• Nenhum resultado encontrado

A estrutura econômica e do trabalho no Brasil no Século 20

3 O TRABALHO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO 20: AS IMPLICAÇÕES DA

3.1 A estrutura econômica e do trabalho no Brasil no Século 20

O trabalho assalariado no Brasil constituiu-se de forma muito diferente daquela vivenciada nos países de capitalismo avançado. A herança colonial e os limites impostos à nossa transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado constituíram pesados fardos

para formação de nosso capitalismo tardio199. Ao mesmo tempo, diferentemente daqueles países, não havia no Brasil uma sólida burguesia nacional que se dispusesse a constituir uma estrutura capitalista em seu modelo clássico, tampouco, a preocupação da inserção de um contingente de trabalhadores assalariados em um sistema de distribuição e consumo.

No que tange as relações de trabalho, o final da escravidão não representou o predominio do sistema de assalariamento no capitalismo brasileiro. A não alteração da estrutura agrária e a subordinação da indústria à agricultura fizeram com que as ocupações de postos de trabalho no setor primário fossem largamente superiores àquelas do setor industrial ao longo da Primeira República.

Neste sentido, relata Caio Prado Júnior que

[...] Com a abolição da escravidão, substiuiu-se às relações servis de trabalho a relação de emprego ou locação de serviços, embora nem sempre o pagamento e a remuneração desses serviços (trabalho prestado) se fizessem em dinheiro – o salário propriamente – assumindo com frequencia formas mais ou menos complexas, como sejam o pagamento in natura, concessão do direito de plantar por conta própria alguns gêneros de subsistência, etc. [...]200

Desta forma, no meio rural brasileiro prevaleciam regimes não propriamente capitalistas de trabalho como a parceria, onde há o pagamento in natura por parte do trabalhador em troca da concessão do direito de plantar alguns produtos para a subsitência; o barracão, fornecimento de gêneros aos trabalhadores pelos proprietários ou seus prepostos, em regra a preços extorcivos; o cambão, prestação de serviços gratuitos em troca do direito de ocupação e utilização da terra; entre outras formas intensivas de exploração do trabalho que eram remanescentes do escravismo.201

A não garantia de direitos trabalhistas por parte da Constituição de 1891 garantia estas remanescencias. A primeira Constituição Republicana garantia “o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”.202 Porém, em nenhum outro momento atribuía “ao

199 O termo capitalismo tardio é utilizado por João Manuel Cardoso de Mello para descrever o caráter tardio da

implantação do sistema capitalsita no Brasil. Ver: CARDOSO DE MELLO, João Manuel. Capitalismo tardio: contribuição a revisão da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. 4ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1986.

200 PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 3ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1968, p. 60. 201 Idem, ibidem, p. 53.

202 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 24 DE FEVEREIRO

Congresso Nacional competência para legislar sobre o tema”. Assim, cabia ao executivo a tarefa de regrar as relações de trabalho, como não era de seu interesse, o direito ao trabalho era deixado de lado. Essa “inexistência de qualquer freio constitucional obviamente favorecia ao patronato, que podia fazer valer seus interesses e impor suas condições no momento de contratar a força de trabalho”.203 Em síntese, a Constituição de 1891 permitia que os industriais do setor fabril exercessem um rígido controle sobre o ambiente de trabalho de forma que a mão de obra fosse superexplorada.

A situação começou se modificar com a chegada de Getúlio Vargas ao poder através da Revolução de 1930. Iniciava-se a partir daí o paradigma desenvolvimentista. Este novo paradigma se pautava principalmente pela necessidade da industrialização do Brasil e pela compreensão de que o Estado tinha um papel fundamental de impulsionador da economia e como o ente regulador dos conflitos sociais. Em um contexto marcado pela depressão pós- Crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial com “o estrangulamento comercial e a suspensão do fluxo de capitais forâneos, somente o Estado podia, naquele momento, financiar os investimentos que dariam base à acumulação industrial”.204

Aqui Getúlio Vargas iniciou o processo de substituição de importações mediante a intervenção do Estado na economia. Em suma, as estruturas do Estado foram postas a serviço da transformação de uma sociedade rural-arcaica em uma moderna sociedade urbano-industrial.

Os limites das transformações propostas por Getúlio Vargas estavam no meio rural, onde não houve significativa alteração na estrutura social. Limites estes que constituíram parte do próprio processo de expansão do capitalismo no Brasil pós-1930.

Francisco de Oliveira afirma que:

[...] a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaícas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo. [...].205

203 LUCA, Tânia Regina. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.).

História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2010, p. 471.

204 Idem, Ibidem, p. 137. 205

A solução do desenvolvimentismo, em suas diferentes vertentes, adotada entre as décadas de 1930 e 1980, para equilibrar esta síntese dialética entre o arcaico e o novo, descrita por Francisco de Oliveira, não permitindo a realização de profundas transformações nas estruturas do País, foi aquilo que José Luis Fiori denominou de “fuga para frente”, qual seja, “a busca de crescimento econômico como forma de não enfrentamentar seus conflitos internos e as reivindicações populares por uma democratização da terra e da riqueza”. 206

O grande impulsionador desta “fuga para frente” foi encontrado na segunda metade dos anos 1950: o capital estrangeiro como fonte de financiamento para o crescimento. O processo de acumulação desenvolvido ao longo do governo Juscelino Kubitschek alterou as bases lançadas pelo desenvolvimentismo inicialmente traçado na Era Vargas. Para o Nacional- Desenvolvimentismo, adotado por Juscelino Kubitschek “o Estado devia desempenhar a função de principal agente indutor do processo, que sinalizando os rumos da economia e direcionando os investimentos, quer investindo diretamente em setores fundamentais como infra-estrutura e indústria básica”.207 Dessa forma, “o nacional-desenvolvimentismo pode ser definido como uma política econômica que tratava de combinar o Estado, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro para promover o desenvolvimento, com ênfase na industrialização”.208

Ao mesmo tempo, o contexto intelectual brasileiro dos anos 1950 era totalmente diverso daquele dos anos 1930. Enquanto no início da Era Vargas havia a preocupação com a busca da indentidade nacional e a especificidade de nossa formação histórica, nos anos 1950 e 1960, com a “consolidação de novo Brasil urbano-industrial, acentuava-se o confronto entre os velhos interesses agroexportadores, em franca decadência, e os novos segmentos sociais vinculados à acumulação industrial, cujas ideias ganhavam terreno no cenário nacional”.209 Nesse contexto, a preocupação maior situava-se na “controvérsia sobre o desenvolvimento econômico”, que segundo Guido Mantega daria origem a economia política brasileira.

Papel destacado nesta controvérsia, bem como, nos rumos tomados pelo governo Juscelino Kubitschek tiveram as concepções influênciadas pela Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL. A CEPAL fora fundada em 1948 pelo Conselho Econômico e

206 Este tema foi desenvolvido por José Luis Fiori. Ver: FIORI, José Luís. O vôo da coruja: para reler o

desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 124.

207 BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento econômico brasileiro. 27ª edição. Ijuí-RS: Editora UNIJUÍ;

Petrópolis-RJ: Vozes, 2010, p. 232.

208 Idem, ibidem, p. 233. 209

Social da ONU com o objetivo básico de “explicar o atraso da América Latina em relação aos chamados centros desenvolvidos e encontrar as formas de superá-lo”.210 Em sua crítica a divisão internacional do trabalho, a CEPAL partia da Teoria da Deterioração dos Termos de Intercâmbio211 para defender a industrialização como forma de superação do atraso no desenvolvimento capitalista nos países periféricos. Ao mesmo tempo, defendia a necessidade de reformas estruturais que eliminassem os setores arcaicos das economias dos países periféricos.212

Desta forma, em um contexto no qual o capital estrangeiro voltava a estar largamente disponivel, consagra-se, a partir da Instrução 113 da SUMOC, editada pelo Ministro da Economia do governo Café Filho, Eugênio Gudin, a “aliança entre o Estado, a grande empresa oligopólica internacional e os capitais nacionais”, todos vendo “na ajuda financeira externa o único caminho para um crescimento rápido, comandado por um capital industrial que atingia sua plena maturidade”.213

Assim, entre os anos 1956 e 1961, o capital estrangeiro era trazido para dentro da estratégia desenvolvimentista de “fuga para frente”, que impedia a superação das contradições da formação capitalista brasileira.

Entres estas contradições, estava o fato de que a construção do modelo urbano-industrial desenvolvimentista havia produzido uma economia baseada em altas taxas de exploração da mão de obra e pautada por uma forte exclusão social. Por seu turno, as próprias estruturas deste modelo foram constituídas de forma que essas contradições fossem absorvidas, com vistas a serem controladas, pela própria estrutura do Estado.214 Nesse sentido é que se insere a necessidade de uma regulamentação das relações entre o capital e o trabalho no âmbito do Estado, a partir do governo Vargas.

210 Idem, ibidem, p. 34. 211

Esta teoria, também chamada de Teoria da Troca Desigual, fora elaborada pelos economistas Raul Prebisch, H.W. Singer e Gunnar Myrdal, defendendo que os termos de troca dos países exportadores de produtos primários tendem a se deteriorar com o tempo. O principal fator para isso seria o de que “a maior parte senão todo o aumento de produtividade que ocorre nas nações desenvolvidas é repassada aos trabalhadores sob a forma de salários e renda mais elevados”, enquanto que nos países subdesenvolvidos, o aumento da produtividade “se reflete em preços mais baixos”. Este processo gera enormes vantagens para as nações desenvolvidas que, a partir dos salários e renda mais elevados, acabam retendo os benefícios de seus próprios aumentos de produtividade. Ao mesmo tempo, estes países “colhem a maior parte dos benefícios das nações em desenvolvimento através dos preços inferiores que conseguem pagar pelas exportações agrícolas”. SALVATORE, Dominick. Economia internacional. Rio de Janeiro: LTC, 2000, p. 196.

212 A CEPAL foi extremamente influente tanto nas elaborações da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-

1953) como no Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), sendo que este último tomou como base os estudos elaborados pelo Grupo Misto BNDE-CEPAL desenvolvidos entre 1953 e 1955. Sua influência no governo Juscelino Kubitschek foi marcante também pela sua não oposição ao ingresso do capital estrangeiro e sua busca como fonte de financiamento para a industrialização.

213 FIORI, op. cit., p. 153-154. 214

A regulamentação das relações de trabalho aparece claramente na Constituição de 1934, onde ficavam estabelecidos os seguintes preceitos que a legislação do trabalho deveria observar:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;

b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador;

c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei;

d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;

e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas;

g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

i) regulamentação do exercício de todas as profissões; j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho.215

A Constituição de 1934 consolidou a Justiça do Trabalho com o objetivo de dirimir as questões entre empregadores e empregados. A nova legislação previa que os Tribunais do Trabalho e as Comissões de Conciliação teriam um formato paritário com os membros sendo eleitos, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empregadores, o presidente, por sua vez, era de livre nomeação do Governo. Aqui fica constatada a concepção de Estado Corporativo que Getúlio Vargas possuía. Para tal concepção as representações dos trabalhadores e dos empresários são exclusivas aos sindicatos e as associações profissionais que compõe o todo social em oposição a julgo ideológico dos partidos. Esta concepção pressupunha a autoridade do Estado como condutor dos interesses manifestos no pacto social feito pelas corporações. Tal concepção foi a base do regime ditatorial do Estado Novo, iniciado com o golpe dado por Getúlio Vargas em 1937, sob a justificativa de conter o “perigo comunista”.

O Estado Novo representou um período de forte recessão democrática sendo marcado pelo fechamento do Congresso Nacional, das Assembléias Estaduais e das Câmaras de Vereadores, ao mesmo tempo em que foi outorgada por Getulio Vargas a Constituição de

215 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE

1937. Sendo esta Constituição firmada em um Estado unitário e fortemente centralizador216, na qual o exercício da cidadania era possível para aqueles que de uma forma ou de outra estavam sob sua tutela. Em consonância com essa cidadania tutelada, foram ampliadas entidades de proteção aos trabalhadores217 que contribuíam para as mediações das relações entre capital e trabalho, garantidas pela ênfase dada aos contratos coletivos de trabalho. Ao mesmo tempo, a não menção ao princípio da isonomia salarial, impõe que os salários sejam determinados pelas negociações diretas mediadas pelo Ministério do Trabalho.218

Em 1º de maio de 1943, o governo Getúlio Vargas lançou uma medida que marcou profundamente o período de vigência do paradigma desenvolvimentista, e que rege as relações de trabalho no Brasil até os dias atuais, a Consolidação das Leis do Trabalho, uma síntese dos avanços dos direitos trabalhistas conquistados até então. No entanto, em que pese esses avanços, a grande ausência no sistema de regulação do trabalho foi o trabalhador rural, os direitos destes foram renegados a uma futura regulamentação especial. Desta forma, o governo Vargas não alterava as estruturas mais arcaícas prevalencentes do período colonial e da escravidão que ainda predominavam no meio rural.

Na concepção de Francisco Oliveira, esta introdução de um modelo urbano-industrial de desenvolvimento pós-1930, sem profundas alterações nas estruturas arcaicas do campo brasileiro serviram para liberar mão de obra barata para a crescente industrialização.219 Diferentemente dos países capitalistas avançados, a inserção do trabalho assalariado ao longo do Século 20 não propiciou ao Brasil a formação de um Estado de Bem-Estar Social220, tampouco, significou a massificação do consumo para a classe trabalhadora. O objetivo fundamental era manter um crescimento que propiciasse, dentro das condições brasileiras, altas taxas de produtividade e lucratividade para as empresas monopolistas. Tal fato, se demonstra evidente diante das reações desencadeadas contra o segundo governo Getúlio Vargas, quando do aumento do salário mínimo em 100%, e no Golpe que levou a derrocada do governo João Goulart, quando este propôs um conjunto de reformas estruturais como estratégia para superação da crise recessiva pós-governo Juscelino Kubitschek a partir de uma

216 Conforme Delgado, essencialmente corporativa, a Constituição de 1937, foi inspirada no modelo de

Constituição fascista da Polônia e na Carta del Lavoro italiana, de 1927. DELGADO, op. cit., p. 75.

217 Dentre estas: os Institutos dos Comerciários (IAPC), dos bancários (IAPB) e o dos empregados em transporte

de carga (IAPETEC)

218

Este tema é debatido no texto intitulado Direitos sociais no Brasil de Tânia Regina Luca. Ver: LUCA, 2010.

219 OLIVEIRA, op. cit., p. 61.

220 Um importante estudo sobre o Estado de Bem-Estar Social no Brasil encontra-se no texto O Welfare State no

Brasil: características e perspectivas de Sônia Miriam Driabe. Ver: DRIABE, Sônia Miriam. O Welfare State no Brasil: características e perspectivas. In: Cadernos de Pesquisa, n. 8. Campinas: UNICAMP, 1993.

perspectiva que buscava modificar significativamente os setores arcaicos da economia brasileira.

A chegada dos militares ao poder após o Golpe de 1964, por sua vez, não significou o abandono do paradigma desenvolvimentista, tampouco, o abandono da estratégia da “fuga para frente”. Após uma breve tentativa de implementação de um programa liberal pelo governo Castelo Branco, que não resolveu os problemas da recessão pós-1962, os militares retomaram aquela estratégia através do “Milagre Econômico”.221

O carro chefe da aceleração do crescimento proposta no “Milagre Econômico” era a expansão industrial a partir de indústria de bens de consumo duráveis, priorizando o consumo das camadas altas e da classe média, repetindo o modelo econômico de sociedades em elevado estágio de desenvolvimento e com alto padrão de vida. Por sua vez, o principal financiador desta expansão foi novamente o capital estrangeiro, o que definia uma estratégia de crescimento mediante o endividamento externo.

Desta forma, enquanto havia capitais estrangeiros disponíveis em larga escala, o Brasil cresceu em taxas superiores a 10% ao ano, com a inflação apresentando taxas anuais inferiores a 20% ao ano. Porém, após a Crise do Petróleo, em 1973, os capitais estrangeiros passaram a ser mais restritos, tendo em vista a busca dos países avançados de minimizar os efeitos da perda de dinamismo de seu setor produtivo. Este novo cenário marcou o fim do “Milagre Econômico” e a busca de uma nova estratégia para manutenção do crescimento econômico.

Esta nova estratégia foi traçada através do II Plano Nacional de Desenvolvimento, o II PND, elaborado pelo governo Ernesto Geisel para o período de 1974 a 1976, que “buscava um caminho de superação da crise, que ao mesmo tempo superasse a dependência externa, vencesse o subdesenvolvimento e alterasse a estrutura produtiva do país”.222 Os instrumentos fundamentais para atingir este objetivo eram o investimento estatal e o financiamento público à empresas privadas, incluindo crédito e incentivos fiscais. O II PND promoveu crescimentos mais tímidos na economia brasileira e foi amplamente atingido pela crescente financeirização do capitalismo internacional, bem como, pela Segunda Crise do Petróleo em 1979. As

221

As diretrizes do “Milagre Econômico” estavam traçadas no I Plano Nacional de Desenvolvimento, o I PND, elaborado para o período de 1970-1974, e tinham como objetivo “compatibilizar o crescimento econômico acelerado com o controle da inflação”. Ver: BRUM, op. cit., p. 322.

222 SOUZA, Nilson Araújo de. A economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. 2ª edição. São Paulo:

derrocadas do “Milagre Econômico” e do II PND abriram espaço para a profunda crise que o desenvolvimentismo brasileiro irá enfrentar ao longo dos anos 1980.

Em relação ao mercado de trabalho, os governo militares aprofundaram a tendência a superexploração da mão de obra, sobretudo, quando, em 1966, foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)223 em substituição a estabilidade garantida àqueles trabalhadores que completassem dez anos de trabalho na empresa. Essa medida visava reduzir o custo da mão de obra e desonerar o capital. Tal medida ocasionou a possibilidade de rotatividade da mão de obra, facultando ao empregador rescindir o contrato de trabalho a qualquer tempo. Esta política atendia aos interesses das multinacionais e foi complementada com um rígido controle dos salários, onde o “governo fixava os índices de reajuste, sempre inferiores às taxas de inflação”.224

Completando este quadro de arrocho salarial havia o impedimento aos sindicatos de qualquer manifestação. Ficava, assim, demonstrado o interesse do governo em atrair investimentos externos mediante a oferta de uma mão de obra de baixo custo que propiciasse o máximo lucro para o empregador.

Este processo fica mais evidente quando se analisa a relação entre o índice de produtividade real e o índice para o cálculo dos aumentos salariais ao longo do período do “Milagre Econômico”.

TABELA 3 - Diferença entre Índices de Produtividade e Aumento Real dos Salários – 1968-1973

Ano Índice de

Produtividade Real

Índice para Cálculo dos Aumentos Salariais Diferença 1968 1969 1970 1971 1972 1973 6,2 5,9 6,4 8,1 7,2 8,4 2,0 3,0 3,5 3,5 3,5 4,0 4,2 2,9 2,9 4,6 3,7 4,4 Fonte: BRUM, op. cit., p. 333.

Este constante arrocho salarial fez com que os trabalhadores gradativamente fossem reduzindo o seu poder de compra. Desta forma, seria necessário um considerável aumento das horas trabalhadas para que as necessidades básicas fossem satisfeitas. Um exemplo deste fato é citado por Tânia Regina de Luca quando se refere ao tempo necessário de trabalho para a aquisição da alimentação básica. Conforme a autora, enquanto que em 1959 o tempo

223 Fundo formado por depósitos mensais equivalentes a 8% do valor do salário pago ao trabalhador que somente