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Continuidades ou rupturas nas formas de organização do trabalho e da

2 NEOLIBERALISMO, OS NOVOS MODELOS DE PRODUÇÃO FLEXÍVEIS E SEUS

2.3 Continuidades ou rupturas nas formas de organização do trabalho e da

Diante do estudo realizado cabem algumas considerações no que se refere à natureza dessas transformações ocorridas na categoria do trabalho e da produção. Na literatura contemporânea há um intenso debate sobre a origem e o significado destas mudanças, o que aponta a própria complexidade da temática. Entre as diferentes concepções, existem aquelas que propõem a ascensão dos novos modelos produtivos como uma ruptura em relação ao modelo fordista. Essa é a posição dos chamados idealistas do pós-fordismo. De outro lado, existem concepções cujas leituras desta nova realidade indicam para uma visão, segundo o qual, estaríamos vivenciando uma continuidade daquilo que já existia, porém, com novas características. Esses são os ideólogos do neofordismo.

Os defensores do pós-fordismo acreditam que o modelo fordista estaria esgotado em função dos mercados não mais aceitarem a padronização daquele tipo de produção, passando a exigir maior diversidade com vistas a atender a demanda de diferentes segmentos sociais e culturais. Desse modo, as empresas adotariam uma produção flexível capaz de responder às expectativas dessa emergente demanda. Em resposta a estas mudanças, seria necessário um novo tipo de trabalhador, mais qualificado, participativo e envolvido com os objetivos empresariais. Este processo se utilizaria das oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias e pelas novas formas de gestão e uso da força de trabalho (trabalho em equipe, multifuncional, polivalente).

Krishan Kumar indica que dentre os teóricos do pós-fordismo a especialização flexível é considerada seu âmago, de maneira que “ela combina a capacidade da nova tecnologia com a

ideia de mudança fundamental na natureza do mercado na sociedade industrial deste fim de século”. Para alguns destes teóricos, esse momento “apontou o caminho para superar a crise econômica global das décadas de 1970 e 1980”.168

Essas ideias, segundo Kumar e Harvey, são defendidas principalmente por Michael Piore e Charles Sabel, e aceitas por vários autores subseqüentes, os quais acreditam que a especialização flexível surge como um paradigma alternativo para a produção capitalista, fundado na produção em pequenos lotes, com tecnologias avançadas ancoradas em trabalhadores qualificados e multifuncionais. Este modelo produtivo possui um significado de maior envolvimento e satisfação no trabalho para maioria dos trabalhadores, ao passo que valoriza as habilidades e também a colaboração de todos os trabalhadores dentro da empresa. Harvey explica que para esses autores “[...] as novas tecnologias abrem a possibilidade de uma reconstituição das relações de trabalho e dos sistemas de produção em bases sociais, econômicas e geográficas inteiramente distintas.”169

A concepção de Piore e Sabel pode ser melhor entendida ao observarmos os estudos realizados pelos mesmos em torno dos distritos industriais170, como no caso da Terceira Itália. Naqueles espaços produtivos, pequenas e medias empresas desenvolvem uma integração econômica de caráter coletivo e cooperativo nas relações de umas com as outras. Em suas abordagens, onde buscam as perspectivas mais promissoras do processo, Piore e Sabel cogitam “a restauração de uma ‘democracia de pequenos proprietários’ no ocidente, uma forma de ‘individualismo coletivo’, que consideram ser o ‘equivalente político’ da competição cooperativa’ [...]”.171

A cooperação e a difusão daquele trabalho, qualificado e bem pago, realizado com o auxílio das novas tecnologias, é o que conduziria “o controle humano sobre a produção” ou, na ideia Marxiana, da realização do trabalho como uma associação alegre e autocriativa, porém, na concepção de uma democracia de individualismo coletivo.

A percepção de que novos modelos produtivos estariam superando a produção fordista é contestada pelos teóricos da denominada Escola de Regulamentação de teóricos franceses, surgida na década de 1970. Estes reconhecem a crise do fordismo tradicional, porém, tratam- na de maneira diferente, pois, não visualizam uma transição para uma sociedade pós-fordista

168 KUMAR, op. cit., p. 86. 169 HARVEY, 2002, p. 177. 170

Os distritos industriais se caracterizam a partir de núcleos de pequenas empresas mais ou menos simétricas, que se constituem em uma complexa rede de competição e cooperação formando um espaço produtivo especializado. Estes desenvolvem arranjos institucionais plasmados numa relação de maior igualdade entre as empresas e centrados mais na cooperação do que na dependência.

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promissora. Os teóricos regulamentadores avaliam o processo de transformação sob uma perspectiva de acumulação do capital. A partir desta premissa, o que para alguns seriam estratégias pós-fordistas, para os regulamentadores seriam estratégias neofordistas que foram criadas para dar um novo impulso ao capitalismo que se encontrava em crise.

Entre os teóricos regulamentadores mais influentes destacam-se Michel Aglietta, Robert Boyer e Alain Lipietz os quais consideram

[...] a história do capitalismo como marcada por sucessivos ‘modos de desenvolvimento’, nos quais, ‘um regime específico de acumulação’ é orientado por ‘um modo específico de regulamentação’. Ou seja, em qualquer dado momento, o esforço do capitalismo para extrair mais-valia a uma taxa crescente depende da disposição específica de forças de classe – sobretudo no local de trabalho – e dos arranjos institucionais que presidem as relações entre empresas e entre capital e trabalho.172

As transformações no processo produtivo que ocorrem no final do Século 20 se dariam em função da incapacidade de o modelo de organização e trabalho fordista dar respostas, por meio de ganhos de produtividade, à crise do capitalismo naquele período. Como perspectiva de restaurar o desenvolvimento da produção, “[...] imporia às empresas, a necessidade de profunda reestruturação econômica, expressa pela introdução de novas tecnologias, flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. [...]”.173

O que ocorre, segundo os regulamentadores, é uma tentativa de o capitalismo buscar solução para o período de crise e, para isso, se utiliza de uma série de estratégias neofordistas. Isso pode ser identificado, nas palavras de Kumar, quando se verifica nos novos sistemas produtivos que “a produção foi descentralizada, não só nacional, mas internacionalmente, levando-a para as regiões de baixo salário”, enquanto que, “o controle central e as funções de pesquisa permanecem nas metrópoles dos países industriais avançados”. Da mesma forma “a especialização flexível e a administração delegada também têm sido empregadas como parte de estratégias para aliviar os encargos das empresas e evitar e neutralizar organizações trabalhistas fortes”.174

172 Idem, ibidem, p. 94.

173 LARANJEIRA, Sônia M. G. Fordismo e pós-fordismo. In: CATTANI, Antonio Davi. (Orgs.). Dicionário

crítico sobre trabalho e tecnologia. 4ª edição. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002, p. 126.

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Tal fato pode ser observado na indústria automobilística do próprio país de origem do sistema de produção toyotista. Leite, em seu estudo, verifica que empresas de capital japonês instaladas em outros países levando em conta os diversos arranjos societais “tenderia a concentrar as fases mais sofisticadas do processo de produção em alguns países, ao lado de uma externalização das fases mais simples, que se dirigiriam às regiões de maior concentração de trabalho barato”.175

Seguindo nesse raciocínio, o próprio Charles Sabel quando avalia o modelo japonês considera sua “produção descentralizada mas controle centralizado, de um caso de ‘produção em massa flexível’”.176

No que se refere à organização do trabalho, a indústria japonesa, em especial no setor automobilístico, desde sua origem se caracteriza pelo caráter dual. Em sua composição é formada por um núcleo de trabalhadores permanentes que auferem a vitaliciedade no emprego, o trabalho qualificado e bem pago, dentre outros benefícios, e por um grupo de trabalhadores periféricos que não possuem estabilidade no emprego, desempenhando tarefas menos qualificadas e com menor remuneração. Leite indica que “a tendência ao aumento do trabalho instável e desqualificado se relaciona diretamente com a ampliação das redes de subcontratação, visto que as empresas tendem a transferir uma parte de seus trabalhadores juntamente com a terceirização de partes de seu processo produtivo [...]”.177

Cabe ressaltar que o trabalho estável e qualificado do núcleo seria reservado aos trabalhadores masculinos e japoneses relegando às mulheres e estrangeiros o trabalho instável e mal pago da periferia.

Leite ainda informa que pesquisa realizada pela socióloga Ruth Milkman em empresas japonesas de diferentes segmentos instaladas na Califórnia – Estados Unidos, a autora encontrou uma alta concentração de trabalhadores não-qualificados e auferindo baixos salários. Essas “empresas subsidiárias tendiam a realizar processos de produção bastante rotinizados, enquanto o trabalho complexo e qualificado se mantinha circunscrito à matriz japonesa”.178 Lembrando ainda que a maioria das ocupações menos qualificadas e mal pagas era preenchida por trabalhadores estrangeiros, sobretudo, mexicanos e asiáticos.

175 LEITE, 2003, p. 44.

176 SABEL apud KUMAR, op. cit, p. 101. 177 LEITE, 2003, p. 43.

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Fato semelhante de dualidade e segmentação na utilização do trabalho humano também ocorre nos conglomerados dos distritos industriais179, onde ao lado de trabalhadores remunerados e bem qualificados, com alto padrão de vida, se desenvolve outra camada de trabalhadores que realizam trabalhos com baixos níveis de qualificação, remuneração e sob contratos de trabalhos instáveis. Alguns destes espaços produtivos que obtiveram excelentes resultados em termos de expansão e produtividade - como a Terceira Itália, o Vale do Silício e a Rota 128, nos Estados Unidos, o complexo de Cambridge-Reading-Bristol, na Grã- Bretanha180- demonstram, segundo Leite, uma “combinação de uma ampla variedade de condições de trabalho, com níveis bastante diferenciados de qualificação, remuneração e estabilidade”, acompanhada por “pronunciada divisão sexual do trabalho, pela qual o trabalho feminino cumpre importante papel na garantia da flexibilidade”.181

Dessa forma, se verifica que nem mesmo os distritos industriais estão isentos a esta situação de forte segmentação do mercado de trabalho.

Através das investigações desenvolvidas em torno da indústria japonesa e dos distritos industriais percebe-se que a nova organização flexível do trabalho e da produção se assemelha ao antigo modo de produção e trabalho fordista, pois como explica Kumar,

[...] o aumento da flexibilidade, na medida em que realmente ocorre, não é sinal de algum novo princípio de trabalho e organização, mas de continuação de padrões tradicionais de segmentação do mercado de trabalho por sexo, raça e idade. [...], por exemplo, as mulheres, que formavam a base das indústrias da produção em massa na

179 Os atributos característicos de um distrito industrial são: proximidade geográfica entre empresas;

especialização setorial; predominância de pequenas e médias. Os demais atributos identificadores de um distrito industrial são a colaboração próxima entre firmas, a competição baseada na inovação, a identidade sociocultural, o que facilita a relação entre firmas e empregados qualificados, a presença de organização ativas de auto-ajuda e, finalmente, a existência de governos municipais e regionais ativos, que por sua vez, impulsionam e fortalecem a capacidade e as políticas implementadas por tais setores produtivos. SCHMITZS, H.; MUSYCK, B. apud LOMBARDI, Maria Rosa. Reestruturação produtiva e condições de trabalho: percepções dos trabalhadores. In: Educação & Sociedade, ano XVIII, n. 61. Campinas-SP: Unicamp, dezembro de 1997, p. 68.

180 Estudos demonstram que os distritos industriais, sem sombra de dúvida, obteram resultados excelentes como

no caso da Terceira Itália e o Vale do Silício e Rota 128, nos Estados Unidos, o complexo de Cambridge- Reading-bristol, na Grã-Bretanha, entre ouros. O grande êxito destas aglomerações deveu-se, em partes, ao apoio de políticas regionais. Porém, o que se verifica no caso de outros distritos industriais como o da região espanhola do mediterrâneo, por exemplo, é uma flexibilidade alcançada devido a inexistência de organização sindical e, por outro, do menor custo da mão de obra quando comparadas aos salários dos grandes centros industriais. De acordo com pesquisa realizada pelos estudiosos Sengenberger e Pyke (1992), o que ocorre nos distritos industriais espanhóis é um caminho virtuoso, na qual se centra na qualificação da força de trabalho, e por outro lado, apresentava um caminho mais predatório, baseado nos baixos salários. O que para esses autores, o desenvolvimento da produção baseada na relação de cooperação entre as empresas e do trabalho qualificado não se ajusta ao caso espanhol. Ver: LEITE, 2003, p. 51-52.

Desta forma, ocorre certo perigo em se avaliar de forma homogênea os ganhos e benefícios na produção e trabalho realizados pelos distritos industriais. É preciso levar em consideração os vários aspectos econômicos, sociais e culturais das regiões aos quais esses conglomerados industriais estão se desenvolvendo

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década de 1930 – os homens sempre foram a minoria no sistema de produção em massa de linha de montagem – tornavam-se as trabalhadoras de serviço e sem segurança no emprego e de baixa qualificação (‘numericamente flexíveis’) nas décadas de 1970 e 1980.182

Nesta perspectiva, Lessa menciona a pesquisa realizada pela autora Helena Hirata na obra Nova divisão sexual do trabalho?, onde a autora traz uma abordagem importante à respeito de como os esteriótipos sexuados e das identidades sexuais são utilizados na gestão da mão de obra industrial. Primeiramente, a mesma enfatiza a complementaridade que ocorre entre as novas formas de gerência e as técnicas tayloristas. Assim, avaliando as empresas japonesas, assinala que as “técnicas tayloristas e as das ‘atividades de pequenos grupos’ (shõ-

shudan Katsudõ) não são exclusivas, podem coexistir e até mesmo ser complementares”. Em

primeiro lugar, porque a nova forma de organização não “invade a organização de trabalho tradicional que estrutura a linha hierárquica de comando”. E, em segundo lugar, porque permite “diminuir a porosidade da jornada de trabalho e acelerar o ritmo” da produção. Ao mesmo tempo, possibilita que continue sendo aplicado o “controle das pausas e interrupções”, usual das “práticas tayloristas”, possibilitando assim, reduzir o “‘tempo morto’, ainda que pela via da mobilização e emulação e não pelo controle taylorista padrão”.183

Da mesma maneira, a divisão sexual do trabalho continuara existindo da mesma forma que antes do processo de reestruturação produtiva flexível.

Portanto, é neste sentido que Hirata questiona a ideia de fim do fordismo,

[...] em relação à tese do surgimento de ‘um novo paradigma de organização industrial’ (Piore e Sabel,1984) ou um novo ‘conceito’ ou ‘modelo’ de produção (ver Kern e Schumann,1989) alternativos ao modelo fordista, podemos constatar que o taylorismo não acabou, sobretudo se considerarmos a mão-de-obra feminina (Hirata, 1988) ou as indústrias dos países subdesenvolvidos (R.Q. Carvalho e H. Schmitz,1989); no entanto, mesmo nos países como a França, em que o desenvolvimento da automação foi considerável nesses últimos anos, o fordismo e a produção em massa padronizada parecem ser ainda inteiramente atuais. (S. Volkof, 1987).184

Interessante observarmos aqui que taylorismo não se confunde com fordismo. Trata-se de processos de realização da produção e do trabalho com traços particulares, porém, podem se encontrar e desenvolver conjuntamente numa mesma empresa. Isso significa que a fórmula de gerência científica desenvolvida por Taylor poderá ser aplicada não somente à produção

182 KUMAR, op. cit, p. 98. 183 LESSA, op. cit., p. 301-302. 184

em massa, mas à produção flexível e de pequenos lotes, e até mesmo, às novas formas de trabalho em equipe das empresas flexíveis. Tal fato pode ser compreendido através das considerações feitas por Kumar, quando este entende que as pequenas empresas e a “produção artesanal”, ou em pequenas quantidades, “sempre existiram ao lado da produção em massa, como acontece desde a revolução industrial”. Naquela época, essa modalidade de produção desempenhava, como hoje, funções indispensáveis. A partir dessa ideia, o autor sublinha que

“não há reativação ou renascimento, mas apenas uma continuação dessas formas de atividade. A oposição entre ‘produção em massa e especialização flexível’ é falsa. Até mesmo a indústria automotiva, supostamente o tipo característico da produção em massa, emprega ambos os métodos. [...]”.185

Esta situação pode ser identificada nos sistemas produtivos dos distritos industriais aonde, diante da expansão dos mercados, muitas das empresas dos conglomerados industriais deixaram de ter as características de agrupamentos de pequenas empresas com atuação de forma cooperativa para se transformarem em grandes corporações multinacionais186.

Este é o caso da empresa Benetton que inicialmente constituía-se de um conjunto de pequenas firmas trabalhando de forma cooperativa. No entanto, se expandiu a tal ponto que acabou não mais se ajustando ao modelo de pequenas empresas como idealizada pelos teóricos dos distritos industriais. Desde a década de 1980, conforme Kumar, a Benetton se transformou em uma gigantesca multinacional que, nos anos 1990, dizia abrir uma nova loja a cada dia do ano. A empresa começou a “instalar fábricas fora da Itália, em diferentes países, especializando-se na fabricação de um ou mais tipos de produto.” Com isso tornou-se cada vez mais semelhante com o “modelo do carro mundial”, que seria “a própria antítese do conceito pós-fordista”. O autor ainda assinala que o pesquisador Stephen Wood alerta que tal

185

KUMAR, op. cit., p. 98-99.

186 Do mesmo modo, conglomerados financeiros passaram a invadir distritos industriais objetivando utilizar-se

das vantagens oferecidas pelas pequenas empresas. Como no caso dos distritos industriais da região da Emilia Romana que foram sendo invadidos por corporações multinacionais no final dos anos de 1980, conforme explica, o economista Bennett Harrison. O autor também “considera que as principais corporações multinacionais do setor, como Nestlé, Kraft e Unilever, têm ‘invadido’ a região, aquirindo o melhor de suas pequenas empresas, reorientando-as em direção aos interesses das grandes corporações.” Durante os anos de 1980, Harrison assinala que “uma onda de fusões e aquisições domésticas e com empresas de fora, ao lado do crescimento geral da importância das grandes empresas, varreu a economia italiana como um todo”. HARRISON apud LEITE, 2003, p. 54-55.

fato “levanta muitas questões relativas não só a Benetton, mas a toda uma teoria baseada na oposição à produção em massa e na especialização flexível”.187

Importantes considerações a cerca dos aspectos que se assemelham e diferem, entre os modelos de produção fordistas e toyotistas, são realizadas também por Andrew Sayer e Stephen Wood. Os estudiosos traçam considerações significativas deste tema em torno do sistema produtivo japonês. Sayer entende que o modelo de produção desenvolvido no Japão não se ajusta ao modelo fordista e nem ao modelo pós-fordista. O autor denomina de “inflexibilidades flexíveis” para descrever um sistema industrial que se caracteriza por um alto grau de organização conjuntamente com um excepcional grau de “desintegração vertical” (58% dos empregados no Japão trabalham em empresas com menos de 100 operários e 30% em empresas que possuem entre 1 e 4 empregados). Assim, o autor explica que “no Japão a desintegração vertical e a produção em massa andam de mãos dadas e os subempreiteiros muitas vezes realizam o mesmo tipo de trabalho rotineiro, repetitivo, associado à produção em massa no ocidente”.188

Acrescentando a esse raciocínio, Sayer conclui que

embora as formas organizacionais do capital japonês tenham algumas coisas em comum com a especialização flexível, elas apresentam características que põe em dúvida não só a natureza da ‘flexibilidade’, mas também o contraste fundamental entre o alegado declínio da produção em massa e o aumento da produção em pequenos lotes, e a associação implícita entre integração vertical e produção em massa.189

Da mesma forma, Wood observa que no Japão a grande maioria dos produtos aos quais associam a ascendência do país ao comércio mundial, são “produtos clássicos produzidos em massa, tais como câmeras fotográficas, transistores, televisores e automóveis”, ainda, “o Japão, mais do que qualquer outro país, abriu mercados para novos produtos de massa, como toca-fitas e aparelhos de videocassete”.190

Diante destes apontamentos e interpretações percebe-se o quão é delicado fazer considerações definitivas a respeito de uma ruptura do modelo fordista de produção em massa, ou considerar que haveria meras continuidades deste modelo produtivo inserido dentro

187 KUMAR, op. cit., p. 101. 188 Idem, ibidem, p. 102

189 SAYER apud KUMAR, op. cit., p. 102. 190

de um novo contexto econômico, político social e cultural que abriu perspectivas para a produção flexível. No entanto, ao nos depararmos com a crescente flexibilidade nos sistemas produtivos e nas relações de trabalho que vem ocorrendo em todo o mundo não podemos alegar que nada mudou, pois, como observa Harvey, “os fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de fábricas, das práticas mais flexíveis de emprego do trabalho e da flexibilidade dos mercados de trabalho, da automação e da inovação de produtos olham a maioria dos trabalhadores de frente”.191

Evidencia-se, assim, que estas mudanças refletem uma nova dinâmica nas relações de trabalho e na forma de realização do trabalho e da produção.

Kumar avalia que houve significativas mudanças no caráter da organização industrial e