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DESOLAÇÃO, IMPULSO ERÓTICO E ONIRISMO: A LETRA NEURÓTICA DE ÁLVARO DE CAMPOS¹

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DESOLAÇÃO, IMPULSO ERÓTICO E ONIRISMO:

A LETRA NEURÓTICA DE ÁLVARO DE CAMPOS¹

ANDRADE, Anderson Proença de²; NIEDERAUER, Silvia³

¹ Curso de Letras, Centro Universitário Franciscano - UNIFRA

² Acadêmico do curso de Letras, Centro Universitário Franciscano – UNIFRA

anderson

.pro.andrade

@hotmail.com

³ Profª. Dr. do curso de Letras, Centro Universitário Franciscano – UNIFRA

Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia. [...] Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo! [...] Eu é que sei! Coitado dele! Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma! (Trecho de um poema sem título de Álvaro de Campos)

RESUMO

O objetivo, neste artigo, é realizar uma breve análise da poética do heterônimo pessoano Álvaro de Campos sob o prisma da psicanálise. Trata-se, metodologicamente, de uma pesquisa eminentemente bibliográfica, de caráter comparativo e dialético em que se evidenciará como a escrita poética do supracitado heterônimo soube apreender, por meio da desolação, do erotismo e da apreensão de imagens oníricas, uma postura neurótica sobre sujeito da modernidade. Para tanto, eleger-se-á com principais fontes teóricas, três dos estudos de Sigmund Freud: O mal estar na civilização, A interpretação dos sonhos e O ego e o id. Dessa forma, espera-se denotar a importância de afirmar a inesgotabilidade da crítica que ainda persiste em relação aos estudos sobre a literatura de Fernando Pessoa.

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1 INTRODUÇÃO

Desde há muito impera a ideia consensual de que a primeira edição da revista Orpheu, lançada em 25 de março de 1915, fez o Modernismo português alçar voo para além das fronteiras lisboetas. Elaborada por intelectuais, entre os quais se destacavam Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, a revista ganhou uma segunda edição em 28 de junho de 1915. A terceira edição saiu em novembro do mesmo ano, incompleta, devido ao fato de Sá-Carneiro não contar com o apoio financeiro do pai.

No entanto, a efervescência causada pela Orpheu tem raízes mais profundas - é originária de um dia triunfal - o dia 8 de março de 1914. Marcado pela criação dos três principais heterônimos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos), o dia triunfal foi responsável por apresentar um esboço da inconstante crise neurótica do sujeito moderno.

Portugal conquistará a instalação da República em 1910. No entanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) irá fazer com que essa recém República venha a ser influenciada pelos pressupostos do Fascismo Italiano e do Nazismo Alemão. Tal postura resultou, em 1928, no princípio da ditadura de Oliveira Salazar, com término somente em abril de 1974, por meio da Revolução dos Cravos. É cingido por essa República que Fernando Pessoa, sob a persona de Álvaro de Campos, lançará sua letra ofensiva (plenamente perceptível em Ode triunfal, por exemplo) ao capitalismo e às convenções impostas pelo período.

2 DESENVOLVIMENTO

A poesia heteronímica de Fernando Pessoa se insurgiu com o advento do século XX como um golpe sobre a consciência do sujeito cartesiano. Isso porque, o poeta além de insatisfeito com a República ditatorial, é incapaz de sentir-se adaptado enquanto sujeito singular, determinado, coerente em suas ações. O capitalismo que se sobressai no espaço urbano revela um sujeito marcado por um contínuo autoaniquilamento e por múltiplos estados de temperamento: o neurótico. E Pessoa assim se revelará: “Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. [...] Sinto-me múltiplo. [...] Sinto-Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletaSinto-mente, como se o Sinto-meu ser participasse de todos os homens” (PESSOA, 1990, p.41).

Percebe-se que o próprio Fernando Pessoa pouco soube explicar, senão subjetivamente, a gênese da criação dos heterônimos. No entanto, há uma conformidade que se instala durante a convivência com essa multiplicidade, com esse drama em gente. Em Apresentação dos heterônimos, um texto provavelmente de 1930, pensado para ser o prefácio do volume que abarcaria a produção poética dos três heterônimos, ele, envaidecido e melancólico, pondera:

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Com uma tal falta de literatura, como há hoje, que pode um homem de gênio fazer senão converter-se, ele só, em uma literatura? Com uma tal falta de gente coexístivel, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito? (PESSOA, 1990, p.44)

O motivo da desolação, do sentir-se inadaptado, está relacionado com a aversão ao exterior. Em conformidade com as ideias freudianas em O mal-estar na civilização, o neurótico é aquele que “não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe” (FREUD, 1996, p.94). Daí o sentimento de fuga, a enigmática e cotidiana “experiência de intensos sentimentos de prazer” (p.76-77) em oposição ferrenha ao exterior, denominado estranho e ameaçador.

O mais enigmático, no entanto, é Fernando Pessoa ter considerado Álvaro de Campos um heterônimo. Enigmático, porque há uma grande semelhança entre o heterônimo e o ortônimo: ambos estão cingidos pelo ambiente urbano e angustiam-se com o tédio lisboeta. Não estão em uma atmosfera neoclássica, caso de Ricardo Reis; ou em um cenário de neopaganismo, caso de Alberto Caeiro. O ortônimo, criador dos heterônimos, sujeito urbano, não se satisfazendo com sua produção poética paulista e interseccionista, enaltece as ruas, galerias, cafés e o porto lisboeta por meio do sensacionismo de Álvaro de Campos. Semelhanças há também em relação ao temperamento; Pessoa, em carta a Adolfo Casais Monteiro em janeiro de 1935, revela-se histero-neurastênico e define Álvaro como o “mais histericamente histérico de mim” (PESSOA, 1990, p.50), aquele que escreve “quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê” (p.54).

O engenheiro Álvaro de Campos retratará o caos urbano de modo muito semelhante a Baudelaire, quando apreendeu a vida parisiense em As flores do mal. Aliás, Álvaro também é um flâneur “a fazer botânica no asfalto” (BENJAMIN, 1994, p.35) e começa a nortear sua poética sob o símbolo do torpor, como bem se observa em Opiário. Do torpor para o sono, do sono para o sonho: e o heterônimo criará uma poética de labirínticas e confusas imagens oníricas. De acordo com os pressupostos freudianos (1996, p.119) em A

interpretação dos sonhos, no mundo onírico,

a imagem se vê destituída do poder da linguagem conceitual. É obrigada a retratar o que tem a dizer de forma pictórica e, como não há conceitos que exerçam uma influência atenuante, faz pleno e poderoso uso da forma pictórica. Assim, por mais clara que seja sua linguagem, ela é difusa, desajeitada e canhestra. A clareza de sua linguagem sofre, particularmente, pelo fato de ela se mostrar avessa a representar um objeto por sua imagem específica dos atributos do objeto que ela busca representar. [...] A imagem onírica jamais retrata as coisas por completo, mas apenas esquematicamente e, mesmo assim, da forma mais rústica. [...] Não se detém, contudo, ante a mera representação de um objeto, mas atende a uma exigência interna de envolver o ego onírico, em maior ou menor grau com o objeto, assim produzindo um evento.

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Percebe-se, portanto, que o ego denomina-se como uma estrutura desenvolvida a partir do Id. Sua função básica é fazer com que o sujeito, ao agir, opere o princípio da realidade, que prevê a satisfação máxima de prazeres e o mínino de insatisfações, levando sempre em conta as convenções do exterior. A poética de Álvaro de Campos simbolizará a postura de um sujeito governando pelo id e suas pulsões, instintos, impulsos orgânicos ou desejos inconscientes; um sujeito desconhecedor de juízos, lógica, valores, ética e moral, marcado por uma postura exigente, antissocial, egoísta, na qual o motor é o prazer. Lisbon Revisited (1923) e Ode marcial são poemas que muito irão enaltecer essa postura.

Se o id é uma estrutura que busca sempre o que produz o prazer, Álvaro de Campos é erótico em demasia, pois seu objetivo é transfigurar a libido objetal sexual, oriunda do id, em uma libido narcísica. Em conformidade com as ideias freudianas em O ego e o id (1976, p.44), o sujeito contará com a ajuda do ego, pois quando este “assume as características do objeto, ele está-se forçando, por assim dizer, ao id como um objeto de amor e tentando compensar a perda do id, dizendo: ‘olhe, você também pode me amar; sou semelhante ao objeto’”.

3 METODOLOGIA

Este artigo trata-se metodologicamente de uma pesquisa eminentemente bibliográfica, de caráter comparativo e dialético em que se evidenciará como a escrita poética de Álvaro de Campos soube apreender, por meio da desolação, do erotismo e da apreensão de imagens oníricas, uma postura neurótica sobre sujeito da modernidade.

Para tanto, eleger-se-á com principais fontes teóricas, três dos estudos de Sigmund Freud: O mal estar na civilização, A interpretação dos sonhos e O ego e o id. Dessa forma, espera-se denotar a importância de afirmar a inesgotabilidade da crítica que ainda persiste em relação aos estudos sobre a literatura de Fernando Pessoa. Finda a exposição teórica, serão promovidos breves resultados e discussões por meio da análise de alguns poemas pessoanos, principalmente Ode marítima, Saudação a Walt Whitman e Passagem das horas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na carta a Adolfo Casais Monteiro,em janeiro de 1935, Fernando Pessoa (1990, p.51-54-55) esclarece Álvaro de Campos com uma minúcia que vale transcrever:

[...] Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) [...] nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 (às 1h30 da tarde[...]; e é verdade, pois feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. [...] Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu),magro e um pouco tendente a curvar-se. [...] Entre branco e

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moreno,tipo vagamente judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. [...] Teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão quer era padre.

Engenheiro naval inativo em Lisboa: Álvaro de Campos não consegue se instalar profissionalmente nos portos lisboetas. A sua vida não é propriamente a de um dândi, porque lhe falta o ingresso para os salões da sociedade. Essa postura bem se atesta em Poema em linha recta, poema não desprovido, é claro, de um ácido deboche: “Toda a gente que fala comigo / Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / Nunca senão foi príncipe – todos eles príncipes – na vida... / [...] Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?” (PESSOA, 2007, p.273-274) *. Falta-lhe, sobretudo, posição no sistema capitalista, uma filosofia para viver por entre as convenções. E nisso Caeiro tem culpa: “O que o mestre Caeiro me ensinou foi a ter clareza; equilíbrio, organismo no delírio e no desvairamento, e também me ensinou a não procurar ter filosofia nenhuma, mas com alma” (1990, p.74). Desse modo, a representação será flanar ora pelo porto, pela Rua da Baixa, de Chevrolet pela estrada de Sintra, desoladamente. As imagens oníricas presentes em Ode marítima mostram muito de um heterônimo consciente da realidade, mas indiferente a ela:

Fornecei-me metáforas, imagens, literatura, Porque em real verdade, a sério, literalmente, Minhas sensações são um barco de quilha pro ar, Minha imaginação uma âncora meio submersa, Minha ânsia um remo partido,

E a tessitura dos meus nervos uma rede a secar na praia. [...]

Todo o meu corpo raiva por asas! Todo o meu corpo atira-se pra frente!

Galgo pela minha imaginação fora em correntes! Atropelo-me, rujo, precipito-me!...

Estoiram em espuma as minhas ânsias

E a minha carne é uma onda dando de encontro com a rochedos (p.67-70). Percebe-se que Álvaro de Campos faz uso da metáfora ancora meio submersa para designar sua própria imaginação. Embora envolto em sensações que se entrecruzam, o heterônimo possui a consciência da realidade, como bem se expressa em Tabacaria: “Estou hoje dividido entre a lealdade que devo / À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, / E a sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro” (p.161). ____________________________________

*Todas as demais citações de versos foram tiradas dessa edição, passando-se apenas a indicar o número das páginas correspondentes.

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Designado cultor da modernidade, da euforia, da irreverência total a tudo e a todos, Álvaro de Campos ultraja a realidade cotidiana, despreza o humanitarismo europeu. Daí a presença de versos cínicos, no qual o heterônimo pessoano instala um desconforto no cenário literário português; versos como os de Saudação a Walt Whitman, poema no qual se sobressai a ternura pederasta que une Fernando Pessoa e o poeta norte-americano, autor de Flores de Relva (1885) do qual herda a métrica livre:

Abram-me todas as portas! / Por força que eu hei-de passar! Minha senha? Walt Whitman! Mas não dou senha nenhuma... Passo sem explicações...

Se for preciso meto dentro as portas...

Sim – eu, franzino e civilizado, meto dentro as portas, Porque neste momento não sou franzino nem civilizado,

Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,

E que há-de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!” (p.102).

O engenheiro Álvaro de Campos é, portanto, um criador de imagens que se destacam como irreverentes diante das convenções da modernidade. Essa postura destemida é perceptível devido à preferência do heterônimo por versos extensos e por oxímoros, anáforas, hipérboles, hipérbatos, anacolutos e sinestesias que criam uma originalidade sintática ofensiva ao beletrismo do início do século XX e, simultaneamente, uma simbólica realidade, bem como postula o psicanalista (1976, p.233):

Uma neurose geralmente se contenta em evitar o fragmento de realidade em apreço e proteger-se contra entrar em contato com ele. A distinção nítida entre neurose e psicose, contudo, é enfraquecida pela circunstância de que também na neurose não faltam tentativas de substituir uma realidade desagradável por outra que esteja mais de acordo com os desejos do indivíduo. Isso é possibilitado pela existência de um mundo de fantasia, de um domínio que ficou separado do mundo externo real na época da introdução do princípio de realidade. Esse domínio desde então foi mantido livre de pretensões das exigências da vida, como uma espécie de ‘reserva’; ele não é inacessível ao ego, mas só frouxamente ligado a ele. É deste mundo de fantasia que a neurose haure o material pelo caminho da regressão a um passado mais satisfatório.

Em Álvaro de Campos a regressão a um passado mais aprazível dar-se-á por meio de um erotismo em que as sensações se unem à volúpia por liberdade. Sobressai-se em Saudação a Walt Whitman uma nostalgia de ternura de quem sente que a transcendência só se viabiliza por meio de transgressões simbolicamente artísticas contra o imposto ideologicamente. Embora Walt Whitman tenha falecido em 1892, quando Fernando Pessoa contava com apenas quatro anos de idade, a poesia do norte-americano marcou-o durante a adolescência: “Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir demais.../ Atravesso os teus versos como uma multidão aos encontrões a mim, / E cheira-me a suor, a óleos, a actividade humana e mecânica, / Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo, /

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Não sei se o meu lugar é no mundo ou nos teus versos” (p.102).

É instaurando via Álvaro de Campos uma poesia marcada pela efemeridade das horas e a preocupação de sentir tudo de todas as maneiras, que Fernando Pessoa ganha o título de poeta erótico. Isso porque “em sua letra poética, exacerba o sintoma pulsional da criação, da invenção, elevando a subjetividade à dignidade daquele gozo que constrói sentido” (GONÇALVES, 1997, p. 141):

Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa, Conforme me der na gana... Ninguém tem nada com isso... Loucura furiosa! Vontade de ganir, de saltar,

De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o corpo, De me cramponner às rodas dos veículos e meter por baixo, De me meter adiante do giro do chicote que me vai bater, De ser a cadela de todos os cães e eles não bastam,

De ser o volante de todas as máquinas e a velocidade tem limite. De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o acabado,

Dança comigo, Walt, lá do outro mundo, esta fúria, Salta comigo sem forças no chão,

Esbarra comigo tonto nas paredes, Parte-te e esfrangalha-te comigo (p.103)

A ode A passagem das horas, dedicada ao amigo Almada-Negreiros, também não carece de pulsão erótica: “Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino, / E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos” (p.119). Ou ainda, “Fui para a cama com todos os sentimentos / [...] Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações” (p.139). Indubitavelmente, a rebeldia de Álvaro de Campos dá-se no plano do simbólico, essencialmente onírico.

Portanto, percebe-se que o heterônimo Álvaro de Campos é um ressentido, um sujeito marcado por um pessimismo que aniquila qualquer possibilidade de adaptação ao meio social. Falta-lhe crença, uma identidade singular e satisfação em relação aos seus próprios atos. “Multipliquei-me para me sentir, / para sentir, precisei sentir tudo, / Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me, / Despi-me, entreguei-me, / E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente” (p.119) – elucida o heterônimo em uma das estrofes de A passagem das horas. Ser múltiplo foi a maneira de se chegar às vias do sonho, comprazer-se em sensações que exteriores ao plano simbólico seriam interditas e socializar “o sintoma do sujeito que possui uma estrutura semelhante ao universo” (GONÇALVES, 1995, p.166).

5 CONCLUSÕES

Por meio da pesquisa que ora se conclui procurou-se promover um estabelecimento de fronteiras entre a psicanálise e a poesia de Álvaro de Campos. Acredita-se que tal possibilidade de estabelecimento seja útil aos estudiosos das ciências sociais na compreensão da inadaptação e mal-estar do sujeito da modernidade. Contudo, é perceptível

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o quanto ainda a psicanálise pode explicar sobre Álvaro de Campos e os demais heterônimos pessoanos.

A poesia ortônima de Fernando Pessoa e a poesia oriunda de Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares ou Álvaro de Campos deve ser (re)lida constantemente por aqueles que se debruçam sobre o processo de criação literária. Constantemente porque, além de atestar a crise identitária, o niilismo e a desolação diante das práticas capitalistas da modernidade, é, sobretudo, a exposição de um a arte regida por uma insatisfação geniosa e a serviço do belo e do absoluto, pois soube por meio da neurose, produzir poemas memoráveis.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. Trad. José Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Obras completas de Sigmund Freud. Ed standard brasileira. Vol. 4. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

_______________. O mal-estar na civilização. In:_______. Obras completas de Sigmund

Freud. Ed standard brasileira. Vol.21. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

_______________. O ego e o id: e outros trabalhos. Obras completas de Sigmund Freud. Ed standard brasileira. Vol.19. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

GONÇALVES, Robson Pereira. O sujeito Pessoa: literatura e psicanálise. Santa Maria: Ed. UFSM, 1995.

________________. A pulsão freudiana e o desassossego em Pessoa. In:________.

Percurso do aprendiz: Literatura e psicanálise. Santa Maria: UFSM, Centro de Artes e

Letras, Curso de Mestrado em Letras,1997.

PESSOA, Fernando. Alguma prosa. Organização de Cleonice Berardinellli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

_________________. Poemas de Álvaro de Campos. Organização, introdução e notas de Jane Tutikian. Porto Alegre: L&PM, 2007.

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