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Imposturas Intelectuais - Alan Soka

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Academic year: 2021

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Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o obj etivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêm icos, bem com o o sim ples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de com pra futura.

É expressam ente proibida e totalm ente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso com ercial do presente conteúdo

Sobre nós:

O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dom inio publico e propriedade intelectual de form a totalm ente gratuita, por acreditar que o conhecim ento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar m ais obras em nosso site: LeLivros.site ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo

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Em 1996, um a respeitada publicação am ericana de estudos culturais, a "Social Text", publicou um artigo de título estranho: "Transgredindo as fronteiras: Em direção a um a herm enêutica transform ativa da gravitação quântica". Seu autor, Alan Sokal, sustentava suas idéias com longas citações de em inentes pensadores am ericanos e franceses.

Pouco depois, Sokal revelou que o artigo era um a paródia. Seu obj etivo era, usando a sátira, atacar o cada vez m ais com um abuso da term inologia científica e a irresponsável extrapolação de idéias das ciências naturais para as ciências sociais. Mais am plam ente, ele queria denunciar o relativism o pós-m oderno, que sustenta a tese de que a verdade obj etiva não passa de um a convenção social. A brincadeira de Sokal deflagrou intenso debate nos m eios intelectuais de todo o m undo.

Em Im posturas Intelectuais Sokal se j unta a Jean Briem ont, para reunir e analisar um a série de textos que ilustram as m istificações físico-m atem áticas perpetradas por Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigaray, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Paul Virilio. Aqui, Sokal e Bricm ont m ostram que, sob o j argão pernóstico e a aparente erudição científica, o rei está nu.

Quando Im posturas intelectuais foi publicado na França no final de 1997, ondas de choque abalaram a "intelligentsia" francesa. Aclam ado e atacado em todo o m undo, o livro abriu um debate sobre os parâm etros de rigor intelectual e honestidade. Mesm o depois de centenas de artigos na im prensa e de textos na Internet, a batalha continua.

Alan Sokal é professor de Física na Universidade de Nova York. Jean Bricm ont é professor de Física Teórica na Universidade de Louvain na Bélgica.

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CIP-Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Sokal, Alan D.,

1955-S666i Im posturas intelectuais / Alan Sokal, Jean 4ª ed. Bricm ont; tradução Max Altm an. - 4“ cd. - Rio de Janeiro; Record. 2010.

Tradução de: Fashionable nonsense ISBN 978-85-01-05383-1

1. Fraude científica. 2. Física - Aspectos m orais e éticos.

3. Matem ática - Aspectos m orais e éticos. I. Bricm ont, J. (Jean). II. Título. CDD - 501

99-0441 CDU-50.000.144

Criação ePub: Relíquia Tradução: Max Altm an Revisão Técnica: Alexandre Tort

Título original inglês FASHIONABLE NONSENSE

Copy right © 1999 by Alan Sokal e Jean Bricm ont

Publicado originalm ente em francês sob o título Impostures intellectuelles

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, arm azenam ento ou transm issão de partes deste livro através de quaisquer m eios, sem prévia autorização por escrito.

Proibida a venda desta edição para Portugal e resto da Europa.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela

EDITORA RECORD LTDA.

Rua Argentina 171 -Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 2585-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução

Im presso no Brasil

Sej a um leitor preferencial Record

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prom oções.

Atendim ento e venda direta ao leitor: m direto@record.com .br ou (21) 2585-2002

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PARA MARINA PARA CLAIRE, THOMAS E ANTOINE

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Sumário

Prefácio à edição brasileira Introdução

Capítulo 1 – JACQUES LACAN Capítulo 2 – JULIA KRISTEVA

Capítulo 3 – INTERMEZZO: O RELATIVISMO EPISTÊMICO NA FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Capítulo 4 – LUCE IRIGARAY Capítulo 5 – BRUNO LATOUR

Capítulo 6 – INTERMEZZO: A TEORIA DO CAOS E A “CIÊNCIA PÓS-MODERNA”

Capítulo 7 – JEAN BAUDRILLARD

Capítulo 8 – GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI Capítulo 9 – PAUL VIRILIO

Capítulo 10 – O TEOREMA DE GÖDEL E A TEORIA DOS CONJUNTOS: ALGUNS EXEMPLOS DE ABUSO

Capítulo 11 – REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DAS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E FILOSOFIA: BERGSON E SEUS SUCESSORES

Epílogo Apêndices

Parte A – TRANSGREDINDO AS FRONTEIRAS: EM DIREÇÃO A UMA HERMENÊUTICA TRANSFORMATIVA DA GRAVITAÇÃO QUÂNTICA

Parte B – COMENTÁRIOS SOBREAPARÓDIA

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Prefácio à edição brasileira

A publicação na França do nosso livro Impostures intellectuelles{1} parece ter criado um a pequena torm enta em determ inados círculos intelectuais. De acordo com Jon Henley, em artigo publicado no The Guardian nós m ostram os que “a m oderna filosofia francesa é um m onte de velhas tolices”.{2} Segundo Robert Maggiori, em artigo publicado no Libératiott, nós som os uns cientistas pedantes sem senso de hum or que corrigim os erros gram aticais em cartas de am or.{3} Gostaríam os de explicar sucintam ente por que am bas as caracterizações do nosso livro são errôneas, e de responder tanto aos nossos críticos quanto aos nossos super entusiasm ados defensores. Em especial, querem os desfazer um bom núm ero de m al-entendidos.

O livro originou-se da farsa agora fam osa que consistiu na publicação na revista am ericana de estudos culturais Social Text, por um de nós, de um artigo satírico cheio de citações sem sentido, porém infelizm ente autênticas, sobre física e m atem ática, proferidas por proem inentes intelectuais franceses e am ericanos. {4} No entanto, apenas um a pequena parte do “dossiê” m ontado na pesquisa bibliográfica realizada por Sokal pôde ser incluída na paródia. Após ter exibido este longo dossiê aos am igos cientistas e não-cientistas, ficam os (paulatinam ente) convencidos de que valeria a pena torná-lo disponível para um público m ais am plo. Quisem os explicar, em term os laicos, por que as citações são absurdas ou, em m uitos casos, sim plesm ente carentes de sentido; e desej am os tam bém discutir as circunstâncias culturais que perm itiram que esses discursos alcançassem tal reputação e não fossem , até agora, desm ascarados.

Mas o que pretendem os exatam ente? Nem oito nem oitenta. Mostram os que intelectuais fam osos com o Lacan, Kristeva, Irigaray, Baudrillard e Deleuze abusaram repetidam ente da term inologia e de conceitos científicos: tanto utilizando-se de idéias científicas totalm ente fora de contexto, sem dar a m enor j ustificativa — note-se que não som os contra a extrapolação de conceitos de um cam po a outro, e sim contra extrapolações feitas sem fundam entação —, quanto atirando a esm o j argões científicos na cara de seus leitores não-cientistas, sem nenhum respeito pela sua relevância ou m esm o pelo seu sentido. Não pretendem os dizer que isso invalida o restante de sua obra, sobre a qual não em itim os j ulgam ento.

Som os, por vezes, acusados de ser cientistas arrogantes, porém nossa visão do papel das ciências exatas é, na verdade, bastante m odesta. Não seria bom (para nós, m atem áticos e físicos) que o teorem a de Gödel ou a teoria da relatividade tivessem im plicações im ediatas e profundas no estudo da sociedade? Ou que o axiom a da escolha pudesse ser usado no estudo da poesia? Ou que a topologia tivesse algo a ver com a psique hum ana? Contudo, este não é o caso.

Um segundo alvo do nosso livro é o relativism o epistêm ico, especificam ente a idéia — a qual, pelo m enos quando m anifestada explicitam ente, é m uito m ais

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com um no m undo anglófono do que no francófono — de que a m oderna ciência não é m ais que um “m ito”, um a “narração” ou um a “construção social”, entre m uitas outras{5}. Além de gritantes abusos (p. ex., Irigaray ), dissecam os um bom núm ero de confusões m uito frequentes nos círculos pós-m odernistas e de estudos culturais: por exem plo, apropriação indevida de idéias da filosofia da ciência, com o a da subdeterm inação da teoria pela evidência ou da im pregnação teórica da observação [theory-ladenness of observation], com o intuito de sustentar um relativism o radical.

Este livro, portanto, é a fusão de dois trabalhos — relacionados entre si — reunidos sob a m esm a capa. Prim eiram ente, trata-se de um a coleção de abusos extrem os descobertos, m ais ou m enos por acaso, por Sokal; são as “im posturas” do título. Em segundo lugar, contém a nossa crítica ao relativism o epistêm ico e aos conceitos errôneos sobre a “ciência pós-m oderna”; estas análises são consideravelm ente m ais delicadas. A conexão entre estas duas críticas é principalm ente sociológica: os autores franceses das “im posturas” estão na m oda nos m esm os círculos acadêm icos de língua inglesa onde o relativism o epistêm ico é a pedra-de-toque{6}. Existe tam bém um a tênue ligação lógica: se alguém aceita o relativism o epistêm ico, tem m enos m otivo para ficar aborrecido com a deturpação das idéias científicas, que, de qualquer m odo, não passam de m ero “discurso”.

Obviam ente, não escrevem os este livro apenas para denunciar alguns abusos isolados. Tem os obj etivos m ais am plos em m ente, m as não necessariam ente aqueles a nós atribuídos. Esta obra trata da m istificação, da linguagem deliberadam ente obscura, dos pensam entos confusos e do em prego incorreto dos conceitos científicos. Os textos que citam os podem ser a ponta de um iceberg-, contudo o iceberg deve ser definido com o um conj unto de práticas intelectuais, não com o um grupo social.

Suponham os, por exem plo, que um j ornalista descubra, e publique, docum entos dem onstrando que alguns altos e respeitáveis políticos são corruptos. (Salientam os que isto é um a analogia e que não consideram os os abusos aqui descritos de com parável gravidade.) Muita gente, sem dúvida, chegaria rapidam ente à conclusão de que a maioria dos políticos é corrupta, e os dem agogos que pensarem tirar proveito político dessa noção irão estim ulá-la.{7} Mas a extrapolação seria errônea.

Da m esm a form a, considerar este livro um a crítica generalizada às hum anidades ou às ciências sociais — com o alguns analistas franceses o fizeram — é não apenas interpretar m al nossas intenções com o tam bém provoca um a curiosa confusão, revelando um desprezo im plícito por aquelas disciplinas. {8} Por um a questão de lógica, ou as hum anidades e as ciências sociais são co-extensivas aos abusos denunciados neste livro, ou não são. Se forem , então o nosso livro seria com efeito um ataque contra estas áreas em bloco, m as seria j ustificado. Caso contrário (com o acreditam os), sim plesm ente não existe razão para criticar um scholar por aquilo que outro, da m esm a área, diz. Mais am plam ente, qualquer interpretação do nosso livro com o um ataque generalizado

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a X — sej a X o pensam ento francês, a esquerda cultural am ericana ou o que for — pressupõe que todo X estej a perm eado pelos m aus costum es intelectuais que estam os denunciando, e esta acusação deve ser dem onstrada por quem quer que o faça.

Os debates estim ulados pela artim anha de Sokal englobavam um a lista cada vez m ais am pla de questões cada vez m ais fracam ente relacionadas, não som ente o status conceituai do conhecim ento científico ou os m éritos do pós-estruturalism o francês, m as tam bém o papel social da ciência e a tecnologia, o m ulticulturalism o e o “politicam ente correto”, a esquerda acadêm ica versus a direita acadêm ica, a esquerda cultural versus a esquerda econôm ica. Querem os salientar que este livro não trata da m aioria destes tópicos. Em especial, as idéias aqui analisadas têm pouca, talvez nenhum a, relação conceituai ou lógica com a política. Sej a qual for a visão que alguém tenha a respeito da m atem ática lacaniana ou da “theory-ladenness of observation”, pode-se sustentar, sem receio de cair em contradição, qualquer opinião, sej a qual for, sobre despesas m ilitares, bem -estar social ou casam ento gay. Existe, certam ente, um vínculo sociológico — apesar de sua m agnitude ser am iúde exagerada — entre as correntes intelectuais “pós-m odernistas”, que criticam os, e alguns setores da esquerda acadêm ica am ericana. Não fosse esse vínculo, não estaríam os m encionando a política de m odo algum . Contudo não querem os que o nosso livro sej a visto com o m ais um tiro na enfadonha “Guerra das Culturas”, m enos ainda com o um tiro partido da direita. O pensam ento crítico sobre a inj ustiça do nosso sistem a econôm ico e sobre a opressão racial e sexual cresceu em m uitas instituições acadêm icas desde os anos 60 e foi subm etido, em anos recentes, a m uito escárnio e crítica inj usta. Não existe nada em nosso livro que possa ser interpretado assim , m esm o rem otam ente.

Nosso livro enfrenta um contexto institucional inteiram ente diferente na França e no m undo de língua inglesa. Enquanto os autores por nós criticados têm tido um a profunda influência na educação superior francesa e dispõem de num erosos discípulos na m ídia, nas editoras e na intelligentsia — daí algum as das furiosas reações ao nosso livro —, seus equivalentes anglo-am ericanos são ainda um a m inoria encastelada dentro dos círculos intelectuais (conquanto bem entrincheirada em alguns redutos), Este fato tende a fazer com que pareçam m ais “radicais” e “subversivos” do que realm ente são, tanto aos seus próprios olhos quanto aos olhos de seus críticos. Todavia nosso livro não é contrário ao radicalism o político, é contra a confusão intelectual. Nosso obj etivo não é criticar a esquerda, m as aj udá-la a defender-se de um segm ento seu que está na m oda. Michael Albert, escrevendo no Z Magazine, resum e bem a questão: “Não há nada verdadeiro, sábio, hum ano ou estratégico em confundir hostilidade à inj ustiça e à opressão, que é bandeira da esquerda, com hostilidade à ciência e à racionalidade, o que é um a tolice.”{9}

Esta edição é, em m uitos aspectos, um a tradução direta do original francês. Mas am pliam os algum as discussões a respeito dos debates intelectuais no m undo anglófono. Fizem os tam bém algum as pequenas alterações para m elhorar a clareza do texto original, para corrigir im precisões pouco im portantes e para

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evitar m al-entendidos. Agradecem os aos m uitos leitores da edição francesa que nos ofereceram sugestões.

Enquanto escrevíam os este livro, fom os beneficiados por inúm eras discussões e debates e recebem os m uita crítica e estím ulo. Em bora não possam os agradecer individualm ente a todos os que deram a sua contribuição, querem os expressar nossa gratidão àqueles que nos aj udaram indicando fontes de referência ou lendo e criticando partes dos originais: Michael Albert, Robert Alford, Roger Balian, Louise Barre, Paul Boghossian, Ray m ond Boudon, Pierre Bourdieu, Jacques Bouveresse, Georges Bricm ont, Jam es Robert Brown, Tim Budden, Noam Chom sky, Helena Cronin, Bérangère Deprez, Jean Dhom bres, Cy rano de Dom inicis, Pascal Engel, Barbara Epstein, Roberto Fernández, Vincent Fleury, Julie Franck, Allan Franklin, Paul Gérardin, Michel Gevers, Michel Ghins, Yves Gingras, Todd Gitlin, Gerald Goldin, Sy lviane Goraj , Paul Gross, Étienne Guy on, Michael Harris, Géry -Henri Hers, Gerald Horton, John Huth, Markku Javanainen, Gérard Jorland, Jean-Michel Kantor, Noretta Koertge, Hubert Krivine, Jean-Paul Krivine, Antti Kupiainen, Louis Le Borgne, Gérard Lem aine, Geert Lernout, Jerrold Levinson, Norm Levitt, Jean-Claude Lim pach, Andréa Loparic, John Madore, Christian Macs, Francis Martens, Tim Maudlin, Sy Mauskopf, Jean Mawhin, Maria McGavigan, N. David Merm in, Enrique Muôoz,

Meera Nanda, Michael Nauenberg, Hans-Joachim Niem ann, Marina Papa, Patrick Peccatte, Jean Pestieau, Daniel Pinkas, Louis Pinto, Patrícia Radelet de Grave, Marc Richelle, Benny Rigaux-Bricm ont, Ruth Rosen, David Ruelle, Patrick Sand, Mônica Santoro, Abner Shim ony, Lee Sm olin, Philippe Spindel, Hector Sussm ann, Jukka-Pekka Takala, Serge Tisseron, Jacques Treiner, Claire Van Cutsem , Jacques Van Rillaer, Loíc Wacquant, Nicky White, Nicolas Witkowski e Daniel Zwanziger. Ressaltam os que essas pessoas não estão necessariam ente de acordo com o conteúdo ou m esm o com a intenção deste livro.

Finalm ente, agradecem os a Marina, Claire, Thom as e Antoine por nos terem aturado nesses últim os dois anos.

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Introdução

Enquanto a autoridade inspirar temor reverenciai, a confusão e o absurdo irão consolidar as tendências conservadoras da sociedade. Primeiramente, porque o pensamento claro e lógico conduz à acumulação de conhecimentos (cujo melhor exemplo é fornecido pelo progresso das ciências naturais), e o avanço do conhecimento cedo ou tarde solapa a ordem tradicional. Pensamento confuso, por outro lado, leva a lugar nenhum e pode ser tolerado indefinidamente sem produzir nenhum impacto no mundo.

Stanislav Andreski, Social Sciences as Sorcery (1972, p. 90)

A história deste livro com eça com um a farsa. Durante anos, fom os ficando escandalizados e angustiados com a tendência intelectual de certos círculos da academ ia am ericana. Vastos setores das ciências sociais e das hum anidades parecem ter adotado um a filosofia que cham arem os, à falta de m elhor term o, de “pós-m odernism o”: um a corrente intelectual caracterizada pela rej eição m ais ou m enos explícita da tradição racionalista do Ilum inism o, por discursos teóricos desconectados de qualquer teste em pírico, e por um relativism o cognitivo e cultural que encara a ciência com o nada m ais que um a “narração”, um “m ito” ou um a construção sodal entre m uitas outras.

Para responder a esse fenôm eno, um de nós (Sokal) decidiu tentar um a experiência não-cientifica m as original: subm eter à apreciação de um a revista cultural am ericana da m oda, a Social Text, um a caricatura de um tipo de trabalho que havia proliferado em anos recentes, para ver se eles o publicariam . O artigo, intitulado “Transgredindo as fronteiras: em direção a um a herm enêutica transform ativa da gravitação quântica”,{10} está eivado de absurdos e ilogism os flagrantes. Adem ais, ele defende um a form a extrem a de relativism o cognitivo: depois de ridicularizar o obsoleto “dogm a” de que “existe um m undo exterior, cuj as propriedades são independentes de qualquer indivíduo e m esm o da hum anidade com o um todo”, proclam a categoricam ente que “a ‘realidade’ física, não m enos que a ‘realidade’ social, é no fundo um a construção social e linguística”. Por m eio de um a série de raciocínios de um a lógica espantosa, o artigo chega à conclusão de que “o n de Euclides e o G de Newton, antigam ente im aginados com o constantes e universais, são agora entendidos em sua inelutável

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historicidade”. O restante prossegue na m esm a linha.

Apesar disso, o artigo foi aceito e publicado. Pior, foi publicado num a edição especial da Social Text destinada a refutar a crítica dirigida ao pós-m odernism o e ao construtivism o social por vários cientistas em inentes.{11} É difícil im aginar, para os editores da Social Text, um m eio m ais radical de atirar nos próprios pés.

Sokal revelou im ediatam ente sua artim anha, provocando um a reação tem pestuosa tanto na im prensa acadêm ica quanto na im prensa em geral.{12} Muitos pesquisadores em hum anidades e ciências sociais escreveram a Sokal, às vezes de m aneira m uito com ovida, para agradecer-lhe o que tinha feito e para expressar sua própria rej eição às tendências pós-m odernistas e relativistas que dom inam largas parcelas de suas disciplinas. Um estudante achou que o dinheiro que tinha econom izado para financiar seus estudos tinha sido gasto com as roupas de um im perador que, com o na fábula, estava nu. Outro escreveu que ele e seus colegas tinham ficado excitados pela farsa, m as pedia que seu estado de ânim o fosse m antido em segredo porque, se bem que desej asse m udar as atitudes na sua disciplina, ele só poderia fazê-lo depois de assegurar um trabalho perm anente.

Mas o que significou este estardalhaço todo? Apesar do exagero da m ídia, o sim ples fato de a m istificação ter sido publicada prova pouco em si m esm o; no m áxim o revela algo sobre os padrões intelectuais de uma revista da m oda. Outras conclusões interessantes podem ser obtidas, no entanto, exam inando-se o conteúdo do sim ulacro.{13} Num exam e m inucioso, pode-se perceber que a paródia foi construída em torno de citações de em inentes intelectuais franceses e am ericanos concernentes às alegadas im plicações filosóficas e sociais da m atem ática e das ciências naturais. Os trechos são absurdos ou desprovidos de sentido, m as são, apesar disso, autênticos. Com efeito, a única contribuição de Sokal foi providenciar um “cim ento” (cuj a “lógica” é evidentem ente fantasiosa) para j untar estas citações e elogiá-las. Os autores em questão form am um verdadeiro panteão da “teoria francesa” contem porânea: Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Félix Guattari, Luce Irigaray, Jacques Lacan, Bruno Latour, Jean-François Ly otard, Michel Serres e Paul Virilio.{14} As citações incluem tam bém m uitos proem inentes acadêm icos am ericanos em estudos culturais e cam pos correlatos; contudo estes autores são frequentem ente, pelo m enos em parte, discípulos ou com entadores dos m estres franceses.

Visto que as citações inseridas na farsa foram um tanto breves, Sokal reuniu em seguida um a série de textos m ais longos para ilustrar a m anipulação pelos autores das ciências naturais, fazendo-a circular entre seus colegas cientistas. A reação deles foi um m isto de hilaridade e consternação: dificilm ente poderiam acreditar que alguém — m uito m enos renom ados intelectuais — pudesse escrever tam anhos disparates. Entretanto, quando os não-cientistas leram este m aterial, salientaram a necessidade de explicar com precisão e em term os de alcance geral porque as m encionadas passagens são absurdas ou sem sentido. A partir deste m om ento, nós dois trabalham os j untos para produzir um a série de análises e com entários dos textos, que resultaram neste livro.

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O que queremos mostrar

O obj etivo desta obra é oferecer um a contribuição, lim itada porém original, à crítica do evidentem ente nebuloso Zeitgeist que denom inam os “pós-m odernis“pós-m o”. Não te“pós-m os a pretensão de analisar o pensa“pós-m ento pós-“pós-m odernista em geral; nossa intenção é cham ar atenção para aspectos relativam ente pouco conhecidos, isto é, o abuso reiterado de conceitos e term inologia provenientes da m atem ática e da física. Querem os analisar tam bém determ inadas confusões de pensam ento que são frequentes nos escritos pós-m odernistas e que se relacionam tanto com o conteúdo quanto com a filosofia das ciências naturais.

Para ser preciso, a palavra “abuso” denota aqui um a ou m ais das seguintes características:

1. Falar abundantem ente de teorias científicas sobre as quais se tem , na m elhor das hipóteses, um a idéia extrem am ente confusa. A tática m ais com um é usar a term inologia científica (ou pseudocientífica) sem se incom odar m uito com o que as palavras realm ente significam.

2. Im portar conceitos próprios das ciências naturais para o interior das ciências sociais ou hum anidades, sem dar a m enor j ustificação conceituai ou em pírica. Se um biólogo quisesse em pregar, em sua pesquisa, noções elem entares de topologia m atem ática, teoria dos conj untos ou geom etria diferencial, ele teria de dar algum a explicação. Um a vaga analogia não seria tom ada m uito a sério pelos seus colegas. Aqui, pelo contrário, aprendem os com Lacan que a estrutura do paciente neurótico é precisam ente o toro (nada m enos que a própria realidade, cf. p. 33); com Kristeva que a linguagem poética pode ser teorizada em term os da cardinalidade do continuum (p. 51), e com Baudrillard que a guerra m oderna ocorre num espaço não-euclidiano (p. 147) — tudo sem explicação.

Ostentar um a erudição superficial ao atirar na cara do leitor, aqui e ali, descaradam ente, term os técnicos num contexto em que eles são totalm ente irrelevantes. O obj etivo é, sem dúvida, im pressionar e, acim a de tudo, intim idar os leitores não-cientistas. Mesm o alguns acadêm icos e com entaristas da im prensa caem nesta arm adilha: Roland Barthes im pressionou-se com a precisão do trabalho de Julia Kristeva (p. 49), e o Le Monde adm ira a erudição de Paul Virilio (p. 169).

4. Manipular frases e sentenças que são, na verdade, carentes de sentido. Alguns destes autores exibem um a verdadeira intoxicação de palavras, com binada com um a extraordinária indiferença para com o seu significado.

Estes autores falam com um a autoconfiança que excede de longe sua com petência científica: Lacan orgulha-se de utilizar “a m ais recente evolução em topologia” (p. 35), e Latour pergunta se ele não teria ensinado algum a coisa a Einstein (p. 131). Eles im aginam , talvez, que podem explorar o prestígio das ciências naturais de m odo a transm itir aos seus próprios discursos um a aparência

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de rigor. E parecem confiar que ninguém irá revelar o em prego incorreto dos conceitos científicos. Ninguém irá dizer que o rei está nu.

Nossa m eta é precisam ente dizer que o rei está nu (e a rainha tam bém ). Porém querem os deixar claro: não investim os contra a filosofia, as hum anidades ou as ciências sociais em geral; pelo contrário, consideram os que estes cam pos do conhecim ento são da m áxim a im portância e querem os prevenir aqueles que trabalham nessas áreas (especialm ente estudantes) contra alguns casos m anifestos de charlatanism o.{15} Em especial querem os “desconstruir” a reputação que certos textos têm de ser difíceis em virtude de as idéias ali contidas serem m uito profundas. Irem os dem onstrar, em m uitos casos, que, se os textos parecem incom preensíveis, isso se deve à excelente razão de que não querem dizer absolutam ente nada.

Existem distintos graus de abuso. De um lado, encontram -se extrapolações de conceitos científicos para além de sua área de abrangência, que são errôneos m as por razões sutis. Por outro lado, deparam os com num erosos textos que estão cheios de term os científicos m as são inteiram ente desprovidos de sentido. E há, é claro, um a m assa de discursos que podem estar situados em algum ponto entre estes dois extrem os, em bora priorizem os neste livro os abusos m anifestos, falarem os tam bém brevem ente de algum as confusões m enos óbvias, concernentes à teoria do caos (cap. 6).

Sublinhem os que não é nada vergonhoso ser ignorante em cálculo infinitesim al ou em m ecânica quântica. O que estam os criticando é a pretensão de alguns celebrados intelectuais de propor reflexões profundas sobre assuntos com plexos que eles conhecem , na m elhor das hipóteses, no plano da popularização.{16}

Neste ponto, o leitor deve naturalm ente estar se perguntando: esses abusos nascem de um a fraude consciente, de auto-engano ou de um a com binação de am bos? Não podem os dar nenhum a resposta categórica a essa questão, por falta de prova (publicam ente disponível). Porém , m ais im portante, devem os confessar que não consideram os essa questão de grande interesse. Nosso propósito aqui é estim ular um a atitude crítica não sim plesm ente em relação a certos indivíduos, m as com respeito à parcela da intelligentsia (tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e outras partes do m undo) que tolerou e até m esm o encoraj ou esse tipo de discurso.

Sim, mas …

Antes de prosseguir, vam os responder a algum as das obj eções que, sem dúvida, ocorrerão ao leitor.

1. O caráter marginal das citações. Poder-se-ia argum entar que nós procuramos pequenos deslizes de autores que reconhecidam ente não têm form ação científica e que talvez tenham com etido o erro de se aventurar em

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terreno pouco fam iliar, m as cuj a contribuição à filosofia e/ou às ciências sociais é im portante e não está, de m aneira algum a, invalidada pelos “pequenos equívocos” aqui revelados. Responderíam os, prim eiram ente, que esses textos contêm m uito m ais que m eros “erros”: eles dem onstram um a profunda indiferença, se não desdém , pelos fatos e pela lógica. Nosso obj etivo não é, portanto, ridicularizar críticos literários que com etem enganos ao citar a relatividade ou o teorem a de Gödel, m as defender os cânones da racionalidade e da honestidade intelectual que são (ou deveriam ser) com uns a todas as disciplinas eruditas.

É evidente que não tem os com petência para j ulgar os aspectos não científicos do trabalho desses autores. Entendem os perfeitam ente bem que suas “intervenções” nas ciências naturais não constituem os tem as centrais de suas obras. Porém , quando a desonestidade intelectual (ou flagrante incom petência) é descoberta num trecho — m esm o m arginal — do texto de alguém , é natural querer exam inar m ais criticam ente o restante do seu trabalho. Não querem os prej ulgar os resultados de tal análise, m as sim plesm ente rem over a aura de profundidade que por vezes im pediu estudantes (e professores) de em preendê-la. Quando idéias são aceitas com o dogm a ou por estar na m oda, elas são especialm ente sensíveis ao desm ascaram ento, até m esm o em seus aspectos m arginais. Por exem plo, as descobertas geológicas dos séculos XVIII e XIX m ostraram que a Terra é m uito m ais velha que os cinco m il anos, ou coisa que o valha, narrados na Bíblia; e, em bora estas constatações contradigam apenas um a pequena parte da Bíblia, tiveram o efeito indireto de solapar sua credibilidade geral com o narração fatual da história, de m odo que hoj e em dia poucas pessoas (a não ser nos Estados Unidos) acreditam na Bíblia de m aneira literal com o o fazia a m aioria dos europeus poucos séculos atrás. Considerem , em com pensação, a obra de Isaac Newton: estim a-se que 90% de seus escritos tratam de alquim ia ou m isticism o. Mas e daí? O resto sobrevive porque está baseado em sólidos argum entos em píricos e racionais. Do m esm o m odo, a m aior parte da física de Descartes é falsa, porém algum as das questões filosóficas que ele levantou ainda hoj e são pertinentes. Se o m esm o pode ser dito da obra de nossos autores, nossas constatações, então, têm relevância apenas m arginal. Todavia, se estes escritores se tornaram estrelas internacionais prim eiram ente por razões sociológicas em vez de intelectuais e em parte porque são m estres da linguagem e podem im pressionar seu público com um hábil abuso de term inologia sofisticada — não científica e científica —, então as revelações contidas neste ensaio podem , de fato, ter repercussões significativas.

Deixem -nos enfatizar que estes autores diferem enorm em ente entre si em sua atitude em relação à ciência e na im portância que dão a ela. Eles não devem ser am ontoados num a única categoria, e querem os alertar o leitor contra a tentação de assim agir. Por exem plo, em bora a citação de Derrida contida na paródia de Sokal sej a m uito engraçada,{17} trata-se de abuso isolado; um a vez que não existe um em prego sistem ático incorreto da ciência na obra de Derrida, não existe capítulo específico sobre Derrida neste livro. Por outro lado, a obra de Serres está repleta de alusões m ais ou m enos poéticas à ciência e sua história;

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contudo suas assertivas, em bora extrem am ente vagas, não são, em geral, destituídas de sentido nem totalm ente falsas, e por isso não as discutim os aqui em detalhe.{18} Os prim eiros trabalhos de Kristeva se baseiam firm em ente (e abusivam ente) na m atem ática, m as ela abandonou esta abordagem há m ais de vinte anos; nós os criticam os aqui porque os consideram os sintom áticos de certo estilo intelectual. Todos os outros autores, em contrapartida, invocaram extensam ente a ciência em suas obras. Os textos de Latour levam considerável quantidade de água ao m oinho do relativism o contem porâneo e estão fundam entados num a análise supostam ente rigorosa da prática científica. Os trabalhos de Baudrillard, Deleuze, Guattari e Virilio estão repletos de referências aparentem ente eruditas à relatividade, à m ecânica quântica, à teoria do caos etc. Assim , não é inútil dem onstrar que sua erudição científica é bastante superficial. Além do m ais, irem os fornecer referências de textos adicionais desses autores onde o leitor poderá encontrar outros num erosos abusos.

2. Vocês não entenderam o contexto. Defensores de Lacan, Deleuze et al poderiam afirm ar que suas citações de conceitos científicos são válidas e até profundas, e que nossa crítica falha porque não conseguim os entender o contexto. Afinal de contas, adm itim os de boa vontade que nem sem pre entendem os o restante da obra desses autores. Não seriam os nós uns cientistas arrogantes e intolerantes, que deixam escapar algo sutil e profundo?

Contestaríam os, antes de m ais nada, que, quando conceitos da m atem ática ou da física são trazidos para outra área do conhecim ento, algum argum ento deve ser fornecido para j ustificar sua pertinência. Em todos os casos aqui apresentados, verificam os que não existe nenhum argum ento deste tipo, nem próxim o ao trecho que citam os nem em nenhum a outra parte do artigo ou do livro.

Além do m ais, existem algum as “m aneiras práticas de proceder” que podem ser utilizadas para determ inar se a m atem ática está sendo incluída com algum obj etivo intelectual verdadeiro em m ente ou sim plesm ente para im pressionar o leitor. Prim eiro, nos casos de uso legítim o, o autor necessita ter um bom conhecim ento da m atem ática que ele pretende em pregar — em especial, não deve haver erros grosseiros — e deve explicar as noções técnicas necessárias, tão claram ente quanto possível, em term os que sej am inteligíveis para o pretenso leitor (presum ivelm ente um não-cientista). Em segundo lugar, com o os conceitos m atem áticos têm significado preciso, a m atem ática é útil principalm ente quando aplicada a cam pos nos quais os conceitos têm igualm ente significado m ais ou m enos preciso. É difícil perceber com o a noção m atem ática de espaço com pacto pode ser aplicada proveitosam ente em algum a coisa tão m al definida quanto o “espaço de jouissance” [gozo] em psicanálise. Em terceiro lugar, é especialm ente suspeito quando conceitos m atem áticos intricados (com o a hipótese do continuum na teoria dos conj untos), que raram ente são usados, quando m uito na física — e certam ente nunca na quím ica ou biologia —, se tom am m ilagrosam ente relevantes em hum anidades ou em ciências sociais.

3. Licença poética. Se um poeta utiliza palavras com o “buraco negro” ou “grau de liberdade” fora de contexto e sem um a verdadeira com preensão do seu

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significado científico, isso não nos incom oda. Do m esm o m odo, se um escritor de ficção científica usa corredores secretos no espaço-tem po de form a a enviar seus personagens de volta para a era das Cruzadas, isto é sim plesm ente um a questão de gosto.

Em contrapartida, insistim os em que os exem plos dados no livro nada têm a ver com licença poética. Esses autores dissertam , com pretensa seriedade, sobre filosofia, psicanálise, sem iótica ou sociologia. Seus trabalhos são obj eto de incontáveis análises, exegeses, sem inários e teses de doutorado.{19} Seu obj etivo é nitidam ente produzir teoria, e é neste terreno que os criticam os. Além disso, seu estilo é habitualm ente pesado e pom poso, e por isso é altam ente im provável que sua m eta sej a prim ariam ente literária ou poética.

4. O papel das metáforas. Algum as pessoas pensarão, sem dúvida, que estam os interpretando esses autores m uito literalm ente e que as passagens que citam os deveriam ser lidas com o m etáforas e não com o raciocínios precisos. Na verdade, em certos casos a “ciência” tem indubitavelm ente a pretensão de ser m etafórica; porém qual é o propósito destas m etáforas? Um a m etáfora é usualm ente em pregada para esclarecer um conceito pouco fam iliar relacionando-o com outro conceito m ais fam iliar, não o contrário. Suponham os, por exem plo, que num sem inário de física teórica tentássem os explicar um conceito extrem am ente técnico de teoria quântica de cam pos com parando-o ao conceito de aporia na teoria literária de Derrida. Nosso público de físicos se perguntaria, com razão, qual é o obj etivo de tal m etáfora — se é ou não pertinente — a não ser sim plesm ente exibir nossa própria erudição. Do m esm o m odo, não vem os a utilidade de invocar, m esm o m etaforicam ente, noções científicas m uito m al dom inadas para um público de leitores com posto quase inteiram ente de não-cientistas. A finalidade da m etáfora não seria então apresentar com o profunda um a observação filosófica ou sociológica bastante banal, revestindo-a elegantem ente de j argão pretensam ente científico?

5. O papel das analogias. Muitos autores, incluindo alguns daqueles discutidos aqui, tentam argum entar por analogia. Não nos opom os, de m odo algum , ao esforço de estabelecer analogias entre os diversos dom ínios do pensam ento hum ano; de fato, a observação de um a analogia válida entre duas teorias atuais pode, com frequência, ser m uito útil ao desenvolvim ento subsequente de am bas. Neste caso, contudo, pensam os que as analogias são entre teorias bem estabelecidas (nas ciências naturais) e teorias dem asiado vagas para serem testadas em piricam ente (por exem plo, psicanálise lacaniana). Não se pode deixar de suspeitar que a função destas analogias é ocultar a fragilidade da teoria m ais vaga.

Querem os enfatizar que um a teoria incom pleta — sej a na física, na biologia ou nas ciências sociais — não pode ser redim ida com o m ero envolvim ento em sím bolos e fórm ulas. O sociólogo Stanislav Andreski expressou essa idéia com a sua habitual ironia:

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receita é tão sim ples quanto com pensadora: pegue um livro universitário de m atem ática, copie as partes m enos com plicadas, enxerte algum as referências à literatura sobre um ou dois ram os dos estudos sociais, sem se preocupar em dem asia se as fórm ulas que você anotou têm algum a relação com as ações hum anas reais, e dê ao seu produto um título bem sonoro, que sugira que você encontrou a chave da ciência exata do com portam ento coletivo. (Andreski 1972, pp. 129-130.)

A crítica de Andreski visou originalm ente a sociologia quantitativa am ericana, porém é igualm ente aplicável a alguns dos textos aqui citados, notadam ente os de Lacan e Kristeva.

6. Quem é competente? Tem os sido frequentem ente confrontados com a seguinte pergunta: Vocês desej am im pedir os filósofos de falar sobre ciência porque eles não têm a form ação requerida; m as que qualificações têm vocês para falar de filosofia? Essa pergunta revela um m onte de m al-entendidos. Antes de m ais nada, não querem os im pedir ninguém de falar sobre coisa algum a. Em segundo lugar, o valor intelectual de um a intervenção é determ inado pelo seu conteúdo, não pela identidade de quem fala e m uito m enos pelos seus diplom as. {20} Em terceiro lugar, há um a assim etria: nós não estam os j ulgando a psicanálise de Lacan, a filosofia de Deieuze ou a obra concreta de Latour na sociologia. Apenas nos lim itam os às suas afirm ações sobre a m atem ática e as ciências físicas ou sobre problem as elem entares da filosofia da ciência.

7. Vocês também não se apoiam no argumento da autoridade? Se afirm am os que a m atem ática de Lacan é um a tolice, com o podem os leitores não-cientistas j ulgar? Devem fiar-se apenas nas nossas palavras?

Não totalm ente. Antes de m ais nada, tentam os, rigorosam ente, fornecer explicações detalhadas dos conhecim entos científicos, de sorte que o leitor não-especialista possa avaliar por que determ inada asserção é errônea ou sem sentido. Podem os não ter sido bem -sucedidos em todos os casos: o espaço é lim itado, e a pedagogia científica é difícil. O leitor tem perfeitam ente o direito de reservar seu j ulgam ento para aqueles casos em que nossa explanação é inadequada. Porém , acim a de tudo, deveria lem brar que a nossa crítica não cuida principalm ente de erros, m as da m anifesta irrelevância da term inologia científica para o tem a supostam ente sob investigação. Em todas as críticas, debates e correspondência privada que se seguiram à publicação do nosso livro na França, ninguém forneceu nem m esm o o m ais leve argum ento explicando com o esta relevância poderia ser estabelecida.

8. Mas esses autores não são “pós-modernistas”. É verdade que os autores franceses abordados neste livro não se definem todos com o “pós-m odernistas” ou “pós-estruturalistas”. Alguns desses textos foram publicados antes do surgim ento dessas correntes intelectuais, e alguns desses autores rej eitam qualquer ligação com essas correntes. Além do m ais, os abusos intelectuais

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criticados neste livro não são hom ogêneos; eles podem ser classificados, m uito sim plificadam ente, em duas categorias, correspondendo aproximadamente a duas fases da vida intelectual na França. A prim eira fase é a do estruturalism o extrem o e se estende até o com eço dos anos 70: os autores tentam desesperadam ente atribuir aos vagos discursos no cam po das ciências hum anas um tom de “cientificidade” invocando algum as aparências externas da m atem ática. A obra de Lacan e os prim eiros trabalhos de Kristeva enquadram -se nesta categoria. A segunda fase é a do pós-estruturalism o, que com eçou em m eados da década de 1970: aqui, qualquer pretensão de “cientificidade” é abandonada, e a filosofia subj acente (na m edida em que se pode identificar) inclina-se na direção do irracionalism o ou do niilism o. Os textos de Baudrillard, Deleuze e Guattari exem plificam essa atitude.

Além disso, a própria idéia de que existe um a categoria distintiva de pensam ento cham ada “pós-m odernista” é m uito m enos difundida na França que no m undo de língua inglesa. Se nós, contudo, em pregam os este term o por com odidade, é porque todos os autores aqui analisados são vistos com o pontos de referência fundam entais no discurso pós-m odernista em idiom a inglês, e porque alguns aspectos dos seus textos (j argão obscuro, rej eição im plícita do pensam ento racional, abuso da ciência com o m etáfora) são traços com uns do pós-m odernism o anglo-am ericano. Em todo caso, a validade das nossas críticas não pode, de m aneira algum a, depender do em prego de um a palavra; nossos argum entos devem ser avaliados, para cada autor, independentem ente de seus vínculos — sej am conceitualm ente j ustificados ou m eram ente sociológicos — com a corrente “pós-m odernista” m ais am pla.

9. Por que vocês criticam esses autores e não outros? Um a longa lista de “outros” nos foi sugerida, tanto publicam ente quanto em particular: a lista inclui virtualm ente todas as aplicações da m atem ática nas ciências sociais (p. ex. econom ia), especulações de físicos em livros de divulgação científica (p. ex. Hawking, Penrose), sociobiologia, ciência cognitiva, teoria da inform ação, a interpretação de Copenhague (escola de Copenhague) da m ecânica quântica, e a utilização de conceitos científicos e fórm ulas por Hum e, La Mettrie, D’Holbach, Helvetius, Condillac, Com te, Durkheim , Pareto, Engels e vários outros.{21}

Com ecem os observando que esta pergunta é irrelevante para a validade ou não dos nossos argum entos; na m elhor das hipóteses pode ser usada para lançar calúnias sobre nossas intenções. Suponha que existam outros abusos tão ruins com o os de Lacan ou Deleuze; com o esse fato poderia legitim ar estes autores?

Contudo, um a vez que a questão das razões da nossa “escolha” é tão frequentem ente levantada, vam os tentar esclarecê-la brevem ente. Antes de m ais nada, não tem os a intenção de escrever um a enciclopédia em dez volum es sobre “o absurdo desde Platão”, nem tem os com petência para fazê-lo. Nosso escopo é lim itado, em prim eiro lugar, aos abusos com etidos nos terrenos científicos nos quais podem os reivindicar algum a perícia, isto é, m atem ática e física;{22} em segundo lugar, aos abusos que estão atualm ente em m oda em influentes círculos intelectuais; em terceiro lugar, aos abusos que não foram previam ente analisados

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em detalhe. No entanto, m esm o com essas delim itações, não afirm am os que nosso conj unto de alvos sej a exaustivo ou que eles constituam um a “seleção natural”. Muito sim plesm ente, Sokal topou com a m aioria destes textos ao escrever a sua paródia, e nós decidim os, após reflexão, que valeria a pena torná-los públicos.

Além disso, sustentam os que existe profunda diferença entre os textos aqui analisados e a m aioria dos outros exem plos que nos foram sugeridos. Os autores citados neste livro obviam ente não têm m ais que um a vaga com preensão dos conceitos científicos que invocam e, m ais im portante, não fornecem nenhum argum ento que j ustifique a relevância destes conceitos científicos para os tem as que, segundo dizem , estão em estudo. Estão em penhados em alinhavar nom es e não sim plesm ente em raciocínio defeituoso. Assim , em bora sej a m uito im portante avaliar criticam ente o uso da m atem ática nas ciências sociais e as asserções filosóficas ou especulativas feitas por cientistas naturais, estes proj etos são diferentes — e consideravelm ente m ais sutis — que os nossos próprios.{23}

Um a questão relacionada é a seguinte:

10. Por que vocês escrevem um livro sobre isso e não sobre temas mais sérios? É o pós-modernismo um perigo tão grande à civilização? Antes de mais nada, esta é uma pergunta estranha. Suponha-se que alguém descubra docum entos relevantes para a história de Napoleão Bonaparte e escreva um livro sobre eles. Alguém perguntaria se ele considera este tem a m ais im portante que a Segunda Guerra Mundial? Sua resposta, e a nossa, seria que um autor escreve sobre determ inado tem a em duas condições: se é com petente e se está capacitado a contribuir com algo original. O assunto escolhido nunca irá coincidir com o problem a m ais im portante do planeta, a m enos que se tenha um a sorte fora do com um .

É claro que não acham os que o pós-m odernism o sej a um grande perigo para a civilização. Do ponto de vista m ais geral, é um fenôm eno um tanto m arginal, e existem form as de irracionalism o bastante m ais perigosas — o fundam entalism o religioso, por exem plo. Todavia, acreditam os que a crítica ao pós-m odernism o é útil por razões intelectuais, pedagógicas, culturais e políticas; voltarem os a esse assunto no epílogo.

Finalm ente, a fim de evitar polêm icas inúteis e “refutações” fáceis, querem os ressaltar que este livro não é um panfleto de direita contra intelectuais de esquerda, ou um ataque im perialista am ericano kintelligentsia parisiense, ou um sim ples apelo ignorante ao “bom senso”. De fato, o rigor científico que defendem os conduz frequentem ente a resultados que entram em conflito com o “bom senso”; o obscurantism o, a confusão m ental e atitudes anti científicas de m odo algum são de esquerda, assim com o não o é a veneração quase-religiosa aos “grandes intelectuais”; e o fascínio de um a parte da intelligentsia am ericana ao pós-m odernism o dem onstra que o fenôm eno é internacional. Em especial, a nossa crítica de m odo algum é m otivada pelo “nacionalism o e protecionism o teórico” que o escritor francês Didier Eribon acredita detectar no trabalho de alguns críticos am ericanos.{24} Nossa finalidade é, m uito sim plesm ente,

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denunciar a desonestidade e a im postura intelectuais, venha de onde vier. Se um a parte considerável do “discurso” pós-m odernista dos acadêm icos contem porâneos am ericanos e ingleses é de inspiração francesa, é igualm ente verdade que os intelectuais de língua inglesa vêm há m uito tem po dando a esse “discurso” um autêntico sabor autóctone.{25}

O plano deste livro

A m aior parte deste livro consiste na análise de textos, autor por autor. Para com odidade dos leitores não-especialistas, fornecerem os, em notas de rodapé, breves explicações dos conceitos científicos relevantes, bem com o referências a bons textos de popularização científica.

Alguns leitores pensarão, sem dúvida, que levam os esses textos dem asiado a sério. Isto é verdade, em certo sentido. Mas, com o esses textos são tom ados a sério por m uita gente, pensam os que eles m erecem ser analisados com o m aior rigor. Em alguns casos citarem os longos trechos, correndo o risco de aborrecer o leitor, m as para m ostrar que não deturpam os o sentido do texto extraindo frases do seu contexto.

Além dos abusos stricto sensu, analisam os certas confusões científicas e filosóficas nas quais se fundam enta m uito do pensam ento pós-m odernista. Prim eiram ente, levarem os em conta o problem a do relativism o cognitivo e m ostrarem os que um a série de idéias originárias da história e da filosofia das ciências não tem as im plicações radicais frequentem ente atribuídas a elas (cap. 3). Em seguida indicarem os diversos equívocos relativos à teoria do caos e à auto denom inada “ciência pós-m oderna” (cap. 6). Finalm ente, no epílogo, situarem os nossa crítica num contexto cultural m ais am plo.

Muitos dos textos aqui transcritos surgiram originalm ente na França. Em penham o-nos em m anter, tanto quanto possível, fidelidade ao original francês, e em caso de dúvida reproduzim os este últim o entre parênteses ou m esm o in totum. Garantim os ao leitor que, se as passagens parecerem incom preensíveis, é porque no original francês tam bém o são.

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Capítulo 1

JACQ UES LACAN

Basta, para esse fim, reconhecer que Lacan confere, enfim, ao

pensamento de Freud os necessários conceitos científicos.

Louis Althusser, Écrits sur la psy chanaly se (1993, p. 50)

Lacan é, com o ele m esm o diz, um autor cristalino.

Jean-Claude Milner, L’Oeuvre claire (1995, p. 7)

Jacques Lacan foi um dos m ais fam osos e influentes psicanalistas deste século. Todo ano, dezenas de livros e artigos são dedicados à análise de sua obra. De acordo com seus discípulos, ele revolucionou a teoria e a prática da psicanálise; segundo seus detratores, é um charlatão e seus escritos são pura verborragia. Não entrarem os no debate sobre a parte puram ente psicanalítica da obra de Lacan. De preferência, lim itar-nos-em os à análise de suas frequentes referências à m atem ática, para m ostrar que Lacan ilustra perfeitam ente, em diferentes partes de seu trabalho, os abusos enum erados em nossa introdução.

A “topologia psicanalítica”

O interesse de Lacan pela m atem ática centra-se fundam entalm ente na topologia, ram o da m atem ática que trata (entre outras coisas) das propriedades dos obj etos geom étricos — superfícies, sólidos e assim por diante — que perm anecem im utáveis quando o obj eto é deform ado sem ser partido. (Segundo

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um a anedota clássica, um topólogo é incapaz de perceber a diferença entre um a rosquinha e um a xícara de café, pois am bos são obj etos sólidos com um só buraco através do qual se pode enfiar um dedo.) Os escritos de Lacan contêm algum as referências à topologia j á nos anos 50; todavia a prim eira discussão extensiva (e disponível publicam ente) nos reporta a um célebre congresso sobre o tem a “As linguagens da crítica e as ciências do hom em ”, que teve lugar na Universidade Johns Hopkins em 1966. Eis um excerto da conferência de Lacan:

Este diagram a [a fita de Möbius]{26} pode ser considerado a base de um a espécie de inscrição essencial na origem , no nó que constitui o suj eito.

Isto vai m uito além do que à prim eira vista se possa pensar, porquanto se pode procurar um a espécie de superfície em condições de receber tais inscrições. Pode-se verificar, talvez, que a esfera, esse velho sím bolo da totalidade, é inadequada. Um toro, um a garrafa de Klein, um a superfíci e cross-cut{27} são suscetíveis de receber sem elhante corte. E esta diversidade é m uito im portante, pois explica m uitas coisas sobre a estrutura da doença m ental. Se o suj eito pode ser sim bolizado por este corte fundam ental, da m esm a m aneira se poderá m ostrar que um corte num toro corresponde ao sujeito neurótico, e um corte num a superfície cross-cut, a outra espécie de doença m ental. (Lacan 1970, pp. 192-193)

Talvez o leitor estej a se perguntando o que estes diferentes obj etos topológicos têm a ver com a estrutura da doença m ental. Bem , nós tam bém ; e o restante do texto de Lacan nada esclarece sobre a m atéria. Não obstante, Lacan insiste em que sua topologia “explica m uitas coisas”. Na discussão que se seguiu à conferência, ocorreu o seguinte diálogo:

HARRY WOOLF: Peço perm issão para indagar se essa aritm ética fundam ental e essa topologia não constituem em si m esm as um m ito ou sim plesm ente, na m elhor das hipóteses, um a analogia para explicar a vida do espírito?

JACQUES LACAN: Analogia com o quê? “S” designa algo que pode ser escrito exatam ente com o esse S. E eu disse que o “S” que designa o suj eito é instrum ento, m atéria, para sim bolizar um a perda (loss). Um a perda que você apreende por experiência própria com o suj eito (e eu tam bém ). Em outras palavras, a separação (gap) entre um a coisa que tem significados m arcados e essa outra coisa que

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é m eu verdadeiro discurso, que tento colocar no lugar onde você está, você não com o outro suj ei to m as com o pessoa capaz de m e com preender. Onde está o análogo [analagon]? Ou essa perda existe, ou não existe. Se existe, só é possível designar a perda por um sistem a de sím bolos. Em todo caso, a perda não existe antes que esta sim bolização indique seu lugar. Isso não é analogia. É, na verdade, em algum a parte das realidades, essa espécie de toro. Este toro realm ente existe e é exatam ente a estrutura do neurótico. Não é um a analogia; nem m esm o um a abstração, porque um a abstração é algum a espécie de dim inuição da realidade, e eu penso que isso é a própria realidade. (Lacan 1970, pp. 195-196)

Aqui, novam ente Lacan não fornece nenhum argum ento para sustentar sua perem ptória asserção segundo a qual o toro “é exatam ente a estrutura do neurótico”. Além do m ais, quando indagado se se trata sim plesm ente de um a analogia, ele nega.

Com o passar dos anos, Lacan torna-se cada vez m ais aficionado da topologia. Um a conferência de 1972 com eça brincando com a etim ologia do vocábulo (do grego topos; lugar + logos, palavra):

Nesse espaço de jouissance [gozo], apoderar-se de algo que é lim itado, fechado [bomé, fermé], constitui um locus [lieu], e falar dele é um a topologia (Lacan 1975a, p. 14; sem inário originalm ente realizado em 1972).

Nessa frase, Lacan usou quatro term os técnicos da análise m atem ática (espaço, lim itado, fechado, topologia), m as sem prestar atenção ao seu significado; a oração nada significa do ponto de vista m atem ático. Aliás — e m ais destacadam ente —, Lacan j am ais explica a pertinência destes conceitos m atem áticos para a psicanálise. Mesm o que o conceito de “jouissance” tenha um significado claro e preciso na psicologia, Lacan não oferece razão algum a que perm ita pensar que a jouissance possa ser considerada um “espaço” no sentido técnico desta palavra em topologia. Não obstante, ele prossegue:

Num texto que vocês verão aparecer em breve e que está na vanguarda do m eu discurso do ano passado, acredito ter dem onstrado a estrita equivalência entre topologia e estrutura.{28} Se nós supuserm os isso com o orientação, o que distingue anonim ato do que tratam os com o gozo — isto é, o que é regulam entado pela lei — é um a geom etria. A geom etria im plica a heterogeneidade do locus, a saber, que existe um locus do Outro.{29} Sobre este locus do Outro, de um sexo com o Outro, com o Outro absoluto, o que a m ais recente evolução em topologia

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nos perm ite afirm ar?

Apresentarei aqui o term o “com pacticidade”.{30} Nada é m ais com pacto que um a falha [faille], e, adm itindo-se que a interseção de tudo o que estej a encerrado neste lugar é aceito com o existente sobre um infinito núm ero de conj untos, resulta que a interseção im plica esse núm ero infinito. Esta é a exata definição de com pacidade. (Lacan 1975a, p. 14)

De j eito nenhum : em bora Lacan utilize um bom núm ero de palavras chave da teoria m atem ática da compacidade, ele as m istura arbitrariam ente e sem o m enor respeito pelo seu significado. Sua “definição” de compacidade é não som ente falsa com o tam bém não passa de puro palavreado. Além do m ais, esta “m ais recente evolução em topologia” nos rem ete a 1900-1930.

Ele prossegue assim :

A interseção de que estou falando é a m esm a que apresentei ainda agora com o aquela que encobre, que obstaculiza a suposta relação sexual.

Apenas “suposta”, visto que declaro que o discurso analítico só se sustenta na afirm ação de que não existe, que é im possível estabelecer [poser] um a relação sexual. Aí reside o passo adiante do discurso analítico, e é desse m odo que ele determ ina o verdadeiro status de todos os outros discursos.

Assim denom inado, é o ponto que encobre a im possibilidade do relacionam ento sexual com o tal. Ajouissance, com caráter sexual, é fálico — em outras palavras, não está relacionada com o Outro, com o tal.

Acom panhem os o com plem ento da hipótese de com pacticidade.

Um a fórm ula nos é dada pela topologia que qualifiquei com o a m ais recente, partindo de um a lógica edificada sobre a interrogação do núm ero, que conduz à instauração de um locus que não é aquele do espaço hom ogêneo. Tom em os o m esm o espaço lim itado, fechado e supostam ente instituído — o equivalente ao que j á apresentei com o um a interseção estendendo-se ao infinito. Supondo-o coberto por conj untos abertos, em outras palavras, conj untos que excluam seus próprios lim ites — o lim ite é o que se define com o m aior que um ponto e m enor que outro, porém em caso algum igual nem ao ponto de partida nem ao ponto de chegada, só para dar um a rápida idéia{31} —, pode ser dem onstrado que isso equivale a dizer que o conj unto desses espaços abertos se oferece sem pre a um a subcobertura de espaços abertos, constituindo um a finitude, isto é, que a

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sequência de elem entos constitui um a sequência finita. Vocês podem notar que não falei que são contáveis. E, no entanto, é o que o term o “finito” indica. No final, nós os contam os um por um . Todavia, antes que possam os contá-los, tem os de encontrar um a ordem neles, e devem os estabelecer um tem po antes de supor que esta ordem sej a encontrável.{32}

O que im plica, em todo caso, a finitude dem onstrável dos espaços abertos capazes de recobrir o espaço lim itado e fechado no caso da jouissance sexual? É que os cham ados espaços podem ser tom ados um por um — e com o estou falando sobre outro pólo, coloquem os isto no fem inino — um a por um a [une par une].

É exatam ente isso o que se dá no espaço do gozo sexual — que se dem onstra assim ser com pacto. (Lacan 1975a, pp. 14-15)

Esta passagem ilustra perfeitam ente duas “falhas” no discurso de Lacan. Tudo está fundam entado — na m elhor das hipóteses — em analogias entre topologia e psicanálise, que não são sustentadas por argum ento algum . Porém , na verdade, m esm o os enunciados m atem áticos são destituídos de sentido.

Em m eados dos anos 70, as preocupações topológicas de Lacan deslocaram -se na direção da teoria dos nós: vide, por exem plo, Lacan (1975a, pp. 107-123) e especialm ente Lacan (1975b-e). Para um a história detalhada de sua obsessão pela topologia, vide Roudinesco (1993, pp. 463-496).

Os discípulos de Lacan apresentaram exposições com pletas da sua topologie psychanalytique: vide, por exem plo, Granon-Lafont (1985,1990), Vappereau (1985, 1995), Nasio (1987,1992), Dannon (1990) e Leupin (1991).

Números imaginários

A predileção de Lacan pela m atem ática não é de m odo algum m arginal em sua obra. Ainda nos anos 50, seus escritos eram cheios de gráficos, fórm ulas e “algoritm os”. Citem os, à guisa de ilustração, este trecho de um sem inário realizado em 1959:

Se vocês m e perm itirem usar um a destas fórm ulas que m e acorrem quando escrevo m inhas anotações, a vida hum ana poderia ser definida com o um cálculo no qual o zero seria irracional. Esta fórm ula é apenas um a im agem , um a m etáfora m atem ática. Quando digo “irracional” não estou m e referindo a algum estado em ocional insondável, m as exatam ente àquilo que é cham ado núm ero im aginário. A raiz quadrada de m enos um não corresponde a nada que estej a suj eito à nossa intuição, nada de real — no sentido m atem ático do term o —, e no entanto precisa ser m antida, j untam ente com suas funções com pletas. (Lacan

(29)

1977a, pp. 28-29, sem inário realizado originalm ente em 1959)

Nesta passagem , Lacan confunde núm eros irracionais com núm eros im aginários, ao m esm o tem po que pretende ser “preciso”. Uns nada têm a ver com os outros.{33} Salientem os que os significados m atem áticos das palavras “irracional” e “im aginário” são bastante distintos dos seus significados com uns ou filosóficos. Certam ente, Lacan fala aqui prudentem ente de m etáfora, se bem que sej a difícil verificar que papel teórico esta m etáfora (vida hum ana com o um “cálculo no qual o zero seria irracional”) possa preencher. Apesar disso, um ano depois, ele prosseguiu no desenvolvim ento do papel psicanalítico dos núm eros im aginários:

Partirem os do que a sigla S ( ) quer dizer ao ser antes de tudo um significante …

Ora, com o a bateria de significantes, com o tal, sendo por isso m esm o com pleta, este significante só pode ser um traço (trait) que se traça de seu círculo, sem poder ser aí contado. Sim bolizável pela inclusão de um (-1) ao conj unto todo de significantes.

É, com o tal, im pronunciável, m as não sua operação, porque é aquela que se enuncia sem pre que um nom e próprio é pronunciado.

Seu enunciado se iguala à sua significação.

Consequentem ente, calculando-se esta significação de acordo com o m étodo algébrico aqui utilizado, a saber:

S (significante) =s (o enunciado), s (significado) com S (-1), resulta: s =√ – 1 s (significado)

(Lacan 197la, p. 181, sem inário realizado em 1960.)

Lacan só pode estar zom bando do leitor. Mesm o se sua “álgebra” tivesse algum sentido, o “significante”, o “significado” e o “enunciado” que nela aparecem não são obviam ente núm eros, e a linha horizontal (um sím bolo arbitrariam ente escolhido) não indica a divisão de dois núm eros. Portanto, seus “cálculos” não passam de pura fantasia.{34} Não obstante, duas páginas adiante, Lacan retorna ao m esm o tem a:

Em seu com entário sobre Mauss, Claude Lévi-Strauss indubitavelm ente pretendeu reconhecer nele o efeito de um sím bolo zero. Todavia, parece-m e que estam os aqui tratando m ais exatam ente do significante da falta deste sím bolo zero. Isso porque, sob risco de incorrer em um a certa quantidade de opróbio, indicam os até que ponto pudem os levar a distorção do algoritm o m atem ático no uso que fizem os dele:

(30)

o sím bolo – 1, que pode ser escrito com o na teoria dos núm eros com plexos, só se j ustifica, evidentem ente, porque não tem pretensão a nenhum autom atism o em seu em prego subsequente.

[…]

Assim é que o órgão erétil vem sim bolizar o lugar da jouissance, não em si m esm a, nem sequer em form a de im agem , m as com o a parte faltante na im agem desej ada: isso porque é igualável ao da significação produzida acim a, da. jouissance, que ele restitui pelo coeficiente de seu enunciado à função da falta de significante (– 1). (Lacan 1977b, pp. 318-320)

É, confessam os, angustiante ver nosso órgão erétil equacionado com o √ – 1. Isto nos faz lem brar Woody Allen, que no film e O Dorminhoco se opõe a um transplante craniano: “Doutor, o senhor não pode tocar no m eu cérebro, ele é o m eu segundo órgão favorito!”

Lógica matemática

Em alguns de seus textos, Lacan agride m enos a m atem ática. Por exem plo, na citação abaixo m enciona dois problem as fundam entais na filosofia da m atem ática: a natureza dos obj etos m atem áticos, em particular dos núm eros naturais (1,2,3, …), e a validade do raciocínio por “indução m atem ática” (se um a propriedade é verdadeira para o núm ero 1 e se podem os m ostrar que o fato de ser verdadeira para o núm ero n im plica que é verdadeira para o núm ero n+1, pode-se deduzir, então, que a propriedade é verdadeira para todos os núm eros naturais).

Há quinze anos venho ensinando m eus alunos a contar no m áxim o até cinco, o que é difícil (quatro é m ais fácil), e eles entenderam pelo m enos isso. Porém , nesta noite, perm itam -m e perm anecer no dois. Naturalm ente, o que vam os tratar aqui diz respeito à questão dos núm eros inteiros, e essa questão não é sim ples com o, penso, m uita gente aqui j á sabe. É necessário ter, por exem plo, certo núm ero de conj untos e um a correspondência um a um . É verdadeiro, por exem plo, que há exatam ente tantas pessoas sentadas nesta sala quantas cadeiras Todavia, é necessário haver um a coleção com posta de núm eros inteiros para constituir um inteiro, ou um núm ero natural, com o é cham ado. É, certam ente, em parte natural, m as som ente no sentido de que nós não entendam os por que ele existe.

Referências

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