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Abusividades cometidas pelas seguradoras nas cláusulas limitativas do Direito dos Consumidores

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUI

LAURA LÍDIA TAPIA

ABUSIVIDADES COMETIDAS PELAS SEGURADORAS NAS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DO DIREITO DOS CONSUMIDORES

Ijuí (RS) 2019

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LAURA LÍDIA TAPIA

ABUSIVIDADES COMETIDAS PELAS SEGURADORAS NAS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DO DIREITO DOS CONSUMIDORES

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Fabiana Fachinetto

Ijuí (RS) 2019

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Com gratidão, dedico este trabalho a minha família, pela paciência e apoio despendidos durante minha trajetória acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por me proteger e permitir que eu tenha forças para vencer cada obstáculo da vida.

Aos meus pais, Jelson e Simone, por acreditarem em mim e sempre me incentivarem na busca dos meus sonhos. Agradeço também pelas palavras doces nos momentos difíceis.

Aos meus irmãos, Rodrigo, Diego e em especial ao Matheus, pelo amparo e auxílio durante toda minha vida. Também, a minha cunhada Pâmela, pelo apoio e cuidado a mim dedicados.

Aos meus amigos e colegas, por dividirem momentos especiais e compartilharem seus conhecimentos. Em especial a Hermínia, por ter percorrido toda graduação ao meu lado sempre com palavras de apoio e incentivo.

Ao Gabriel, pelo apoio, incentivo e carinho demostrados durante o período deste trabalho.

A minha orientadora Fabiana, pela dedicação, compreensão e paciência na elaboração deste trabalho.

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“É a vida que segue e não espera pela gente Cada passo que dermos em frente Caminhando sem medo de errar Creio que a noite sempre se tornará dia E o brilho que o sol irradia Há-de sempre me iluminar”

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RESUMO

O presente trabalho busca analisar e compreender as abusividades cometidas pelas seguradoras por meio das cláusulas limitativas do direito dos consumidores, especialmente dada a importância das normas e princípios que asseguram o consumidor como parte vulnerável na relação consumerista, assim como analisar, a interferência do Poder Judiciário nestes conflitos, na medida em que cada vez mais há judicialização das relações sociais, em particular nos contratos de seguro, na tentativa de reestabelecer o equilíbrio contratual violado. Com uma pesquisa exploratória e em fontes bibliográficas, como também na análise de jurisprudências é demostrado que a proteção ao consumidor deriva do aparato legal e principiológico criado para estabelecer na relação de consumo o equilíbrio entre segurado e segurador, nesse sentido, é possível constatar que os princípios tradicionais dos contratos somados aos princípios específicos dos pactos securitários asseguram ao consumidor a interpretação mais favorável de cláusulas que violem o direito do segurado. Uma vez que, este contrato é considerado típico de adesão, cujas cláusulas são previamente formuladas pelo segurador, o que dificulta ou mesmo impede a negociação por parte do mais frágil na relação. Em sua forma conclusa, evidencia o posicionamento do Judiciário acerca das cláusulas limitativas e abusivas que versam sobre o agravamento do risco pelo segurado, a mora do segurado no pagamento do prêmio, as restrições de cobertura em seguro de dano em veículos, como também, o suicídio do segurado no seguro de pessoa. Palavras-chave: Contratos de Seguro. Cláusulas Abusivas. Direito do Consumidor.

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ABSTRACT

This paper aims to analyze and understand the abuse committed by insurers through the limiting clauses of consumer rights, especially given the importance of the rules and principles that assure the consumer as a vulnerable party in the consumerist relationship, as well as to analyze the interference of the Judiciary. in these conflicts, as social relations are increasingly judicialized, particularly in insurance contracts, in an attempt to restore the breached contractual balance. With an exploratory research and bibliographic sources, as well as in the analysis of jurisprudence it is shown that consumer protection derives from the legal and principled apparatus created to establish in the consumer relationship the balance between insured and insurer, in this sense, it is possible to find that Traditional contractual principles combined with the specific principles of insurance pacts provide the consumer with the most favorable interpretation of clauses that violate the insured's law. Since, this contract is considered typical of adhesion, whose clauses are previously formulated by the insurer, which hinders or even prevents negotiation by the weaker in the relationship. In its final form, it shows the position of the Judiciary regarding the restrictive and abusive clauses dealing with the insured's aggravation of risk, the insured's late payment of the premium, the restrictions on insurance coverage for vehicle damage, as well as the insured person's suicide in person insurance.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1. A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL E SUA PROJEÇÃO SOBRE OS CONTRATOS DE SEGUROS PRIVADOS ... 11

1.1 A Evolução e a Expansão das Atividades Securitárias ... 11

1.2 Conceito e Finalidade dos Contratos Securitários... 14

1.2.1 Seguro de dano ... 15

1.2.2 Seguro de pessoa... 17

1.3 Elementos e características dos contratos de seguro ... 18

1.4 Os contratos de seguro e a proteção do Código de Defesa do Consumidor ... 22

2. CONTRATOS DE SEGURO E A NECESSÁRIA PROTEÇÃO CONTRATUAL ... 26

2.1 Princípios contratuais ... 26

2.1.1 Princípio do Mutualismo ... 26

2.1.2 Princípio da Boa-fé e da Probidade ... 27

2.1.3 Princípio da Função Social do Contrato ... 30

2.1.4 Outros princípios importantes na relação contratual securitária ... 31

2.2 A relativização da autonomia da vontade e a importância da boa-fé e da função social nos contratos ... 32

2.3 As cláusulas abusivas e a interpretação em favor do consumidor ... 36

3. CONFLITOS JUDICIAIS NOS CONTRATOS DE SEGURO ... 41

3.1 Agravamento do risco pelo segurado ... 41

3.2 Mora do segurado no pagamento do prêmio ... 44

3.3. Seguro de dano em veículos automotores e restrição de cobertura... 46

3.4 Seguro de pessoa e suicídio do segurado ... 51

CONCLUSÃO ... 56

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INTRODUÇÃO

O seguinte trabalho busca averiguar em três capítulos quais são as cláusulas que limitam os efeitos dos contratos de seguro e quais os principais fundamentos jurídicos sustentados pelos tribunais pátrios para invalidar estas cláusulas. Como também, estudar o aparato legal e principiológico relacionado ao direito do consumidor no âmbito securitário.

Para isso, o trabalho volta-se a pesquisa bibliográfica em livros físicos e em sites da internet, simultaneamente com o exame de jurisprudências que versem sobre as principais negativas securitárias expressas nas cláusulas limitativas do direito do consumidor, como também, a aplicação da lei.

No primeiro capítulo, é realizado um breve estudo sobre a evolução e a expansão das atividades securitárias, permeado pela proteção do consumidor. Analisados os conceitos e finalidades dos contratos securitários, assim como, seus elementos e características, para então estudar os contratos de seguros e a proteção do Código de Defesa do Consumidor.

O segundo capítulo, abrange a proteção contratual dos pactos securitário que em virtude da vulnerabilidade do segurado se faz necessária. Para isso, os princípios contratuais do mutualismo, boa-fé, função social do contrato e demais princípios são observados para posteriormente compreender a importância destes na relativização da autonomia da vontade e na interpretação mais favorável ao segurado concernente as cláusulas abusivas redigidas pelas seguradoras.

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Por fim, o terceiro capítulo tem o intuito de analisar as cláusulas específicas que possam prejudicar a parte mais fraca na relação contratual, o segurado/consumidor. Um breve exame das cláusulas limitativas que versam sobre o agravamento do risco pelo segurado, a mora do segurado no pagamento do prêmio, o seguro de dano em veículos automotores e restrição de cobertura, como também a relação entre seguro de pessoa e suicídio do segurado.

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1. A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL E SUA PROJEÇÃO SOBRE OS CONTRATOS DE SEGUROS PRIVADOS

O presente capítulo pretende abordar a evolução e expansão das atividades securitárias, principalmente a partir do reconhecimento do consumidor como sujeito de direitos na Constituição Brasileira de 1988 e da promulgação do Código de Defesa do Consumidor em 1990. Além disso, analisa-se o conceito e finalidades do seguro de dano e de pessoa, como também, os elementos e características próprios deste pacto, especialmente o objeto, risco, prêmio e indenização. Por fim, a relação entre os contratos de seguro e a proteção do Código de Defesa do Consumidor frente às abusividades cometidas pelas seguradoras nas cláusulas limitativas.

1.1 A Evolução e a Expansão das Atividades Securitárias

A primeira forma de contrato de seguro, apontada pela doutrina, é a forma de socorro mútuo, com objetivo de proteger os riscos iminentes das atividades do dia a dia da sociedade primitiva. Pedro Alvim (1999), citado por Gagliano e Pamplona Filho (2014), observa o surgimento e a evolução das atividades securitárias:

A História registra a existência dessas sociedades desde remota antiguidade. Segundo Plínio, funcionavam na Ásia ad sustinendam tenuiorum inopiam. Esclarece o citado autor Fernando Emygdio da Silva que os gregos deram largo desenvolvimento ao princípio associativo em todas as suas formas, religiosa, política, comercial, marítima – e como tal criaram, sob o nome de sinedrias, hetairos ou eranos, sociedades do tipo de socorro mútuo. (ALVIM, 1999, apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, grifo do autor).

Em seguida, o autor citado explica como se deu a união dos mais pobres na busca de segurar seus interesses:

Apareceram, também, em Roma, sob a denominação de sodalitia ou collegia. Reuniam, em geral os indivíduos mais pobres ou pertencentes a classes humildes, com o propósito de angariar meios para aa assistência médica aos doentes, despesas de funeral, sepultura honrosa etc. Posteriormente, os collegia adquiriram maior importância no meio social romano. (ALVIM, 1999, apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, grifo do autor).

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Ainda, as atividades marítimas colaboraram para a expansão do seguro na modernidade através da união de vários investidores e da criação de fundos, o intuito era amenizar as consequências da efetivação de um risco ligado a suas atividades além-mar.

Nota-se que, com o crescimento “da imprevisibilidade, o avanço tecnológico e a complexidade das relações sociais”, a partir do século XX, “a atividade securitária passou a ser exercida predominantemente por grandes sociedades empresárias, constituídas exatamente para esta finalidade.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, p. 492).

Resumidamente, os contratos de seguro evoluíram da união que buscava prevenir riscos futuros. Ameaças que continuam nos dias atuais, embora caracterizadas de outras formas:

Especialmente no atual cenário urbano, o perigo nos acompanha em todos os momentos: ao sairmos de casa e entrarmos no elevador do nosso prédio, correndo o risco de este não estar no mesmo nível do piso; persegue-nos, ainda, quando vamos até a quadra vizinha pegar o nosso carro, ou, até mesmo, quando pretendemos visitar o nosso amor, em outra cidade, de ônibus, navio ou avião. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, p. 492).

Por isso, a expansão das atividades securitárias e a discrepância do mercado econômico nas relações de consumo resultaram na criação de instrumentos para garantir o equilíbrio contratual, entre as seguradoras e o segurado.

Nesse sentido, a Constituição brasileira reconhece o consumidor como sujeito de direitos, tanto no rol de direitos fundamentais no art.5°, XXXII, quando determina expressamente que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Como também no rol dos princípios gerais da atividade econômica, quando observa a defesa do consumidor no art. 170, V da CF/88. (BRASIL, 1988).

Sabe-se que com a expansão do mercado consumerista é evidente que em algum momento as pessoas estarão diante de uma relação jurídica, ou seja:

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A rigor, todas as pessoas são em algum tempo, ou em um dado número de relações jurídicas, consumidoras. Nesta perspectiva, a caracterização dos direitos do consumidor como direitos humanos, revela o reconhecimento jurídico de uma necessidade humana essencial, que é a necessidade de consumo. Assim demonstram os conhecidos estudos que buscam aproximar as noções de necessidades e direitos. Sobretudo, quando da verificação das normas positivas que detalham os direitos dos consumidores, observam-se expressões que dizem especialmente com a tutela da dimensão personalíssima do consumidor. (MIRAGEM, 2014, p.54)

O Estado, em relação ao direito fundamental do consumidor, obriga-se a promover o direito de proteção nas relações de consumo, que em maioria são desiguais. Segundo Bruno Miragem (2014, p.52), “o que se promove é a equalização, por meio do direito, de uma relação faticamente desigual.”.

Nesse sentido, não há que se falar em violação do direito à igualdade quando se promove a proteção do consumidor. O tratamento desigual na relação consumerista se justifica na “clássica fórmula de raiz aristotélica sobre igualdade, do tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida de sua desigualdade.” (MIRAGEM, 2014,p.53).

Em síntese, na busca pela defesa do consumidor frente a discrepância do mercado consumista se faz necessário o reconhecimento da vulnerabilidade do mais fraco:

Assim, o direito do consumidor, enquanto direito fundamental, justifica-se no reconhecimento de uma situação de desigualdade, à qual as normas de proteção ao consumidor realizam a equalização de condições, na linha de entendimento do que disciplinou o direito europeu, por intermédio do artigo 38 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que refere: “As políticas da união devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores”. (MIRAGEM, 2014, p. 57)

Em particular, a importância do direito fundamental ao consumidor nos contratos de seguro decorre da “natural evolução das relações sociais”. A crescente necessidade da “adoção de maior cautela no enfrentamento das atividades diárias”, resulta cada vez mais do aumento dos riscos da vida em sociedade. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014, p.489).

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Do mesmo modo, entende Flávio Tartuce que o contrato deve atender a pessoa humana e não os interesses do mercado. Assim, “diante da valorização da pessoa e dos três princípios do Direito Civil Constitucional (dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade em sentido amplo)”, a tese do diálogo das fontes aproxima a aplicação e não a exclusão entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor na defesa do contratante na relação contratual. (2017, p.8).

1.2 Conceito e Finalidade dos Contratos Securitários

O conceito de contrato de seguro está disciplinado no art. 757 do Código Civil, dispondo que “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.” (BRASIL, 2002)

Igualmente, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 491) conceituam o contrato securitário como o “negócio jurídico por meio do qual, mediante o pagamento de um prêmio, o segurado, visando a tutelar interesse legítimo, assegura o direito de ser indenizado pelo segurador em caso de consumação de riscos predeterminados”.

Carlos Roberto Gonçalves (2018, p.511), de maneira didática explica a distinção dos seguros terrestres disciplinados no Código Civil de 2002, divididos entre as seções “do seguro de dano”, que se subdivide em “seguro de coisas, cuidando da cobertura por danos e bens imóveis, moveis propriamente ditos e semoventes”, como também a seção “do seguro de pessoa”, que se desdobra em “seguro de vida” e “seguro de acidentes pessoais.”.

Do mesmo modo, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.535) utilizam a mesma diferenciação entre as espécies de seguro privado. Para eles, o seguro de dano tem natureza compensatória, ou seja, com o pagamento do prêmio pelo segurado e dá certeza da ocorrência do sinistro, fica o segurador obrigado ao pagamento da indenização na proporção do que fora pactuado. Já o seguro de pessoa, pretende proteger “bens extrapatrimoniais insuscetíveis de valoração, são eles a integridade física e a vida”.

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1.2.1 Seguro de dano

Primeiramente é indispensável para configuração de qualquer dever de indenizar, a inafastabilidade do dano ou prejuízo, entendidos “como a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não -, causado por ação ou omissão do sujeito infrator” Ainda, há combinação de requisitos inerentes a indenização, são eles: “a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica”, ou seja, os riscos passíveis de cobertura; “a efetividade ou certeza do dano”, tal dano deve ser real, certo e por óbvio indenizável; e a “subsistência do dano”, a reparação espontânea pelo lesante exclui a necessidade de indenização. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).

Na mesma linha, que enfatiza a importância do dano:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento - risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano não haverá o que se reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa. (CAVALIERI FILHO, 2000 apud GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014).

Nota-se que no seguro de dano “a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato” (CC, art. 778). Uma vez que o pacto, salvo em caso de mora do segurador, “não se destina à obtenção de um lucro” (GONÇALVEZ, 2018, p.512).

Contudo, se o interesse do segurado é pactuar com seguradoras distintas com intuito de assegurar o mesmo bem, a soma das indenizações não poderá ser superior ao valor do bem, para evitar o locupletamento ilícito caso o segurado receba “pelo sinistro valor indenizatório superior ao do interesse segurado ou da coisa sinistrada” (GONÇALVES, 2018, p.512). Além da obrigatoriedade em comunicar a primeira seguradora, como determina o art. 782 do CC, a intenção de segurar novamente o mesmo bem.

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Pela mesma razão, deverá ser observado também o valor do bem no momento do sinistro, e não somente no momento que fora pactuado inicialmente na apólice. Flávio Tartuce (2017, p.676) ilustra da seguinte forma:

Alguém celebra um contrato de seguro para proteger um veículo contra roubo, furto e avaria. Quando da celebração do contrato, o veículo, novo, valia R$ 50.000,00. Dois anos após a celebração do contrato, quando o veículo vale R$ 30.000,00, é roubado (sinistro). Este último será o valor devido pela seguradora, devendo ser observado o valor de mercado.

Outra possibilidade é contratar o seguro parcial através de cláusula de rateio, condição prevista no art. 783 do CC. Ou seja, a referida cláusula será aplicada após negociação “quando a cobertura contratada for inferior ao valor da coisa e dos danos” (GONÇALVES, 2018, p.516).

Entretanto, é possível analisar a validade dessas cláusulas que “podem ser consideradas nulas por abusividade nos termos do art.51 do CDC (contratos de consumo) e do art. 424 do CC (contratos de adesão)” em decorrência da falta de negociação nesses tipos de contratos. (TARTUCE, 2017, p.678).

O vício intrínseco da coisa que não é declarado pelo segurado exclui o dever de pagar da seguradora, nos termos do art. 784 do CC, até mesmo os vícios redibitórios e aparentes (responsabilidade do fabricante e comerciante). Contrariamente, o contrato pode ser celebrado para “proteger coisa portadora de vicio intrínseco”, desde que declarado expressamente “o grau de risco que incide sobre o interesse protegido” (GONÇALVES, 2018, p.516).

Flávio Tartuce (2017, p.676), reproduz de forma sucinta o disposto no art. 780 do Código Civil referente ao início e término da cobertura securitária nos contratos de seguro de coisa transportada, a “vigência da garantia começa no momento em que estas são recebidas pelo transportador, e cessa com a sua entrega ao destinatário”.

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1.2.2 Seguro de pessoa

A múltipla pactuação é permitida por lei no seguro de pessoa, “não havendo, em princípio, limitação de valor” uma vez que o interesse segurado refere-se a “valores e bens de natureza personalíssima”. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014, p.564). Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2018, p.522), afirma que “o seguro de vida é o mais importante seguro de pessoas”, pois sua finalidade é “garantir, mediante o prêmio que se ajustar, o pagamento de certa soma a determinada ou determinadas pessoas, por morte do segurado.”.

Diferentemente do seguro de dano, onde o “valor a ser pago para o beneficiário ou segurado” é considerado uma “indenização comum”, no entendimento de Gagliano e Pamplona Filho (2014), no seguro de pessoas esse valor é considerado “como uma compensação ou consolo pela lesão ao interesse extrapatrimonial”.

Na tentativa de segurar o bem da vida, Gonçalves (2018, p.525, grifo nosso) elenca as modalidades de seguro de vida:

Pode ter por objeto o seguro da vida inteira, mediante pagamento de prêmio anual, beneficiando terceiros indicados com a morte do segurado. Pode ser fixado o pagamento para certo e determinado período, após o qual o segurado libera-se do pagamento, beneficiando também terceiros no caso de morte. Pode também consistir na formação de capital para ser usufruído pelo segurado após certo tempo ou quando atingir determinada idade. Pode o seguro, igualmente, ser individual ou em grupo. Há ainda, o seguro misto, que constitui uma combinação do seguro de vida inteira com o de formação de capital, bem como o de duas vidas, geralmente marido e mulher, em que a indenização é paga ao sobrevivente.

Enfim, Flávio Tartuce conclui que o seguro de pessoas “visa à pessoa humana, protegendo-a contra riscos de morte, comprometimentos da sua saúde, incapacidades em geral e acidentes que podem atingi-la”. (2017, p. 696). Por isso, entende Gonçalves que o “Código Civil disciplina de forma mais técnica e cuidadosa o seguro de vida, partindo do princípio de que a vida ou as faculdades humanas não tem preço”, consequentemente não podem ser valoradas monetariamente. (2018, p.526).

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1.3 Elementos e características dos contratos de seguro

O Código Civil de 1916 definia no art. 1.432 o contrato de seguro como “aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros previstos no contrato”. Nota-se que os principais elementos integrantes deste contrato, são eles as partes, prêmio, risco, sinistro e indenização, estavam presentes na redação do revogado artigo. (BRASIL, 1916).

Cabe mencionar que no atual Código, o art. 757 disciplina com nova perspectiva tais elementos, dispondo que “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”. Logo, demostra-se a importância do estudo destes elementos. (BRASIL, 2002).

Além disso, a doutrina elenca outros elementos e características do contrato de seguro. Deste modo, o contrato é considerado aleatório em decorrência da incerteza da consumação do risco, fato que não exime o segurado de pagar o prêmio. Pela mesma razão, é conceituado como oneroso pelo sacrifício patrimonial entre o segurado através do pagamento do prêmio e o segurador pelo pagamento indenizatório, como também bilateral por vincular interesses de ambas às partes. Assinalado como negociado ou paritário, porém, é classificado como típico contrato de adesão em decorrência da predeterminação das cláusulas. Por fim, celebrado pela manifestação de ambas as partes de forma consensual.

Como dito, o segurador e o segurado integram como partes a relação jurídica securitária. Por um lado, determina o parágrafo único do art. 757 do CC, que “somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada”, por outro, o segurado é a pessoa natural ou jurídica expressa como beneficiária na apólice. Em momento oportuno, os conceitos de segurado e segurador serão melhor aprofundados. (BRASIL, 2002).

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A relação entre as partes nasce da negociação que vislumbra a proteção de determinado objeto, no entanto, “o contrato não possui como objeto exatamente um risco ou proteção da coisa, porém mais apropriadamente o que a doutrina denomina a garantia do interesse segurável” (VENOSA, 2008, p.344, grifo do autor).

Por isso, “o objeto do seguro é o risco contra o qual se precata o segurado, sendo sua causa a função econômica-social de satisfazer uma necessidade do interessado em se acobertar de um certo perigo”. (KRIGER FILHO, 2000, p. 69) Finalmente, para Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 503) “o risco é o objeto do contrato e está sempre presente, mas o sinistro é eventual: pode, ou não, ocorrer”.

Assim, o risco é o acontecimento futuro e incerto como esclarece Venosa, já o sinistro é a ocorrência do evento danoso predeterminado no pacto. Em particular, “exclui-se do risco o ato ilícito praticado pelo próprio segurado, pelo beneficiado ou representantes ou prepostos de um ou de outro”.(2008, p.346).

Repara-se que a prestação do segurado consiste no pagamento do prêmio, mesmo sem a consumação do risco. Para tanto, não há nexo causal entre o prêmio e o sinistro, com efeito, o art. 764 do CC determina que “o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio”. (BRASIL, 2002).

Por outras palavras, Gagliano e Pamplona Filho (2014) explicam que a expressão prêmio difere da linguagem coloquial que entende o prêmio como benefício, porque, nos contratos de seguro o prêmio é o valor pago pelo segurado para seguradora, a fim de cobrir o risco.

Em contraprestação, a obrigação da seguradora é efetuar o pagamento indenizatório quando o sinistro ocorrer. Mais precisamente, segundo o art. 776 do CC, “o segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa”. (BRASIL, 2002).

Consequentemente, por apresentar direitos e deveres proporcionais o pacto securitário é intitulado como bilateral. Gonçalves salienta que, a bilateralidade prevê

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“obrigações para ambas às partes: para o segurado, as de pagar o prêmio, não agravar o risco do contrato e cumprir as demais obrigações convencionadas; para o segurador, a de efetuar o pagamento da indenização prevista no contrato”. (2018, p. 505).

Nota-se que, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.497) alertam que o contrato é aleatório em relação ao risco e não a obrigação contratual:

[...] tradicionalmente seja considerado aleatório, pois visa a resguardar interesse jurídico do segurado, que pode eventualmente vir a não sofrer dano algum pela não consumação do sinistro, um importante esclarecimento deve ser feito: esta incerteza prestacional diz respeito ao risco (acontecimento incerto, que pode não se concretizar), e não à expectativa do recebimento do prêmio pelo segurador, obrigação contratual imposta ao segurado.

Isto é, o contrato securitário é considerado tipicamente aleatório porque depende de fato fortuito, “uma vez que há incerteza quanto à ocorrência do sinistro’’. (MIRAGEM, p.439)

Por outro lado, há possibilidade de caracterizar o contrato como comutativo na tentativa de “construir argumento que sustente a pretensão de reajuste ou revisão do valor do prêmio pago pelo segurado à seguradora em situações distintas daquelas autorizadas em lei” (MIRAGEM, 2014, p.440).

Ou seja, em razão da longa duração de determinados contratos, o consumidor por vezes é obrigado arcar com aumentos significativos do prêmio mesmo não tendo reclamado a indenização. Porém, estrutura do contrato de seguro segue a linha de contrato aleatório:

O contrato de seguro, portanto, em que pese a opinião de alguns poucos que já o veem como contrato comutativo, prossegue como o mais típico dos contratos aleatórios, porque o comportamento a que estão obrigadas as seguradoras (...) de estabelecer a mutualidade especialmente organizada, com sistema de provisões e reservas técnicas, e que lhes permite de algum modo controlar o risco, não descaracteriza a álea de que se reveste o contrato como sua aba essencial. (MIRAGEM, 2014, p.440).

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A onerosidade está contida no sacrifício patrimonial, pois ambos os contraentes obtêm proveito, característica elencada por Gonçalves:

A vantagem para o segurado está na garantia contra os efeitos dos riscos previstos no contrato, à qual corresponde a obrigação de pagar o prêmio; para o segurador, no recebimento do prêmio logo de início, assumindo, em contrapartida, a obrigação de pagar a indenização em caso de ocorrência do sinistro. (2018, p. 505)

O contrato de seguro é considerado de adesão, pois na maioria das vezes as cláusulas são previamente formuladas pelo segurador, o que dificulta ou mesmo impede a negociação por parte do segurado já que não possui conhecimentos técnicos e jurídicos para analisar previamente o contrato tampouco pra compreender o conteúdo de cada cláusula contratual. Por isso, devem ser formuladas e analisadas segundo a “função social dos contratos, da boa-fé objetiva e da proteção da dignidade humana, não podendo colocar o segurado aderente em situação de extrema desvantagem ou de onerosidade excessiva.” (TARTUCE, 2017, p.651)

Contudo, o pacto securitário pode ser negociado ou paritário em determinadas negociações que visam resguardar a máquina produtiva de grandes empresas, como pontua Tartuce (2017, p.651) “o contrato poderá também não ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor, o que igualmente ocorre no caso de seguro empresarial”.

Além disso, é fundamental que em casos atípicos a discussão atente para as particularidades do objeto a ser segurado, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.497) ilustram algumas situações fora do comum que demonstram a necessidade da negociação contratual:

Nada impede o estabelecimento, ainda que em situações excepcionais, de modalidades personalizadas do contrato de seguro, com discussão especializada de cláusulas (o que deve elevar sobremaneira os valores exigidos), como por exemplo, quando se verificam noticias na imprensa especializada, de artistas e esportistas que celebram contratos de seguros para partes de suas características físicas marcantes, como voz, pernas e ate mesmo nádegas.

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Também, o pacto securitário é compreendido como consensual, “pois se torna perfeito mediante a simples manifestação de vontade das partes, por escrito (formulário, fax, internet) ou, até mesmo, oralmente (por telefone)” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014, p.499).

Além disso, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.499) discorrem sobre outros elementos e características dos contratos de seguro, caracterizam como “individual, por se referir a uma estipulação entre pessoas determinadas, ainda que em número elevado, mas consideradas individualmente”. Do mesmo modo, por não preceder ou depender de nenhum outro negócio jurídico é considerado principal e definitivo. Causal, uma vez que há causas determinantes que podem vir a reconhecer “sua invalidade, caso sejam considerados inexistentes, ilícitos ou imorais”.

1.4 Os contratos de seguro e a proteção do Código de Defesa do Consumidor

Além de promover e observar o amparo ao consumidor como direito fundamental na Constituição Brasileira de 1988, se fez necessário sistematizar e ordenar de forma infraconstitucional a proteção desse sujeito. Isto é, por meio da promulgação de um código, como determina o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT: “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.” (BRASIL, 2018).

Assim, o Código de Defesa do Consumidor também identifica esse sujeito como detentor de direitos especiais. Por não dispor muitas vezes de conhecimentos técnicos e jurídicos necessários para avaliar corretamente produtos e serviços, é importante reconhecer a vulnerabilidade/fragilidade do consumidor na relação de consumerista. Afirma Antônio Herman Benjamin (2016, p. 108), que a vulnerabilidade é a “peça fundamental do direito do consumidor, é o ponto de partida de toda a sua aplicação, principalmente em matéria de contratos”.

Na relação jurídica securitária a análise dos elementos caracterizadores é fundamental para determinar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Expressamente, o contrato de seguro é considerado como um contrato de consumo,

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uma vez que, o parágrafo 2° do art. 3° do CDC, refere-se a atividade securitária como serviço fornecido no mercado consumerista. Nessa linha, o segurador é visto como fornecedor, como estabelece o referido:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.(BRASIL, 1990, grifo nosso)

Do mesmo modo, o conceito de consumidor expresso no caput do art. 2°, abarca o segurado por este ser destinatário final da prestação de serviço, tanto pessoa física como jurídica.

Atente-se que, a expressão destinatário final como menciona Miragem deve ser interpretada a partir da aplicação do princípio da vulnerabilidade e a destinação econômica não profissional do serviço. Ao analisar os artigos em comento, o autor entende que:

Nem sempre é fácil identificar a hipótese de incidência do CDC aos contratos de seguro, sobretudo porque, como regra, o segurado sempre será destinatário final fático (beneficiário) da indenização devida pela seguradora na hipótese de sinistro. E da mesma forma, nos seguros de danos patrimoniais, é destinatário final fático e econômico, porquanto, seja um consumidor pessoa física, seja um consumidor pessoa jurídica, a rigor, o dano patrimonial ressarcido pela indenização reverte em favor do segurado que se coloca, no mais das vezes, também na condição de beneficiário. (2014, p.438).

Com efeito, Flávio Tartuce (2017, p.633) reforça a aplicação do CDC nas atividades securitárias “por expressa previsão do seu artigo 3º, § 2º.”

Nesse contexto, a legislação consumerista elaborou um sistema de normas e princípios para protegê-lo, o artigo 6.º do CDC elenca os direitos básicos.

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Enfatiza-se a transparência e boa fé no combate ao abuso, como também a proteção contratual:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (BRASIL, 1990, grifo nosso).

À luz do Código de Defesa do Consumidor, é necessário reconhecer a hipossuficiência do consumidor de seguros no país. Intenção do legislador, de acordo com a Política Nacional das Relações de Consumo, expressa no art. 4º, I, do CDC:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (BRASIL, 1990).

Mister se faz, a diferenciação entre vulnerabilidade e hipossuficiência. Prevista no inciso VIII do art. 6° do CDC, a hipossuficiência é o “critério de avaliação judicial para a decisão sobre a possibilidade da inversão do ônus da prova em favor do consumidor”. Já a vulnerabilidade, está vinculada a noção de fraqueza ou debilidade de uma das partes na relação jurídica, por esta razão, distingue-se em vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica, vulnerabilidade fática e vulnerabilidade informacional como aponta Bruno Miragem (2014, p.122).

Constata-se que a vulnerabilidade técnica do consumidor está relacionada à falta de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço, por óbvio, presume-se que o fornecedor detém profundo conhecimento nessa relação. Também, a pessoa jurídica “quando não se possa deduzir desta sua atividade, conexão

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necessária com a posse de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço objeto da relação de consumo”. (MIRAGEM, 2014, p.123)

Ainda, a vulnerabilidade jurídica do consumidor verifica-se na carência de conhecimentos “dos direitos e deveres inerentes à relação de consumo que estabelece, assim como a ausência de compreensão sobre consequências jurídicas dos contratos que celebra”. (MIRAGEM, 2014, p.123)

A vulnerabilidade fática abrange situações específicas como o consumidor criança, idoso, analfabeto e doente, como também, genericamente a vulnerabilidade econômica do consumidor frente ao fornecedor. Por fim, a vulnerabilidade informacional coloca o “consumidor em uma posição passiva e sem condições, a priori, de atestar a veracidade dos dados, bem como suscetível aos apelos do marketing dos fornecedores” (MIRAGEM, 2014, p.124, grifo do autor).

Ao reconhecer a vulnerabilidade do lado mais fraco, as regras do Código de Defesa do Consumidor inspiradas na “legislação civil, bem como de outras áreas do direito”, criaram uma “série de princípios e regras em que se sobressai não mais a igualdade formal das partes, mas a vulnerabilidade do consumidor” nas atividades relacionadas ao consumo. (GONÇALVES, 2018).

Mesmo com todo aparato legal e a proteção do CDC ao consumidor, há condutas que fragilizam a relação contratual. Em virtude disso, o próximo capítulo explana a proteção contratual nos pactos securitários através dos principais princípios e a interpretação mais favorável do consumidor nas cláusulas abusivas.

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2. CONTRATOS DE SEGURO E A NECESSÁRIA PROTEÇÃO CONTRATUAL

Neste capítulo serão abordados os principais princípios que regem a relação contratual tradicional e específica dos pactos securitários. Seguidamente o impacto da relativização da autonomia da vontade e a importância da boa-fé e da função social nos contratos. Por último, as cláusulas abusivas e a interpretação em favor do consumidor.

2.1 Princípios contratuais

A relação contratual tradicional é regida principalmente pelos princípios da autonomia da vontade, força obrigatória, relatividade, boa-fé e função social, estudados com mais atenção nos próximos subitens. Especificadamente, no contrato de seguro os princípios do mutualismo e da boa-fé ganham destaque devido a natureza deste pacto. Em seguida, a doutrina elenca outros princípios importantes neste tipo de contratação.

2.1.1 Princípio do Mutualismo

O mercado securitário tem como base o princípio do mutualismo, pois a viabilidade econômica e jurídica dos contratos de seguro só é suportada a partir de um número mínimo de segurados. Gagliano e Pamplona Filho alertam que, “se a base mutuária for deficitária ou insuficiente o sistema entrará em colapso”. Isso porque, são os “aportes financeiros que garantem a solvabilidade do sistema”. (2014, p. 495).

Nesse sentido, mesmo que o contrato seja firmando apenas entre o segurador e o segurado, um número expressivo de segurados é necessário para que se torne viável o negócio jurídico. Mais precisamente Sílvio Venosa, observa que o pacto securitário:

Tecnicamente, só se torna possível quando o custeio é dividido entre muitas pessoas, por número amplo de segurados. Embora o contrato de seguro seja negócio jurídico isolado e autônomo entre segurador e segurado, somente se torna viável se existe base mutuária para custeá-lo, e um amplo número de segurados. Cabem a ciência atuária o exame estatístico e o

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cálculo de seguros de determinado segmento social. São feitos cálculos aproximados dos sinistros que ordinariamente ocorrem em determinada área ou setor, efetuando-se complexos estudos de probabilidade. O mutualismo constitui a base do seguro. (2008, p. 339).

Verifica-se, que a seguradora é a “intermediária que recolhe os prêmios pagos pelos segurados e os utiliza para pagar as indenizações pelos sinistros ocorridos”. Através de cálculos atuarias baseados em análises de probabilidades dos riscos o valor a ser pago pelo segurado é fixado, mecanismo que possibilita o pagamento de todas as indenizações. (GONÇALVES, 2018, p. 510).

O pagamento indenizatório decorrente da consumação do risco predeterminado no pacto é viabilizado “através da constituição de um fundo específico, formado pela contribuição proporcional ao risco de cada participante, com objetivo de repor as perdas decorrentes de eventos previamente determinados”. Ou seja, a soma das contribuições de diversos segurados resulta no mútuo, reserva das seguradoras, utilizado para o pagamento indenizatório. (MENDONÇA, 2016)

2.1.2 Princípio da Boa-fé e da Probidade

O princípio da boa-fé permeia as “negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de efeitos, na sua conclusão e na sua interpretação”. Ainda, tal princípio deve estar presente “depois de concluído o negócio contratual, se necessário”, para proteção das informações dos segurados e deveres a serem respeitados pelas partes. (MARTINS-COSTA, 1999, apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).

Aliás, o Código Civil registra a boa-fé em diversos artigos. O art. 113 determina que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé”, tal como o art. 422, que obriga os contratantes a observar o princípio, “na conclusão do contrato, como em sua execução”. Já o art. 765, refere-se especificadamente aos contratos de seguro, em que o “segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.” (BRASIL, 2002).

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O Código de Defesa do Consumidor também dispõe sobre a boa-fé nas relações de consumo. O inciso III do art. 4° determina que nas relações contratuais, o equilíbrio e a boa-fé devem ser a base entre consumidores e fornecedores. Do mesmo modo, o art. 51, inciso IV, estabelece que as cláusulas contratuais incompatíveis com a boa-fé são nulas de pleno direito.

Nota-se que, o princípio da boa-fé se divide em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva “diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para fins específicos da situação regulada”. Ou seja, pode-se afirmar que é um estado psicológico no qual o agente acredita que seu agir está em conformidade com o direito, mesmo sendo outra a realidade. (GONÇALVES, 2018, p. 54)

Por outro lado, é a boa-fé objetiva que influencia as relações jurídicas, neste trabalho. Uma vez que, é considerada como regra de conduta a ser seguida na relação e implica as partes a observância do respeito e da lealdade, “impondo um dever de correção e fidelidade, assim como o respeito às expectativas legítimas geradas no outro.” (MIRAGEM, 2014, p.134).

Como se pode ver, a boa-fé objetiva ao impor uma regra de conduta pautada em valores sociais, econômicos e principalmente éticos torna-se o instrumento que assegura a realização da justiça e reestabelece o equilíbrio contratual na relação securitária. Com efeito, a acepção objetiva da boa-fé como aponta Fabiana Fachinetto (2003) possui três funções distintas na relação contratual, são elas, a função hermenêutica integradora, a criadora de deveres jurídicos e a de limitação do exercício de direitos subjetivos.

Deste modo, se na relação contratual existir lacunas estas devem ser preenchidas e resolvidas, para tanto, a hermenêutica integradora é “indispensáveis para a própria sobrevivência da relação contratual e a sua produção de efeitos na forma querida pelas partes”. Nesse sentido, deve haver a interpretação em favor do consumidor de eventual cláusula que limite seu direito. (FACHINETTO, 2003, p. 149).

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Logo, a função criadora de deveres jurídicos estabelece além de comprometer as partes ao “cumprimento da prestação principal, a prestação, proveniente da vontade das partes, mas também deveres anexos ou secundários, que estão ligados ao contrato e que possuem fonte diversa, que é a boa-fé”. Por fim, a limitação do exercício de direitos subjetivos, a terceira função da boa-fé, apontada por Fachinetto busca evitar que “as teses que pregam a liberdade contratual total possam levar a maiores situações de desequilíbrio social”. (2003, p.154)

Bem como o princípio da probidade, que consiste na “honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa”. Gonçalves entende que não há necessidade de estabelecer um novo conceito, pois a intenção do legislador ao vincular a probidade e a boa-fé no art. 422 do CC era de “reforçar a necessidade de atender ao aspecto objetivo da boa-fé”. (2018, p.54).

Veja-se, o Tribunal do Rio Grande do Sul ao aplicar o CDC e CC na relação securitária fez menção ao princípio da boa-fé objetiva na análise da rescisão unilateral de um contrato sem a prévia notificação, razão pela qual decidiu em favor do consumidor, pois entende que a seguradora desobedeceu dispositivo legal ao não informar o cancelamento da apólice. Segue a ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ESTIPULANTE E DA SEGURADORA. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. APLICABILIDADE DO CDC.

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MANUTENÇÃO DO

CONTRATO. DEVER DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. Preliminar de ilegitimidade passiva: Não procede a irresignação da apelante, porquanto ela própria faz prova de sua legitimidade passiva. Aplicabilidade do CDC: Os contratos de seguro estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, devendo suas cláusulas estar de acordo com tal diploma legal e serem respeitadas as formas de interpretação e elaboração contratuais, especialmente a respeito da informação ao

consumidor do conteúdo do contrato, a fim coibir

desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor. Boa-fé objetiva: Caso em que o princípio da boa-fé, previsto no artigo 422 do CCB, se sobrepõe ao da liberdade contratual, para manutenção do equilíbrio na relação jurídica. Manutenção do

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contrato: A ausência de notificação quanto ao cancelamento do contrato na forma prevista no CDC implica na sua manutenção e, consequentemente, no dever de pagamento da cobertura securitária. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E... NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA PARTE RÉ. (Apelação Cível Nº 70071090690, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alex Gonzalez Custodio, Julgado em 26/10/2017).

(TJ-RS - AC: 70071090690 RS, Relator: Alex Gonzalez Custodio, Data de Julgamento: 26/10/2017, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/11/2017, grifo nosso)

Logo, a interpretação das cláusulas limitativas deve observar o princípio da boa-fé, tanto em sua elaboração como na execução do contrato.

2.1.3 Princípio da Função Social do Contrato

A função social do contrato tem como finalidade “promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades sociais”. Nota-se que é equivocado o pensamento de que as partes podem pactuar sobre tudo no exercício da autonomia da vontade. (GONÇALVES, 2018, p. 25).

O art. 421 do Código Civil prevê que, “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.” No âmbito consumerista, o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, também demonstra a adoção desse princípio ao estabelecer que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”. (BRASIL, 2002).

Flávio Tartuce, ao mencionar o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, relaciona alguns artigos ao princípio da função social:

A possibilidade de revisão contratual (art.6°, V), ou mesmo de resolução ou declaração de nulidade do contrato, devido aos abusos de direitos cometidos pelos fornecedores e prestadores. Podem ser citados os arts. 39 e 51 do CDC, que preveem, respectivamente, as práticas e cláusulas abusivas, que podem gerar a modificação da avença ou sua invalidade, cessando seus efeitos.” (2017,p.73)”

Isto porque, o princípio da função social do contrato nas relações consumeristas “além de constituir importante cláusula geral”, adota caráter de ordem pública. (TARTUCE, 2017, p.73)

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2.1.4 Outros princípios importantes na relação contratual securitária

Há, ainda, outros princípios importantes nesta relação que devem ser observados para manter o equilíbrio entre as partes. O princípio do absenteísmo refere-se ao dever do segurado em não agravar os riscos. Em seguida, o princípio indenitário orienta o valor que é devido no momento do pagamento indenizatório. Por fim, o princípio da irredutibilidade do pretium periculi, compreende a relação entre a diminuição do risco e a revisão do prêmio.

Figuerêdo e Delgado (2005, p.340), explicam que:

Por este princípio, o segurado tem o dever jurídico de abster-se de todo e qualquer ato que possa agravar os riscos. A violação desse princípio implica, inexoravelmente, na perda ao direito à indenização securitária, do que decorre como sanção civil legalmente prevista. Semelhantemente sanção está prevista no artigo seguinte, para as hipóteses de omissão dolosa, que trata, no particular, dos incidentes agravadores do risco, que não dizem respeito, por óbvio, a atos do próprio segurado.

Do mesmo modo, o princípio do absenteísmo tem muita importância nesta relação jurídica, porque, se o segurado agravar os riscos intencionalmente a sanção civil imposta a ele será a perda da indenização. Frank Shih (2002) explica que, “não se confunde com os incidentes agravadores do risco”, previstos no art. 769 do CC, pois nestes há o dever jurídico do segurado em comunicar ao segurador logo que tenha conhecimento do sinistro sob pena, se comprovada a má-fé, há perda da indenização.

O princípio indenitário previsto no art. 778 do CC, orienta os seguros de dano no qual “a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato”. Quer dizer, efetivado o sinistro o segurado só receberá a indenização no alcance daquilo que perdeu, sendo proibida a contratação total simultânea sobre o mesmo bem. (SHIH, 2002).

O princípio da irredutibilidade do pretium periculi está previsto no art. 770 do Código Civil, dispõe que “a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a

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redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato”. Isto é, a redução do prêmio somente é admitida após sua revisão frente a uma injustiça contratual, pois a regra é da não redução do valor do prêmio. (BRASIL, 2002).

Gonçalves (2014, p. 510) explica que o “contrato de seguro não se destina à obtenção de lucro”. Pois, “ao celebrá-lo o segurado procura cobrir-se de eventuais prejuízos decorrentes de um sinistro, não podendo visar nenhum proveito”. Nesse sentido, entende-se que ambas as partes devem observar e respeitar os princípios já citados na negociação e execução daquilo que foi pactuado.

2.2 A relativização da autonomia da vontade e a importância da boa-fé e da função social nos contratos

Importante abordar o princípio da autonomia da vontade nas relações contratuais e retomar os conceitos dos princípios da boa-fé, da função social dos contratos para compreender a importância destes na conservação contratual. Além disso, qual a influência da boa-fé e da função social na relativização da autonomia da vontade nos contratos de seguro.

Em um primeiro momento, a autonomia da vontade consiste na liberdade de escolher com quem o negócio será celebrado, como também, o conteúdo pactuado. “Dessa dupla liberdade da pessoa, sujeito contratual, é que decorre a autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses.” (TARTUCE, 2017, p.53).

Paralelamente, Gonçalves entende que a autonomia da vontade:

Se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não os contratos, sem qualquer interferência do Estado. Podem celebrar contratos nominados ou fazer combinações, dando origem a contratos inominados. (2018, p.40).

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Porém, há limitações na forma de pactuar quando observados os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, principalmente nas relações de consumo em virtude da vulnerabilidade do consumidor.

Como visto, a boa-fé objetiva é que detém natureza jurídica, incorporada como “regra de comportamento, de fundo ético, e exigibilidade jurídica” presente na negociação, na celebração do negócio, em sua execução e aplicável, quando necessário após concluído o negócio.(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p.510).

Além disso, o princípio da boa-fé é consagrado como a cláusula geral de toda e qualquer relação jurídica por limitar a abrangência da autonomia privada impondo deveres às partes como forma de proteção as práticas abusivas e enganosas. Cláudia Lima de Marques afirma que o CDC:

[...] trouxe como grande contribuição à exegese das relações contratuais no Brasil a positivação do princípio da boa-fé objetiva, como linha teleológica de interpretação, em seu art. 4°, III e como cláusula geral, em seu art. 54, IV, positivando em todo o seu corpo de normas a existência de uma série de deveres anexos às relações contratuais. (1995, p. 83 apud BONATTO; MORAES, 2009, p. 37).

Deveres que obrigam as partes a exercerem um comportamento compatível com um ambiente de transparência e lealdade. O Código Civil dispõe no artigo 422, a obrigação dos contratantes de guardar o princípio da boa-fé na conclusão e execução do contrato, com a intenção de cumprir as condições e termos que foram estabelecidos no pacto contratual.

Do mesmo modo, a boa-fé tem grande importância na funcionalidade do contrato de seguro conforme o exposto:

A aproximação dos termos ordem econômica — boa-fé serve para realçar que esta não é apenas um conceito ético, mas também econômico, ligado à funcionalidade econômica do contrato e a serviço da finalidade econômico-social que o contrato persegue. São dois os lados, ambos iluminados pela boa-fé: externamente, o contrato assume uma função social e é visto como um dos fenômenos integrantes da ordem econômica, nesse contexto visualizado como um fator submetido aos princípios constitucionais

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de justiça social, solidariedade, livre concorrência, liberdade de iniciativa etc., que fornecem os fundamentos para uma intervenção no âmbito da autonomia contratual; internamente, o contrato aparece como o vínculo funcional que estabelece uma planificação econômica entre as partes, às quais incumbe comportar-se de modo a garantir a realização dos seus fins e a plena satisfação das expectativas dos participantes do negócio. O art. 4º do Código se dirige para o aspecto externo e quer que a intervenção na economia contratual, para a harmonização dos interesses, se dê com base na boa-fé, isto é, com a superação dos interesses egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais sobre a ordem econômica através de comportamento fundado na lealdade e na confiança. (AGUIAR JUNIOR, 1994, p.22 apud BONATTO; MORAES, 2009, p.38).

Não se pode esquecer que no contrato de seguro existe uma restrição mais extensa ao princípio da autonomia da vontade em razão de ser classificado como contrato de adesão. Suas cláusulas são previamente formuladas pelo segurador, o que dificulta ou mesmo impede a negociação por parte do segurado já que não possui conhecimentos técnicos e jurídicos para analisar previamente o contrato tampouco pra compreender o conteúdo de cada cláusula contratual.

Não há exclusão por completo da liberdade contratual decorrente da autonomia da vontade. Como descrito por Tartuce (2017, p.55), não se exclui a autonomia “mas apenas atenua ou reduz o alcance desse princípio”, o que gera a efetivação da função social. Da mesma forma o Enunciado n.23 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, salienta que:

A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.(BRASIL, 2019).

Com fundamento nas normas de proteção que favorecem a parte mais vulnerável, a relativização da autonomia da vontade nos pactos securitários é atribuída a observância da função social e a boa-fé nas relações entre os particulares. Isso porque, há fatores relacionados principalmente a vulnerabilidade jurídica do segurado, como também, fatores econômicos, sociais e psicológicos que influenciam nessa relação.

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Na opinião de Tartuce (2017), “a substituição do princípio da autonomia da vontade pelo princípio da autonomia privada traz séries consequências para o instituto contratual”. Além disso, o autor entende que as limitações impostas aos princípios contratuais, em especial a autonomia da vontade, decorrem também do princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse diapasão, Gonçalves define os três aspectos impostos pela limitação à liberdade contratual. A “faculdade de contratar e de não contratar (de contratar se quiser)” que em virtude da constante evolução da sociedade obriga, muitas vezes, as pessoas a realizar aquisições ou pactuar. Exemplo deste aspecto é “o licenciamento de um veículo, condicionado à celebração do seguro obrigatório.” (2018, p.42).

Gonçalves ainda alega que “a liberdade de escolha do outro contraente (de contratar com quem quiser) sofre, hoje restrições, como nos casos de serviços públicos concedidos sob regime de monopólio e nos contratos submetidos ao CDC”. Por fim, o terceiro aspecto refere-se ao “conteúdo do contrato (de contratar sobre o que quiser)”, aspecto importante no mercado securitário que estabelece cláusulas gerais, “especialmente as que tratam da função social do contrato e da boa-fé objetiva, do Código de Defesa do Consumidor”. (2018, p.43).

É evidente que, a conservação contratual expressa no parágrafo 2º do art. 51 do CDC está ligada a manutenção da autonomia da vontade ao declarar nula a cláusula sem invalidar o contrato. Naturalmente, “mantém íntima relação com a função social dos contratos, pois revela a importância dos pactos, sendo a nulidade absoluta o último caminho, a ultima ratio”, apenas nas hipóteses de ônus excessivo a qualquer parte, frustrados os esforços de negociação (TARTUCE, 2017, p. 75),

Pelas palavras de Domingos Kriger Filho, “a autonomia da vontade, em razão do manifesto interesse público sobre as operações de seguro, é vedado às seguradoras inserir em suas apólices cláusulas que ofendam direitos básicos dos segurados”. Mesmo com a incidência dos princípios estudados e do aparato legal vinculado a relação contratual, o teor de cláusulas abusivas está diretamente ligado

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ao desiquilíbrio entre as partes, o que legitima a interpretação mais favorável ao consumidor, em tela, do segurado. (2000, p.40).

2.3 As cláusulas abusivas e a interpretação em favor do consumidor

Há condutas que fragilizam a relação contratual. Consequentemente por ser um contrato de adesão, a parte vulnerável na maioria das vezes adere a todas as cláusulas que foram impostas, inclusive as limitativas e abusivas. O Código de Defesa do Consumidor permite cláusulas limitativas:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Como se pode ver, é perfeitamente aceitável pela própria lei de consumo o estabelecimento de cláusula limitativa, ainda assim, se mal redigida poderá gerar um profundo desiquilíbrio para ambas as partes. Dito de outro modo, a seguradora deve redigir esta cláusula de forma que o segurado compreenda as limitações da cobertura securitária.

Nota-se a importância de diferenciar as cláusulas limitativas de risco das cláusulas abusivas:

Tenho sustentado que a principal diferença entre a cláusula limitativa do risco, da qual acabamos de falar, e a cláusula abusiva está em que a primeira tem por finalidade restringir a obrigação assumida pelo segurador, enquanto a segunda objetiva restringir ou excluir a responsabilidade decorrente do descumprimento de uma obrigação regularmente assumida pelo segurador, ou ainda a que visa a obter proveito sem causa. E, como todos sabemos, obrigação e responsabilidade são coisas distintas, que não podem ser confundidas.

Portanto, a princípio, as cláusulas limitativas nos contratos de seguro não são vedadas, não sendo consideradas abusivas, devendo estar inseridas no contexto contratual de acordo com o determinado no Código de Proteção do Consumidor. (CAVALIERI FILHO,1996, p. 11 apud MOTA, 2017).

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Deste modo, o contrato de seguro permite cláusulas que limitam a obrigação de indenizar do segurador pela impossibilidade de pactuar riscos universais, respeitando a natureza do contrato. Porém, o conflito de interesses se evidencia na necessidade de proteção pessoal ou patrimonial por parte do segurado, e a utilidade de delimitar os riscos para viabilizar eventual indenização. Nessa linha, o rol de incisos do art. 51 do CDC elenca o conteúdo abusivo de cláusulas que podem ser declaradas nulas de pleno direito:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

V - (Vetado);

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. (BRASIL, 1990).

Do ponto de vista de Tartuce, “é entendimento quase unânime que o rol constante desse dispositivo é exemplificativo (numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus)”, sendo “desnecessário o rol constante nos dezesseis incisos.”

Referências

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