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Quando se olha para o escuro: a Maceió de Luis Lavenère Wanderley através dos seus negativos de vidro

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Academic year: 2021

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(1)QUANDO SE OLHA PARA O ESCURO: a Maceió de Luis Lavenère Wanderley através dos seus negativos de vidro..

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(3) UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO. Jaianny Fernandes Duarte. QUANDO SE OLHA PARA O ESCURO: a Maceió de Luis Lavenère Wanderley através dos seus negativos de vidro.. Maceió, 2018..

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(5) Jaianny Fernandes Duarte. QUANDO SE OLHA PARA O ESCURO: a Maceió de Luis Lavenère Wanderley através dos seus negativos de vidro.. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Prof.ª Dr.ª Maria Angélica da Silva. Linha de pesquisa: Percepção, Conceituação e Representação do Espaço Habitado Maceió, 2018..

(6) Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Central Divisão de Tratamento Técnico. Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale – CRB4 - 661 D812q. Duarte, Jaianny Fernandes. Quando se olha para o escuro: a Maceió de Luis Lavenère Wanderley através dos seus negativos de vidro / Jaianny Fernandes Duarte. – 2018. 196 f.: il. Orientadora: Maria Angélica da Silva. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo: Dinâmicas do Espaço Habitado) – Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Maceió, 2018. Bibliografia: f. 191-196. 1. Wanderley, Luis Lavenère, 1868-1966. 2. Fotografia – Maceió – Séc. XX. 3. Iconografia. 4. Negativo de vidro. I. Título. CDU: 72:77.06(813.5).

(7) UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO. Folha de Aprovação Jaianny Fernandes Duarte. Quando se olha para o escuro: a Maceió de Luis Lavenère Wanderley através de seus negativos de vidro Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.. Aprovada em 02 de outubro de 2018. Banca Examinadora:. Profª. Drª. Maria Angélica da Silva, UFAL (Orientadora). Profª. Drª. Julieta Maria de Vasconcelos Leite, UFPE (Examinadora Externa). Profª. Drª. Josymary Omena Passos Ferrare, UFAL (Examinadora Interna). Profª. Drª. Juliana Michaello Macêdo Dias, UFAL (Examinadora Interna).

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(9) MEU CORAÇÃO TRANSBORDA GRATIDÃO Eu não teria chegado ao fim sem a ajuda divina que tanto me ampara, a vida toda. Obrigada, primeiramente, ao Senhor! Aos meus pais, guerreiros incansáveis que sempre me deram mais que a base, sem pestanejar, muito mais do que podiam até, para que eu pudesse chegar até aqui. Obrigada pela vida, pelo cuidado e pelo amor incondicional. À minha irmã, por todo apoio e ouvidos de sempre. E por ter me dado um presentinho lindo no meio desse caminho para que eu pudesse ter mais vontade ainda de seguir, parando sempre que possível para alimentar o amor pela família. À Angélica, orientadora e amiga que parece ter sido usada por Deus para sempre me dizer as palavras que eu precisava ouvir. Muito obrigada por cada conversa e por cada oportunidade, mas principalmente por me guiar para que eu encontrasse os meus próprios caminhos. A todos que chegaram na minha vida através do grupo de pesquisa Estudos da Paisagem, por me receberem com tanto carinho e amizade. Especialmente à Analu, Lucas, Lou, Marina e Melissa, por dividirem as agonias e as alegrias [não só] da vida acadêmica. Vocês são muito especiais. À professora Fátima Campello, por iniciar minha jornada em querer “Ver a cidade” através do olhar de Lavenère. Às professoras da banca, por aceitarem participar, Julieta pela disponibilidade, e Ju e Josy, por contribuir tanto com o meu trabalho, mesmo quando ele ainda não havia tomado forma. À UFAL, ao DEHA e à Capes, pelo apoio institucional e financeiro à minha pesquisa..

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(11) Ao Arquivo Público de Alagoas, guardião da coleção de negativos, que me recebeu e possibilitou o contato direto com as imagens. E ao Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, por me acolher tão bem para as manhãs longas de leitura e pesquisa. A todos os amigos e familiares mais próximos que, além de torcer e orar por mim, a cada resposta sobre o prazo da entrega me incentivavam a finalizar o trabalho para comemorar logo. Ao William, pelo amor e incentivo de sempre, e pela parceria de vida, mesmo na distância. E, por fim, à Luis Lavenère, por ter legado o seu universo em emulsão e vidro, deixando que um dia ele chegasse até mim.. Jaianny Duarte, agosto de 2018..

(12) “[...]. As mãos desejam resistência, buscam algo que lhes barre o caminho. Dizer que procuram o caminho mais fácil, o da menor resistência, como o fazem os demais entes intramundanos, seria não ter compreendido a essência das mãos, as quais são entes intramundanos contra o mundo.” Vilém Flusser.

(13) RESUMO A partir do trabalho técnico de conservação feito em cada um dos 492 negativos de vidro da coleção do alagoano Luiz Lavenère Wanderley durante pesquisa de iniciação científica intitulada “Luiz Lavenère: colecionador de imagens de Maceió”, foi possível observar cada imagem e começar a conhecer o retrato da cidade no início do século XX através do olhar dele. Lavenère (1868 – 1966) foi, além de fotógrafo, jornalista e escritor. Ao mergulhar no acervo, percebe-se que ele caminha pela cidade e captura as visadas para publicá-las em alguns livros e cartõespostais – meio de comunicação e divulgação das feições da cidade mais difundido na época que se tornou importante instrumento na “construção coletiva da imagem da cidade”. Mais que isto, ele faz um amplo registro do que foi a Maceió de sua época, enquadrando além das ruas e edifícios públicos, os acontecimentos e o cotidiano da cidade. Isto porque apenas uma parte desse registro (29 fotografias singulares) foi publicada e comercializada como cartão-postal. A maior parte, que compõe o acervo objeto da pesquisa, permaneceu por mais de 50 anos depositada no Arquivo Público de Alagoas e só foi resgatada durante a pesquisa acima referida, mas continua desconhecida. A partir deste fato surge um questionamento: como a cidade de Maceió é construída pelo olhar de Lavenère no início do século XX, para além da imagem comercializada nos cartõespostais? Esta dissertação pretendeu construir uma narrativa, ao mesmo tempo em que um novo conjunto de imagens dentro da coleção, tendo as fotografias inéditas de Lavenère como principal fonte de pesquisa, aprofundando-se nas questões que compreendem o olhar do fotógrafo e o da autora, além dos modos de ver a cidade e as imagens. Trata-se de uma pesquisa interpretativa a ser construída a partir do olhar para o objeto primário, o negativo, unida à ação dos conceitos de punctum (Barthes, 1980), de rizoma (Deleuze & Guatarri, 1995) e de dois atlas: o mnemosine de Warburg (Didi-Huberman, 2013) e o do impossível de Borges (Foucault, 2007), considerando que a imersão da autora no acervo Lavenère construiu uma maneira única de ver a cidade. Pesquisa em outros suportes documentais também compuseram o trabalho: livros, jornais e revistas. Ao final dele, revela-se um outro modo de ver Maceió a partir do negativo da imagem, um modo que está latente nas fotografias de Lavenère e se revela ao olhar demoradamente para elas. Como consequência, o trabalho possibilitou o aprofundamento acerca dos modos de ver a cidade e a imagem, que se mostram a partir do olhar do fotógrafo, além de contribuir para um aspecto importante na formação do arquiteto e urbanista: a percepção sobre a cidade, e sobre a maneira como ela se apresenta. Palavras-chave: Luiz Lavenère, fotografia e cidade, negativo de vidro, Maceió..

(14) ABSTRACT From the technical conservation work done on each of the 492 glass negatives from the alagoan collection Luiz Lavenère Wanderley during a scientific initiation research entitled “Luis Lavenère: collector of images from Maceió”, it was possible to observe each image and to begin to know the portrait of the city in the early twentieth century through the look of it. Lavenère (1868 - 1966) was, besides photographer, journalist and writer. When diving in the collection, it is noticed that he walks around the city and captures the views to publish them in some books and postcards - means of communication and dissemination of the features of the most widespread city at the time that became an important instrument in the “construction collective image of the city “. More than this, he makes an ample record of what went to Maceió of his time, framing beyond the streets and public buildings, the events and the daily life of the city. This is because only part of this record (29 unique photos) was published and marketed as a postcard. The majority, which makes up the collection object of the research, remained for more than 50 years deposited in the Public Archive of Alagoas and was only rescued during the aforementioned research, but remains unknown. From this fact a question arises: how the city of Maceió is constructed by the look of Lavenère in the beginning of century XX, beyond the image commercialized in the postcards? This dissertation aimed to construct a narrative, at the same time as a new set of images within the collection, having the unpublished photographs of Lavenère as main source of research, deepening in the questions that comprise the photographer’s and author’s eyes, besides ways of seeing the city and the image. It is an interpretative research to be constructed from the look at the primary object, the negative, coupled with the action of the concepts of punctum (Barthes, 1980), rhizome (Deleuze & Guatarri, 1995) and two atlases: mnemosyne de Warburg (Didi-Huberman, 2013) and that of Borges’s impossible (Foucault, 2007), considering that the author’s immersion in the Lavenère collection built a unique way of seeing the city. Research in other documentary supports also composed the work: books, newspapers and magazines. At the end of it reveals another way of seeing Maceio from the negative of the image, a mode that is latent in Lavenere’s photographs and reveals itself to the deep and long look at them. As a consequence, the work allowed the deepening of the ways of looking at the city and the image, which are shown from the photographer’s perspective, besides contributing to an important aspect in the formation of the architect and urbanist: the perception about the city, and about how it presents itself. Keywords: Luiz Lavenère, photography and city, negative glass, Maceió..

(15) LISTA DE FIGURAS Nota: A intenção gráfica do trabalho é não influenciar a leitura do leitor sobre os negativos, portanto, nenhum deles possui legenda, assim como suas versões positivadas. O leitor está livre para nomear cada imagem, caso queira. Todos os negativos que aparecem no trabalho fazem parte da coleção Lavenère, pertencente ao Arquivo Público de Alagoas. Assim, cumpre-se a necessidade de informar a fonte. Figura 1: Fotografia obtida durante o desenvolvimento do projeto de conservação, onde a autora manuseia um dos negativos da coleção para preenchimento da ficha catalográfica.................................................................... 5. Figura 2: Localização dos cartões-postais da série Phot. L. Lavenère sobre a Planta da Cidade de Maceió de 1902............................................................ 9. Figura 3: Localização dos cartões-postais da série Brasil Turístico sobre a Planta atual da cidade de Maceió................................................................... 11 Figura 4: Produção coletiva de um exercício de aproximar/ distanciar os temas de pesquisa individuais dos estudantes..................................................... 28 Figura 5: Instalação.................................................................................................................... 29 Figura 6: Performance da teia................................................................................................... 29 Figura 7: Frame do vídeo produzido para a performance final da disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado...................................................................................... .............................................. 30.

(16) Figura 8: Frame do vídeo produzido para a performance final da disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado...................................................................................... ............................................... 30. Figura 9: Fotografia de uma performance feita durante a disciplina “Cidades e suas representações”, para sintetizar o conceito de rizoma...................................................................................................................... 33. Figura 10: Fotografia de uma performance feita durante a disciplina “Cidades e suas representações”, para sintetizar o conceito de rizoma...................................................................................................................... 33. Figuras 11 e 12: Ideia e objeto construído................................................................................. 35. Figura 13: Objeto construído....................................................................................................... 37. Figura 14: Fotografia da contracapa do livro Zefinha pertencente ao acervo do IHGAL.................................................................................................................... 47. Figura 15: Fotografia da capa do livro Zefinha pertencente ao acervo de Moacir Sant’Anna........................................................................................................ 53. Figura 16: Fotografia obtida a partir de um negativo da coleção, mostrando a Livraria Fonseca e a sede do jornal Evolucionista, na Rua do Comércio.................................................................................................................... 72. Figura 17: Lavenère ensaiando com um grupo de musicistas que se apresentariam no IHGAL, em comemoração ao aniversário centenário de Maceió, em 1939.................................................................................................. 80.

(17) Figura 18: Reprodução de um negativo positivado. Esta fotografia foi originalmente impressa em uma série de cartõespostais de Lavenère, publicada em 1907.................................... .............................................. 106 Figura 19: Reprodução de um negativo positivado. Esta fotografia foi originalmente impressa em uma série de cartõespostais de Lavenère, publicada em 1921.................................... .............................................. 106 Figura 20: Reprodução de negativo de vidro............................................................................. 115 Figura 21: Capa do livro O ajudante de mentiroso, de Lêdo Ivo .............................................. 115 Figura 22: Reprodução do cartão-postal Cathedral e Pharol de Lavenère, publicado na série Phot. L. Lavenère, de 1911......................................................... 115 Figura 23: Cartão-postal Cathedral e Pharol de Lavenère, publicado na série Phot. L. Lavenère, de 1911.......................................................................... 115.

(18) LISTA DE QUADROS Quadro 1: Série de cartões-postais Phot. L. Lavenère, publicada em 1911....................................................................................... ............................................... 7. Quadro 2: Série de cartões-postais Brasil Turístico................................................................... 8. Quadro 3: Algumas capas dos livros de Lavenère................................................................... 51 Quadro 4: Fotografias presentes do livro Zefinha..................................................................... 54.

(19) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APA . Arquivo Público de Alagoas. CPDOC. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. FAU . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. IHGAL . Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. IMS . Intituto Moreira Sales. IPHAN . Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. PIBIC . Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica. UFAL . Universidade Federal de Alagoas.

(20) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 3 Por que olhar primeiro para o negativo?.......................................................................19 A imagin[ação] do olhar...............................................................................................24. QUEM CONSTRÓI O OLHAR?.............................................................................................. 39 QUANDO A CIDADE CHEGA............................................................................................... 89 UMA TERRA CERCADA DE ESPELHOS................................................................................... 145 POR ONDE OS PENSAMENTOS POVOAM............................................................................ 185 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 191.

(21) INTRODUÇÃO As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos”. (MANGUEL, 2000, p. 21, grifo nosso).. Este é um trabalho sobre leitura e interpretação de imagens. Sobre fotografia, sobre cidade,. sobre narrativas e sobre um universo que, por vezes, fica à margem do nosso olhar no mundo. É 1 Um dos primeiros tipos de negativos fotográfi-. cos, obtidos quando uma placa de vidro coberta de gelatina colocada no fundo da câmera obscura fixava a imagem depois do clique, e após o mergulho em sais de prata e a exposição à luz, revelava-se a forma capturada em tons de cinza, opostos aos reais.. 2 O projeto de pesquisa individual “Descortinando. sobre trazer à luz o que poucas pessoas questionam ou se importam. Sobre (re)velar um autor, muitas cidades dentro de uma só e caminhos a percorrer, constantemente. Não se trata de uma apologia às imagens e o objetivo não é trazê-las à tona, apenas. Interesso-me aqui pela rede de interpretações que é capaz de surgir quando se olha para elas, para além dos limites impostos pelo quadro de uma fotografia.. horizontes da cidade: roteiros postais na Maceió de Luiz Lavenère e no presente” foi executado pela autora e fez parte de um maior, elaborado pela Prof.ª Dr.ª Fátima Campello, intitulado “Luiz Lavenère: colecionador de imagens de Maceió”, aprovado pelo CNPq em 2012 e desenvolvido com o apoio da Instituição mantenedora do acervo, o Arquivo Público de Alagoas.. 3 Fizeram-se necessários para o desenvolvimento da pesquisa, os processos de higienização, catalogação e digitalização do acervo, que foram parte do projeto mencionado, do qual a mestranda participou diretamente como colaboradora PIBIC entre 2012 e 2013, com a contribuição da então bolsista Thaysa Oliveira, ambas sob coordenação da orientadora mencionada na nota anterior.. Para isso, me coloco diante de um conjunto que teve como temática Maceió, feito no início. do século XX. Trata-se de um acervo raro e inédito de negativos de vidro1 cuja autoria é atribuída a uma atuante figura da cidade à época, o jornalista alagoano Luis Lavenère Wanderley (18681966), mais conhecido como professor Lavenère, que foi também fotógrafo amador e editor de cartões-postais amplamente difundidos na época. Foi durante pesquisa científica2 que aconteceu o meu primeiro contato com essa coleção. de fotografias. Uma cidade que eu não conhecia se apresentara a meus olhos em preto e branco, sobre um fundo transparente, por vezes obliterado por fungos, espelhamentos e rachaduras, denunciando a passagem do tempo, assim como o inevitável desgaste trazido pelo escasso cuidado no manuseio e armazenamento desse material.3.

(22) 4. |. Introdução. Desde o primeiro momento aquele mundo de chapas banhadas de emulsão despertou em. mim uma espécie de encantamento que, aos poucos — conforme eu me encarregava de higienizálas e aproveitava para tentar decifrá-las —, só aumentava, no sentido de que me conscientizava que as imagens me permitiam (re)conhecer uma cidade aparentemente familiar, apesar de nunca antes visitada: a Maceió do início do século XX sob o olhar de Lavenère.. Essa afeição transitava entre o encontro do que eu conhecia da cidade; ou seja, do que. passado mais de um século ainda permanecia visível nela; com o que eu jamais conhecera: paragens sem nenhum indício de que se tratava de Maceió. Confesso que quando estava diante de um negativo que trazia um conteúdo como este segundo, minha curiosidade aumentava.. Sempre tive inclinação para me ater ao que a maioria das pessoas despreza. Ao identificar. em meio àquelas 492 fotografias originais, apenas 36 que vieram a ser publicadas em cartãopostal, não conseguia fugir das seguintes indagações: E as restantes? Por que não ganharam o mundo como as outras? Será que continuavam somente ali, negativadas, distante das vistas do público? Qual seria então, o sentido delas?. Nessa etapa, foi um ano de contato com as quase 500 imagens originais pertencentes à. coleção Lavenère. Esses negativos, com pouca informação escrita, mas inundados de informações visuais, ao se colocarem diante do meu olhar, tornaram-se responsáveis por despertar minha curiosidade, graças ao ineditismo sob o qual essa coleção sempre foi mantida.. O fato de ter tido os negativos em mãos e lembrar dos detalhes que os conformam,. me permite falar aqui, por vezes, como se eu estivesse diante deles, mesmo no momento em que estou em frente a tela do computador ou a um pedaço de papel fotográfico. A cada chapa vista e tocada, era possível perceber detalhes novos em sua superfície: uma assinatura escrita ainda na emulsão, ou uma marca de digital no canto superior; e também as informações que os.

(23) Introdução. Figura 1 - Fotografia obtida durante o desenvolvimento do projeto de conservação, onde a autora manuseia um dos negativos da coleção para preenchimento da ficha catalográfica. Fonte: Acervo da Pesquisa Ver a Cidade, 2013.. |. 5.

(24) 6. |. Introdução. elementos figurativos trazem, como por exemplo, a representação de Maceió: uma rua antiga completamente modificada na cidade de hoje, um aspecto da cidade que sobreviveu, enfim. Eu estava aos poucos me aproximando de um universo desconhecido, ainda que algumas daquelas imagens negativadas já o fossem, como foi dito, por terem sido reveladas e impressas em cartõespostais coloridos, muito difundidos à época e ainda hoje, mesmo em publicações mais recentes. Pois vencida a etapa de conservação do acervo, o foco durante a pesquisa PIBIC mencionada foi justamente debruçar-se sobre os postais de Lavenère. Identificamos os marcos paisagísticos de Maceió presentes numa das três séries feitas por ele, publicada em 1911, para assim mapearmos o roteiro que se desenhava na cidade naquela época, comparando-o com os novos, propostos nas séries de cartões-postais atuais, editadas entre 2000 e 2013.. Como resultado dessa comparação, constatamos que o crescimento e dinamismo da. cidade fez com que a temática dos cartões-postais mudasse e com que os roteiros propostos, com o passar do tempo, fossem outros, pois foi amplamente observado que eles reportam hoje a lugares por onde Lavenère não circulou, muitos deles por não existirem ainda à época dos seus registros enquanto tema fotográfico, ou por não terem sido elegidos fotografáveis, como por exemplo, a orla marítima e o próprio mar enquanto espaço de lazer.. As belezas naturais se tornaram o grande atrativo da Maceió de hoje, principalmente as praias,. e não mais a própria cidade republicana como Lavenère registrou no início do século passado. Outro aspecto que não se viu mais nos postais de hoje e que esteve muito presente nos de Lavenère (e isso é uma característica do olhar dele, e não de todos os fotógrafos de postais que fotografaram Maceió à época), foi o registro do cotidiano, que pode ser percebido na maior parte das suas fotos, inclusive nos cartões-postais.. Quadro 1 - Série de cartões-postais Phot. L. Lavenère, publicada em 1911. Fonte: Pesquisa Ver a Cidade, 2013. Figura 2 - Localização dos cartões-postais da série Phot. L. Lavenère sobre a Planta da Cidade de Maceió de 1902. Fonte: Campello, 2009..

(25) Introdução. |. 7.

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(27) Introdução. Quadro 2 - Série de cartões-postais Brasil Turístico. Fonte: Pesquisa Ver a Cidade, 2013. Figura 3 - Localização dos cartões-postais da série Brasil Turístico sobre a Planta atual da cidade de Maceió. Fonte: mapa adaptado do Google Maps, 2018.. |. 9.

(28) 10. |. Introdução. Estes dois aspectos muito me interessava explorar. No entanto, como a pesquisa tinha seu. cronograma de atividades e necessitava de seu próprio ritmo de andamento, aquele ano não foi suficiente para dar conta das muitas outras indagações suscitadas em mim no período de contato com o acervo. O que o fotógrafo quis mostrar com essas imagens? Por que? Quais eram suas intenções? E as delas? A quem pertencia aquele olhar que tanto me prendia diante dele? O que estas imagens têm de tão especial? Venho dialogar com essas questões mais a fundo depois de algum tempo, aqui, nesta pesquisa de dissertação.. Este trabalho, portanto, tenciona se desdobrar em três principais desvelamentos. O primeiro diz. respeito a esta desconhecida coleção de fotografias de autoria de alguém que era também jornalista e professor à época, buscando entender um pouco do sujeito dono desse olhar que construiu esse acervo. Também busca trazer e refletir, a partir destas fotos, acerca de uma Maceió que não existe mais, a não ser enquanto imagem nesses quadros, e talvez no imaginário de algumas pessoas que viveram, souberam ou estudaram a Maceió daquela época. O segundo desvelamento é sobre método. Trato, ainda que por vezes, indiretamente, das possibilidades de estudo que os documentos figurativos podem despertar. Isso constrói também um trabalho sobre experimentação das várias ligações possíveis a surgir a partir do olhar mais demorado sobre uma imagem. O terceiro desvelamento diz respeito a uma interpretação dessas imagens, para deixar vir à tona uma leitura sobre elas, sobre Maceió, sobre esse autor e sobre esse acervo, guardado por tanto tempo longe do olhar das pessoas.. Como continuação dos estudos iniciados no projeto de pesquisa, a primeira ideia foi fazer. uma análise da história urbana de Maceió através dessas fotografias. De fato, este é um primeiro impulso que emerge quando uma pessoa com formação em Arquitetura e Urbanismo se depara com informações visuais tão antigas e inéditas sobre uma cidade, principalmente por oferecerem subsídios para comparar a paisagem urbana de tempos distantes entre si, que, assim como.

(29) Introdução. |. 11. evidenciam, também descobrem mudanças ocorridas ao longo do tempo.. Para além desse uso da fotografia, outro rumo de pesquisa interessante a partir deste acervo,. seria investigar mais a fundo a origem e construção do mesmo, a partir de seu autor e dos motivos que 4 Professor do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, especialista em História Visual, Cultura Visual e Museologia. Seus estudos inspiraram o projeto de pesquisa elaborado pela Profª. Drª. Maria de Fátima Campello, que foi sua aluna no doutorado, aprofundando-se, a partir disso, na linha de história visual.. o fizeram produzí-lo. Como sugere o professor Ulpiano Meneses4, “o acervo documental é um corpo morto, portanto, ele possui uma história de vida”. Tomando como mote os estudos dele, o trabalho se desdobraria a partir da investigação dos caminhos por onde as fotografias desse acervo passaram.. Quando mergulhei no conjunto de imagens, comecei a enxergá-lo sempre fazendo uma. relação com as mudanças significativas que Maceió, assim como outras capitais do Brasil começaram a sofrer no século XIX com a busca pelo novo e tão almejado status de cidade republicana. O estudo então, estava se caracterizando como uma análise da história urbana através da fotografia, onde esta se tornaria uma ferramenta muito potente para ajudar a entender as transformações ocorridas na história da arquitetura e da própria cidade de Maceió. Esforço este bastante louvável, afinal de contas, segundo Burke (2001), a fotografia foi durante muito tempo usada pelos historiadores apenas como ilustração de textos construídos a partir de outras fontes. Quando utilizam imagens, os historiadores tendem a tratá-las como meras ilustrações, reproduzindo-as nos livros sem comentários. Nos casos em que as imagens são discutidas no texto, essa evidência é frequentemente utilizada para ilustrar conclusões a que o autor já havia chegado por outros meios, em vez de oferecer novas respostas ou suscitar novas questões. (BURKE, 2017, p. 18-19). Eu tinha portanto como possibilidades, inicialmente, trabalhar as fotos de duas maneiras:. utilizando-as como fonte de pesquisa para rediscutir a história da paisagem urbana; ou trabalhar melhor o acervo, aprofundando-me nele e na figura do fotógrafo a partir dele, entendendo as fronteiras de autoria e de construção de uma cidade sob seu olhar. Fazendo isso eu já estaria tirando a foto da condição de mera ilustração, à maneira que critica Peter Burke..

(30) 12. |. Introdução. Em sua tese de doutorado “Cartões-postais: a construção coletiva da imagem de Maceió,. 1903-1934”, publicada como livro em 2011, a Profª. Drª. Fátima Campello traz a ideia de que o postal é um documento que carrega uma história de vida, contada a partir da difusão de uma imagem que é coletivamente construída, e que passa, portanto, pelo crivo do fotógrafo, do editor e do público até ser espalhada e consolidada. Assim, a autora trabalha a imagem tirando-a do papel secundário, buscando construir todo o estudo a partir dela, considerando seus códigos e as informações visuais que atestam seu percurso na história.. Ao passo em que comecei a observar os negativos constantemente, me incomodava a. inclinação prévia em estudá-los a partir desses viéses iminentes, simplesmente porque eu me sentia sob uma necessidade muito grande de ler eu mesma cada imagem, como se elas me convidassem para isso, de forma muito pessoal, me aliciando a fugir de todas as maneiras que até então eu conhecia de fazer pesquisa a partir da imagem.. Busquei, portanto, me desvencilhar dos pré-conceitos e das amarras históricas que estavam. tão presentes e apareciam como primeiras opções em minha mente. Eu queria neste trabalho, me permitir sair da zona de conforto, desestabilizar o modo como eu analisava aquelas imagens para deixar fluir novos olhares sobre elas e sobre a cidade nelas contida. É claro que, o fato do acervo ser inédito ressalta o quanto essas fotografias ainda podem e devem ser exploradas de muitas maneiras, inclusive exclusivamente histórica e urbanisticamente, mas eu queria ir além, fazer diferente, até fazendo isso também, de certa forma, mas com o objetivo principal de experimentar e desvendar novas questões sobre cidade, interpretação visual e imagem, e tudo a partir dos negativos.. Por isso busquei incessantemente durante o trabalho apropriar-me dessas fotografias,. sentir o que elas me demandavam não só enquanto pesquisadora, mas também enquanto pessoa,.

(31) Introdução. |. 13. dotada de vivências e subjetividades - o que muitas vezes se solicita para ser abandonado durante a pesquisa acadêmica. No entanto, acredito ser necessário considerar que o mundo passa por nós, seres singulares, capazes não só de olhar para algo e ver o que está posto, mas também de se perguntar sobre as coisas que não estão dadas, que não estão imediatamente visíveis e criticar, acrescentando o seu próprio viés de percepção e entendimento. 5 do grego, phos ou photo que significa luz, e. graphein, que quer dizer marcar, desenhar ou registrar, segundo o Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa.. Partindo desse princípio, recomecei minha aproximação com as fotografias.. Fotografar, já diz a origem da palavra,5 é escrever com a luz e, assim como na escrita com. palavras, dizemos o que nos é interessante dizer, e por isso, possivelmente, há sempre uma parte “não-dita”. Fotografia é registro, desenho, escrita, e portanto, também construção, que seleciona seu conteúdo antes de levá-lo ao observador. Esta seleção é apresentada nos limites da imagem, ou seja, ela é denunciada pelo enquadramento. Depois que o quadro nos é apresentado, ou seja, depois que a seleção é feita (iniciando no olhar indo até o momento pós-revelação, onde pode haver um reenquadramento de acordo com o que se pretende mostrar), a leitura seria “livre”. Esta falsa sensação de liberdade existe porque, nas construções figurativas (pinturas, fotografias, imagens visuais em geral) a mensagem está presente mesmo quando os códigos não estão visíveis, pois, porque a apresentação de uma imagem se faz de forma imediata, sendo possível a sua apreensão de uma só vez, se tem a impressão de que não existem regras estabelecidas para o entendimento daquela mensagem, diferentemente do que acontece com as construções textuais, que precisam seguir determinados códigos para serem minimamente entendidas.. Aparentemente, a diferença entre ler uma linha (escrita) e ler uma superfície (imagem). tem a ver com essa “liberdade”, conforme nos diz Vilém Flusser (2017, p. 100). Entretanto, o que caracteriza a leitura de uma imagem não é a falta de códigos pré-estabelecidos, muito longe disso: imagem é construção e, portanto, pressupõe intenção, técnica e comunicação. Acontece que.

(32) 14. |. Introdução. podemos abarcar a totalidade da pintura num lance de olhar e então analisá-la de acordo com os caminhos mencionados. (E é assim que acontece, em geral)”. De fato, esse método duplo de ler os quadros, essa síntese seguida de análise (um processo que pode ser repetido inúmeras vezes no curso de uma única leitura) é o que caracteriza a leitura dos quadros. O que significa que a diferença entre ler linhas escritas e ler uma pintura é a seguinte: precisamos seguir o texto se quisermos captar sua mensagem, enquanto na pintura podemos apreender a mensagem primeiro e depois tentar decompô-la. Essa é, então, a diferença entre a linha de uma só dimensão e a superfície de duas dimensões: uma almeja chegar a algum lugar e a outra já está lá, mas pode mostrar como lá chegou. A diferença é de tempo, e envolve o presente, o passado e o futuro. (FLUSSER, 2017, p. 101, grifo nosso). Essa característica de “poder” mostrar os caminhos percorridos até a configuração final. da superfície pressupõe interpretações variadas. Isso mostra que não só texto e imagem são construções, mas que a leitura que se faz deles também o é, sendo assim, capaz de criar fios que tecem variadas tramas, que dependem não só do que está exposto, mas também do que se sabe sobre o autor, sobre o lugar e o contexto histórico em que a obra foi produzida, sobre a finalidade, o tipo de objeto, enfim, sobre o que cerca aquela imagem e lhe dá sentido.. Sabe-se que dos 492 negativos de vidro da coleção de Lavenère, apenas 36 foram. publicados em cartões-postais (destes, dos quais 29 são imagens únicas, 24 foram apresentados no quadro 1). No entanto, muitas outras de sua autoria possuem indícios de que teriam sido pensados e construídos com a mesma finalidade. A virada do século XIX para o XX foi uma época onde o interesse em divulgar a imagem de uma urbanidade emergente se fazia unânime entre as capitais do Brasil, na busca de um posicionamento enquanto cidade republicana. Mas não só isso. O início do século XX foi de grande propulsão da fotografia, onde a técnica teve seu auge de difusão e começou a ser muito mais explorada e discutida em todo o mundo. Começava a existir a necessidade de se mostrar das cidades, e isso se tornou possível de forma mais rápida e (acreditava-se) fidedigna, graças à fotografia, que teve o cartão-postal como primordial veículo nesse sentido..

(33) Introdução. |. 15. Portanto, as fotografias de Lavenère que foram feitas para se tornarem cartões-postais,. configuram um objeto de contexto não necessariamente compartilhado com o dos outros negativos que compoem o acervo. É claro que existem intersecções em muitas faces destes objetos, como por exemplo na autoria, na época, na própria cidade, etc. mas o que se busca aqui é ir a fundo na leitura das imagens, não prioritariamente para entender o sentido originário delas, ou de cada peça que compõe o acervo. O propósito principal é trazer à luz um estudo sobre essas fotografias, baseado num método orgânico que tem como prioridade partir delas próprias, do que se vê na imagem, e a partir daí cruzar os conteúdos para falar delas, com elas, sobre elas. Fazendo isso, assim como fez Manguel (2001), Foucault (2007) e Didi-Huberman (2017), invariavelmente, tratarei de todo um arcabouço de informações que elas carregam, que é de grande relevância não só para a cidade de Maceió, mas para os estudos em percepção e representação visual.. O mote inicial para o trabalho sempre foi a experiência empírica, ou seja, o esforço de trazer. o objeto de estudo (no caso, os negativos de vidro) em primeiro plano, antes de tudo. Porém, foi um grande desafio conseguir transpor para o papel o que aquelas imagens “mudas” em vidro tentavam me dizer. Buscando que o leitor compartilhe minimamente as sensações que tive, optei por engajar a própria formatação do trabalho no sentido de um diálogo com as fontes dele. Uma primeira decisão foi colocar a reprodução dos negativos sozinha, sempre numa página transparente para rememorar o vidro, limpa, sem maiores informações além das visuais contidas na própria imagem, convidando para uma interação entre imagem e observador, para uma leitura muito pessoal.. O tamanho das chapas de vidro que são suporte para os negativos que mais foi encontrado. dentre a coleção Lavenère, também é habitual aos cartões-postais: 9,0 x 12,0 cm, ou seja, uma apresentação horizontal. Então, no sentido de evidenciar estas características da base formal dos negativos, escolheu-se a orientação do tipo paisagem no volume da dissertação, que remete ao.

(34) 16. |. Introdução. formato mais recorrente das fotos e também dos álbuns de fotografias, onde elas se apresentavam como um conjunto, comuns no início do século XX. Também por esta última razão é que o conteúdo apresentar-se-á em ambas as faces das folhas.. Com relação à disposição das páginas, o texto principal vem numa coluna mais larga, que. ocupa mais da metade da página, enquanto as notas de rodapé ocupam uma coluna mais estreita, situada mais perto do eixo do caderno, imediatamente próximas às suas chamadas, para que a leitura delas seja feita de forma mais confortável aos olhos e fluida. As legendas (quando ocorrem) também ocupam esta mesma coluna. Todas as outras imagens foram dispostas ao longo do texto, preferencialmente separadas dele, reforçando a intenção de que o leitor possa ter uma visão “não contaminada”, pelo menos visualmente, pelos elementos que estão à sua volta.. O trabalho como um todo se desenvolve a partir de uma espécie de eixo fundante e, ao. mesmo tempo, (des)norteador: como já dito, as próprias fotografias. Dei-me a oportunidade de construí-lo baseado na ideia do punctum, que Roland Barthes apresenta em sua obra clássica A câmara clara (1980), onde a imagem me toca e desperta o meu olhar para ver o que nem sempre está ali, facilmente identificado dentro do quadro da fotografia. Sinto que basta sua presença para mudar minha leitura, que se trata de uma nova foto que eu olho, marcada a meus olhos por um valor superior. Esse ‘detalhe’ é o punctum (o que me punge) [...] quer esteja delimitado ou não, trata-se de um suplemento: é o que acrescento à foto e que todavia já está nela. [...] O punctum é, portanto, uma espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver [...]”. (BARTHES, 2015, p. 41-53). É uma espécie de devaneio o que faço, de deixar-se ir, onde eu escrevo sobre as minhas. percepções do teor que está contido na fotografia a partir dela mesma, formando uma rede de temas que, querendo ou não, estão entrelaçados nela, e que podem também fazer surgir novos.

(35) Introdução. |. 17. enlaces, a depender da maneira que cada leitor põe seu olhar sobre a imagem. Ainda assim, compreende-se que há certo poder de aliciamento que parte da própria imagem, e isto é inerente a ela. O que não impede que eu pelo menos tente fugir, ainda que, ao mesmo tempo, ele me persiga, como uma sombra que está sempre ali, mesmo quando não me dou conta dela. O fato é que esse poder existe e alerta-me para esta condição, de coisa construída da imagem.. Sobre a divisão em capítulos, buscou-se adotar uma linha de pensamento na qual não se. segue exatamente uma cronologia dos acontecimentos de pesquisa, que aconteceu, na verdade, mais como um processo rizomático (cf. Deleuze e Guattari), onde entende-se que o pensamento não possui um só norte e acontece com base nele, mas que pode vir e seguir, e parar, e acontecer de/por/sobre/com/enquanto caminhos diversos, encontrando e desencontrando de acordo com o que o percurso pede.. O primeiro capítulo situa o universo base que está por trás do trabalho como um todo,. que só foi sendo estudado e revisitado, na maioria das vezes, por convocações e provocações à medida que ocorreram as aproximações com o objeto de pesquisa. Confesso que não foi assim tão fácil. Inclusive, por certa resistência de minha parte, a figura de Luís Lavenère demorou a aparecer no trabalho, que seria dedicado unicamente às imagens produzidas por ele. Mas a todo o tempo ele se fazia presente e, indiscutivelmente necessário a se mostrar, a tomar o seu lugar. É o início de um primeiro desvelamento desse universo. Para tal, investigações foram feitas a partir de fontes primárias sobre o autor, primeiramente as suas fotos, mas também seus escritos publicados em livros e jornais, e palavras de pessoas que escreveram sobre ele, como Moacir Medeiros de Sant’Ana, Félix Lima Júnior e Guiomar Alcides Castro.. Construído esse eixo, apresento nos capítulos seguintes a minha interpretação das. imagens feitas por Lavenère. O que determina cada conjunto a se apresentar nos capítulos 2 e 3.

(36) 18. |. Introdução. são os percursos de pesquisa, que caminharam afim de construir uma formação própria desses conjuntos, que será explicitada para cada leitor (ou talvez não) no decorrer da leitura. É claro que todo o trabalho é autoral, no entanto, quero deixar claro, mais uma vez, que este trabalho dissertativo reflete a escrita que transborda prioritariamente a partir da minha experiência ao me colocar diante de cada uma das fotografias.. Por fim, traço algumas considerações sobre o que todo esse percurso me sucitou, tendo a. certeza de que esse caminho está apenas começando..

(37) Introdução. |. 19. Por que olhar primeiro para o negativo?. Apesar da fotografia nos seus primórdios já ter seu resultado final apresentado apenas com. o esforço de revelar o negativo, ou seja, apesar dela já nascer praticamente pronta (diferente do que acontece hoje, na era das câmeras e edições digitais que possibilitam inúmeros ajustes de contraste, brilho, formato, sobreposições, etc), é o mistério formado pela imagem que é gerada apenas pelo jogo de existência ou ausência da emulsão sobre a superfície transparente que brinca com as nuances de contraste entre luz e sombra, o que encanta. Mas para além disso, os negativos, por si sós, são os responsáveis por esse deslumbre, por conta do aspecto que é só deles, enquanto objetos-imagem.. É um exercício labiríntico de percepção deparar-nos com um negativo fotográfico. Como pode,. no mundo racional em que vivemos, aceitar que uma sombra seja clara, e não escura? Que um céu iluminado com a luz do sol apareça totalmente preto, e não branco ou de uma outra cor clara? É um policiamento constante que nosso cérebro faz com nosso olhar, para que ele entenda que não é fora de sentido o que estamos vendo. É realmente um jogo o que advém do ato de olhar para um negativo.. O que prevalece é sempre a noite. Mesmo que eu saiba, antes de analisá-la, que se trata de. uma imagem com cores opostas às que irão surgir depois da revelação, de uma forma bem precisa e técnica, é inevitável uma pequena perturbação quando se olha para o escuro predominante no negativo. A interpretação é tomada por essa condição de mistério, de tudo o que remete a uma aura noturna. E consequentemente, de imaginação, porque nos coloca curiosos quanto ao desconhecido,.

(38) 20. |. Introdução. quanto ao que está o tempo todo ali, porém ocultado pela escuridão. É um pouco da sensação mista de liberdade, curiosidade e medo que se sente ao sair sozinho à noite, num lugar que mescla cidade em movimento e natureza. Olhar para o céu tentando decifrar a ordem e origem das estrelas enquanto o vento frio da noite encontra a nossa pele também se aproxima dessa viagem que é estar diante de uma imagem latente, onde não se sabe muito bem o que está por vir.. Mas o mais confuso é que sim, é possível saber exatamente o que está por vir a partir do. negativo. A revelação, a química da fotografia analógica é completamente racional. Inerentemente à sua concepção existe a exatidão da ação dos sais sobre a chapa emulsionada. Mas o processo não anula o resultado. O fato de ser técnica não torna a fotografia constituída somente desse viés. Ela é técnica, mas também é subjetividade e sentimento. O nosso olhar é a janela por onde é possível deixar adentrar as sensações impulsionadas por esses pequenos quadros que são verdadeiros portais da imaginação. Pois o mundo das imagens – se podemos chamar isso um mundo, digamos antes: o transbordamento, a chuva de estrelas das imagens singulares – nunca nos propõe seus objetos como os termos de uma lógica capaz de se exprimir em proposições, verdadeiras ou falsas, corretas ou incorretas. Seria presunçoso afirmar o caráter estritamente racional das imagens, como seria incompleto afirmar seu simples caráter empírico. Em realidade, é a oposição mesma do empírico e do racional que não funciona aqui, que fracassa em ‘se aplicar’ às imagens da arte. O que isso quer dizer? Que tudo nos escapa? De modo nenhum. Mesmo uma chuva de estrelas tem sua estrutura. Mas a estrutura de que falamos é aberta, não no sentido em que Umberto Eco empregava o termo abertura – acentuando as possibilidades de comunicação e interpretação de uma obra –, mas no sentido em que a estrutura seria rasgada, atingida, arruinada tanto no seu centro quanto no ponto mais essencial do seu desdobramento. O ‘mundo’ das imagens não rejeita o mundo da lógica, muito pelo contrário. Mas joga com ele, isto é, entre outras coisas, cria lugares dentro dele – como quando dizemos que há ‘jogo’ entre as peças de um mecanismo –, lugares nos quais obtém sua potência, que se dá aí como a potência do negativo. (DIDIHUBERMAN, 2013, p. 188-189, grifo nosso).

(39) Introdução. |. 21. É difícil treinar o olhar para identificar fluidamente os elementos da imagem negativa. Muita. coisa se esconde, outras se confundem. Olhando para ela, por mais que eu saiba dessa condição, de que os lugares da superfície ainda irão se transformar ganhando as cores proporcionalmente contrárias, a cada imagem nova o olhar é aguçado e a curiosidade me faz percorrer todo o quadro, vendo-o do jeito que ele está: de noite.. Mas esse jogo de claro e escuro nem sempre, nem em todos os cantos da superfície da. imagem, é interpretável aos nossos olhos. No que toca ao desvelar do mistério que envolve esses objetos, foi necessário, por muitas vezes, recorrer não só à tecnologia capaz de trazer para a tela do computador essas imagens, ou seja, à digitalização delas para melhor armazenamento e manuseio, mas também à possibilidade de melhor enxergá-las para poder identificar muitos aspectos invisíveis no negativo: aproximando-as e transformando-as em positivo. Assim, deixara-se, inevitavelmente, sucumbir parte da aura de mistério que circunda esse universo negativado.. A partir dessas transformações por vezes necessária, temos, portanto, uma outra relação. passível de análise e estudo dessas imagens porque, por mais que elas não sofram maiores edições quando ampliadas ou transformadas em positivo, o entendimento sobre elas muda completamente, pois vemos minguar os aspectos próprios do negativo quando ele se transforma na fotografia que foi pensada para se tornar. Nasce outra imagem. Com outros aspectos, nuances e características que, invariavelmente, demandam um novo olhar sobre ela. A fotografia é uma representação plástica (forma de expressão visual) indivisivelmente incorporada ao seu suporte e resultante dos procedimentos tecnológicos que a materializaram. Uma fotografia original é, assim, um objetoimagem: um artefato no qual se pode detectar em sua estrutura as características técnicas típicas da época em que foi produzido. Um original fotográfico é uma fonte primária. (KOSSOY, 2012, p. 43).

(40) 22. |. Introdução. Sendo o negativo objeto primário, corroborando com o que diz Kossoy (2012), confirma-se. aqui a ideia de que sua revelação o torna outro, portanto, de ordem secundária. Ainda que seja através dessa foto secundária que possamos perceber todos os traços dos elementos capturados, está no negativo a origem da fotografia e portanto, as características da feitura original, que falam da técnica, da época, do contexto, do fazer fotográfico. E é porque revelam essas coisas, ainda que eles mesmos não tenham sido revelados, que têm papel primordial num estudo sobre imagens fotográficas.. Sei que se trata de imagens que não foram feitas para serem expostas, muito pelo. contrário: a chapa de vidro que mantém a imagem negativa é guardada como prova, apenas para revelação de uma outra e reproduções futuras. Na verdade, é a imagem gerada a partir dela que é considerada a fotografia original, afinal ela expressa a cena tal qual a que foi observada e capturada, realmente pensada para ser vista.. Diante disso, reconhece-se aqui o privilégio alcançado em ter estado em contato direto. com estes negativos, e mais ainda, em tê-los manuseado, cuidando para que pudessem ser limpos, conservados, acondicionados e digitalizados, tendo em vista que a maioria das pessoas terá acesso a essas imagens somente de forma digital, ou seja, como fontes secundárias, sem poder tocá-las e sentir a aura envolta nesses objetos.. Isso é mais uma razão para expressar a relevância em trabalhar com as imagens negativas.. Mas também porque há uma espécie de poder a mais na imagem original, e mais ainda quando ela é um negativo. É o que vejo e sinto, como Didi-Huberman (2013) explicitou. Eis por que deveríamos tentar, diante da imagem, pensar a força do negativo nela. Questão menos tópica, talvez, do que dinâmica ou econômica. Questão mais de intensidade que de extensão, de nível ou de localização. Há um trabalho do negativo na imagem, uma eficácia ‘sombria’ que, por assim dizer, escava o visível (a ordenação dos aspectos representados) e fere o legível (a ordenação dos dispositivos de significação). De certo ponto de vista,.

(41) Introdução. |. 23. aliás, esse trabalho ou essa coerção podem ser considerados como uma regressão, pois nos levam de volta, com uma força que sempre nos espanta, para um aquém, para algo que a elaboração simbólica das obras havia no entanto recoberto ou remodelado. Há aí como um movimento anadiômeno, movimento pelo qual o que havia mergulhado ressurge por um instante, nasce antes de mergulhar de novo em seguida: é a materia informis quando aflora da forma, é a apresentação quando aflora da representação, é a opacidade quando aflora da transparência, é o visual quando aflora do visível. (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 189, grifo nosso) Não sei, a bem dizer, se a palavra negativo é bem escolhida. Só o será com a condição de não ser entendida como a pura e simples privação. É a razão pela qual, nessa ótica, designamos o visual, e não o invisível, como o elemento dessa força coercitiva de negatividade em que as imagens são pegas, nos pegam. [...]. Nosso dilema, nossa escolha alienante foi expressa há pouco em termos um tanto rudes; convém precisar, repetir que essa escolha nos compele enquanto tal, portanto que não se trata de modo algum de escolher um pedaço, de fatiar – saber ou ver: isso é um simples ou de exclusão, não de alienação –, mas de saber permanecer no dilema, entre saber e ver, entre saber alguma coisa e não ver outra coisa em todo caso, mas ver alguma coisa em todo caso e não saber alguma outra coisa... Em nenhum dos casos se trata de substituir a tirania de uma tese pela de uma antítese. Trata-se apenas de dialetizar: pensar a tese com a antítese, a arquitetura com suas falhas, a regra com sua transgressão, o discurso com seu lapso, a função com sua disfunção (mais além de Cassirer, portanto), ou o tecido com sua rasgadura... (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 189-200, grifo nosso).

(42) 24. |. Introdução. A imagin[ação] do olhar. Conhecer previamente o acervo me ajudaria no desenvolvimento da pesquisa, acreditava. eu. Em alguns aspectos isso aconteceu realmente, como por exemplo nas questões operacionais de organização das imagens para poder encontrá-las mais rápido, e também por saber da existência de pequenos blocos conformados por temas específicos que haviam despertado meu interesse; mas, nos primeiros movimentos de aproximação percebi que esse fato me traria também inúmeros impasses e dificuldades.. A primeira delas foi ter uma noção real do que seria olhar a fundo para quase 500 imagens6.. Me senti realmente uma gota na imensidão desse mundo. A sensação era de estar mergulhando num universo desconhecido à procura de algo, sem saber direito o quê. A única coisa que eu sabia era que quando emergisse com “isso” em mãos, eu teria percorrido um longo caminho e estaria pronta para trazer as descobertas do percurso à tona. Isso me motivou a prosseguir.. Outra dificuldade que eu já supunha que enfrentaria, mas demorei a perceber o quanto isso. me puxava na direção contrária a que eu pretendia seguir, foi a fixação nas amarras cronológicas, na intenção de, sem perceber, voltar sempre a comparar a cidade de Lavenère com a de agora. Como já dito, eu sabia que não queria fazer um estudo unicamente histórico-urbanístico, apesar de estar fazendo-o concomitantemente. Na verdade, eu não queria que isso fosse objetivo primeiro da dissertação.. 6.

(43) Introdução. |. 25. Contudo, a principal inquietação vinha cada vez que eu estava diante das imagens, buscando. extrair algo delas. Eu tentava encontrar sinais que me indicariam quais daquelas fotografias interessariam ser analisadas, quais eu escolheria. Foi quando aconteceram as discussões emanadas da disciplina ofertada pelo Programa, ministrada pela Profª. Drª. Maria Angélica da Silva, “O corpo sensível e a dimensão do espaço habitado” e me trouxeram experiências sobre análise de imagens que me ajudaram a construir as ideias para o trabalho a partir de um arcabouço teórico focado na maneira de olhar para as imagens.. Inicialmente, apoiei-me em Ginzburg (1989) buscando indícios para “ler, nas pistas mudas. (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos” (GINZBURG, 1989, p. 152, grifo nosso). O método indiciário do qual trata o autor está enraigado em aspectos lógicos, no seguimento de pistas para chegar ao resultado de uma pesquisa. Ainda que estas pistas sigam intuições (como ele exemplifica com o método feminino de interpretar sinais), isso implica dizer que, como o grifo aponta: há uma série coerente de eventos a ser “desvendada”, como que um caminho lógico a se seguir na interpretação das coisas, para chegar a determinados fins.. Eu entendo que a subjetividade em si transcende a coerência, pelo menos conscientemente.. Aos poucos fui percebendo que, ao escolher o método dos indícios como único ou principal para analisar as imagens de Lavenère, estava trilhando um caminho diferente do que eu de fato pretendia. Diferente por, possivelmente, não me permitir acessar o aspecto mais subjetivo que aquelas peças poderiam suscitar. Esse não foi um entendimento fácil, nem rápido, mas me fez perceber a crítica feita à cientificidade pura, conhecendo um paradigma marginal para poder dar os primeiros passos na intenção de quebrar com as amarras dos métodos científicos fechados impostos aos pesquisadores. Concluí que não pretendia seguí-los à risca, e por isso, o método indiciário passou a não ser uma possibilidade única para este trabalho..

(44) 26. |. Introdução. Da relação estreita trazida por Foucault (2007) entre representação e linguagem é. possível perceber a imagem como discurso. O autor, ao se deter sobre a obra conhecida de Velázquez, Las meninas, aponta as técnicas utilizadas pelo pintor partindo delas para dar sentido à sua interpretação. Ele o faz percorrendo toda a cena, na maioria das vezes, em frente a ela, enquanto observador, mas também, por vezes, dentro dela, como se estivesse presente no momento da concepção do quadro, assistindo sua feitura como espectador mudo conhecedor dos pensamentos dos modelos ali representados. O texto é instigante, e é no sentido de imaginar como teria acontecido a concepção da obra, independente se a partir da técnica utilizada, do contexto histórico ou da intenção do autor, que esse tipo de análise feita por Foucault me interessa.. Também muito próximo do que se configuraria minha intenção com as imagens se mostrou. Alberto Manguel (2001). Tive certeza disso quando percebi que ele lê as imagens a partir de algo percebido por ele, enquanto espectador. Identifiquei-me. Mas ao contrário do que você, leitor, poderia pensar que eu estou buscando fazer, visto o que escrevi há pouco sobre a subjetividade, ou seja, que eu pretendo construir um texto unicamente sensível e distante de questões históricas, culturais, plásticas, e técnicas, o intuito não é esse, mas sim, tentar unir esses viéses, se suscitados pela fotografia.. No capítulo denominado A imagem como compreensão, de seu livro Lendo Imagens: uma. história de amor e ódio, Manguel faz a leitura de uma pintura: Retrato de Tognina, de Lavinia Fontana. A imagem é de uma garota que tem seu corpo coberto de pelos como um animal selvagem, porém paira sobre ela uma feição meiga e angelical. O autor, no decorrer do texto, faz um amplo estudo de tudo que vai percebendo como importante a ser discutido sobre aquele quadro - não necessariamente nessa ordem: a origem da menina e da família dela, da pintora, das pinturas de outros artistas feitas da família, o costume de retratar as existências consideradas “aberrações” da sociedade francesa na época, o sentido de retratar os rostos das pessoas, a comparação entre instintos humanos e animais, o medo.

(45) Introdução. |. 27. histórico dos lobos, a presença dos pêlos no corpo humano, as questões de gênero e do machismo na arte da pintura; até que ele chega a um entendimento profundo daquela imagem que, como ele sugere ao final de todo esse percurso (embasado em todo o estudo transdisciplinar que foi sendo construido), foi resultado da relação de afinidade entre a modelo e a artista.. Toda a construção do texto é feita de forma sensível e instigante. E por ter me identificado. tanto com essa maneira de percorrer os caminhos das imagens que Manguel faz é que trago citações da sua obra nas aberturas dos meus capítulos. Conhecer esse trabalho permitiu que 7 O nome faz referência a duas figuras mitológicas. O Atlas, que tem o dever de levar o mundo às costas; e Mnemosine, que tem o poder de não esquecer de nada, de levar consigo todas as memórias. Uma das pranchas do Atlas Mnemosyne de Aby Warburg:. minhas intenções se direcionassem para uma leitura das imagens num sentido parecido, dentre tantas outras leituras possíveis.. Outro trabalho explorado na disciplina que contribuiu para o meu modo de olhar para as. imagens foi o Atlas Mnemosyne7 de Aby Warburg (1866-1929). O Atlas de Warburg é uma forma de conhecimento visual baseada na ideia de proporcionar o entendimento de conjuntos de imagens não só pelo que é similar, mas também pelo que é distinto, construindo conexões aparentemente sem lógica. Esse tipo de construção trata de como cada montagem tem um sentido diferente; e por isso pressupõe a busca por um novo significado, considerando que qualquer imagem interessante é também uma confrontação de tempos distintos.. Essa ideia é contrária à ideia de trazer a história da arte como uma só narrativa. Didi-Huberman. (2013), autor que estuda Warburg e as maneiras de estar diante de uma imagem enfatiza que, quando se relê imagens, se encontram novas maneiras de entender nossa própria contemporaneidade. Isso seria possível através dos espaços incompletos permitidos pelo método anacrônico de leitura, que podem ser preenchidos por informações pessoais que nem sempre mostram seus significados.. A aproximação com todas essas referências gerou um trabalho durante a disciplina. mencionada anteriormente, que buscou espacializar a relação do corpo com a dimensão visual.

(46) 28. |. Introdução. explorada nas pesquisas de dissertação individuais da turma, que foi dividida em três equipes de acordo com as proximidades e afastamentos encontrados em cada trabalho. Este exercício, que se apoiou também nas subjetividades de cada pessoa, produziu espaços, performances e criações audiovisuais que alimentaram posteriormente, tanto as discussões em torno dos trabalhos de cada um, quanto o trabalho final da disciplina.. Com relação à minha pesquisa com as fotografias de Lavenère, as questões giraram em. torno de qual olhar eu utilizaria para me aproximar delas e analisá-las. Seria o conjunto todo? Algumas delas? Como eu escolheria? Qual método seria mais interessante tendo em vista as minhas intenções? Isso que, ao longo do texto eu venho apontando como decisões, foi fruto de discussões que começaram nessa disciplina, com esses exercícios.. Figura 4 - Produção coletiva de um exercício de aproximar/distanciar os temas de pesquisa individuais dos estudantes. Fonte: Foto da mestranda Synara Holanda, 2016, durante a disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado..

(47) Introdução. Figura 5 - Instalação. Fonte: Foto do estudante Diógenes Ângelo, 2016, durante a disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado.. Figura 6 - Performance da teia. Fonte: Foto do estudante Diógenes Ângelo, 2016, durante a disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado.. |. 29.

(48) 30. |. Introdução. Figura 7 - Frame do vídeo produzido para a performance final da disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado. Fonte: FRANÇA, MILITO, CERQUEIRA, HOLANDA, 2016.. Figura 8 - Frame do vídeo produzido para a performance final da disciplina “O corpo sensível e a dimensão visual do Espaço Habitado. Fonte: FRANÇA, MILITO, CERQUEIRA, 2016..

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transientes de elevada periodicidade, cujos poros de fusão, de maior diâmetro, se mativeram abertos durante mais tempo. A expressão das quatro isoformas de HCN foi confirmada