• Nenhum resultado encontrado

O trabalho e suas transformações: uma análise sobre o brasil no final do Século 20

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O trabalho e suas transformações: uma análise sobre o brasil no final do Século 20"

Copied!
159
0
0

Texto

(1)

RIO GRANDE DO SUL

Departamento de Ciências Administrativas, Contábeis, Econômicas e da Comunicação Departamento de Estudos Agrários

Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO

MÁRCIA NAIAR CERDOTE PEDROSO

O TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES:

UMA ANÁLISE SOBRE O BRASIL NO FINAL DO SÉCULO 20

Ijuí (RS) 2013

(2)

MÁRCIA NAIAR CERDOTE PEDROSO

O TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES:

UMA ANÁLISE SOBRE O BRASIL NO FINAL DO SÉCULO 20

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Desenvolvimento, área de concentração: Direitos Humanos e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimetno.

Orientador: Professor Dr. Gilmar Antonio Bedin

Ijuí (RS) 2013

(3)

P372t Pedroso, Marcia Naiar Cerdote.

O trabalho e suas transformações : uma análise sobre o Brasil no final do século 20. / Marcia Naiar Cerdote Pedroso. – Ijuí, 2013. – 158 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.

“Orientador: Gilmar Antônio Bedin”.

1. Reestruturação produtiva. 2. Taylorismo/Fordismo. 3. Toyotismo. 4. Neoliberalismo. I. Bedin, Gilmar Antônio. II. Título. III. Título:

Uma análise sobre o Brasil no final do século 20.

CDU: 331.5(81)

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

(4)

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

O

O TTRRAABBAALLHHOO EE SSUUASAS TTRRAANNSSFFOORMRMAAÇÇÕÕEESS:: UUMMAA AANNÁÁLLIISSEE SSOOBBRREE OO B

BRRAASSIILL NNOO FFIINNAALL DDOO SSÉÉCCUULLOO 2200

elaborada por

MÁRCIA NAIAR CERDOTE PEDROSO

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad (UFSM): ______________________________________

Prof. Dr. Argemiro Luis Brum (UNIJUÍ): _________________________________________

(5)

À minha mãe, pela inspiração em seu exemplo de coragem e persistência.

Ao Leonardo, pelo amor, carinho, paciência e apoio fundamentais nesta caminhada.

(6)

AGRADECIMENTOS

Solidariedade justifica o curto passeio da vida. (Oscar Niemeyer)

Antes de qualquer agradecimento direto, deixo aqui meu sincero “muito obrigada” a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, colaboraram e fizeram parte desta minha realização pessoal e profissional.

Primeiramente, agradeço ao meu orientador, prof. Gilmar Antonio Bedin por toda sua dedicação, atenção, troca de ideias e apoio dispensados, fatores que foram fundamentais para o desenvolvimento desta dissertação.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Desenvolvimento da UNIJUÍ, em especial aos professores Argemiro Luis Brum, Daniel Rubens Cenci, Darcísio Corrêa e Doglas Cesar Lucas pelos valiosos ensinamentos compartilhados.

A CAPES por tornar possível a realização deste sonho.

Aos colegas do curso de mestrado pela amizade, companheirismo, troca de experiências e pelas longas discussões calorosas, sempre muito proveitosas, que nos fizeram crescer e amadurecer enquanto cidadãos e humanos.

A Janete, secretária do Curso de Mestrado em Desenvolvimento, que desde os primeiros contatos mostrou-se uma amiga e muito atenciosa. E, também à secretária Elisa sempre muito prestativa.

Agradeço com carinho ao meu amado marido e amigo Leonardo pela compreensão, companheirismo e apoio incondicional, nesse momento, de aparente abandono e solidão onde a dedicação foi desviada à elaboração dessa pesquisa.

Por fim, àquele o qual é o responsável pelo que há de mais sublime, a vida. Deus lhe agradeço pela presença constante na minha vida.

(7)

A luta por uma sociedade mais justa não pode se perder no tempo. - Oscar Niemeyer

O Caminho da Vida O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza,

porém nos extraviamos. A cobiça envenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso

para a miséria e morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

(8)

RESUMO

A presente dissertação analisa o processo de transformações que ocorreu no mundo do trabalho no desenrolar do século 20, em específico no Brasil nas últimas três décadas do referido século. Ao longo deste século, o modelo de produção e trabalho taylorista/fordista garantiu a reprodução e ampliação do capitalismo. No entanto, a partir da década de 1970 ocorreu o esgotamento de seu potencial. Em um contexto de crise iniciou-se um amplo processo de reestruturação capitalista que alterou fortemente as relações de produção e de trabalho. O modelo produtivo taylorista/fordista, com sua organização verticalizada e rígida, passou a dar espaço à novas formas de produzir, baseadas na metodologia toyotista e flexível de produção. Tal processo foi acompanhado pela ascensão de um novo modelo político e ideológico, o neoliberalismo, bem como, pelo processo de globalização, criando a tríade que redefinirá o sistema capitalista do final do século 20. Esse fenômeno torna-se hegemônico no Brasil ao longo dos anos 1990, provocando grandes mudanças no mundo do trabalho. A síntese das consequências dessas significiativas transformação é o tema central desta dissertação.

(9)

ABSTRACT

This dissertation analyzes the changes that occurred in the workplace in the course of the 20th

century, in particular in Brazil over the last three decades of this century. Throughout this

century, the model of production and work Taylorist / Fordist ensured the reproduction and expansion of capitalism. However, from the 1970s occurred depletion potential. In a context of crisis began an extensive process of capitalist restructuring that heavily altered the relations of production and labor. The production model Taylorist / Fordist organization with its vertical and rigid, now make room for new ways to produce, based on the methodology toyotist and flexible production. This process was accompanied by the rise of a new political and ideological model, neoliberalism, and, by the process of globalization, creating a triad that will redefine the capitalist system of the late 20th century. This phenomenon becomes hegemonic in Brazil during the 1990s, causing major changes in the working world. A summary of the significant consequences of such transformation is the central theme of this dissertation.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 O MUNDO DO TRABALHO NO SÉCULO 20: DO TAYLORISMO/FORDISMO AOS MODELOS DE PRODUÇÃO FLEXÍVEIS ... 15

1.1 O modelo de produção e trabalho perpetuado ao longo do Século 20: o auge e o declínio do taylorismo/fordismo ... 15

1.2 A ascensão dos novos modelos de produção: o toyotismo e a organização flexível ... 31

2 NEOLIBERALISMO, OS NOVOS MODELOS DE PRODUÇÃO FLEXÍVEIS E SEUS EFEITOS SOBRE O MUNDO DO TRABALHO ... 43

2.1 O neoliberalismo e os modelos de produção flexíveis ... 43

2.2 Os modelos de produção flexíveis e seus efeitos sobre o mundo do trabalho ... 53

2.3 Continuidades ou rupturas nas formas de organização do trabalho e da produção? ... 76

3 O TRABALHO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO 20: AS IMPLICAÇÕES DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E DO NEOLIBERALISMO ... 87

3.1 A estrutura econômica e do trabalho no Brasil no Século 20 ... 87

3.2 A dinâmica do trabalho e a reestruturação produtiva nos anos 1980 ... 102

3.3 A ascensão do neoliberalismo e o avanço da reestruturação produtiva nos anos 1990: efeitos e repercussões sobre o trabalho e emprego ... 117

3.4 Breves apontamentos sobre a primeira década do século 21 ... 139

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 147

(11)

INTRODUÇÃO

O último terço do Século 20 é marcado por um amplo processo de transformação do capitalismo. Nesse período, observou-se que a fase do capital iniciada logo após a Segunda Guerra Mundial entrou em declínio e levou o mundo capitalista a enfrentar uma forte e impactante crise. Essa crise gerou um quadro recessivo de grande amplitude e de alcance global. A saída desenhada pelos países capitalistas centrais foi buscar definir novas bases para a reprodução e a acumulação do capital. Este processo provocou profundas alterações na forma da gestão e organização do trabalho humano e nos modos de ser e de viver da classe trabalhadora.

De acordo com a História, observa-se que o desenvolvimento do modo de produção capitalista ocorre através de intensos processos de reestruturação produtiva que alteram objetivamente e subjetivamente o mundo do trabalho. A cada reestruturação do capital são adotados novos métodos de organização da produção e do trabalho, utilizando-se dos avanços tecnológicos propiciados por cada época. Ao longo do Século 20, nos deparamos com duas formas de reestruturação produtiva: o taylorismo/fordismo, forma hegemônica durante a maior parte do Século 20; e o toyotismo/acumulação flexível, que se estabelece na última metade do século, gerando novos processos de transformações sócio-organizacionais que alteraram em grande magnitude o modo de produzir e as formas de relações de trabalho.

O Século 20 foi um período que demarcou importantes acontecimentos na história econômica e social que ocasionaram um novo delinear da História Mundial do capitalismo. Em nenhum outro período, a sensação de aceleração da História foi tão presente como nos cem anos que se iniciaram com o desafio da expansão das redes de telégrafos e que terminaram com o desafio do acesso às redes de internet. Este século pode ser dividido em três grandes momentos: primeiramente, uma Era de Catástrofes, cujo início e fim têm como marcos a Primeira Guerra Mundial e o termino da Segunda Guerra Mundial, respectivamente; um segundo momento foi a “Era de Ouro” do capitalismo, “cerca de 25 ou trinta anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social” que “mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável”; por

(12)

fim, o último período inicia-se na década de 1970, marcado por uma nova crise que promoveu alterações profundas na sociedade como um todo.1

Assim, o Século 20 pode ser considerado um momento de intensas permanências e rupturas. Dialeticamente, pode-se dizer também que as raízes do Século 20 foram lançadas no Século 19, sobretudo, a partir da Segunda Revolução Industrial e da expansão do capitalismo. Enquanto que a Primeira Revolução Industrial se limitou a Inglaterra, a Segunda Revolução Industrial representou o avanço de uma nova ordem econômica e social para diferentes regiões do planeta. Alemanha, França, Bélgica, Rússia, Japão, Estados Unidos, entre outros países, aos poucos emergiam na “civilização industrial”.

A mobilização do modo de produção capitalista que se manifesta por meio de Revoluções Industriais sempre ocasiona mudanças nas relações de trabalho. Desse modo, percebe-se que desde a Primeira Revolução Industrial existe a resistência dos trabalhadores2, que se veem ameaçados pela perda do controle do processo de produção, reprodução e distribuição dos bens produzidos, um fator que é inerente ao próprio modo de produção capitalista. Esta perda é geradora da intensificação e do aumento da exploração do trabalhador, o que ocasiona, por exemplo, a perda do controle sobre o tempo de trabalho, que em última instância produz o aumento das jornadas de trabalho. Esse fenômeno pode ser explicado pelo fato de que no processo de trabalho capitalista3 ocorre uma ruptura na relação originária de trabalho.

O uso da maquinaria, desenvolvido dentro da sociabilidade do modo de produção capitalista, alterou o caráter qualitativo da atividade humano-produtiva, tornando o processo

1HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,p. 15. 2 Um exemplo é o movimento luddista ou quebradores de máquinas, ocorrido no Século 18, que foi um

movimento de contestação por parte dos trabalhadores contra os patrões que empregavam maquinaria e assim os privavam do trabalho ou acabavam recebendo salários injustos. “[...] a ação violenta destinava a defender direitos que a incúria das autoridades permitia que fossem violados. [...].” SINGER, Paul. A cidadania para todos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY BASSANEZI, Carla. (Org.). História da cidadania. 5ª edição. São Paulo: Contexto, 2010, p. 198.

3 No processo de trabalho capitalista, os produtores não possuem a propriedade dos meios de produção como

também não possuem o controle material, no sentido de gestão do processo de trabalho. O trabalhador vende a sua força de trabalho em troca de um salário. Alves ensina que “o capitalismo é o único modo histórico de produção em que a força de trabalho é mercadoria. Aliás, é a transformação essencial da força de trabalho em mercadoria, através da instauração do trabalho livre, que dá-nos a chave de acumulação de mais-valia. Sem trabalho livre ou força de trabalho como mercadoria, não existiria produção de mais-valia (o D’) Só a força de trabalho como mercadoria é capaz de produzir mais-valia”. ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2ª edição. Londrina-PR: Práxis, Bauru-SP: Canal 6, 2007, p. 18.

(13)

de trabalho um processo de valorização, no qualo trabalho torna-se trabalho abstrato4. Assim, o processo de trabalho deixou de expressar diretamente a força do homem e do operário para expressar a valorização do capital. Dessa maneira, a implantação da máquina no processo produtivo capitalista, instaura-se o que Marx denominou de modo de produção

especificamente capitalista.

A Segunda Revolução Industrial instaurou uma ordem de controle sócio-metabólico do capital que alterou as múltiplas determinações sociais que ainda obtinham inserções naturais. Esse processo de modernização marca a transição das sociedades agrário-manufatureiras para as sociedades urbano-industriais . Tendo adquirido impulso significativo com a hegemonia do capital inglês, entre a segunda metade do Século 19 e as primeiras décadas do Século 20, esta

modernização acabou ganhando um forte impulso renovador com a ascensão do capitalismo

norte-americano a partir do período entre guerras. Naquele contexto, aos poucos a sociedade norte-americana, e num segundo momento a sociedade européia, era introduzida no American

Way of Life5 e no desejo de possuir bens de consumo individuais, entre eles o automóvel. É neste novo capitalismo em ascensão, voltado para os meios de consumo de luxo, que surge uma nova forma de organização do trabalho, o taylorismo/fordismo, que será hegemônica ao longo de quase todo Século 20.

Porém, nas últimas décadas do Século 20 ocorre o esgotamento do potencial de reprodução e expansão do capitalismo sob a hegemonia do taylorismo/fordismo. Nesse contexto, inicia-se um amplo processo de reestruturação capitalista que irá alterar fortemente as relações de produção e de trabalho. O modelo produtivo taylorista/fordista, com sua organização verticalizada e rígida, passa a dar espaço a novas formas de produzir, baseadas na metodologia toyotista e flexível de produção. Tal processo foi acompanhado pela ascensão de um novo modelo político e ideológico, o neoliberalismo, bem como, pelo processo de globalização, criando a tríade que redefinirá o capitalismo no final do Século 20.

4 O termo trabalho abstrato é utilizado por Marx para explicar a forma de extração do trabalho humano no modo

de produção capitalista, sendo a forma mais desenvolvida de trabalho dentro desse modo de produção. Diferentemente do trabalho concreto, aquele produtor de coisas úteis, calcado nos valores de uso os quais objetiva atender as necessidades primárias para a garantia da sobrevivência do ser humano, o trabalho abstrato é o produtor de mais-valia atendendo a lógica do capital em retirar aquilo que sobra do trabalho realmente necessário para produzir determinada mercadoria, um plus de valor – trabalho extra. Cujo trabalho que é expropriado do trabalhador e apropriado pelo dono dos meios de produção com o objetivo de realizar a auto-valorização do capital, ou seja, a ampliação do capital.

5 Os EUA tiveram seu auge de ascensão no Segundo Pós-Guerra, alcançando um período de prosperidade e

bem-estar nunca vistos em sua e talvez em toda História. Esse modelo de classe média confortável e bem remunerada, inserida no mercado de consumo exportado para todo mundo, ficou conhecido como American Way of Life.

(14)

Este fenômeno torna-se hegemônico no Brasil ao longo dos anos 1990, diante da crise do modelo desenvolvimentista. O paradigma desenvolvimentista se impõe no Brasil desde a Era Vargas, na década de 1930, adquirindo um impulso redefinidor das características sócio-econômicas que levaram o País a transitar de um modelo de sociedade agrário-exportadora para um novo modelo urbano-industrial. Esse processo não foi acompanhado de grandes transformações estruturais, o que fez com que o modelo urbano-industrial implementado não tivesse as mesmas características dos países de capitalismo central. No Brasil, não tivemos a constituição de um Estado de Bem-Estar Social, garantidor de direitos, tampouco se constituiu um sistema taylorista-fordista nas mesmas condições, garantidor de relativo padrão de consumo para os trabalhadores. Por aqui, a constituição de um processo de modernização

capitalista colocar foi limitada pela estratégia desenvolvimentista de “fuga para frente”, ou

seja, crescer sem promover transformações estruturais, o que gerou um padrão de acumulação concentrador de renda e não redistributivo.

O paradigma desenvolvimentista entra em crise na segunda metade da década de 1970. Porém, esta crise se aprofunda ao longo da década de 1980, quando a dívida externa e a inflação corroeram as bases de sustentação do desenvolvimentismo. Nesse contexto, é que ocorrem os primeiros impulsos de reestruturação produtiva no Brasil. Esse processo ganhará uma maior amplitude ao longo da década de 1990, quando, diante da falência do paradigma desenvolvimentista, ocorre à ascensão do modelo neoliberal no Brasil.

Consolidado este processo de transformação, a presente dissertação analisa as suas consequências sobre o mundo do trabalho, em específico o mundo do trabalho no Brasil. O ponto de partida deste estudo é um conjunto de questionamentos fundamentais: Como e em que circunstância ocorre a reestruturação produtiva do trabalho e da produção no Brasil no final do Século 20? Quais as especificidades do processo de ascensão dos novos modelos produtivos no Brasil? Quais as implicações do modelo neoliberal sobre o mundo do trabalho e o emprego no Brasil?

A partir desta problemática desenvolve-se a hipótese de que a reestruturação produtiva implantada no Brasil nas últimas décadas do Século 20, ao promover o crescimento das formas precárias de ocupação, desestruturou profundamente um mercado de trabalho bastante heterogêneo e reforçou os seus níveis de desigualdades. Desse modo, a reestruturação produtiva não representou uma ruptura completa com as características estruturais do mercado de trabalho criadas pelo modelo anterior. Ao contrário, promoveu, em muitos aspectos, um

(15)

aprofundamento de muitos fatores já existentes, como a alta rotatividade, ocupações de emprego precário e a super-exploração da mão de obra.

Na elaboração da dissertação foi utilizado o método dialético. Tal método propiciou uma compreensão da totalidade histórica representada pelo modo capitalista de produção, seus objetivos e finalidades, o que permitiu o desenvolvimento de uma síntese sobre as diferentes formas assumidas pelo trabalho assalariado ao longo do Século 20. A partir desta compreensão, ancorada na concepção de que para além das transformações se desenvolve um contraditório jogo de forças entre as novas e as velhas formas assumidas pela realidade, é que se elaborou a ideia de que a reestruturação produtiva ocorrida no Brasil nas últimas décadas do Século 20 produziu uma síntese complexa entre as antigas características do mercado de trabalho basileiro e os novos métodos de produção flexível.

A dissertação está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado O

mundo do Trabalho no Século 20: do taylorismo/fordismo aos modelos de produção flexíveis,

é realizada a historicização, primeiramente, da ascensão, do auge e do declínio do modelo de produção e trabalho hegemônico ao longo de quase todo o Século 20, o taylorismo/fordismo. Num segundo momento, analisa-se a ascensão dos novos modelos de produção, o toyotismo e a organização flexível.

No segundo capítulo, intitulado Neoliberalismo, os modelos de produção flexíveis e

seus efeitos sobre o mundo do trabalho, são verificadas as relações existentes entre

neoliberalismo e modelos de produção flexíveis, com destaque para as consequências destes sobre o mundo do trabalho. O capítulo termina com uma breve reflexão sobre o caráter das novas formas de produção e organização do trabalho.

Por fim, no terceiro e último capítulo, intitulado O trabalho no Brasil no final do Século

20: as implicações da reestruturação produtiva e do neoliberalismo são sintetizadas as

transformações ocorridas no mundo do trabalho no Brasil nas últimas décadas do Século 20. Assim, parte-se da caracterização histórica das estruturas do mercado de trabalho constituídas ao longo do Século 20, para posteriormente avaliar a dinâmica, os efeitos e as repercussões da reestruturação produtiva nos anos 1980 e 1990. Ao final do capítulo são feitos breves apontamentos sobre a primeira década do Século 21, procurando traçar os dilemas atuais do mundo do trabalho no Brasil.

(16)

1 O MUNDO DO TRABALHO NO SÉCULO 20: DO TAYLORISMO/FORDISMO AOS MODELOS DE PRODUÇÃO FLEXÍVEIS

Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, e depois perdem o dinheiro para a recuperar. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro.

Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido…

(Confúcio)

O presente capítulo contextualiza as transformações ocorridas no mundo do trabalho ao longo do Século 20, visando demonstrar que estas tranformações surgiram como consequências de períodos de estagnação e crise do capitalismo. Nesses períodos, diante do enfraquecimento do poder de expansão do capital, buscaram-se alternativas para a retomada do processo de acumulação. Em função desta busca é que, no decorrer do século, presenciaram-se dois amplos processos de reestruturação produtiva. Na primeira seção, busca-se analisar o primeiro destes processos, que originou o modelo de produção taylorita/fordista. Esse modelo predominou durante a maior parte do Século 20, tendo alcançado seu auge após o Segundo Pós-Guerra com a simbiose das políticas Keynesianas com o Estado de Bem-Estar Social. O taylorismo/fordismo acabou perdendo o seu fôlego nos anos 1970, o que levou à busca por novos modelos de produção e organização do trabalho. A segunda seção destaca a emergência dos novos modelos de produção toyotista e flexível que passaram a ser predominantes a partir das últimas décadas do Século 20. Esses novos modelos possibilitaram a realização de uma produção enormemente flexível voltada, estritamente, às demandas imediatas de consumo, o que provocou uma profunda reorganização nas formas de produzir e na utilização do trabalho.

1.1 O modelo de produção e trabalho perpetuado ao longo do Século 20: o auge e o declínio do taylorismo/fordismo

Durante a maior parte do Século 20, o modelo taylorista/fordista determinou as regras de como produzir e ampliar a riqueza para a grande indústria. O desenvolvimento desse modelo produtivo se estendeu por quase meio século, perpassando pela Grande Depressão dos

(17)

anos de 1930, alcançando seu grande surto de crescimento no Segundo Pós-Guerra, prevalecendo até a década de 1960. Tal modelo levou os países centrais obterem uma expansão do capitalismo caracterizado por crescimento econômico, ampliação de empregos e salários e forte intervenção do Estado.

A origem do fordismo está ligada aos novos métodos de organização da produção e do trabalho implantados na fábrica de automóveis Ford. No começo do Século 20, o industrial norte-americano Henri Ford (1863- 1947), introduziu mudanças básicas na organização do trabalho. O empresário lançou as bases de um sistema em que os trabalhadores, que até então eram vistos apenas como mãos de obra a ser utilizada no limite de suas capacidades, poderiam também ser considerados consumidores. Em meio a uma época de significativa expansão econômica em nível mundial, onde novas potências industriais surgiam na disputa por mercados, como Japão e Alemanha, e a existência de impérios coloniais impediam o livre comércio, Ford idealizou uma forma de transformar os Estados Unidos no seu maior e melhor mercado consumidor.

Nas palavras de Francisco Teixeira da Silva,

[...] Isso garantiria a continuidade da expansão econômica do jovem país e, ao mesmo tempo, evitaria a agressiva disputa por mercados internacionais. Para realizar esse projeto, Ford concebeu duas políticas básicas: de um lado, baratear ao máximo a produção de bens industriais; por outro, habilitar os trabalhadores a se tornarem consumidores desses mesmos produtos.6

A estratégia foi suplantar a produção de tipo artesanal, característica da indústria automobilística, pela produção em massa, abrindo caminhos para que essa indústria se tornasse, primeiramente nos Estados Unidos, o setor de maior peso em volume de produto, para mais tarde ser ampliado ao resto do mundo.

As inovações de Ford visavam o objetivo das técnicas da chamada organização

científica do trabalho sistematizada pelo engenheiro e administrador norte-americano

Frederick Taylor (1856-1915), que fundamentava os princípios de direção científica da empresa. Tais princípios de Taylor7 descreviam como a produtividade do trabalho poderia ser

6 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Mutações do trabalho. Rio de Janeiro: Ed. SENAC Nacional, 1999, p.

50-51.

7 Frederick Taylor é considerado o responsável pela popularização do “conceito de eficiência” e sua obra The

Principles of Scientific Management tornou-se referência-padrão para organizar o local de trabalho. Rifkin explica que “usando um cronômetro, Taylor dividiu a tarefa de cada trabalhador nos menores componentes operacionais visivelmente identificáveis e mediu cada um para apurar o melhor tempo atingível sob condições de

(18)

radicalmente aumentada através da simplificação do trabalho complexo, reduzindo-o à tarefas simples, únicas e repetitivas, o que, por seu turno, levaria “a eliminação dos tempos mortos no processo de trabalho a fim de alcançar grande volume de produção a custos baixos”.8

Silva pontua que “Os acabamentos elaborados, os detalhes demorados, a finalização quase artística da produção, herança da época de predomínio da manufatura, deveriam ceder lugar a uma produção econômica e rotinizada”.9 Foi assim que Ford aplicou esse modelo de organização do trabalho em sua indústria automobilística - a Ford Motor Company. O automóvel a ser montado se deslocava por uma esteira rolante, enquanto os operários, dispostos junto à esteira, realizavam operações padronizadas e repetitivas, ou seja, executava-se em cadeia a mesma tarefa.

[...] Ninguém mais ficaria esperando o companheiro de trabalho terminar uma operação; o tempo mecânico, cronometrado, seria imposto a todos, substituindo o ritmo individual, humano, de cada um. Da mesma forma, todas as peças, na linha de montagem, tinham de ser padronizadas, evitando perda de tempo, moldagens e adaptações. Explicava-se desse modo porque time is Money (tempo é dinheiro). A nova empresa, moldada na produção em massa, precisava contar com um poderoso contingente operário, um exercício de homens realizando, ao mesmo tempo, operações simples e coordenadas ente si.10

Esta dinâmica correspondia à sincronização dos movimentos estudados por Taylor, acelerando ao máximo a produção e obrigando o trabalhador a operar no ritmo das máquinas. Dessa forma, com o objetivo de superar a produção do tipo artesanal, o regime de produção fordista adotou um dos princípios básicos da Administração Científica de Taylor que foi a separação entre gerência, concepção, controle e execução – a separação ente trabalho

intelectual e trabalho manual11 - “reservando o primeiro exclusivamente aos diretores e

desempenho ideais. Seus estudos auferiam o desempenho de trabalhadores em frações de segundo. Calculando os tempos médios e os melhores tempos atingidos em cada componente da tarefa do trabalhador, Taylor podia fazer recomendações sobre como mudar aspectos mínimos de desempenho, para economizar segundos preciosos e, até mesmo, milissegundos.” O autor ainda enfatiza a visão de Braverman sobre os métodos de Taylor: “A administração científica, diz Harry Braverman, ‘é o estudo organizado do trabalho, a análise do trabalho em seus elementos mais simples e o aperfeiçoamento sistemático do desempenho do trabalhador em cada um desses elementos.” RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: O contínuo crescimento do desemprego em todo mundo. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2004, p. 50-51.

8

GORENDER, Jacob. Globalização, tecnologia e relações de trabalho. In: Estudos Avançados, v. 11, n. 29. São Paulo: USP, jan./abr. 1997, p. 312.

9 SILVA, op. cit., p. 51. 10 Idem, ibidem, p. 51-52.

11 A divisão parcelar ou pormenorizada do trabalho, divisão manufatureira do trabalho ou divisão técnica do

trabalho surge em meados do Século 18 com a manufatura e caracteriza-se pelo sistema de fábricas, sendo-a típica do modo de produção capitalista. Refere-se à fragmentação de uma especialidade produtiva em numerosas operações limitadas, de modo que o produto resulta de uma grande quantidade de operações executadas por trabalhadores especializados em cada tarefa. André Gorz avalia que "os trabalhadores da ciência e da técnica, no interior de sua função técnico científica, têm a função de reproduzir as condições e as formas de dominação do

(19)

gerentes, enquanto o segundo caberia aos trabalhadores do chão da fábrica. Os trabalhadores foram concitados a não pensar, uma vez que disso se encarregavam seus superiores hierárquicos”.12

Atendo-se nas tarefas manuais, o trabalho seguiria a norma rígida dos movimentos, visando ao máximo a economia de tempo. Desta maneira, a incorporação da doutrina de Frederick Taylor às fábricas de Henri Ford é que deram a esse modelo produtivo a denominação de regime taylorista/fordista de produção e trabalho13.

É importante salientar que o taylorismo/fordismo não se tratou apenas de um mero modelo de produção em massa e disciplina de trabalho, mas também um modelo social que propunham uma ética e padrão de conduta aos trabalhadores.14 Uma nova concepção de vida combinando o trabalho ao consumo e a uma cultura do tempo livre. O aumento da produtividade advindo das mudanças estratégicas adotadas resultaria num forte aumento da massa de produção e, para que os trabalhadores se tornassem consumidores, era necessário criar políticas e alternativas para que o consumo fosse estimulado. Foi assim que Ford concluiu que era preciso garantir boa remuneração aos trabalhadores para, dessa forma, incluí-los ao circuito de consumo. Não importava de como poderia ser identificado esse tipo de atitude por parte do empresariado, se paternalista ou filantrópica, a ênfase era obter o bom-senso e “[...] uma racionalidade econômica avançada: salários dignos o suficiente para

capital sobre o trabalho". As ciências e as técnicas não são, assim, ideologicamente neutras. Elas favorecem a reprodução do capital e de sua lógica. Ver: GORZ, André. Técnica, técnicos e luta de classes. In: Crítica da divisão do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 217. Marx já havia ensinado que o desenvolvimento geral da ciência e do progresso tecnológico - a utilização do conhecimento científico-tecnológico na produção capitalista - torna-se o motor da criação da riqueza efetiva. E esta é cada vez menos dependente do tempo de trabalho. O conhecimento científico, que resulta da apropriação capitalista do saber social geral, se demonstra como a tendência da produção e reprodução capitalista, em sua fase avançada. Isso acentua cada vez mais a separação entre a execução do trabalho e a reflexão acerca do que se faz, acentuando o estranhamento (a alienação) do sujeito em relação ao que ele produz. Ou seja, a divisão entre o trabalho manual (que transforma o objeto) e intelectual (a consciência que o trabalhador tem sobre o trabalho) assume, a cada avanço da técnica no modo de produção capitalista, maior preponderância.

12 GORENDER, op. cit., p. 312.

13 Rifkin assinala que “nos anos 20, Ford estava fabricando em massa mais de 2 milhões de automóveis por ano,

cada um idêntico nos mínimos detalhes ao anterior e ao próximo da linha de montagem”. O autor ainda destaca que em comentário feito por Ford, o empreendedor mencionou “ironicamente que seus clientes podiam escolher qualquer cor que quisessem para seu modelo T, contando que fosse preto.” RIFKIN, op. cit., p. 95.

14

Uma importante contribuição para este tema foi feita por Antonio Gramsci em seu texto Americanismo e fordismo, onde o autor analisa o fenômeno americano como forma extrema de “revolução passiva” e de regulação das relações humanas e sociais. Como processo de organização do trabalho, o americanismo não busca rearticular apenas o mundo da produção. Atrela-se, também, na esfera da reprodução da vida social, já que o controle do capital não incide somente na produção de mais valia, mas implica ainda, no consentimento e na adesão das classes à nova ideologia. No entanto, a forma de produção fordista e o chamado americanismo são particularidades da América do Norte. O americanismo seria a forma ideológica e cultural, necessárias para constituição de um novo modo de vida e de um tipo de trabalhador. Assim, o americanismo é condição sine quo non para que haja o desenvolvimento da forma de produção fordista e vice-versa. Ver: GRAMISCI, Antonio. Americanismo e fordismo. São Paulo: Editora Hedra, 2008.

(20)

transformar o operário em consumidor – para além do consumo da simples cesta básica – gerariam um fluxo contínuo entre produção e consumo”.15

Neste sentido, David Harvey avalia que

Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder corporativo. O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores. [...].16

Desta forma, as políticas de produção e consumo implementadas, no primeiro Pós-Guerra, conseguiram alcançar sucesso, dentro das condições estabelecidas pelo poder corporativista de regulamentação da economia. As grandes fábricas nos Estados Unidos, reunindo grande contingente de trabalhadores em cada planta, possibilitaram alcançar economias de escala que levaram à baixa os custos dos automóveis, vistos até então, como artigo de luxo consumido apenas pela elite. O produto passou a ser acessível para grande número de trabalhadores, embora ainda continuasse como o mais caro dos bens duráveis de consumo. No entanto, a repercussão desse processo produtivo sofrera empecilhos diante da grande Crise de 1929.

Com a eclosão da Grande Depressão, a produção e o consumo fordistas viram-se enormemente atingidos, pois havia um gigantesco volume de produção além das condições de absorção previstas pelo mercado. Existiam mais mercadorias do que consumidores, ou seja, a oferta maior que a demanda. Deste modo, os preços passaram a cair e a produção diminuiu (com destruição em massa da capacidade produtiva da indústria), logo, o desemprego aumentou. A superprodução indicava os limites impostos por um regime de produção que se instalou nos Estados Unidos, não obtendo grande alcance para outros países antes do Segundo Pós-Guerra.

Diante da grave situação de depressão econômica, o governo dos Estados Unidos, sob a presidência de Franklin D. Roosevelt, lançou o New Deal (1933-1939). Este foi um programa de recuperação econômica adotado para combater os efeitos da Grande Depressão e refazer a prosperidade do País. As bases e fundamentos desse programa estavam calcados nos

15 SILVA, op. cit., p. 52. 16

(21)

ensinamentos e na reflexão teórica do economista John Maynard Keynes. Produziu-se, então, a intervenção do Estado no processo produtivo por meio de um audacioso plano de obras públicas objetivando atingir o pleno emprego. Essa política econômica contradizia a tradição liberal dos Estados Unidos a qual afirmava que a crise de emprego pós-1929 se resolveria sem a intervenção do Estado. Portanto, tratava-se de uma ruptura com o pensamento econômico hegemônico.

Nesta perspectiva, Harvey explica que

[...] Foi necessário conceber um novo modo de regulamentação para atender aos requisitos da produção fordista; e foi preciso o choque da depressão selvagem e do quase colapso do capitalismo na década de 30 para que as sociedades capitalistas chegassem a alguma nova concepção da forma e do uso dos poderes do Estado. A crise manifestou-se fundamentalmente como falta de demanda efetiva por produtos, sendo nestes termos que a busca de soluções começou. [...].17

Na busca de alternativas perante um cenário recessivo de crise do capitalismo é que as ideias keynesianas tiveram forte influência no alvorecer dos anos de 1930. Enquanto os teóricos da escola neoclássica18 acreditavam que a depressão e o desemprego, que atingiram os países capitalistas a partir de 1929, não passavam de desajustes temporários a ser auto-corrigidos, Keynes criticava-os alegando que a cada momento o nível de emprego numa economia capitalista depende da demanda efetiva - proporção de demanda que é gasta em consumo e investimento19. Assim, acreditava que a política de investimentos estatais, os estímulos à produção e à criação de empregos conduziriam os Estados Unidos ao desenvolvimento da política social e a prosperidade econômica.

17

HARVEY, 2002, p. 124.

18 A Escola Neoclássica de pensamento econômico predominou entre 1870 e a Primeira Guerra Mundial. Essa

teoria torna-se também conhecida como escola marginalista por fundamentar-se na teoria subjetiva do valor da utilidade marginal para reelaborar a teoria econômica clássica. Os economistas neoclássicos negaram a teoria do valor-trabalho da escola clássica, substituindo-a por um fator subjetivo – a utilidade de cada bem e sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas - acreditando que o mecanismo da concorrência (ou a interação da oferta e da demanda), explicado a partir de um critério psicológico (maximização do lucro pelos produtores e da utilidade pelos consumidores), é a força reguladora da atividade econômica, capaz de estabelecer o equilíbrio entre a produção e consumo. Essa teoria possui como postulados a concorrência perfeita e a inexistência de crises econômicas, admitidas apenas como acidentes ou conseqüências de erros. A partir da Grande Depressão de 1929-1933, os princípios da teoria neoclássica foram contestados por Keynes, que desenvolveu uma análise macroeconômica e introduziu o conceito de equilíbrio de subemprego. Os precursores da Escola Neoclássica foram Thgünen, Gossen e Cournt. São considerados seus fundadores os economistas: Carl Menger, William Jevons, Léon Walras. Os seguidores de segunda geração é representado por: Alfred Marshall, Eungen Von Böhm-Bawerk, Vilfredo de Pareto, John Bates Clark e Irving Fisher. Ver: SANDRONI, Paulo. Novo dicionário de economia. São Paulo: Editora Best Seller. 1998, p. 125.

19

(22)

Dentro desta orientação intervencionista o governo dos Estados Unidos enfrentou o período da Grande Depressão. Coube ao presidente F. D. Roosevelt colocar em prática boa parte das ideias fordistas de estímulo ao consumo e impulso à produção por meio da execução de um amplo programa de obras públicas, estabelecendo, ao mesmo tempo, a redução da jornada de trabalho para atenuar o desemprego. Pode-se considerar que, apesar das limitações impostas por esse período de crise e de grande resistência por parte dos trabalhadores ao regime de trabalho disciplinado e extenuante, o forte esforço econômico garantiu o desempenho do modelo de produção e trabalho taylorista/fordista. Porém, foi somente após o Segundo Pós-Guerra que o mercado adequado à produção em massa se recuperou. Como sugere Harvey, foi a partir daí que “o fordismo alcançou sua maturidade como regime de acumulação plenamente acabado e distintivo”, o que por sua vez, “veio a formar a base de um longo período de expansão pós-guerra que se manteve mais ou menos intacto até 1973”.20

Importante para entendermos os fatores que conduziram o modelo de produção e trabalho fordistas ao seu grande auge é estabelecer as condições das economias dos países centrais no período imediato ao Pós-Guerra. Lessa explica que o período inicial Pós-Segunda Guerra foi “marcado pela superprodução que ameaçava o capitalismo internacional”. A economia norte-americana que manteve um bom desempenho até o final da Segunda Guerra passou a apresentar uma situação bastante instável. Tal fato ocorria devido, em primeiro lugar, a retração do consumo ocasionado pela guerra, nos quais navios, tanques, remédios, combustíveis, entre outros, foram produtos que tiveram suas demandas reduzidas. Em segundo lugar, a guerra promovera hábitos de combate ao desperdício e ao consumo supérfluo. Em terceiro lugar, a volta dos soldados à vida civil ocasionou o crescimento de trabalhadores sem emprego, fazendo com que o desemprego fosse “um empecilho a mais para o aumento do consumo”.21

Nesta conjuntura de crise iminente nos Estados Unidos, com repercussões danosas pelo resto do mundo, e diante do fortalecimento da União Soviética nos anos finais da Segunda Grande Guerra, o secretário de Estado norte-americano George C. Marshall, em consonância com a Doutrina de Contenção do comunismo do governo Henry Truman, lançou, em 1947, o Plano Marshall. Para Jacob Gorender “o Plano Marshall teve influência decisiva na aceleração da recuperação dos países europeu-ocidentais”, pois, os “Estados Unidos precisavam da

20 HARVEY, 2002, p. 125.

21 LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007, p.

(23)

prosperidade européia a fim de que pudessem escoar capitais excedentes e mercadorias exportáveis”, do mesmo modo, “sua estratégia de superpotência requeria também que uma Europa Ocidental próspera fosse capaz de barrar a expansão do comunismo imperante no leste do continente”.22

Somado ao Plano Marshall podemos acrescentar a adoção do Estado de Bem-Estar Social – o Welfare State, pelos países capitalistas desenvolvidos. Ficava demonstrada, assim, a aceitação generalizada da doutrina de Keynes por parte desses países que se viam receosos diante da depressão econômica presenciada nos longos anos de 1930. O sistema econômico do Estado de Bem-Estar Social vinha ao encontro de sanar as exigências impostas naquele contexto, pois,

[...] permitiu a expansão da demanda agregada, ajustando-a à absorção da produção em massa característica do fordismo; elevou gradualmente o padrão de vida dos trabalhadores e ganhou o seu consenso a uma política de tipo social-democrata (em alguns casos, aplicada por conservadores ou por liberais, como nos Estados Unidos, ou por democrata-cristãos, como na Itália); fortaleceu a Europa Ocidental contra a ameaça comunista.23

A conjunção das formas de organização do trabalho, propostas por Ford com as políticas econômicas formuladas por Keynes, deu origem a um sistema econômico e social garantidor da segurança no trabalho e da intervenção do Estado na economia denominado por Francisco Teixeira da Silva de regulação da economia fordista-keynesiana. O Estado passou a intervir no automatismo do mercado com a utilização de fundos públicos, objetivando com isso tanto financiar a acumulação do capital, quanto a reprodução da força de trabalho. Essa política possibilitou a enorme expansão do capitalismo através de um forte crescimento econômico, da ampliação dos empregos e dos salários que propiciaram a elevação do padrão de vida da população.

Este contexto fora marcado com a postura de um Estado ao qual assumia uma gama de obrigações que objetivavam a sustentação do equilíbrio do mercado e da força de trabalho.

22 GORENDER, op. cit., p. 313. 23

(24)

Neste viés, Harvey observa que

[...] Na medida em que a produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital fixo, requeria condições de demanda relativamente estáveis para ser lucrativa, o Estado se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no período pós-guerra. [...] Os governos também buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação, etc. Além disso, o poder estatal era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção.24

Estava posto, dessa maneira, o pacto fordista-keynesiano, ou seja, a incorporação das demandas trabalhistas somada ao aumento da produção e consumo dos operários se realizava através de uma correlação de forças. A relação negociada entre Estado, capital e trabalho levava à condição concreta a possibilidade de compatibilizar capitalismo, bem-estar e democracia, como defendiam algumas ideologias. Esse processo estabeleceu, conforme avalia Ricardo Antunes,

[...] um sistema de ‘compromisso’ e de ‘regulação’ que, limitado a uma parcela dos países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva, duradoura e definitivamente controlado, regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho mediado pelo Estado.25

Os serviços públicos oferecidos obtinham objetivos bem específicos, qual seja, o de responder às reivindicações da classe trabalhadora, que nesse período vinha se fortalecendo através dos intensos movimentos operários. O Estado como o garantidor da estabilidade econômica e social devia manter políticas que atendessem às exigências desses trabalhadores. Do mesmo modo, ao assumir os custos de reprodução da força de trabalho, antes pago exclusivamente pelos trabalhadores/operários, liberava parte dos salários para serem gastos com bens duráveis, principalmente, automóveis, produto que se transformara na mola de expansão do acúmulo de capital. Com isso também oferecia barreiras ideológicas à expansão do socialismo do Leste Europeu que se tornara uma grande ameaça à sociedade capitalista.

24 HARVEY, 2002, p. 129.

25 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6ª edição.

(25)

Desta forma, o Estado de Bem-Estar-Social garantiu uma ampla margem de concessões às reivindicações dos trabalhadores. Tal fato se observa com os direitos trabalhistas, previdenciários e de seguridade social que se ampliaram nas Legislações Trabalhistas dos vários países no desenrolar do Século 20.

Na avaliação de Resende, foi

Durante as décadas de 30 a 60 que o Estado veio a desempenhar um papel promocional, envolvendo-se na sociedade na medida em que garantia prestações necessárias ao desenvolvimento de uma igualdade não meramente liberal e formal, mas que propiciasse o livre curso dos direitos sociais, econômicos e culturais e que caminhasse rumo, cada vez mais, uma igualdade substancial, material.

O Direito do Trabalho, assim foi produto do capitalismo, temperado pelo Estado Social. De igual forma, o sindicato, à época, funcionava como contraparte da fábrica fordista/taylorista, pois originário da concentração de trabalhadores sob mesma subordinação jurídica.

Naquele específico momento, podia-se dizer que Estado, sindicato e trabalhador estavam unidos e que dessa união resultavam limites ao poder exclusivo do mercado de ditar regras de como se deveria portar o mundo do trabalho. [...].26

Ao mesmo tempo, conforme o autor, o Direito do Trabalho também servia para disciplinar a concorrência entre as empresas. A uniformização da proteção trabalhista por parte de todos os países seria um mecanismo de impedimento de que nacionalismos entravassem a livre-iniciativa. Tal uniformidade evitaria que fossem proporcionadas facilidades em determinados países o que ocasionaria o desequilíbrio da formação de preços e concorrência dos produtos. Isso evidencia que o capitalismo necessitava do trabalhador e isso era reconhecido na medida em que o capital “se incorporava à empresa, como parte do esquema produtivo que gerava, além de empregos em número suficiente, produtos acrescidos de mais-valia, o que fazia girar o mundo e a vida das pessoas.”27

Esta integração do conjunto das medidas fordistas-keynesianas na esfera da produção e da reprodução social proporcionou aos países capitalistas centrais um período histórico e sem precedentes de expansão econômica e crescimento ininterrupto até o início dos anos de 1970. Naquele período, de acordo com Lessa “a economia estadunidense e européia conheceu taxas de crescimento muito expressivas. A Europa e o Japão chegaram aos anos de 1970 como

26 RESENDE, Renato de Sousa. A centralidade do direito ao trabalho e a proteção jurídica ao emprego. In:

PIOVESAN, Flavia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de. (Org.). Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Editora Atlas. 2010, p. 88

27

(26)

potências”.28

No entanto, apesar de todo esse sucesso, já na década de 1960, o regime econômico e social do fordismo e do Estado de Bem-Estar se fazia sentir os primeiros sinais de esgotamento e passava a evidenciar com clareza os seus pontos fracos. O reconhecimento da condição de trabalhador-consumidor não conteve a lógica sistêmica que levava a produção a aumentar mais aceleradamente que o consumo, sendo essa situação agravada com a “saturação do mercado de vários produtos chaves, como o de automóveis”.29

Ao mesmo tempo, em fins dos anos de 1960 e início de 1970, a resistências por parte dos trabalhadores à disciplina do trabalho imposta pelo taylorismo/fordismo, algo que se verificava desde o início da implantação deste modelo produtivo, se acentuou. A desmotivação dos operários manifestada pelos altos índices de abandono e rotatividade no emprego, somado ao elevado absenteísmo, alcoolismo, fraco desempenho das tarefas, demonstravam que a fadiga, o trabalho cansativo, extenuante, parcelizado e repetitivo, não traziam satisfação ao trabalhador o que causava o descontentamento e a insatisfação.30

Antunes explica que

O boicote e a resistência ao trabalho despótico, taylorizado e fordizado assumiam modos diferenciados. Desde as formas individualizadas de absenteísmo, da fuga do trabalho, do turnover, da busca da condição de trabalho não-operário, até as formas coletivas de ação visando a conquista do poder sobre o processo de trabalho, por meio de greves parciais, operações de zelo (marcados pelo “cuidado” especial com o maquinário, que diminuía o tempo/ritmo de produção), contestações da divisão hierárquica do trabalho e do despotismo fabril emanados pelos quadros da gerência [...].31

A insatisfação devia-se também ao fato de o fordismo e o Estado de Bem Estar Social oferecer os melhores benefícios à certas camadas de trabalhadores. Isso era perceptível na negociação de salários que “estava confinada a determinados setores da economia e a certas nações-Estado em que o crescimento da demanda podia ser acompanhado por investimentos de larga escala na tecnologia da produção em massa”, enquanto que “outros setores da produção de alto risco ainda dependiam de baixos salários e fraca garantia de emprego. E

28 LESSA, op. cit., p. 283. 29 Idem, ibidem, p. 283.

30 Documentos importantes a cerca da insatisfação dos trabalhadores nas linhas de montagem, sobretudo, nos

setores de automóveis, construção, mecânica, eletrônica, etc, bem como, exemplos de empresas e medidas adotadas para conter o descontentamento dos operários podem ser vistos em: PIGNON, Dominique; QUERZOLA, Jean. Ditadura e democracia na produção. In: GORZ, André. Crítica da divisão do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 93-138.

31

(27)

mesmo os setores fordistas podiam recorrer a uma base não-fordista de subcontratação”32. Essas desigualdades ocasionaram fortes tensões e movimentos sociais por parte dos excluídos. A par destas problemáticas, o funcionamento do sistema produtivo fordista também sentia cada vez mais o peso da inflexibilidade, na medida em que o ritmo da esteira de montagem resultava numa enorme quantidade de produtos defeituosos, “razão pela qual era preciso ocupar muitos supervisores de qualidade e operários na tarefa de reparos, destinando-lhe instalações e outros meios materiais.”33 Esses eventos acabavam diminuindo o ritmo da produção, já que o dispêndio de tempo para a correção de reparos tirava o operário da linha de produção. Agregava-se, ainda, a esses fatores a exigência de manutenção constante de grandes estoques de reserva de insumos o que implicava altos custos financeiros em estocagem e armazenagem.

Este cenário era presenciado como uma interação de elementos que impossibilitavam a permanência do ciclo expansionista do capital vigente desde o Segundo Pós-Guerra. Entre esses elementos estava a própria incapacidade de manutenção do Estado de Bem-Estar Social. Essa forma de Estado se propunha como uma alternativa de controlar a desigualdade gerada pelo capitalismo, buscando amenizar o empobrecimento e a exclusão das minorias. Tal fato fazia com que as estruturas estatais absorvessem uma crescente carga de descontentamento, o que o obrigava a garantir, em tese, alguma forma de salário social ou criando políticas redistributivas de engajamento e ações legais para aqueles que estavam fora do sistema. Assim, o Estado assumia uma grande gama de serviços públicos, tais como transporte, educação, assistência médica, habitação, entre outros, que dependiam da contínua aceleração da produtividade do trabalho, pois, somente assim, este poderia ser fiscalmente viável.

A redução da demanda efetiva seguida da “[...] queda na produtividade e da lucratividade corporativa depois de 1966 marcou o começo de um problema fiscal nos Estados Unidos que só seria sanado às custas de uma aceleração da inflação, o que começou a solapar o papel do dólar como moeda-reserva internacional estável. [...]”.34 No período que se refere os anos de 1969 e 1973, os Estados Unidos adotou uma política monetária mais frouxa e passou imprimir moeda em qualquer montante que parecesse necessário objetivando manter a economia estável. Tal política gerou uma a onda inflacionária que acabou por interromper a expansão do Segundo Pós-Guerra levando à crise do próprio Estado de Bem-Estar Social.

32 HARVEY, 2002, p. 132. 33 GORENDER, op. cit., p. 313. 34

(28)

A expansão do capital também encontrou seus limites quando demonstrou não mais dispor do crescimento de mercados e da ocupação de novos territórios para absorver a crescente produção de mercadorias. O excesso de capacidade de produção expressos na grande queda de lucratividade dos Estados Unidos, Japão e de outros países do capitalismo central foi responsável pela redução da capacidade de acumular capital. Tal fato ocasionou a estagnação econômica de longa duração no último quartel do Século 20, iniciada com o colapso de Bretton Woods entre 1971 e 1973. Diante deste cenário o “pacto” entre Estado, capital e trabalho se deparava com seus limites e o capital com suas inerentes contradições.

De modo geral, o período que se compreende os anos de 1965 até 1973 é que se

tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho. E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora – o que explica as ondas de greve e os problemas trabalhistas do período 1968-1972. [...].35

Estas deficiências e insuficiências do modelo de organização produtiva e do trabalho fordistas/keynesianas são verificadas de maneira mais clara diante do primeiro choque do petróleo em 1973 e da recessão econômica e financeira vivenciada no período de 1973-1975. A forte deflação ocorrida entre 1973-1975 indicou que as finanças do Estado estavam muito adiante dos recursos, ocasionando uma profunda crise fiscal e de legitimação, assim acentuavam-se as dificuldades fiscais do intervencionismo estatal keynesiano e do Estado de Bem-Estar-Social. Ao mesmo tempo, as corporações viam-se com muita capacidade produtiva ociosa em condições de intensificação da competição.

Assim, o capitalismo se deparou, no final do Século 20, com sua segunda grande crise de superprodução, a primeira havia sido vivenciada no ano de 1929. As crises do capitalismo são expressas por um desequilíbrio entre produção e consumo, comprometendo a realização do capital – a transformação da mais-valia em lucro. Processo este que só se realiza com a venda das mercadorias produzidas, ou seja, quando se produz mais mercadorias do que a sociedade pode consumir o processo de acumulação é afetado, pois, estoques de mais-valia

35

(29)

não realizam o fim último do capital. Como enuncia Marx, “a circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital. A produção de mercadorias e o comércio, forma desenvolvida da circulação de mercadorias, constituem as condições históricas que dão origem ao capital”.36

Não basta produzir mercadorias, elas precisam ser transformadas em dinheiro para retornarem ao incessante processo de acumulação do capital: produção-circulação-consumo.

As crises do modo de produção capitalista são hiatos que ocorrem dentro do processo de reprodução social. Através delas o capital se recicla, reorganizando suas formas e estratégias de produção e reprodução social. Do mesmo modo, na concepção de Alves, “[...] a crise decorre da própria expansividade sistêmica do capital, mesclando, em si, momentos intensamente contraditórios de desenvolvimento ampliado das forças produtivas do trabalho social por meio das Revoluções Científico-Tecnológicas, que criam novos meios de produção [...]”, assim marcando os períodos de ápice de desenvolvimento do capitalismo em sua fase industrial. Ao mesmo tempo, devido às suas inerentes contradições, o capital demarca “[...] momentos de aguda exacerbação da expropriação, exploração e exclusão social do trabalho vivo”.37

Ainda, como sugere o autor,

poderíamos apreender a crise do capital como crise cíclica que caracterizaria a dinâmica do sistema em seu desenvolvimento histórico progressivo. É parte da natureza da economia capitalista como sistema mundial produtor de mercadorias ter crises cíclicas, com períodos de crescimento seguido por períodos de recessão, crises que podem ser locais ou gerais, sincrônicas ou assincrônicas, etc. [...].38

Durante o Século 20 as crises enfrentadas pelo capital além de serem cíclicas elas explicitaram outras dimensões: crise orgânica e crise estrutural. A crise orgânica é demarcada pela passagem do capitalismo monopolista no final do Século 19 e o surgimento do capitalismo concentrado – imperialismo, no início do Século 20, sendo caracterizada por período de intensas lutas de classes e revoluções sociais. Da crise orgânica do capital é que se desenrola a crise depressiva da década de 1970, levando à condução da crise estrutural do

36 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1, v 1. 16ª edição. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1998, p. 177.

37 ALVES, 2007, p. 144. 38

(30)

capital não extinguindo as outras dimensões da crise do capital (crises cíclicas e crise orgânica), apenas sobredetermina-as.39

István Mészáros nos indica que, neste período, se presencia uma crise histórica sem precedentes e que devido a sua severidade não se pode confundir com uma crise cíclica do capitalismo como as vividas no passado. A crise que ocorreu no final do século passado e que persiste nesse início de Século 21, “é fundamentalmente uma crise estrutural”.Como tal, esta crise afeta, pela primeira vez em toda História, o conjunto da humanidade, exigindo, para esta sobreviver, mudanças fundamentais no controle sócio-metabólico do capital o que, nesse sentido, demarca a passagem para uma nova etapa histórica do capitalismo. 40

O filósofo húngaro observa que “[...] crises de intensidade e duração variadas são o modo natural de existência do capital: são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação. [...]”.41

E a novidade histórica da crise vivida nas últimas décadas, por isso denominada de

crise estrutural do capital42, é que a mesma se manifesta por meio de quatro importantes

aspectos:

39

De maneira breve e sucinta, Alves nos historicisa as crises do capital vivenciadas desde o desenvolvimento do capitalismo industrial e do mercado mundial na primeira metade do Século 19. O sociólogo explica que nesse período “constituíram-se as condições de crise geral do capitalismo internacional a partir de seu núcleo mais dinâmico – o capitalismo europeu. Primeiro, uma crise de crescimento por volta de 1848 e, a seguir, a expansão da lógica do capital (décadas de 1860 -1870), constituindo naquela época, as condições para a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista nas últimas décadas do Século XIX. A chegada do imperialismo que inaugurou o Século XX marcaria a época das crises orgânicas do sistema mundial do capital”. ALVES, 2007, p. 143.

40 Ver: MÉSZÁROS, István. Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição. 1ª ed. Revista. São Paulo:

Boitempo, 2011.

41 Idem, ibidem, p. 795.

42 O tratamento analítico e mais detalhado da Crise estrutural do capital, dada sua enorme complexidade,

escapam aos objetivos específicos da presente investigação. A denominação Crise estrutural do capital é utilizada por vários autores quando se referenciam à crise que se desencadeia a partir do início dos anos de 1970. Utilizam-se dessa conceituação os pesquisadores István Mészáros, Ricardo Antunes e Giovanni Alves. Ver: MÉSZÁROS, István, op. cit., 2011. Especialmente a parte III intitulada “A crise estrutural do sistema do capital”. Ver do mesmo autor: MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. 2ª edição. São Paulo: Boitempo, 2011.

Ricardo Antunes utiliza a mesma conceituação nas seguintes obras: ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6ª edição. São Paulo: Boitempo, 2002; e ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11ª edição. Campinas - São Paulo: Cortez, 2006.

As obras de Giovanni Alves que fazem referência a este conceito são: ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2ª edição. Londrina-PR/Bauru-SP: Práxis/Canal 6, 2007; e ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011.

Referências

Documentos relacionados

Outros hormônios de crescimento dos vegetais Dúvidas de como são sintetizados nas plantas Pólen,folhas,flores, sementes, brotos e caules Crescimento e desenvolvimento

A solução, inicialmente vermelha tornou-se gradativamente marrom, e o sólido marrom escuro obtido foi filtrado, lavado várias vezes com etanol, éter etílico anidro e

Ressalte-se ainda que as escolhas profissionais declaradas por parte dos estudantes de Ensino Médio, no momento da seleção, podem também refletir não só uma escolha de fato,

Os estudos originais encontrados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2017 foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: obtenção de valores de

Foi apresentada, pelo Ademar, a documentação encaminhada pelo APL ao INMETRO, o qual argumentar sobre a PORTARIA Nº 398, DE 31 DE JULHO DE 2012 E SEU REGULAMENTO TÉCNICO

Neste trabalho avaliamos as respostas de duas espécies de aranhas errantes do gênero Ctenus às pistas químicas de presas e predadores e ao tipo de solo (arenoso ou

Neste sistema drenante, a função básica das trincheiras é a de um meio destinado à remoção da água infiltrada no solo e que escoa pelo colchão drenante, ou seja, a

A Escala de Práticas Docentes para a Criatividade na Educação Superior foi originalmente construído por Alencar e Fleith (2004a), em três versões: uma a ser