• Nenhum resultado encontrado

Javé, o Senhor: um Deus patriarcal e libertador?

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Javé, o Senhor: um Deus patriarcal e libertador?"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

Javé, o Senhor: um Deus patriarcal e libertador?(*)

Erhard S. Gerstenberger

Fé e so cie d a d e , fé e re a lid a d e sem pre estão in te rlig a d a s . Um a não existe sem a o u tra . É cla ro q u e um a nã o " p r o d u z " a o u tra . O in te rre - la c io n a m e n to e n tre fé e re a lid a d e social nun ca é d e ta l n a tu re za qu e um a g ra n d e z a seja p rim o rd ia l e d e te rm in e a o u tra . M esm o assim , não há co m o separá-las. C o n te m p la ç ã o e a tu a ç ã o d e v e m estar la d o a la d o . N ão p o d e m o s destacar u n ila te ra lm e n te os e le m e n to s m ísticos, sacra­ m e n ta is, a e sc a to lo g ia , a v id a no a lé m , a a lm a , o m itin d o o co rp o , a so­ c ie d a d e , a p o lític a ou a e c o n o m ia . O inverso ta m b é m v a le : Som ente com dados e a n á lise s socio ló g ica s, p o lític a s ou e co n ô m ica s nã o se p o d e fa z e r te o lo g ia . Os crité rio s do e s p írito de Deus d e v e m a v a lia r a re a lid a ­ de. M as a d m ita m o s: A tra vé s dos séculos, a Ig re ja cristã in co rre u m ais ve­ zes no e rro de esquecer-se do corpo e d o m u n d o d o q u e no de esquecer- se da e s p iritu a lid a d e . Por isso te m o s q u e estar a le rta s na c o n ju n tu ra a tu a l, tem os qu e estar a par do q u e a co n te ce no m u n d o , te m o s qu e a c o m p a n h a r, com a nossa re fle x ã o cristã, os ca m in h o s da h u m a n id a d e q u e estão d e s tru in d o a v id a de m u ito s e ta m b é m d a n a tu re za to d a , le­ va n d o , assim, a um s u ic íd io c o le tiv o . E q u a n d o um barco está a fu n d a n ­ do, a primeira p re o c u p a ç ã o d e v e ser a d e sa lva r vidas, som ente a se­ gunda a d e c a n ta r h in o s d e lo u v o r. Daí o nosso d e v e r d e s o lid a riz a r-n o s com os se m -te rra , os m e n in o s e as m e n in a s d e ru a , o m o v im e n to e c o ló ­ g ic o , e n tre outros.

Tendo isto p o r p a n o d e fu n d o , passam os a o te m a p roposto, q u e nasceu das p e rg u n ta s e questões fe m in is ta s à B íb lia e à te o lo g ia . V ou e x ­ por liv re m e n te a lg u m a s id é ia s d e m eu ú ltim o liv ro 1, q u e surgiu d e dis­

(* ) Palestra p ro fe rid a n a Escola S u p e rio r d e T e o lo g ia em 3 /0 5 /8 9 .

1 — Jahw * — «In patrlarchalcr Gott? Traditionell«* Gottaibild und fem inistisch* Thoologi«. V e r­ la g W . K o h lh a m m e r, S tuttg art, etc. 1988. Já m e o c u p e i a n te rio rm e n te com o assunto e m G ers­ te n b e rg e r, E.S. e S chräge, W . Mulhor • homam. E ditora S in o d a l. São Le o p o ld o , 1981, 165 p.

(2)

cussões sobre o assunto em conversas, p re le çõ e s e se m in á rio s na U n ive r­ sid a d e d e M a rb u rg (RFA).

1. Faço questão d e re fle tir, em p rim e iro lu g a r, a situ a çã o a tu a l de m u lh e r e h o m e m em nossas sociedad es. N ota-se um a c o n tin u a d a d is c rim in a ç ã o d a m u lh e r em to d o o m u n d o . C e rta m e n te e xiste m d ife re n ç a s re g io n a is , cu ltu ra is e pessoais. M as, d e m o d o g e ra l, os d e ve re s, p riv ilé g io s e tra b a ­ lhos não são d iv id id o s d e m a n e ira ig u a l e d e m o c rá tic a e n tre os dois se­ xos. M u lh e re s a in d a g a n h a m salá rio s m ais baixos p a ra ta re fa s ig u a is; têm qu e assum ir um a p o rçã o m a io r do tra b a lh o d e casa a lé m do tra b a lh o p ro fis s io n a l; têm m u ito m enos chances d e fa z e r c a rre ira p ro fis s io n a l nos cam pos d a e d u ca çã o , e c o n o m ia , Ig re ja e p o lític a , de m o d o q u e ra ra ­ m e n te c h e g a m a assum ir postos d e lid e ra n ç a e decisão. Um jo rn a l da A le m a n h a ("Sonntagsblatt") escreve: "A s m u lh e re s c o n tin u a m sendo os burros d e carga d a h u m a n id a d e ".

2. De o n d e vem esta d e s ig u a ld a d e e n tre os sexos? Eu acho q u e vem de lo n g e . M as ta m b é m d iria q u e e la se to rn o u m ais a g u d a e in to le rá v e l na é p o ca m o d e rn a , desde a era do ra c io n a lis m o e d a in d u s tria liz a ç ã o . Por q uê? Há, m ais ou m enos, 200 anos co m e ça va a ca ir a e stru tu ra d a fa m í­ lia e d o clã em fa v o r d e um a p ro d u ç ã o cada vez m ais in d u s tria l e h o m o ­ g ê n e a . A n te rio rm e n te , n u m a u n id a d e d e p ro d u ç ã o a g ríc o la a u to -s u fi­ c ie n te , as ta re fa s e ra m d iv id id a s m ais ou m enos ig u a lm e n te e n tre m u ­ lh e r, h o m e m , filh o s , filh a s , criados, cria d a s e o u tro s in te g ra n te s d a casa. O m esm o já nã o o c o rre no sistem a in d u s tria l, com a fra g m e n ta ç ã o d o tra ­ b a lh o : O o p e rá rio d e fá b ric a te m , d ia n te d e si, som ente um p e q u e n o fra g m e n to do p ro d u to . Para o seu sustento, o o p e rá rio e a o p e rá ria nã o m ais re ce b e m a lim e n to s , mas sa lá rio . É o q u e K. M a rx c h a m a de tra b a lh o " a lie n a n t e " (em o u tro c o n te x to , já H egel h a v ia fe ito esta observação ). N este sistem a de p ro d u ç ã o e tra b a lh o , as m u lh e re s e as crianças são, até h o je , co n co rre n te s bem m ais fra ca s q u e os hom ens. Estes m a n tê m a sua posição fo rte nas a tiv id a d e s fo ra d e casa já há m ilh a re s d e anos. Os h o ­ m ens h a v ia m a ssum ido, há te m p o s im e m o rá v e is , o p a p e l d a q u e le s qu e p ro v id e n c ia m os a lim e n to s fora de casa, e n q u a n to q u e as m u lh e re s ha­ via m assum ido a fu n ç ã o da p ro c ria ç ã o e d a p ro d u ç ã o dentro d e casa (E. B a d in te r; S. de B e a u vo ir). A tu a lm e n te a c o n c o rrê n c ia no m e rca d o d e tra ­ b a lh o a ca rre ta um a le g itim a ç ã o dos p riv ilé g io s do m ais fo rte , no caso, do h o m e m .

3. De o n d e p ro vé m a d iv is ã o d e fu n çõ e s e n tre o h o m e m e m u lh e r? Pare­ ce q u e e la já surgiu na Id a d e d a Pedra. E. B a d in te r a ch a q u e os seres hu­ m anos, ao c o n trá rio dos a n im a is , in v e n ta ra m a tro ca d e a lim e n to s . Q u a n d o o h o m e m v o lta v a d a caça, a m u lh e r lh e d a v a ve rd u ra s d a h o rta

(3)

e re c e b ia , em troca, pedaços d e c a rn e (c o n fira , p .e x ., 1 Sm 1.4s, o n d e o h o m e m Elcana dá pedaços de carne d e s a c rifíc io p a ra as suas m ulheres). A ssim , na p ré -h is tó ria , os seres h u m a n o s de a m bos os sexos fo rta le c ia m - se m u tu a m e n te . Sem d ú v id a o h o m e m to rn o u -se ca ça d o r e a m u lh e r co­ le to ra ou c u ltiv a d o ra d e verd u ra s, p o rq u e o h o m e m n ã o passava p e lo e m b a ra ç o da g ra v id e z nem p o d ia a m a m e n ta r a p ro le . E. B o rn e m a n n , fa ­ m oso pesquisa dor d o m a tria rc a d o e p a tria rc a d o , a firm a q u e g ra v id e z , p a rto e a m a m e n ta ç ã o nã o precisam re d u z ir a c a p a c id a d e d a m u lh e r de caçar. A e x p e riê n c ia de m uitas m u lh e re s, o te ste m u n h o d a lite ra tu ra a n ­ tig a e a e v id ê n c ia d e quase todas as culturas, no e n ta n to , m ostram o con­ trá rio .

A d ife re n c ia ç ã o de p a p é is c o n fo rm e o sexo p o d e ser o b se rva d a desde os p rim ó rd io s da h u m a n id a d e . A p ró p ria B íb lia a co nhece (Gn 3.16-19). O h o m e m é a g ric u lto r e te m q u e lu ta r e suar p a ra a rra n c a r o sustento do ch ã o ; a m u lh e r é a q u e d á à luz filh o s e filh a s , cada g ra v id e z tra z e n d o dores e risco de vida.

4. E ago ra ? O q u e tu d o isso te m a ve r com a fé , a re lig iã o e a co n ce itu a - ção de Deus? Os a n tig o s te ó lo g o s do povo de Israel nã o e ra m bobos. Eles já h a via m p ensad o nos pap é is distin to s de m u lh e r e h o m e m ; eles h a via m n o ta d o as trib u la ç õ e s e a fliç õ e s d ife re n te s em am bos os sexos. Se as du- rezas e os p e rig o s d a v id a e ra m , grosso m o d o , e q u iv a le n te s p a ra a m bos os sexos, os h o m e n s responsáveis p e la tra d iç ã o de Gn 3.16 a ch a va m que em dois pontos h a v ia um a p ro fu n d a diferença de qualidade e n tre h o ­ m em e m u lh e r: A m u lh e r era subm issa ao h o m e m — a ch a va m eles ( " e e le te g o v e rn a rá ") — e a m u lh e r e ra desejosa de sexo e, p o rta n to , d e ­ p e n d e n te s e x u a lm e n te d o h o m e m — a c h a v a m eles ( " o teu d e se jo será para o te u m a rid o " ). E essa d u p la subm issão d a m u lh e r e ra c o n se q ü ê n cia — a ch a va m eles — d o fa to de te r sido a m u lh e r qu e fo i tra íd a e sedu zid a p e la cobra, d e so b e d e c e n d o , assim , à o rd e m d iv in a . C onse q ü ê n cia do p e ca d o o rig in a l, e n tã o ? N ão é possível, p o rq u e já no re la to d a cria çã o (Gn 2), qu e a n te c e d e o e p is ó d io m e n c io n a d o a c im a (q u e d a e m a ld iç ã o ), Deus cria , p o r in ic ia tiv a p ró p ria , sem in flu ê n c ia de p e c a d o a lg u m e con­ tra tu d o qu e sabem os sobre a o rig e m d a v id a , primeiro o h o m e m e so­ m e n te em seg u n d o lu g a r a m u lh e r, a p a rtir da costela d o h o m e m (Gn 2.18-23), e s ta b e le c e n d o , assim , desde a o rig e m , um a h ie ra rq u ia , na q u a l a m u lh e r d e p e n d e do h o m e m .

N ão é fá c il a v a lia r esses dois re la to s sobre as o rig e n s d a v id a hu­ m ana. É in d is c u tív e l q u e , de um a p e rsp e ctiva m achista, já a q u i a m u lh e r som ente a p a re c e em seg u n d o lu g a r, sendo, a té , d e sp re za d a por ser a p rim e ira p e ca d o ra . Isto seria até a c e itá v e l se o te x to re fle tisse um tip o de

(4)

b rin c a d e ira e n tre os sexos. O a n tro p ó lo g o V. Tum er fa la d e ritos re lig io ­ sos na Á fric a , nos q u a is h om ens e m u lh e re s desprezam jo co sa m e n te o sexo o p osto, e lo g ia n d o a p ró p ria p o tê n c ia sexual. Neste caso, fa lta ria , no te x to b íb lic o , a resposta d a m u lh e r ao g ra c e jo d o h o m e m . O d ito joco­ so m a scu lin o "V o cê s, m u lh e re s, são in fe rio re s desde o in íc io " p o d e ria , q u e m sabe, o b te r a resposta fe m in in a : "V o c ê s , h om ens, c u ltiv a m um a v a id a d e m a io r q u e o p ró p rio pênis; e v a id a d e se m p re é e s tu p id e z ".

Seja com o fo r, os re la to s b íb lic o s citados, em sua fo rm a a tu a l, não re v e la m um c a rá te r d e b rin c a d e ira , m as de s e rie d a d e . São, p o rta n to , um a a firm a ç ã o m achista sob fo rm a d e " r e fle x ã o te o ló g ic a " . Tal re fle x ã o som ente é possível na é p o ca ta rd ia do A n tig o Testam ento.

5. O te m p o a té o e x ílio d e Judá (em 587) é co n s id e ra d o , p e lo s cristãos, a " é p o c a c lá ssica " do A n tig o T estam ento. Os judeus, é v e rd a d e , colo ca m g ra n d e peso na é p o ca p ó s-e xílicca , pois fo i no p e río d o persa q u e se con­ s o lid o u a c o m u n id a d e ju d a ic a sob Esdras e N e e m ia s (é p o ca do Segundo T e m p lo ). Bem, m in h a h ip ó te se é q u e , na ép o ca p ré -e x ílic a , os p a p é is de h o m e m e m u lh e r a in d a n ã o tin h a m um a v a lo riz a ç ã o te o ló g ic a . E é isto o q u e interessa a q u i. A v a lo riz a ç ã o te o ló g ic a p a re ce q u e está v in c u la d a ao c o n ce ito do Deus único. E m in h a suspeita é q u e o co n ce ito d e um Deus único e m a scu lin o a in d a n ã o se h a v ia im posto to ta lm e n te na re fle x ã o is­ ra e lita antes do E xílio. Tem os a lg u n s in d íc io s p a ra a firm a r isto.

a) Os povos vizin h o s d e Israel se m p re co n h e ce ra m d iv in d a d e s de a m bos os sexos, m u ita s vezes casais, e, por isso, nu n ca c h e g a ra m a um desprezo d a m u lh e r, tã o a c e n tu a d o na tra d iç ã o ju d a ic o -c ris tã e islâ m ica . Temos q u e a d m itir q u e , ta m b é m nestas culturas, e x istia a e strutura p a ­ tria rc a l. O h o m e m era e n c a rre g a d o d a v id a p ú b lic a , ju ríd ic a e p o lític a , m as as m u lh e re s tin h a m p le n a p a rtic ip a ç ã o nos cultos, ou m e lh o r, e ra m a u tô n o m a s co m o sacerdotisas e suplican tes. Desta fo rm a não e ra possí­ vel a trib u ir u n ic a m e n te ao sexo fe m in in o a c u lp a p e lo p e ca d o h u m a n o no m u n d o . A liá s , os o u tro s re la to s b íb lic o s q u e tra ta m do "p e c a d o o rig i­ n a l" nã o fa la m d a c u lp a d a m u lh e r (cf. C aim e A b e l em Gn 4; a m o tiv a ­ ção do d ilú v io em Gn 6 e a to rre de Babel em Gn 11).

b) Há fo rte s in d íc io s de q u e , na é p o ca p ré -e x ílic a , ta m b é m Israel c o n h e ce u d iv in d a d e s le g ítim a s de a m b o s os sexos. A lg u m a s n arrações da p ró p ria B íb lia a d m ite m isto. Em Jr 44 conta-se q u e o p ro fe ta Je re m ia s re p re e n d e a c o m u n id a d e ju d a ic a e x ila d a no Egito por e la a d o ra r a " r a i ­ n h a d o c é u " (In a n a -ls h ta r, do cu lto su m e ria n o e a c á d ico ). As m u lh e re s resp o n d e m ao p ro fe ta : Nós fa ze m o s o cu lto a essa deusa com o

(5)

conheci-m e n to e a p a rtic ip a ç ã o dos hoconheci-m ens. A lé conheci-m disso, já os nossos antepassa­ dos, em Jeru sa lé m , a d o ra ra m a " r a in h a do c é u ".

Os israelitas, p o rta n to , co n h e c ia m outras d iv in d a d e s e co nsciente­ m e n te prestavam cu lto a um a deusa. Em vá rio s lu g a re s da h istó ria dos juizes e dos reis há p o lê m ica s contra "B a a l e A s ta rte " e seus sím bolos: a c o lu n a de p e d ra (s ím b o lo fá lic o ) e o tro n co de á rv o re (s ím b o lo da fe r tili­ d a d e ). C o n fira , p. e x ., Jz 6.25, q u e fa la do a lta r de Baal e d a A shera ao seu la d o , 1 Sm 7.3s, q u e m e n c io n a os B aalins e as A startes (A sh te ro t), 1 Rs 11.5, qu e a firm a q u e S alom ão a d o ro u a A starte e a M ilc o m (deus a m o n ita ) e, a in d a , 1 Rs 14.23, o n d e são m e n c io n a d a s as Bam ot (altos), as M assebot (esteias) e as A sh e rim (postes sagrados). Os textos m ostram q u e , em Israel, era com um a ve n e ra ç ã o de duas d iv in d a d e s .

Há in d ício s de q u e h a v ia , em Israel, ta m b é m um cu lto caseiro ao c u id a d o das m ulheres: C o n fo rm e Gn 31. 34s, Raquel esconde os íd o lo s do la r p e rte n ce n te s a seu pai em um dos ca m e lo s; Ex 21.6 p o d e d a r a e n ­ te n d e r qu e o deus do la r se e n c o n tra v a num n ic h o , p e rto da p o rta de e n ­ tra d a ; de a co rd o com 1 Sm 19.13-16, M ica l usa um íd o lo do la r p a ra e n ­ g a n a r os m e n sa g e iro s d e Saul q u e estava à p ro cu ra de Davi.

Por ú ltim o , fo ra m e n co n tra d a s m u ita s fig u rin a s de deusas nuas em escavações d e cid a d e s isra e lita s a n tigas. R e centem en te fo ra m d e sco b e r­ tas inscrições (a lg u m a s com desenhos) q u e fa la m d e " J a v é e sua A s h e ra ", com o sendo a c o m p a n h e ira fe m in in a d e Deus.

Tudo isto s ig n ific a q u e h o u ve , na épô ca p ré -e x ílic a , v e n e ra ç ã o de v á ria s d iv in d a d e s em Israel. Este " p o lite ís m o " p ro v a v e lm e n te fo i co n d e ­ n a d o som ente n u m a a v a lia ç ã o te o ló g ic a p o ste rio r, q u a n d o o re la c io n a ­ m e n to h o m e m -m u lh e r fo i a d o ta d o p a ra d e s ig n a r o re la c io n a m e n to D eus-povo. A í q u a lq u e r cu lto d ife re n te era c o n sid e ra d o apostasia, " a d u lté r io " (cf. Is 62.5; Ez 16, etc.). Na é p o ca e x ílic a e p ó s -e x ílic a p ro i­ bia-se a a d o ra ç ã o a outras d iv in d a d e s po r m o tivo s de s o b re vivê n cia . 6. Podem os d iz e r, assim, qu e a té a d e rro c a d a do Estado is ra e lita /ju d a íta em 587 h a v ia , em Israel, cultos a d iv in d a d e s fe m in in a s e cultos sob a li­ d e ra n ça d e m u lh e re s. N ão h a v ia desprezo e repressão do sexo fe m in in o po r m otivos re lig io so s. A p a rtir do e x ílio , no e n ta n to , d e se n vo lve u -se um c o n ce ito m ais p a tria rc a l de Deus.

Para p re se rva r a sua id e n tid a d e e co n s o lid a r as suas file ira s , as co m u n id a d e s isra e lita s e x ila d a s se a p e g a v a m à sua fé em Javé. N o d e ­ sespero e x is te n c ia l, na lu ta po r s o b re v iv e r e conservar a id e n tid a d e , e d ia n te da m u ltifo rm e v id a re lig io s a no e s tra n g e iro , com eçou-se a a d o ra r e xclu s iv a m e n te Javé — o Deus q u e lid e ro u o p o vo no passado, q u e fez

(6)

a lia n ç a com D avi, qu e to m o u m o ra d a em Je ru sa lé m , a c id a d e cada vez m ais santa (cf. SI 137). S inais de p e rte n ça e fid e lid a d e a Javé to rn a ra m - se o sá bado e a circuncisão, a Torá e as festas israelitas. Javé se to rn a ra o c e n tro d e tu d o : d a c id a d e santa, dos costum es, dos sím bolos. Ao re d o r d e le g ira v a to d a a v id a . Por isto e le era único.

O q u e m ais nos interessa, a q u i, são as conseqü ências desta a d o ra ­ ção e xclu siva a Javé. Esta não p re te n d ia ser, na o rig e m , um a ação sexis­ ta, d is c rim in a tó ria . N ão visava ao desprezo do sexo fe m in in o . Dt 4.16 diz, com to d a a cla re z a , qu e Javé não é m a scu lin o nem fe m in in o . Ele não é c o m p a rá v e l a q u a lq u e r o u tra c ria tu ra (cf. Ex 20.4-5). Os te ó lo g o s d a é p o c a não e ra m c o n scie n te m e n te sexistas, m as e ra m , sem d ú v id a , hom ens e, assim , os seus interesses e p re co n ce ito s m achistas se in filtra ­ ram em sua te o lo g ia . Com a e lim in a ç ã o de q u a lq u e r o u tro culto senão o d e Javé, ta m b é m fo ra m e lim in a d o s os cultos a u tô n o m o s das m u lh e re s. O c o m b a te à a d o ra ç ã o a q u a lq u e r o u tro deus re su lto u na e lim in a ç ã o ta m ­ bém do cu lto caseiro lid e ra d o p e la s m u lh e re s. C om eçava, p o r p a rte da m u lh e r, a d e p e n d ê n c ia da re lig iã o dos hom ens. S em pre m ais, Deus fo i se to rn a n d o um Deus m acho e m achista qu e suspeitava até d a e xistê n cia , da p u re za e d a b o a v o n ta d e das m ulh e re s.

7. C hegam os à p e rg u n ta ce n tra l: Dadas estas circunstância s e estes d e ­ se n v o lv im e n to s na h istó ria da fé em Israel, será q u e p o d e m o s fa la r de um Deus p a tria rc a l e lib e rta d o r? Pelo m enos as m u lh e re s irã o protestar: Este Deus Javé a p o io u , desde sem pre, o sexo m a sc u lin o ; e le é m achista e nã o re sp e ita o ser e o se n tim e n to fe m in in o . Entendo m u ito bem esta re a çã o q u e até le vo u a lg u m a s m u lh e re s a a b a n d o n a r a Ig re ja cristã (M a ry Daly, p .e x .). A ch o , no e n ta n to , q u e um Deus tão p a tria rc a l ta m ­ bém fo i lib e rta d o r.

N ão há d ú v id a n e n h u m a de q u e , desde te m p o s im e m o rá v e is , a s o cie d a d e is ra e lita (e ta m b é m h u m a n a ) fo i um a s o cie d a d e p a tria rc a l. O c h e fe d e fa m ília , responsáve l pelos assuntos q u e tra n sce n d ia m a fa m í­ lia , era o h o m e m , g e ra lm e n te o m ais v e lh o do g ru p o fa m ilia r. M as os as­ suntos q u e d iz ia m re s p e ito a o fu n c io n a m e n to in te rn o d a fa m ília e ra m de re s p o n s a b ilid a d e da m u lh e r (cf. 1 Sm 25). N ão h a v ia a rb itra rie d a d e s do h o m e m co n tra a m u lh e r (Gn 38). Existia um certo e q u ilíb rio e n tre os se­ xos (C arol M yers). O p a tria rc a d o não era a o rd e m opressora com o nós a vem os h o je .

Esta so cie d a d e p a tria rc a l c o n tin h a as sem entes de lib e rta ç ã o dos o p rim id o s . É im p re ssio n a n te ve r com o as d ife re n te s cam adas de tra d i­ ções isra e lita s tra ta m d a q uestão d o p o d e r do Rei (1 Sm 7-9). O R einado é

(7)

pressio-n a pressio-n te co m o os textos de G êpressio-nesis tra ta m da soberba h u m a pressio-n a . É im pressio­ n a n te co m o as leis de Ex 21-23 e Dt 15; 22-24 lutam em prol dos m a rg in a ­ lizados. Tudo isto d e ix a tra n sp a re ce r a co n vicçã o de qu e o p o d e r c o rro m ­ pe e de q u e os hom ens necessitam , sem pre de n o vo , lib e rta r-s e dos a b u ­ sos e desrespeitos causados p e lo po d e r.

N a q u e la é p oca, nem a posição da m u lh e r d e p e n d e n te nem a es­ c ra v id ã o fo ra m vistos c o n scie n te m e n te com o p ro b le m a s. M as a d in â m ic a da suspeita fre n te ao p o d e r, presente nos textos a rro la d o s a c im a , nos si­ n a liz a q u e d e ve m o s d e c id ir-n o s , h o je , em fa v o r da luta em prol dos o p ri­ m id o s e das m u lh e re s. O Deus p a tria rc a l d e um a s o cie d a d e p a tria rc a l p ro d u z iu , p o rta n to , um d in a m ite lib e rta d o r q u e n ã o p e rd e u a sua fo rça re n o v a d o ra (ou, para a lg u n s, d e stru id o ra ).

Referências

Documentos relacionados

Por esse motivo, não nos deve maravilhar que, ao alinhamento das elites jacobinas e, em todo caso, pró-francesas nos países “libertados”, cada vez mais subalterno e,

Porque o Senhor nos libertou Vamos cantar que há outro mundo Que há outro mundo bem melhor..

Não sei o que ele estava pensando quando “caiu aos pés de Jesus, como morto”, mas tenho certeza de que o que veio a seguir foi um choque para João.. Ele conta isso de uma maneira

17 O fruto da justiça será paz; o resultado da justiça será tranquilidade e confiança para sempre.. 18 O meu povo viverá em locais pacíficos, em casas

Da mesma maneira podemos descobrir como experimentar os derramamentos do Espírito Santo, que revelam o tempo de Deus para a solução das nossas crises, ouvindo o badalar do relógio

Ter falta da graça, embora seja um dom de Deus, isso é um pecado, porque a criatura está sob uma obrigação moral; mas não querer sensato conforto, porque isso é

As Bíblias católicas contêm um total de 73 livros, ou seja, sete livros a mais, além de 4 acréscimos , ou apêndices, incluídos nos livros canônicos, acrescentando, assim, ao todo,

Ao comemorar 137 anos de Emancipação, realizando mais uma grande e tradicional festa conhecida “Feira da Paz”, queremos pontuar alguns fatores que fazem de uma cidade um lugar cujo