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NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA: EM QUE MEDIDA ESSA POLÍTICA SOCIAL VEM CONTEMPLANDO OU RESTRIGINDO OS DIREITOS?

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NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E O BENEFÍCIO DE

PRESTAÇÃO CONTINUADA: EM QUE MEDIDA ESSA POLÍTICA

SOCIAL VEM CONTEMPLANDO OU RESTRIGINDO OS DIREITOS?

Simone Da Rocha Camargo Profa. Dra. Maria Lúcia Carvalho Da Silva

RESUMO

O presente artigo traz algumas reflexões referentes às discussões sobre os diversos arranjos familiares na atualidade, entre eles a permanência do modelo de família nuclear, o familismo e sua relação com as políticas sociais brasileiras, especificamente quanto ao Benefício de Prestação Continuada. Perpassando a Constituição Federal de 1988, a consolidação da Lei Orgânica da Assistência Social em 1993 e o Sistema Único de Assistência Social em 2003, chegamos a vislumbrar uma nova perspectiva para a assistência enquanto direito. Apesar disso, a realidade social nos coloca diante de diversas situações contraditórias que merecem ser discutidas e refletidas e é nesta diretriz que queremos trazer aqui algumas considerações.

1. Introdução

Ao pensar em família, somos remetidos a sua importância pois além de ser uma instituição social, se apresenta como o principal agente de socialização do indivíduo. A família é a a esfera íntima de existência, o local exclusivo onde se pode exprimir a própria emoção e agregar-se aos outros. Representa ainda o lugar onde é possível refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo, expandir a agressividade reprimida e exercitar o próprio autocontrole.

Além disso, as trocas afetivas na família geralmente imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda, definindo direções tantono modo de ser com os outros afetivamente como na maneira de agir com as pessoas.

Em meados dos anos 50, Parsons apresentou o modelo da família nuclear; ou seja concentrada em um núcleo: pai, mãe e filhos. Essa proposta porém, não levou em consideração a diferenciação entre classes sociais, culturas e determinantes sócio-históricos de cada país ou região. Esse conceito foi difundido e marcou a sociologia da família.

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complexidade, inclusive devido à pluralidade que hoje a família apresenta. Como se refere Sarti:

Embora a família continue sendo objeto de profundas idealizações, a realidade das mudanças em curso abalam de tal maneira o modelo idealizado que se torna mais difícil sustentar a idéia de um modelo “adequado”. Não se sabe mais, de antemão, o que é adequado ou inadequado relativamente à família. No que se refere às relações conjugais, quem são os parceiros? Que família criaram? Como delimitar a família se as relações entre pais e filhos cada vez menos se resumem ao núcleo conjugal? Como se dão as relações entre irmãos, filhos de casamentos, divórcios, recasamentos de casais em situações tão diferenciadas? Enfim, a família contemporânea comporta uma enorme elasticidade. (SARTI, Cynthia Andersen. Famílias enredadas. Em: Acosta, A. R. & Vitale, M. A. F. (org). Família: Redes, Laços e Políticas Públicas. p.25)

Atualmente há uma diversidade de arranjos familiares e assim sendo, o eixo do discurso deve ser famílias (na pluralidade) e esta pode ser formada através de vários tipos de laços. Embora aparentemente comum, a família é tema complexo e devido à sua proximidade, acaba-se por deixar de considerar sua dimensão social e histórica.

Esta instituição passou por significativas mudanças em sua organização decorrentes de diversos fatores, como a industrialização, a urbanização, a precarização do emprego,etc, que tem direta relação com os diversos arranjos familiares.

Por exemplo, um fenômeno que está em pauta é a “feminização da pobreza”, visto hoje ser comum a família composta pela mãe e seus filhos, sem a presença de um cônjuge, o que acaba limitando ainda mais as fontes de renda da família e ressalta as desigualdades de gênero. Isso ocorre devido ao salário da mulher ser inferior ao do homem e a sobrecarga desta no processo de cuidados e trabalho.

Aliás, o cenário contemporâneo é composto de adversidades que promovem o agravamento das manifestações da questão social, aumento da concentração da renda, elevação da pobreza, das taxas de crescimento do desemprego, dos trabalhadores sem proteção previdenciária, aumento do trabalho informal, do trabalho infantil, do analfabetismo, da violência etc. No enfrentamento da questão social, encontram-se políticas públicas que favorecem o capital financeiro e especulativo em detrimento da regressão das políticas sociais.

Deste modo, segundo Iamamoto:

O predomínio do capital fetiche conduz à banalização do humano, à descartabilidade e indiferença perante o outro, o que se encontra na raiz das novas configurações da questão social na era das finanças. Nessa perspectiva, a

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questão social é mais do que as expressões de pobreza, miséria e “ exclusão”. Condensa a banalização do humano, que atesta a radicalidade da alienação e a invisibilidade do trabalho social – e dos sujeitos que o realizam - na era do capital fetiche. A subordinação da sociabilidade humana às coisas – ao capital-dinheiro e ao capital mercadoria -, retrata na contemporaneidade, um desenvolvimento econômico que se traduz como barbárie social. (IAMAMOTO, 2007, p. 125)

No bojo das transformações societárias pautadas no ideário neoliberal, há uma chamada à família para a responsabilização da provisão das condições objetivas e subjetivas de sua vida, ocorrendo concomitantemente uma retração da responsabilidade do Estado sob a proteção social dos membros da sociedade.

Segundo Mioto (2007), o familismo é a base das políticas sociais brasileiras. Na tradição familista existem dois “canais naturais”para satisfação das necessidades dos indivíduos: o mercado – pela inserção no trabalho; e a família. O Estado só intervém quando um desses canais falha e de maneira temporária.

É no contexto do familismo nas políticas sociais brasileiras e da elaboração destas para o modelo de família nuclear que procuraremos abordar algumas considerações sobre o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social.

2. Base Legal para a MatricialidadeSóciofamiliar na Política de Assistência Social

Nas últimas décadas, o Brasil tem experimentado mudanças de paradigmas na assistência social. A Constituição Federal de 1988 representa um avanço em relação aos direitos sociais, embora também trouxe para a família, a responsabilização pelos seus membros, discretamente escondida na concepção de afeto e de solidariedade. (artigo 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, na carência ou enfermidade.”).

A Constituição endossa o Artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos que define a família como núcleo natural e fundamental da sociedade e do Estado: Artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Esse reconhecimento reafirma-se, ainda, nas legislações específicas da assistência social: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto do Idoso e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A LOAS apresentou em 1993 um novo modelo de assistência social

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como uma Política de Proteção Social que, em 2005, se materializou em todo o País através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Para a proteção social de assistência social o princípio de matricialidade sociofamiliar significa que: a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social;

A defesa do direito à convivência familiar na proteção de assistência social supera o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento per capita e a entende como núcleo afetivo, vinculada por laços consangüíneos, de aliança ou afinidade, onde os vínculos circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero;

a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na proteção de seus idosos e portadores de deficiência;

o fortalecimento de possibilidades de convívio, educação e proteção social na própria família não restringe as responsabilidades públicas de proteção social para com os indivíduos e a sociedade.

O que queremos pontuar aqui não é somente a importância dada à família na estrutura da sociedade, mas principalmente a transferência de responsabilidades do Estado para a família e a sociedade no enfrentamento da questão social, o que nas legislações acima citadas fica ocultado pela concepção do afeto e da solidariedade. O “familismo” é tradição nas políticas sociais brasileiras.

A centralidade na família também pode ter um outro aspecto na medida em que pertencer a uma família potencializa o uso dos recursos pela coabitação e pelas trocas, se compararmos com os indivíduos que residem sozinhos. Essa pode ser uma tática na elaboração das políticas para que os benefícios sejam de valor reduzido.

Fazendo uma breve análise das legislações citadas fica evidente que essas colocam para a família um papel decisivo e de grande responsabilidade para com seus membros, aumentando a desigualdade de gênero e fortalecendo o viés assistencialista em detrimento da perspectiva de acesso aos direitos sociais. Por outro lado, esse papel ainda é reforçado diante das políticas sociais brasileiras que sempre tiveram um caráter fragmentado, focalizado e compensatório. Portanto, a responsabilidade pela família atinge a própria família, mas esta não conta com

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políticas sociais universais e capazes de suprir suas necessidades. Neste contexto, descreveremos como exemplo de política social, o Benefício de Prestação Continuada, nosso objeto de pesquisa.

3. Benefício de Prestação Continuada: Familismo, Seletividade e Permanência da Família Burguesa

Na Constituição Federal de 1988 o artigo 203 estabeleceu os objetivos da política de Assistência Social. Um deles explicita a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que não tiverem condições de prover à própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família. Ou seja, mais uma vez a família é responsabilizada, aparecendo a proteção social do Estado como o último recurso.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é portanto benefício assistencial previsto constitucionalmente, instituído na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei 8.742/93, em seus artigos 2º, V, 20 e 21.

Caracteriza-se por ser o principal benefício dentre os existentes na política de assistência social do país, sendo por esta razão de suma importância no contexto da Política Nacional de Assistência Social (PNAS – NOB/2004) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS – NOB/2005).

Existem duas modalidades de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social: a) Modalidade Idoso; e, b) Modalidade Pessoa com Deficiência.

Apesar da regulamentação do BPC ter acontecido no final do ano 1993, sua implantação ocorreu somente em em 1º de janeiro de 1996. A legislação definiu o idoso como sendo a pessoa de 70 anos ou mais, porém, gradativamente foi ocorrendo a diminuição da idade:

de 1996 até 1998 – idoso era considerado a pessoa com 70 anos ou mais; de 1998 até 2003 – idoso era considerado a pessoa com 67 anos ou mais; a partir de 2004 – idoso era considerado a pessoa com 65 anos ou mais.

Entretanto, no Estatuto do Idoso a pessoa idosa é considerada aquela com 60 anos ou mais. Notamos, portanto, uma contradição neste critério de concessão do BPC.

A LOAS também definiu o conceito de pessoa com deficiência como sendo aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Estabeleceu ainda o critério de pessoa com deficiência, idoso e família incapazesde prover a manutenção no caso de renda per capita

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mensal inferior a ¼ de salário mínimo. Além disso, definiu a revisão bienal do benefício para avaliar a continuidade ou não do mesmo, de acordo com as condições que lhe deram origem.

O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) é o responsável pela execução, acompanhamento, monitoramento e financiamento do BPC. O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), autarquia federal gestora do Regime Geral de Previdência Social, é, de seu turno, o órgão operacionalizador da concessão e pagamento do BPC, e por isso tem papel-chave no universo desse benefício.

Embora seja um benefício do MDS e de origem da Política de Assistência Social, foram apresentadas duas justificativas para a escolha do INSS na sua operacionalização: 1. A presença do órgão em grande parte dos municípios brasileiros; 2. A experiência acumulada com a organização e o controle dos benefícios previdenciários que possuíam abrangência nacional.

Recentemente foi alterada a forma de avaliação para caracterização da deficiência nos casos de requerentes pessoas com deficiência, com a inclusão de uma avaliação social, seguindo os critérios da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF). Isso foi possível graças ao ingresso de novos assistentes sociais nos quadros dessa autarquia, oriundos de concurso público.

O novo modelo de avaliação da deficiência e do grau de incapacidade foi instituído pelo decreto nº 6214 de 26 de setembro de 2007 e respondeu à insatisfação da sociedade com a forma que a avaliação era realizada. A implantação deste novo modelo de avaliação médica e social para a modalidade BPC pessoa com deficiência, ocorreu em 31 de maio de 2009, conforme data limite estabelecida no decreto citado. Anteriormente a esta data, o requerente do benefício realizava somente avaliação médica.

A CIF é uma classificação internacional que descreve as consequências das doenças, em conjunto com a CID (Classificação Internacional de Doença) que descreve a doença. O objetivo da CIF é de adotar uma linguagem universal única e padronizada. Esta Classificação possui uma determinada sequência de avaliação: Condição de Saúde (transtorno ou enfermidade); Deficiência (função ou estrutura); Atividade (limitação da atividade); Participação (restrição da participação). Segundo Di Nubila (2008): “A idéia de desenvolvimento da CIF partiu da necessidade de cobrir as questões que não eram alcançadas pela CID, a princípio as consequências das doenças”.

Esse novo modelo representa um grande avanço em relação à ampliação dos direitos sociais já que passou-se a considerar os fatores ambientais, a acessibilidade e a participação da

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pessoa com deficiência na sociedade.

Apesar desse avanço, na análise de Gomes(2001), o BPC é bastante seletivo e focalizado naqueles absolutamente incapazes de prover sua subsistência, os quais estão em situação de vulnerabilidade social praticamente irreversível, considerando inclusive a renda per capita exigida de um quarto de salário mínimo.

Mas o que pretendemos discutir no momento é a composição familiar que a lei determina para o acesso ao benefício.

Inicialmente o conceito de família, para efeito do cálculo da renda familiar per capita mensal, foi originalmente definido na LOAS, Artigo 20, parágrafo 1º, como sendo "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ou seja, nesse momento eram consideradas todas as pessoas que residiam na mesma casa.

A Medida Provisória nº 1.473-34, publicada em 11.08.97, convertida na Lei nº 9.720, de 30.11.98, alterou este conceito de família passando a considerar "o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivam sob o mesmo teto", assim entendido: o requerente; o cônjuge ou companheiro(a); os pais; os filhos, menores de 21 anos ou inválidos e os equiparados, inclusive o enteado e o menor tutelado; e os irmãos menores de 21 anos ou inválidos.

Já nesta mudança da lei podemos identificar que a composição familiar agora se fecha em torno do modelo nuclear, em detrimento dos vários arranjos familiares já existentes na época. Ficam de fora mesmo aqueles que residam com o requerente, os tios, primos, sobrinhos, netos, avós, etc...

Recentemente, face à publicação da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011, que altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, mais uma vez a composição familiar foi alterada, sendo agora composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Percebemos aí a continuação do modelo da família nuclear, ainda mais ressaltado porque nesta composição são considerados todos os filhos e irmãos solteiros que residam com o requerente, independente da idade. Para elucidar essa situação citamos um exemplo de uma senhora que tenha 65 anos e não possua renda, mas more junto com o filho, a companheira deste

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e os netos. Seria considerado na composição familiar somente a senhora (requerente) e o filho, porém a nora e os netos ficariam de fora, quando o filho tem a condição civil de solteiro perante a lei. Uma contradição em relação ao próprio Código Civil publicado pela Lei nº 10.406, de 10.01.2002 , e que entrou em vigor em 2003, reconhecendo a união estável no artigo 1.723. A união estável, sendo reconhecida para fins desse benefício apenas quando a requerente ou o requerente tenham companheiro ou companheira sem união civil, na maioria das vezes, prejudica o direito das pessoas a serem beneficiadas.

Outro caso que podemos citar é quando uma filha se divorcia e volta para a casa dos pais, o que é muito comum atualmente, essa na maioria das vezes traz consigo os filhos e como sua situação é de divorciada não entra na composição familiar nem ela e muito menos seus filhos. Ou seja, numa família, às vezes de cinco ou mais pessoas sem renda, apenas duas são legitimadas pela lei na constituição da família, para fins de cálculoe acesso ao benefício.

Para o BPC à pessoa idosa, o Estatuto do Idoso passou a permitir que no cálculo da renda per capita para o acesso da pessoa idosa, não seja considerado o valor do benefício já concedido a outra pessoa idosa da mesma família, como no artigo:

Art. 34.Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda família per capita a que se refere a Loas. (Estatuto do idoso, Capítulo VIII, 2003)

Mas para a pessoa com deficiência , o critério continua o mesmo, quando um tem um benefício concedido, esse entra na renda da composição familiar. Nos indagamos: como pode a mesma política pública ser diferenciada para os idosos e para pessoas com deficiência?

Se uma pessoa com deficiência recebe o BPC por exemplo, esse entra na composição familiar para fins de outro benefício, o que é um retrocesso no aspecto da viabilização do direito, pois sabemos que existem famílias com duas ou mais pessoas com deficiência e que necessitam muitas vezes de fraldas, medicamentos, cadeiras de rodas, dentre outros, que deveriam ser fornecidos pela rede pública, e fornecidos igualitariamente, segundo as necessidades de todos, mas que na prática não o são.

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para a família, mas não considera as várias configurações familiares, permitindo mesmo que os membros de uma mesma família prejudiquem-se uns aos outros, no acesso ao direito.

4. Considerações finais

Diante dessas reflexões, pode ser concluído que, apesar das diversas mudanças nos arranjos familiares, no Brasil o “familismo” é bastante forte, e as escassas políticas sociais existentes são pautadas no modelo de família nuclear, desconsiderando as recomposições, os rearranjos, enfim o fato de que as famílias não têm um contorno assim delimitado, e muito menos que haja um modelo ideal.

A Política de Assistência Social, ao eleger a família como principal parceira na tríade protetiva, não tem garantido a oferta necessária de serviços públicos para atender às demandas sociais das mesmas, impondo às famílias grande responsabilização sobre seus membros e ampliando as desigualdades de gênero.

Em relação ao Benefício de Prestação Continuada, a discussão que trouxemos nos permite sinalizar que é o único benefício legitimado pela lei, dentre os existentes na política de assistência social do país. Tornando-se, por isso, de suma importância nesse contexto.

Nesse sentido, houve um grande avanço com o novo modelo de avaliação da deficiência a partir da CIF, quando passou-se a considerar os fatores ambientais, a acessibilidade e a participação da pessoa com deficiência na sociedade.

Esse benefício restringe os direitos na medida em que é focalizado na extrema pobreza, é seletivo ao considerar o modelo de família nuclear de maneira dúbia, ao diferenciar os critérios de concessão do benefício aos idosos, por um lado e para pessoas com deficiência, por outro.

Na elaboração das políticas sociais deveriam se levar em conta todos esses aspectos para a garantia efetiva do direito e ao profissional que trabalha no âmbito dessas políticas, é a quem cabe estabelecer estratégias de acompanhamento dos beneficiários, quanto à garantia de seus direitos e de seu bem-estar, e até de formas de reabilitação dos usuários, de forma a romper com a dependência para com a assistência visando a emancipação dos sujeitos envolvidos.

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