corresponde em 48,4% por curiosidade e 32,3% por influência de grupo de amigos.

Levando em consideração as duas pesquisas expostas, a pesquisa realizada pela Fundação Osvaldo Cruz nos mostra com clareza a omissão do Estado em buscar um estudo que demonstre efetivamente os dados concretos das principais causas do consumo, tráfico e dependência química. Nesse sentido, são negados os direitos à identidade e participação social destes indivíduos, portanto, tais pesquisas devem proporcionar a oportunidade de fala, de modo em que, estes indivíduos possam falar sobre suas trajetórias.

2.3 O estigma e o preconceito vivenciado pelos usuários

O número de usuários de substâncias psicoativas vem se expandido rapidamente no cenário brasileiro. Portanto, tal questão deve ser abordada como um problema de saúde e segurança pública, ocorre que o Estado deve se comprometer com diversos setores da sociedade para colocar em prática a guerra contra as drogas,

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tais como, o setor familiar e clinico. Nesse sentido, o pouco comprometimento do Estado faz com que grande parte dos usuários já dependentes da substância psicoativa tornem-se reféns da violência, do preconceito e da criminalidade.

Uma das principais alterações causadas entre os dependentes corresponde com o abandono dos seus laços afetivos, devido ao isolamento social causado pelo preconceito. Para Bard et al (2016, p. 2)

[...] Tal situação tem ocupado os espaços da mídia e os discursos da sociedade civil e política, valorizando aspectos negativos da dependência de drogas que ajudam a construir o preconceito e o estigma em relação a esses usuários. Com isso, a ideia construída no imaginário social é que todos estão envolvidos com o tráfico, com a criminalidade e que a interrupção do uso está relacionada à força de vontade dos usuários.

Conforme o entendimento supracitado, os veículos de informação e até mesmo o Estado promovem o preconceito e julgamento inadequado sobro o uso e abuso de tais substâncias, sem um prévio estudo da situação, auxiliando na criação da imagem do inimigo e colocando em prática a labeling approach. Com o pré-julgamento não observa-se o direito à dignidade da pessoa humana, pois negligenciamos estes e acabamos por considerar o usuário uma espécie menos desejável na sociedade. Para combatermos este tipo de preconceito enraizado em nossa sociedade devemos proceder com um estudo de caso de cada usuário, de modo em que possam ser observados os principais aspectos que levaram ao sujeito chegar na condição de dependência.

A sociedade moralizada faz com que os usuários sejam taxados de sujeitos que não se enquadram no ideário da sociedade, devendo então ser excluídos dos espaços públicos bem como de seus direitos. Nesse sentido, o primeiro a passo para desmitificarmos os referidos rótulos é a inclusão de tais sujeitos em todos os setores do Estado, e principalmente promover a educação, cidadania e cuidado clinico. Para os autores Bard et al. (2016, p. 4) diz que

A pessoa estigmatizada possui duas identidades: a real e a virtual. A identidade real é o conjunto de categorias e atributos que uma pessoa prova ter; e a identidade virtual é o conjunto de categorias e atributos que as pessoas têm ao se mostrarem aos estranhos ao seu redor, logo, são exigências e atribuições de caráter, feitas pelos considerados normais, quanto ao que o estranho deve ser.

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Seguindo a ideia da autora, evidencia-se uma atitude preconceituosa e discriminatória no que diz respeito à identidade virtual do indivíduo, desconsiderando quaisquer particularidades, e produzindo consequências decisivas na vida deste, a autora ainda menciona que devemos desmitificar a ideia de que a dependência da substância psicoativa não diz respeito à vontade do indivíduo, e sim uma necessidade fisiológica e psicológica.

Outro aspecto que deve ser observado entre os dependentes corresponde com a ideia de que a droga causa euforia não só entre os usuários, mas sim também entre os indivíduos do grupo, motivando a um novo episódio de consumo, tal entendimento também é mencionado por Becker (2018, p. 31). Assim, para combatermos é necessário aplicarmos uma assistência humanitária de modo a dar oportunidade de escuta ao sujeito fragilizado com ênfase na sensibilidade, amadurecendo a ideia de inclusão e aceitação do outro.

Deste modo,

A lógica repressiva coloca o acento na droga, resultando em baixa resolutividade na atenção ao indivíduo. Para seguir apostando nos sujeitos, faz-se necessário escutá-los e acolher o consumo de drogas independentemente dos aspectos legais que isso envolve. Trabalhar com saúde pública e drogas significa aceitar que o consumo ocorre, que nem sempre o consumo leva à dependência e que há diferentes riscos ligados ao uso de drogas. Geralmente, as minorias marginalizadas são a população que vive nas favelas, além dos próprios traficantes, sendo essa população composta por negros e nordestinos de baixa renda ou em miséria concreta. (BARD et al., 2016, p. 5)

Desta forma, há o entendimento de que a descriminação dos indivíduos nas periferias tornam estes vulneráveis socialmente, uma vez que são desprovidos de oportunidades de trabalho e educação de maneira igualitária. Assim, a falta de infraestrutura facilita com que jovens se envolvam direto ou indiretamente com o tráfico. Para tanto, devemos colocar em prática políticas públicas que desmitifiquem a imagem do outro como inimigo ou diferente, promovendo desta forma ações alternativas de prevenção, reabilitação e reinserção social.

Nesse sentido, os autores Barcelos e Domenici (2020, p. 2) realizaram um levantamento de 4 mil sentenças de tráfico correspondentes à cidade de São Paulo, no ano de 2017. Tal analise foi realizada durante 4 meses, sendo então classificadas as absolvições, condenações, e desclassificações por raça e cor, bem como foi elencada a quantidade de drogas apreendidas em tais processos.

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Quanto aos dados extraídos de tal pesquisa, estes

[...] revelam que os magistrados condenaram proporcionalmente mais negros do que brancos na cidade de São Paulo. Setenta e um por cento dos negros julgados foram condenados por todas as acusações feitas pelo Ministério Público no processo – um total de 2.043 réus. Entre os brancos, a frequência é menor: 67%, ou 1.097 condenados. Enquanto a frequência de absolvição é similar – 11% para negros, 10,8% para brancos –, a diferença é de quase 50% a favor dos brancos nas desclassificações para “posse de drogas para consumo pessoal”: 7,7% entre os brancos e 5,3% entre os negros. (BARCELOS; DOMENICI, 2020, p. 2)

No que diz respeito à quantidade da droga apreendida,

Entre os réus brancos foram apreendidas, na mediana, 85 gramas de maconha, 27 gramas de cocaína e 10,1 gramas de crack. Quando o réu é negro, a medida é inferior nas três substâncias: 65 gramas de maconha, 22 gramas de cocaína e 9,5 gramas de crack. (BARCELOS; DOMINICI, 2020, p. 2)

Ainda nesse sentido,

Nos casos de apreensão de somente um tipo de droga, os negros foram proporcionalmente mais condenados portando quantidades inferiores de entorpecentes. No caso da maconha, 71% dos negros foram condenados, com apreensão mediana de 145 gramas. Já entre os brancos, 64% foram condenados com apreensão mediana de 1,14 quilo, ou seja, uma medida quase oito vezes maior. (BARCELOS; DOMINICI, 2020, p. 4)

Quanto à classificação da apreensão,

Ainda entre as apreensões somente de maconha, a diferença ocorre também nos casos em que a acusação é desclassificada pela Justiça para “porte de drogas para consumo pessoal”: 9,3% dos negros foram considerados usuários, e a mediana das apreensões nesses casos foi de 39,4 gramas. Já entre os brancos, 15,2% foram considerados usuários, com apreensão mediana de 42,8 gramas de maconha. Nas ocorrências envolvendo somente crack, a mediana das apreensões nos processos que levaram à condenação é semelhante entre as cores: 11,1 gramas para os brancos e 10,2 gramas para os negros. No entanto, as frequências de condenação são bem diferentes: 67% entre os negros e 50% entre os brancos. Nos casos de apreensão de cocaína, a frequência de condenação foi de 66% entre os brancos, e a mediana, 34,2 gramas. No caso dos negros, 68% foram condenados, e a mediana das apreensões nesses processos foi de 26 gramas. (BARCELOS; DOMINICI, 2020, p. 4)

Em tais análises, os autores identificaram 1.547 réus cujo a apreensão foi de apenas uma droga. Já quanto ao restante, 679 réus para apreensão maconha, 186

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réus para a apreensão de crack e por fim 650 réus no que diz respeito à apreensão de cocaína.

Para os autores, tais dados mostram de forma clara que há sim uma criminalização maior dos negros, pois a inexistência de parâmetros objetivos que classifiquem a diferença entre um usuário e dependente químico de um traficante faz com que na hora do julgamento prevaleça o entendimento de uma justiça industrializada, onde as instâncias formais iram atuar com repressão sobre os indivíduos da sociedade. Sendo os principais agentes por tais injustiças, a polícia, o ministério público e os magistrados.

(34)

3 A SUPERAÇÃO DA LABELING APPROUCH

As teorias do etiquetamento social têm nos mostrado que diversas rotulações são atribuídas aos dependente de drogas ilícitas pelas instâncias formais de controle social, desta forma, as principais características da Labeling Approuch dizem respeito a uma natureza classista e hierárquica, onde o Estado passa a criminalizar os indivíduos através de normas subjetivas e consequentemente na criação de estigmas.

Conforme Godoy (2007, p. 150),

[...] O processo de criminalização é escancaradamente elitista, incriminando preferencialmente condutas típicas das classes sociais baixas e privilegiando ou contemporizando os comportamentos das classes mais elevadas. Há uma distorção ideológica da tarefa criminológica, promovida pela ação oficial e pelos meios de divulgação de opinião pública, distorção que, execrando o criminoso convencional, serve de vedação para acobertar e até justificar, por exemplo, carcinomas sociais do tipo do “colarinho branco”.

Nesse sentido, labeling approach corresponde a uma das principais causas da exclusão social dos indivíduos, fomentando ainda mais a violência e repressão do Estado. O indivíduo que não se enquadrar com o padrão criado pelo Estado, facilmente será considerado um outsider. Ocorre que a conduta do desvio nada mais é do que uma reação de defesa do sujeito, este que deverá injustamente se adaptar aos problemas que foram criados pelo Estado.

Infelizmente, a

[...] teoria do etiquetamento social, de modo muito sucinto, sinaliza que alguns comportamentos representam um status social atribuído a certos sujeitos. Por exemplo, a sociedade rotula de “drogado” a pessoa que usa drogas de forma exagerada e sem controle, mas não designa a mesma rotulação para pessoas que consumem açúcar em excesso apesar de muitos estudiosos considerarem a dependência por carboidratos o maior vício da humanidade. (ZIEMMERMANN, 2020, p. 1)

A criminalização dos indivíduos, principalmente no que diz respeito à guerra às drogas, deverá ser entendida dentro do contexto de sua totalidade, de modo em que não se deve indagar os motivos pelos quais o sujeito tornou-se criminoso, mas sim buscar o que levou este individuo a ser estigmatizado como delinquente. Sendo assim, é necessária uma inovação nas instâncias de controle formal, de modo a eliminar a ideia de que o caráter repressivista da pena irá reduzir os índices de violência, tráfico e dependência química, pois tal sistema nada mais é do que a consolidação da

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