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CURRÍCULOS (RE)CONSTRUÍDOS NO MOVIMENTO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ENTRE A AUTONOMIA E A REGULAÇÃO

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KÊNIA KRISTINA FURTADO

FLORIANÓPOLIS, 2020

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CURRÍCULOS (RE)CONSTRUÍDOS NO MOVIMENTO DA

DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ENTRE A

AUTONOMIA E A REGULAÇÃO

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO- FAED PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO- PPGE

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KÊNIA KRISTINA FURTADO

CURRÍCULOS (RE)CONSTRUÍDOS NO MOVIMENTO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ENTRE A AUTONOMIA E A REGULAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Alba Regina Battisti de Souza

Florianópolis, SC 2020

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Furtado, Kênia Kristina

Currículos (re)construídos no movimento da docência na Educação Infantil: entre a autonomia e a regulação / Kênia Kristina Furtado. -- 2020.

239 p.

Orientador: Alba Regina Battisti de Souza

Dissertação (mestrado) -- Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2020.

1. Docência. 2. Educação Infantil. 3. Currículo. 4.

Autonoma. 5. Regulação. I. Battisti de Souza, Alba Regina. II. Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

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KÊNIA KRISTINA FURTADO

CURRÍCULOS (RE)CONSTRUÍDOS NO MOVIMENTO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ENTRE A AUTONOMIA E A REGULAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE – do Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, como requisito para obtenção do título de Mestre em

Educação.

Florianópolis, 18 de agosto de 2020.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Prof.ª Dr.ª Alba Regina Battisti de Souza Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

___________________________________ Prof. Dr. Lourival José Martins Filho

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

___________________________________ Prof.ª Dr.ª Zenilde Durli

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

___________________________________ Prof. Dr. Altino José Martins Filho

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

___________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosa Elisabete Militz W. Martins

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Dedico essa pesquisa às crianças que compartilharam suas infinitas curiosidades ao longo da minha trajetória profissional, na qual, ao passo em que levavam um pouco de mim e deixavam um pouco de si, me mostraram a riqueza que há nas infinitas formas de ser e estar no mundo e com o mundo.

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AGRADECIMENTOS

À minha família – meu pai Manoel Catarino Furtado Filho, minha mãe Anésia Maria Martins Furtado e meu irmão Daniel Furtado. Pela paciência e apoio ao longo desses dois anos de estudo e dedicação, e dos anteriores também. Por compreenderem, e muitas vezes, por me lembrarem de que essa jornada exige certo rigor e disciplina, mas que também, exige momentos de descanso e tranquilidade. Em especial, minha mãe, por ter caminhado lindamente ao meu lado, dividindo os anseios das vidas de mestrandas, confrontando nossas certezas e incertezas, acolhendo e incentivando uma a outra.

Aos amigos que leram partes de meus escritos e inferiram ótimos alinhamentos e considerações. Em especial, aqueles que tiveram paciência de escutar minha própria leitura a cada nova escrita, pois quando lia, escutava-me, tendo a oportunidade de rever algum trecho que necessitasse maior clareza.

Ao Marcos Aurélio Machado, por ser presente, prestativo e compreensivo nessa reta final da escrita. Por trazer palavras de incentivo e conforto. Pelos abraços calmantes e momentos de descanso (também necessários à pesquisa). Pela leveza que é compartilhar minha vida pessoal, acadêmica e profissional contigo.

Às professoras da Educação Infantil da RMEF que se disponibilizaram para participar deste estudo e que abrilhantaram os achados desta investigação com entrega e respeito pela pesquisa.

Às professoras e professores que aceitaram fazer parte da minha banca de qualificação, e também de defesa, Prof. Dr. Lourival José Martins Filho, Prof.ª Dr.ª Zenilde Durli e Prof. Dr. Altino José Martins Filho, acompanhando e tecendo considerações importantes para direcionar e qualificar a pesquisa realizada.

À minha querida orientadora de mestrado, professora Alba Regina Battisti de Souza, que com seu enorme coração, me auxiliou ao longo de todo o processo de produção acadêmica. Por seu acolhimento, sensibilidade, humildade, calmaria e incentivo. Com quem aprendi que o rigor epistemológico da pesquisa em educação caminha ao lado da amorosidade às relações humanas.

Aos colegas de mestrado que de alguma forma contribuíram para que esse trajeto acontecesse de forma mais leve. Agradeço pelo companheirismo e pelas

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conversas partilhadas que saciaram muitas dúvidas e inquietações. Pelo auxílio nas normas gramaticais, da ABNT, ou mesmo com questões burocráticas relacionadas a universidade ou ao comitê de ética, e pelas importantes considerações direcionadas ao fazer da pesquisa.

Ao Grupo de pesquisa em Currículo – Itinera que me proporcionou oportunidades de crescimento ao longo do meu processo formativo e desde a graduação vem sendo um espaço de aprendizado e muitas trocas, não apenas sobre as disputas econômicas, políticas e educacionais que atravessam o campo curricular, mas também sobre o próprio “fazer da pesquisa” e “ser pesquisador” na área da educação.

À Prefeitura Municipal de Florianópolis, por conceder a licença aperfeiçoamento, permitindo a dedicação integral à pesquisa durante esses dois anos de estudo.

Às professoras, aos professores, e crianças com quem já compartilhei minha trajetória profissional docente. Obrigada por me ensinarem um pouco mais sobre esse olhar sensível tão necessário para o exercício da docência na Educação Infantil.

GRATIDÃO À TODOS QUE PARTICIPARAM DE MANEIRA DIRETA OU INDIRETA DESSA CAMINHADA. GUARDO-OS NA MEMÓRIA DO CORAÇÃO!

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“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade”. (Manoel de Barros)

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a (re)construção do currículo no movimento da ação docente no contexto da Educação Infantil. Traz como questão central: Como as professoras e os professores da Educação Infantil reconstroem o currículo prescrito – que tem um potencial regulador, e qual autonomia se tem diante dessa regulação? Assim, tem como objetivo geral analisar como as professoras e professores constroem e reconstroem currículos no movimento da docência na Educação Infantil, diante de mecanismos de autonomia e regulação. O estudo, pautado numa abordagem qualitativa, define os seguintes instrumentos de pesquisa: Análise documental sobre os orientadores curriculares para a Educação Infantil (do nível macro ao micro); e, Entrevistas semiestruturadas realizadas em uma instituição de Educação Infantil do município de Florianópolis, com três professoras efetivas e em exercício da docência. A análise e o tratamento das informações são pautados na técnica de análise de conteúdo. Por meio do entrecruzamento das análises documentais com as análises sobre as entrevistas realizadas com as professoras participantes, constata-se que os currículos oficiais de âmbito nacional regulam e constrangem os currículos prescritos regionais/locais. Percebe-se que a autonomia docente é controlada por dispositivos regulatórios que estão, contraditoriamente, dentro e fora dos currículos oficias/prescritos e dos currículos reais colocados em movimento na ação docente com as crianças. Conclui-se que o movimento de reconstrução curricular acontece em meio aos dispositivos regulatórios evidenciados nas análises, por onde operam imbricados nas ideologias dominantes. No entanto, diante desses dispositivos regulatórios, professoras e professores ainda encontram espaços de autonomia e, por meio deles, resistem e persistem na defesa de um trabalho coletivo e autoral que considere as singularidades, as complexidades e as contradições próprias dos processos educativos, políticos e da própria humanidade. Por fim, alerta-se que tais espaços de autonomia estão cada vez mais encolhidos, na medida em que a lógica neoliberal vem adentrando aos espaços educativos e as próprias subjetividades humanas.

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ABSTRACT

The present research has as object of study the (re)construction of the curriculum in the Infantile Education teaching activity. The central question is: How the Infantile Education teachers reconstruct the curriculum prescribed that has a regulatory potential and which autonomy is given faced this regulation? Thus, the research aims to analyzes how teachers construct and reconstruct curriculum in the Infantile Education teaching movement, in the face of regulation and autonomy mechanisms. The study, guided by a qualitative approach, defines the following search instruments: Documental analyzes about the curricular supervisors for Infantile Education (from macro to micro level); and, Semi-structured interviews taken in an Infantile Education institution, located in Florianópolis, with three permanent teachers carrying out the teaching activities. The information`s analyses and treatment are guided by in the technical content analysis. Through the intercrossing between the documental analysis and the teachers interview analysis, finds that official curriculum in the national scope regulate and embarrass the local/regional curriculum prescribed. It is realized that teaching autonomy is controlled by regulatory dispositive which are contradictorily inside and outside the prescribed/official curriculum and the real curriculum carried out in the teaching movement action with the children. In conclusion, the curricular reconstruction movement happens over the regulatory dispositive highlighted in the analysis, through where operate the dominants ideologies interwoven. However, in face of these regulatory dispositive, teachers still find autonomy spaces and, by means of them, resist and persist defending the authorial and collective job that considers the singularities, complexities and the contradictions nature of the educative process, politics and the humanity itself. Finally, in warning, those autonomy spaces are increasingly shrinking as far as the neoliberal logical steps into the educative space and the human subjectivities itself.

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LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1 – Etapas do desenvolvimento curricular apresentadas por Sacristán. ... 36 Figura 2 – Unidades referenciais e categorias de investigação ... 81 Figura 3 – Afunilamento das políticas oficiais para a Educação Infantil na perspectiva da regulação curricular ... 92 Figura 4 – Mapa de localização dos Núcleos de Educação Infantil Municipais de Florianópolis em 2020 ... 100 Figura 5 – Aproximações, distanciamentos e similitudes entre os Campos de Experiências da BNCC e os Núcleos da Ação Pedagógica dos Documentos curriculares da RMEF ... 125

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LISTA DE TABELA

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Relação das dimensões da entrevista com os objetivos da pesquisa. ... 76 Quadro 2 – Plano de investigação baseado em Franco (2003). ... 79 Quadro 3 – Composição dos grupos de crianças de acordo com a portaria n. 460/2019 ... 102 Quadro 4 – Palavras-chaves e suas variações para a análise de conteúdo ... 108 Quadro 5 – Incidência dos termos nos documentos curriculares analisados ... 108 Quadro 6 – Cronograma das entrevistas semiestruturadas com tempo de duração e local de realização. ... 135 Quadro 7 – Dados de identificação das professoras participantes da pesquisa. .... 136 Quadro 8 – A concepção de currículo para cada professora entrevistada ... 212 Quadro 9 – A concepção de docência para cada professora entrevistada ... 215

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACT Admissão de professores em Caráter Temporário

ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CEC Centro de Educação Continuada

CNE Conselho Nacional de Educação

COEDI Coordenação-Geral de Educação Infantil

DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

NAP Núcleo da Ação Pedagógica

NUFPAEI Núcleo de Formação, Pesquisa e Assessoramento da Educação Infantil

OS Organizações Sociais

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

Pibid Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência PMF Prefeitura Municipal de Florianópolis

PNE Plano Nacional de Educação

PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação

PPP Projeto Político Pedagógico

ProBNCC Programa de Implementação da Base Nacional Comum Curricular PROINFANTIL Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na

Educação Infantil

RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil RMEF Rede Municipal de Ensino de Florianópolis

SINTRASEM Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis

SME Sistema Municipal de Educação

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

1 OS CAMINHOS PARA A PESQUISA: ORIGEM E PERSPECTIVAS ... 20

1.1 Origem, problema e objetivos da pesquisa ... 21

2 CURRÍCULO E DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM DIÁLOGO TEÓRICO ... 33

2.1 Aspectos históricos e contemporâneos do currículo: questões conceituais ... 34

2.2 Currículo no contexto da Educação Infantil ... 40

2.3 Docência no contexto da Educação Infantil ... 46

2.4 Currículo e Docência: Entre a regulação e a autonomia ... 60

3 PERSPECTIVAS E ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS ... 69

3.1 Contexto das escolhas metodológicas ... 70

3.2 Dos instrumentos e procedimentos de pesquisa para a coleta de dados ... 74

3.3 Sobre a sistematização e análise de dados... 77

3.3.1 Definição de unidades referenciais e categorias de investigação e análise ... 80

4 DOS NORMATIVOS NACIONAIS AOS DOCUMENTOS CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS: UMA ANÁLISE SOBRE O AFUNILAMENTO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL ... 83

4.1 Dimensão Nacional – os normativos nacionais para a Educação Infantil ... 84

4.2 Dimensão Municipal – documentos orientadores da docência na Educação Infantil no município de Florianópolis ... 94

4.2.1 Concepções sobre o Currículo e a Docência nos documentos curriculares da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis: buscando dispositivos de Autonomia e Regulação ... 107

4.2.2 Base Nacional Comum Curricular e os Documentos Curriculares Municipais da Educação Infantil de Florianópolis: sobre a recontextualização feita para um alinhamento curricular com a BNCC ... 121

4.3 Síntese intermediária – dispositivos regulatórios da autonomia docente nos documentos curriculares da Educação Infantil ... 128

5 DOCÊNCIA, CURRÍCULO, AUTONOMIA E REGULAÇÃO: PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA RMEF SOBRE AS POSSIBILIDADES DE RECONSTRUÇÃO CURRICULAR ... 133

5.1 Das entrevistas semiestruturadas com as professoras participantes ... 133

5.1.1 Perfil das participantes do estudo: dados pessoais e profissionais ... 135

5.1.2 Referências e documentos norteadores da docência na Educação Infantil... 144

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5.1.4 Currículos reconstruídos na ação docente: entre a autonomia e a regulação ... 169

5.1.5 Condições e exigências sobre a docência ... 187

5.2 Síntese intermediária – percepções e ações docentes frente aos processos de autonomia e regulação ... 201

6 PERCEPÇÕES SOBRE AUTONOMIA E REGULAÇÃO NO ENTRECRUZAMENTO DOS DISCURSOS DOCUMENTAIS COM OS DISCURSOS DOCENTES ... 211

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 222

REFERÊNCIAS ... 230

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa emerge da associação e ampliação entre os estudos realizados para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)1 na graduação em

Pedagogia, mais especificamente vinculados ao eixo Currículo, tendo como contexto principal a Educação Infantil, posteriormente, com a minha imersão como professora de Educação Infantil no cotidiano institucional de uma creche, por onde fui me constituindo docente. Nesse percurso fui revisitando conceitos teóricos e refazendo meu olhar sobre as diversas formas de expressão, manifestação e sensibilidade diante das realidades que encontramos ao longo da trajetória de ser professora e professor.

Entendendo o potencial da temática pesquisada anteriormente por mim no TCC, intitulado “Currículo no contexto da Educação Infantil: entendendo o debate” e intencionando a retomada ao debate curricular na Educação Infantil, desejei que, de um trabalho conceitual, pudéssemos expandir horizontes e questionar o olhar e o papel docente em meio a esse território de tensionamentos que é o currículo, focalizando a área da Educação Infantil.

Assim, com minha inserção como estudante e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) no curso de mestrado da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), meus estudos se voltaram a entender como as professoras e professores2 da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RMEF) se

colocam diante de mecanismos de autonomia e regulação de sua ação, na construção dos currículos no movimento entre o prescrito e o real.

Esta pesquisa tem como objeto de estudo a (re)construção do currículo no movimento da ação docente no contexto da Educação Infantil. Os estudos foram desenvolvidos a partir da abordagem qualitativa, tendo como questão central indagar: Como as professoras e os professores da Educação Infantil reconstroem o currículo

1 O TCC intitulado “Currículo no contexto da Educação Infantil: entendendo o debate”, foi defendido em

2014, sob orientação da Profª Drª Zenilde Durli, e está disponível no seguinte link: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/196308/K%C3%AAnia%20Kristina%20Furtado. pdf?sequence=1

2 Ao longo do texto optei por um linguagem não sexista, coerente aos últimos escritos de Paulo Freire

a partir da Pedagogia da Esperança – no qual revê sua forma de escrita, reconhecendo a anterior como uma linguagem machista aprendida e reproduzida em nossa sociedade – pelos quais ressalta o quanto a linguagem tem de ideologia. Assim, busquei abordar os dois gêneros me referindo aos docentes como “Professoras e Professores”. Trago as professoras como primeiro gênero, devido a docência na Educação Infantil ser predominantemente uma profissão ocupada por mulheres.

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prescrito – que tem um potencial regulador, e qual autonomia se tem diante dessa regulação?

Assim, tracei como objetivo geral analisar como as professoras e professores constroem e reconstroem currículos no movimento da docência na Educação Infantil, diante de mecanismos de autonomia e regulação. Os objetivos específicos se desdobram em: a) Verificar os dispositivos reguladores do currículo nos documentos curriculares oficiais para a Educação Infantil (do nível macro ao micro) e suas implicações sobre a autonomia docente; b) Identificar os acessos, os usos e as percepções atribuídas aos documentos curriculares oficiais pelas professoras e professores da Educação Infantil; c) Investigar a percepção3 que as professoras e os

professores demonstram sobre as possibilidades de (re)construir o currículo no movimento da docência na Educação Infantil.

Ao longo desse processo de pesquisa e imbuída de uma defesa teórica sólida e valorativa da profissão docente, algumas temáticas foram referência para o estudo. São elas: a existência de especificidades para a docência na Educação Infantil; o currículo posto em movimento pelas professoras e professores; o reconhecimento da autonomia docente dentro de condições regulatórias do trabalho pedagógico; e manifestações de autonomia e da autoria no movimento da docência.

Define-se como contexto da pesquisa uma instituição de Educação Infantil do município de Florianópolis, tomando como participantes: três professoras efetivas em efetivo exercício da docência na unidade da rede em questão. Também, os seguintes documentos curriculares orientadores da docência na Educação Infantil a partir de duas dimensões: a) Dimensão nacional – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC); b) Dimensão municipal – Diretrizes Educacionais Pedagógicas para a Educação Infantil (2010); Orientações Curriculares para Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2012); Currículo da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2015); Base Nacional Comum Curricular e os Documentos Curriculares Municipais da Educação Infantil de Florianópolis: recontextualização curricular (2020).

3 Conforme o “Dicionário Online de Português” (https://www.dicio.com.br/percepcao/), o termo

percepção vem do latim perceptivo.onis que significa “compreensão”. A partir de sua etimologia, o termo percepção é utilizado no contexto dessa pesquisa sob a perspectiva de explanar impressões, ou seja, aquilo que se mostra, que vem à tona, que fica mais evidente a partir dos depoimentos das participantes da pesquisa.

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Os instrumentos utilizados para a coleta de dados incluíram entrevistas semiestruturadas, e, uma sistematização analítica das orientações curriculares de âmbito nacional para Educação Infantil, direcionada para a análise dos documentos curriculares orientadores da docência na Educação Infantil do município de Florianópolis. A sistematização e análises dos dados se pautaram na técnica de análise de conteúdo.

A pesquisa encontra-se organizada da seguinte forma: Na primeira seção apresento algumas razões, questões e reflexões que me levaram a pesquisar a temática, trazendo um panorama que direciona para as intenções de pesquisa, a contextualização e a delimitação do problema de pesquisa e dos objetivos previstos para esse estudo.

Na segunda seção, trago um diálogo teórico entre currículo, docência e Educação Infantil. Sinalizo a concepção de currículo que vai orientar o meu olhar nesse projeto, tornando-a eixo central da investigação no processo de (re)construção curricular que ocorre na ação docente. Incluo algumas circunstâncias históricas do surgimento da Educação Infantil para que se possa evidenciar algumas características do seu currículo. Em seguida, trato com mais especificidade a questão da docência, evidenciando as especificidades do trabalho pedagógico na Educação Infantil. Ainda nesta seção, abordo o conceito de autonomia e de regulação, imersos nos contextos curriculares da docência.

Na terceira seção, apresento de forma detalhada as orientações metodológicas da pesquisa, descrevo a abordagem, os instrumentos de coleta de dados, a forma de agrupamento e análise dos dados. O roteiro da entrevista semiestruturada está disponibilizado como apêndice desta pesquisa. As categorias de análise foram definidas a partir da técnica da análise de conteúdo e com base no problema e nos objetivos da pesquisa e possíveis “achados” que se mostraram significativos e pertinentes no decorrer da sistematização e análise dos dados.

Na quarta seção, apresento a análise dos documentos buscando indicativos de autonomia e regulação da docência com base em duas dimensões: a dimensão nacional, com um panorama sobre os principais normativos nacionais da docência na Educação Infantil; e a dimensão municipal, trazendo os documentos orientadores do município de Florianópolis. Ao final da seção, desenho uma primeira síntese intermediária sobre os documentos analisados com base nas categorias de

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investigação definidas à priori, a saber: autonomia; regulação; currículos (re)construídos.

Na quinta seção, trago a análise das entrevistas a partir de cinco dimensões, são elas: a) o perfil dos docentes, contendo dados pessoais e profissionais; b) Referências e documentos norteadores da docência na Educação Infantil; c) Tempos, espaços e recursos para o trabalho docente; d) Currículos construídos na ação docente: entre a autonomia e a regulação; e) Condições e exigências sobre a docência. Tais dimensões foram derivadas dos temas centrais organizados no roteiro de entrevista a partir da questão central e dos objetivos propostos nessa pesquisa. Ao final da seção, desenho uma síntese intermediária sobre as entrevistas analisadas com base nas categorias de investigação definidas à priori, a saber: autonomia; regulação; currículos (re)construídos.

Na sexta seção, relaciono os discursos encontrados nas análises dos documentos orientadores e os discursos docentes enunciados nas entrevistas e que refletem o currículo posto em movimento pelas professoras e professores. Diante dos tensionamentos encontrados, uma nova categoria de investigação e análise tornou-se emergente no diálogo entre as duas tornou-seções anteriores: a autoria docente. Assim, realizo uma discussão sobre como a autoria docente ora é liberta, ora é submetida, diante de processos de autonomia e regulação, no contexto da Educação Infantil, e intenciono novas possibilidades de pesquisa.

Por fim, trago algumas considerações para finalizar temporariamente esta investigação, sistematizando possíveis respostas aos objetivos propostos inicialmente, que foram encontradas ao longo do processo de busca, levantamento e análise de dados da pesquisa.

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1 OS CAMINHOS PARA A PESQUISA: ORIGEM E PERSPECTIVAS

“Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir”. (Cora Coralina)

Os caminhos trilhados para essa pesquisa contam com decisões feitas ao longo de minha vida que culminaram nos diversificados becos de inquietação e curiosidade diante do que inicialmente não era compreendido. A escrita de Cora Coralina revela que esse caminho pode ser árduo, mas que cabe a nós decidir qual postura iremos assumir, o que me faz dizer com segurança que uma das minhas grandes decisões nesse caminho foi a de ser professora de Educação Infantil.

Rememorar a trajetória pessoal e profissional exigiu uma grande reflexão sobre minha própria subjetividade, sobre minhas posturas e sobre as decisões que tive que tomar até o mestrado. A memória revela que tenho feito escolhas maravilhosas, mas que também posso ter perdido algumas oportunidades pelo caminho. No entanto, considero que cada uma dessas decisões possibilitou novos horizontes para que eu amadurecesse enquanto profissional – e também no âmbito pessoal.

A escolha pela docência foi plantada na infância com a admiração pela profissão e por encontrar nela uma forma de exercer a sensibilidade humana diante do outro, reconhecendo a sutileza do ensinar e do aprender alinhado ao afeto e ao respeito. Se equilibrando nos trilhos da vida, cheia de ansiedades e numa família envolvida com a Educação, iniciei meus estudos na Pedagogia, por onde me apropriei de conceitos teóricos e me aproximei de importantes discussões relativas a área da Educação Infantil.

O trabalho para chegar até o mestrado foi intenso, e me orgulho de cada passo dado, vislumbrando novas possibilidades e caminhos a trilhar dentro da docência. A escolha pela pesquisa que venho me debruçando nos estudos para o mestrado será abordada nesta seção e está entrelaçada de forma íntima com a minha trajetória pessoal e profissional. Neste trajeto, é importante reconhecer o papel do Grupo de Pesquisa em Currículo – Itinera4 e do Grupo de Pesquisa Didática e Formação

4 O Itinera é um grupo de pesquisa, vinculado ao Centro de Educação da Universidade Federal de

Santa Catarina, que tem por objetivo desenvolver estudos e pesquisas acadêmicas envolvendo problemáticas do campo curricular.

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Docente – GPDD/NAPE5, enriquecendo ainda mais meu aprendizado em torno do

currículo e da formação docente e suas interfaces no âmbito da Educação Infantil. Bem como ao compartilhamento de saberes pelas relações humanas estabelecidas e fortalecidas dentro e fora da profissão, com familiares, professoras e professores, orientadora, crianças e colegas de outras profissões.

Assim, segue, nessa primeira parte do estudo, algumas razões e reflexões que me levaram a pesquisar a temática. Sinalizo, na medida em que vou desenhando as perspectivas da pesquisa, a concepção de currículo que vai orientar o meu olhar nesse estudo, assim como algumas circunstâncias históricas do surgimento da Educação Infantil, aspectos esses que serão aprofundados na próxima seção. Ao final, apresento a problemática e os objetivos de estudo que serão base para os estudos teóricos e os procedimentos metodológicos que seguirão nas próximas seções.

1.1 Origem, problema e objetivos da pesquisa

Inicialmente, quando se transportou o termo currículo para o âmbito da Educação infantil, produziu-se certo desconforto em seu uso, principalmente pela constante vinculação às etapas seguintes de escolaridade, para as quais existem programas, grades de matérias e conteúdos predefinidos, contendo o que se deve ensinar. A ideia de currículo restrita apenas à sistematização e ordenação didática está associada ao próprio histórico transmutável que o conceito de currículo vem sofrendo ao longo dos anos.

Os estudos sobre o currículo têm avançado no contexto da Educação Infantil em defesa das especificidades atribuídas à área e da sua diferenciação das demais etapas da Educação Básica. No meio acadêmico, construiu-se nos últimos anos uma compreensão que tende à superação da ideia de currículo como sendo um documento prescritivo ou uma representação de propostas vinculadas à escolarização, como nos mostra Pacheco (2005):

[...] currículo é um projecto de formação (envolvendo conteúdos, valores/atitudes e experiências), cuja construção se faz a partir de uma multiplicidade de práticas inter-relacionadas através de deliberações tomadas

5 O GPDD/NAPE refere-se ao grupo de pesquisa Didática e Formação Docente e ao Núcleo de Apoio

Pedagógico, vinculado ao Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina, e tem por objetivo produzir e socializar estudos e pesquisas sobre as relações entre formação de professores, alfabetização, docência e políticas educacionais para o trabalho educativo na Educação Básica.

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nos contextos social, cultural (e também político e ideológico) e econômico. (p.41).

Tal compreensão implica em uma significação mais ampla, constituindo-o como um projeto de formação definido a partir de deliberações originadas dos interesses e das disputas nos contextos nos quais é produzido. Nesse sentido, o currículo – em todos os âmbitos de estudos, inclusive no contexto da Educação Infantil – expressa um projeto formativo em suas possibilidades de tensionamentos, quais sejam: políticas, epistemológicas, econômicas, culturais. Esses tensionamentos fazem parte do contexto de influência e de produção dos documentos orientadores da docência; e carregam consigo, mesmo que silenciosamente, os conflitos entre as comunidades disciplinares, equipes técnicas do governo, empresas privadas, pesquisadores e acadêmicos que debatem o tema, etc.

Nos últimos anos, tem se intensificado o movimento pelo qual “grupos técnicos desconhecidos impõem a todas as escolas e a seus profissionais o que decidem como prioritário ou descartável na garantia do direito ao conhecimento.” (ARROYO, 2013, p. 39). Textos normativos, diretrizes, pareceres, decretos, leis oficiais, entre outros, são importantes documentos orientadores da docência, e grandes expressões do currículo, no entanto, vê-se que a construção de muitos documentos oficiais, vem cada vez mais num movimento de imposição ao invés de democrático e a população vai sendo “sensibilizada” a aceitar o que verticalmente aborda como proposta de documento.

Um exemplo concreto desse movimento refere-se ao processo de construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)6. As propagandas midiáticas utilizadas

de forma persuasiva confirmam as tentativas de controle das informações em prol dos interesses empresariais (FREITAS, 2018) que o documento tem por trás, por exemplo, como anunciado na propaganda7 do governo federal que diz: “se a base da educação

é a mesma, as oportunidades também serão”, como se a definição de mínimos de conteúdos e objetivos de aprendizagem fosse o suficiente para dizimar a desigualdade social e econômica encontrada no território brasileiro.

6 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) teve sua primeira versão divulgada em setembro de 2015,

sua segunda versão em maio de 2016 e sua terceira versão em abril de 2017, sendo aprovada sua última versão com a publicação da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017.

7 Para acessar uma das propagandas divulgadas pelo governo na época, disponibilizo o seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=Fbz-cpct1W4.

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Alguns estudiosos foram “convidados a contribuir” participando de comissões e consultorias na produção, principalmente, das primeiras versões do texto da BNCC, e dentre esses, os que estiveram “destoando” os interesses neoliberais, foram cortados ou precisaram se moldar ao modelo imposto, o que acabou distorcendo concepções caras e singulares para cada etapa da Educação Básica. Barbosa, Silveira e Soares (2019, p. 83) confirmam esse dado quando afirmam que “Foi visível a expectativa de participação de alguns grupos, entidades e indivíduos nas duas primeiras versões da BNCC e o sentimento de frustração destes, ao serem cerceados de opinar e transformar as duas últimas versões do documento”. Também, ao longo do último ano da constituição da BNCC – 2017, o Conselho Nacional de Educação (CNE)

[...] promoveu cinco audiências públicas regionais com o objetivo de colher sugestões, com caráter exclusivamente consultivo, não garantindo à sociedade civil que suas reinvindicações seriam acolhidas. Apesar de um número expressivo de colaborações das entidades, o CNE não deu retorno sobre as proposições. (BARBOSA, SILVEIRA e SOARES, 2019, p. 82)

Desencadeou-se então, um processo verticalizado e muito bem planejado para a difusão da BNCC, contendo prazos curtos para a elaboração de documentos estaduais. Nesse processo, segundo Freitas (2018, p. 1), a BNCC foi “equivocadamente fixada como obrigatória e não como uma referência, a partir da qual os Estados pudessem construir as suas próprias bases curriculares”. Portanto,

[...] um Estado não pode criar, de fato, seu próprio currículo, pois seus alunos serão testados segundo avaliações nacionais feitas a partir da BNCC do MEC e não de um eventual currículo do Estado. O que eventualmente o Estado incluir ou modificar, não cairá nas avaliações nacionais. É um jogo de cartas marcadas. O Estado somente poderá fazer ‘variações sobre o mesmo tema’ e obrigatoriamente terá que preparar seus alunos para as avaliações nacionais ou será considerado ‘fracassado’ nos ranqueamentos. (FREITAS, 2018, p. 1)

Diante desse contexto, com prazos apertados, os Estados precisaram construir seus documentos alinhados totalmente ao documento aprovado, conforme determina o texto da BNCC em sua Resolução CNE/CP nº 2/2017. Em Santa Catarina, foi elaborado o “Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense”8, e para as instituições ou redes de ensino catarinenses que

optaram por não aderi-lo, deveriam elaborar seus próprios documentos orientadores adequados a BNCC. O município de Florianópolis, por exemplo, optou por não seguir o Currículo Base do Território Catarinense, e utilizar a BNCC para reestruturar seus

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documentos já constituídos, elaborando um novo documento9 orientador para a

RMEF.

A padronização de currículos por meio de habilidades, competências e conteúdos, determinando o que as instituições educativas devem ensinar e quando devem ensinar, foi a maior aposta da BNCC. Por meio de assessorias empresariais, fortemente preparadas para a fragilidade do momento, a BNCC foi “padronizando os processos de ensino em sala de aula e eliminando o que resta de autonomia dos profissionais da educação” (FREITAS, 2018), e seu apressamento reverberou num propício encurtamento das discussões a fim de cessar maiores questionamentos.

A BNCC foi aprovada em dezembro de 2017 e chegou aos municípios como algo que deve ser incorporado; como normativa obrigatória. A questão principal a destacar aqui não é o fato de existir, ou não, uma Base comum de âmbito nacional, mas sublinhar a forma como ela foi sendo conduzida, estabelecida, envolvida por interesses e forças políticas. São nas concepções e formas de encaminhamentos dos documentos oficial que moram os principais embates, os principais questionamentos, e é para esse aspecto que direciono o meu olhar nesse estudo.

Dentre os encaminhamentos, ainda, com o Programa de Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC) criado pelo Ministério da Educação (MEC) – instituído pela Portaria MEC nº 331, de 5 de abril de 2018, “o que era para ser uma referência, passou a ser uma prescrição curricular – tendente à homogeneização de conteúdos e organização da educação infantil no Brasil –, contrariando a autonomia garantida na LDB de 1996” (BARBOSA, SILVEIRA e SOARES, 2019, p. 82). O programa prevê repasse financeiro10 para aqueles que incorporarem a BNCC

aos seus documentos orientadores, assim, estados e municípios se veem numa posição constrangida de não aceite, pois diante da falta de recursos atual relacionada aos repasses financeiros, fica difícil recusar a proposta. Para as regiões que previam

9 Disponível no seguinte link:

file:///D:/Documentos/Downloads/17_04_2020_11.54.29.c99ba38bd2177e15f057d216cb3ac9e0.pdf

10 De acordo com o documento, “as unidades federativas, que aderiram ao ProBNCC, contam com os

seguintes apoios: 1. Assistência financeira, via Plano de Ações Articuladas - PAR às Seduc, com vistas a assegurar: (i) a qualidade técnica na construção do documento curricular em regime de colaboração entre estados, Distrito Federal e municípios para toda a Educação Básica, e (ii) a implementação dos currículos elaborados à luz da BNCC; 2. Formação oferecida pelo MEC para equipes de currículo e gestão do Programa nos estados; e 3. Assistência técnica que contempla: (i) pagamento de bolsas de formação para os professores da equipe ProBNCC, via FNDE (ii) contratação de analistas de gestão, (iii) equipe alocada no MEC para o apoio na gestão nacional do Programa, (iv) material de apoio, e (v) plataforma digital para apoiar a (re)elaboração do currículo e as consultas públicas” (BRASIL, 2019).

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não manter relacionamento com a BNCC em seus documentos já construídos (como por exemplo o município de Florianópolis no estado de Santa Catarina), os esforços de resistência voltam-se para desenvolver outras táticas de resistências frente ao aceite do programa.

Preocupa-me nesse processo de construção dos textos de políticas educacionais e curriculares, em contexto macro e micro, que haja uma fuga do debate, por onde mascaram-se as defesas e impõem-se algo sem discussão suficiente. Arrisco dizer que a BNCC, tal como tramitou e foi aprovada na sua última versão, é uma forma autoritária de reforçar a carência e o privilégio, que em detrimento de uma noção restrita de “qualidade”, atrelada a uma política neoliberal baseada na quantidade e produtividade, desconsidera o processo de humanização, as subjetividades e especificidades contextuais e humanas, suas experiências anteriores e suas reais necessidades diante da riqueza cultural encontrada no território brasileiro. Afinal, “Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que ou para quem se produz, mas opera em uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade” (CHAUÍ, 2001, p. 184).

Nessa mesma direção, em dezembro de 2018, o MEC lança a versão preliminar de um documento intitulado de Base Nacional Comum da Formação dos Professores da Educação Básica (BRASIL, 2018)11, instaurando mais uma vez o controle político

e ideológico, desconsiderando importantes diretrizes12 vinculadas a formação inicial e

continuada para professoras e professores. E no ano seguinte, em 20 de dezembro de 2019, é homologada a Resolução nº 2 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC – Formação)13, colocando o desempenho e a produtividade acima das

condições objetivas de trabalho das/os docentes e fragmentando ainda mais a

11 Este documento está disponível no seguinte link:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=105091-bnc-formacao-de-professores-v0&category_slug=dezembro-2018-pdf&Itemid=30192

12 Um manifesto bastante significativo que demonstra a desconsideração de importantes diretrizes

vinculadas a formação inicial e continuada e outros significativos pontos, está expresso na nota emitida pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e assinada também por outras associações importantes para na área da Educação. Para ter acesso a nota mencionada, deixo a seguir o link de acesso: http://www.anped.org.br/news/nota-sobre-base-nacional-comum-para-formacao-de-professores

13 A Resolução está disponível no seguinte link:

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formação inicial e continuada, visto que retira o termo “Formação Continuada” do título do documento, mencionando-o apenas duas vezes ao longo da resolução, sem colocá-lo em foco. Tenta-se alinhar ainda o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência (Pibid) e a Residência Pedagógica, incluindo em seus editais14 a

BNCC como eixo orientador do trabalho docente.

Nesse contexto, a intencionalidade de alinhamento vem por diversos âmbitos – material pedagógico, formação docente e avaliação – os quais se constituem em uma rede de regulação do trabalho de professoras e professores. É preciso compreender nos diversos alinhamentos impostos a existência de uma tentativa homogeneizante via política neoliberal. O neoliberalismo nos faz acreditar na diversidade de ideias, de interesses, de participação, de oportunidades, etc. No entanto, é uma diversidade mascarada pela lógica hegemônica do indivíduo reduzida ao domínio de competências. Lembrando que “Em sua origem, o conceito de competências e seu uso estão estritamente ligados ao mundo da formação de trabalho e empresarial, de onde foram exportados para outros contextos, como a educação e, hoje, o tratamento do currículo” (SACRISTÀN, 2013, p. 278). Nesse sentido, Martins Filho e Martins Filho (2010, p. 47-48), apontam o neoliberalismo como uma política que afirma que:

[...] as oportunidades são igualmente oferecidas a todos e o êxito ou fracasso passam a depender exclusivamente dos esforço e capacidade de cada um. Portanto, rompe-se com posturas tecnicistas, no qual a formação de professores passa a ser reconfigurada e redefinida sob o prisma da construção de um profissional crítico, participativo, que precisa interferir ativamente na transformação tanto da escola quando da educação e da própria sociedade; porém esse mesmo discurso concretiza-se a partir de um ideário sedutor e ilusório, o qual elabora, uma lógica fundante de formação de professores que prima pela exclusão do Estado em oferece-la, passando a responsabilizar os professores por sua própria formação.

As políticas neoliberais vêm tratando debates importantes como encerrados em um consenso que não existe, mas que com o tempo e a massificação da informação pode vir a gerar grandes prejuízos a política educacional brasileira. Essa lógica neoliberal “pressupõe apostar no consenso curricular como se ele fosse possível fora da disputa política contextual” (LOPES, 2018, p. 30). Nessa direção, concordo com Sacristán (2013, p. 29) quando afirma que “se o debate não surge e se instaura um

14 Os Editais n°06/2018 e n°7/2018 que instituem respectivamente a Residência Pedagógica e o Pibid,

reforçam o discurso de que é preciso aumentar a perspectiva prática no campo da formação inicial. Os programas foram utilizados por meio desses editais, com a intenção de preparar os estudantes para desenvolver as habilidades, competências e conteúdos previstos na BNCC e que farão parte das avaliações de larga escala.

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aparente consenso e tranquilidade, isso significa que a educação é privada da possibilidade de participar dele”.

Atentemos para as decisões e concepções que são instituídas a partir dos tensionamentos originados dos interesses e das disputas nos contextos de sua produção para compreender que a política nacional – que vem assumindo como eixo o conceito de competências – se dilui em micropolíticas, o que consequentemente impacta e regula o trabalho docente.Rocha e Pereira (2019, p. 208) corroboram com essa afirmativa quando indicam que por meio dessas políticas:

[...] o trabalho docente reduz-se ao treinamento de competências, e suas identidades profissionais continuam a ser tensionadas mediante processos regulatórios do currículo, presos às classificações dos sistemas de avaliação. Assim, contraditoriamente, os docentes veem-se perdendo seus espaços de autonomia profissional, em virtude do jogo neoliberal, ao mesmo tempo em que não se limitam a executar os currículos prescritos.

A redução de professoras e professores à meros executores de currículos, exclui a compreensão de sua autonomia profissional docente como processo autoral e social, pois desconsidera suas capacidades de (re)interpretarem e (re)elaborarem os currículos prescritos a partir de seus saberes, crenças, valores, juízos e fazeres cotidianos, transformando-os e consolidando-os em currículos (re)construídos por meio da ação docente.

Assim, observando a fragilidade da autonomia docente diante das políticas neoliberais, percebi como os textos de política curricular (lugar de influência e poder) trazem mais sobre “o que” e menos dos “porquês” das escolhas curriculares. Essas escolhas são permeadas de tensionamentos políticos, epistêmicos, econômicos, culturais, e fazem parte do contexto de produção e influência dos documentos e textos de política curricular frente a atualidade. Tais contextos não permitem pensar o trabalho docente como prática autônoma, mas como mera execução, nem permite pensar o educando como capaz de desenvolver autonomia, mas como possível mão de obra para a reprodução do sistema neoliberal.

Arroyo (2013), diz que o currículo é o eixo central mais estruturante do trabalho docente e, atualmente, é o território mais normatizado, politizado e avaliado, no entanto, um território possível de se ressignificar. Dessa forma, cabe a reflexão a respeito do currículo, pois ele é território em disputa. Nós, professoras e professores, estamos no meio desse turbilhão de tensões. É no espaço educativo que nosso trabalho se materializa, se particulariza, e é nele que apostamos mudanças e resistências, defendendo nosso espaço diante dos tensionamentos advindos das

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novas políticas públicas e das ações cada vez mais controladoras do Estado. Está em jogo também uma disputa pela docência e pela autonomia e liberdade criativa que a profissão conquistou, afinal,

[...] crescem autorias docentes profissionais e autocontroles sobre o que se faz e sobre o trabalho docente. Porém autorias ocultas, silenciosas cientes de que nunca controlarão por completo o que fazem. Os controles do sistema, das diretrizes, dos ordenamentos curriculares e disciplinares, das avaliações continuaram rígidos, cada vez mais sofisticados, reagindo a esse crescimento das autorias docentes. (ARROYO, 2013, p. 33).

Esse pensamento fortificou-se a partir da minha efetivação como professora na Educação Infantil da rede municipal de Florianópolis, por onde busquei compreender o currículo como um eixo articulador das experiências e conhecimentos, que auxilia nos processos gerais de identidade cultural da infância, das professoras, dos professores, e demais profissionais envolvidos no processo educativo. Nesse eixo central, o currículo, está imbricado uma diversidade de situações concretas e incertas de trabalho que implicam adaptações constantes a circunstancias particulares, exigindo escolhas e decisões por parte das professoras e professores nos espaços educativos. Assim, considero que a autoria docente se faz muitas vezes de forma silenciada, se equilibrando entre as possibilidades de autonomia e de regulação da ação docente, buscando nos saberes docentes uma coerência necessária na defesa de posicionamentos sobre a Educação Infantil.

Diante deste contexto, as problematizações que me mobilizaram inicialmente para o estudo foram: que currículo é esse que estamos defendendo por meio da docência na Educação Infantil da rede municipal de Florianópolis? Quais são os dispositivos reguladores do currículo da rede municipal de Florianópolis? A construção dos documentos orientadores da docência na Educação Infantil é objeto de reflexão e de participação das professoras e dos professores? Como as professoras e os professores percebem as possibilidades de regulação e de autonomia sobre o trabalho docente?

Cotidianamente, professoras e professores são levados a enfrentar disputas por negação ou reconhecimentos de saberes, quando se deparam com histórias de vidas e realidades diferentes daquelas que esperam encontrar. Existem tensões e contradições entre as verdades que aprendemos e as verdades que vivemos. Quando a professora trabalha com uma criança individualmente, mas sua atenção precisa se voltar também para um coletivo; quando parte do interesse das crianças para

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selecionar assuntos e projetos, mas precisa incluir certa temática que já foi acordada no coletivo da instituição; quando mobiliza o grupo de crianças para conhecerem, mas nem todos se interessam; quando a instituição define horários para comer e dormir, e a criança não quer comer nesse horário ou não quer dormir. Enfim, por termos nosso trabalho gerido por tensões e dilemas, de negociações e de estratégias, nas relações humanas estabelecidas em contexto nas instituições educativas, cotidianamente nos vemos permeadas de contradições.

É claro que existem esforços para minimamente diminuir essas contradições, principalmente, a partir do estudo e da argumentação teórica sobre as ações docentes cotidianas. Porém, hoje, um dos grandes desafios da educação é reconhecer que as teorias só fazem sentido a partir de situações concretas no plano real, contemplando os imprevistos, as contradições e as complexidades da profissão.

Modifiquemos, portanto, o olhar naturalizado das teorizações sobre a docência em evidenciar o que seria um ideal de educação, um ideal de criança, um ideal de currículo e um ideal de professor, para sublinhar um olhar sensível às situações concretas, às condições de trabalho, às relações de poder sobre e entre os conhecimentos e, por fim e mais importante, às relações humanas. Afinal, faço das palavras de Freire (1996, p. 54), também minhas palavras, ao escrever que “[...] minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história”. Professoras e professores precisam reconhecer seu lugar nesse território real, ao lado de uma categoria que tem força (mas que talvez esteja desacreditada), em interação com sujeitos ativos, que mobilizam saberes em contextos históricos e diversos. Compreendo que, quando questionamos a realidade existente, estamos olhando para determinado assunto a partir de uma lente teórica pessoal, que possui defesas, concepções e opinião. Esta lente teórica se constitui historicamente no individual e no coletivo, a partir de vivências, aprendizados, cultura, conhecimento popular, científico, etc. Quando voltamos o nosso olhar para as diferentes docências que encontramos nas unidades educativas, enraizadas nas tradições15 singulares e

burocráticas de cada local, percebemos que estas foram, e ainda são, constituídas

15 As tradições singulares de cada local revelam o contexto de influência que mina a cultura escolar de

cada instituição educativa. Por vezes, na comunidade em que trabalho, vejo práticas tão agarradas ao que sempre se fez hábito neste espaço que há dificuldade em aceitar novas formas de se fazer. Para eles, resistir a mudança teórico-prática implica deixarem de agir conforme suas crenças e experiências já vivenciadas. Nesse caso, o professor entraria em conflito consigo mesmo.

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em um leque de perspectivas teórico-práticas que refletem adaptações às necessidades encontradas cotidianamente pelos docentes.

Segundo Gatti (1992), o cotidiano reflete uma teoria (re)construída, ímpar àquela apresentada nos cursos de pedagogia. Os princípios teóricos que norteiam a ação docente no espaço educativo refletem um mosaico de concepções diversas. Nesse sentindo, um segundo bloco de questões reflexivas se desenhou: essas necessidades cotidianas e as diversidades contextuais implicam no olhar das professoras e professores para o currículo? Quais os usos e os sentidos atribuídos ao currículo frente aos documentos orientadores e frente sua própria docência? As professoras e os professores da Educação Infantil se consideram autoras/es de suas práticas e, portanto, (re)construtores de currículo?

Debruçar-se sobre a docência das professoras e dos professores da rede municipal de Florianópolis, e sobre os documentos curriculares orientadores dessa docência, é umas das formas de avaliar e dar visibilidade aos jeitos e fazeres pedagógicos, afinando a sensibilidade diante das diversas formas de manifestação estéticas relacionadas à docência, emaranhadas nos desafios cotidianos de ser professora ou professor. Sob essa ótica, a concepção de currículo se torna instrumento de organização e identidade, expresso na forma de documentos, mas também nas práticas que se instituem no âmbito dos espaços educativos. Assim, para o contexto deste estudo, compartilho da acepção de Pacheco (2005, p. 42), para o qual currículo é também: “uma práxis sobre um conhecimento controlado, por um lado, ‘no contexto social em que o conhecimento é concebido e produzido’ e, por outro, no modo ‘como esse conhecimento é traduzido para ser utilizado num determinado meio educativo’.”.

Acredito que o exercício da docência também constitui tentativas de conceituar o currículo – visto que a ação também é discursiva – pois professoras e professores são grandes influenciadores na definição do que torna-se (ou não) currículo na prática. Professoras e professores, nesta relação, são mediadores do processo educativo, organizando as ações pedagógicas, ensinando e conduzindo as situações incertas com as quais as crianças vão se encontrando, oferecendo condições para elas se apropriarem de determinadas aprendizagens e promovendo o desenvolvimento de diferentes formas de ser, agir, sentir e pensar. Para isso, professoras e professores vão traduzindo em suas ações um conhecimento para ser utilizado num determinado

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meio educativo, pois conforme Canário (1998), professoras e professores são (re)inventores da prática e, portanto, construtores de sentidos.

Assim, considerando o caráter contraditório do currículo, entendo-o na dimensão da verticalização provocada pelos interesses econômicos do Estado (sua construção, implementação e os impactos na realidade cotidiana), mas também na dimensão crítica e emancipatória, pela qual é possível olhar para o currículo por meio de sua fluidez nos contextos e redes de poder (campos subjetivos), reconhecendo o papel fundamental que o discurso cumpre na construção e reconstrução curricular.

Considero para esse contexto, o discurso como toda forma de linguagem humana. Nesse sentido, identificar como as professoras e professores da Educação Infantil da RMEF se apropriam de um currículo que é prescrito e qual autonomia que elas/eles tem diante dos dispositivos reguladores desse currículo, é buscar compreender esse contexto de influência, seus atores, intenções e percepções instituídas. Afinal, a ação também é discursiva e, portanto, se o docente (re)constrói em sua ação as teorias inerentes a sua formação, transformando-se em autor de sua prática pedagógica, podemos considerá-lo um construtor de currículo.

A docência na Educação Infantil requer um tracejo autoral, pelo qual o desenho curricular é posto em ação, e mais do que isso, ele é desconstruído e reconstruído a partir das condições objetivas e contextuais vividas em determinado tempo e espaço com base nas relações humanas estabelecidas. Nessa perspectiva,

Pesquisar o currículo significa crer na capacidade dos professores para formular questões validas sobre sua própria prática, gerar conhecimentos durante sua própria ação e estabelecer objetivos que tratem de responder a tais questões; ou seja, a capacidade de gerar conhecimentos pedagógicos com base em seus conhecimentos e experiências (MUÑOZ, 2013, p. 501)

Segundo Sacristán (2000), o currículo é antes de tudo uma construção social feita de opções culturais. Entende-se que por ele gravitam relações de poder e, consequentemente, de controle social. Assim, o currículo vai sendo construído e reconstruído de acordo com os interesses e desinteresses políticos e sociais para determinados tempos e espaços ao longo da história. Ao partirmos dessa ideia, podemos considerar que os discursos se articulam na produção de “verdades” produzindo reflexões que visam potencializar, ou não, a trajetória histórica e contemporânea da docência na Educação Infantil.

Em presença ao referencial de ideias, reflexões e questionamentos apresentados anteriormente, e no intuito de delinear alguns pressupostos para essa

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pesquisa, é que faço as primeiras aproximações com os elementos que virão a constituir o problema de pesquisa: Como que as professoras e professores da Educação Infantil se apropriam de um currículo que é prescrito – e tem um potencial regulador, e qual autonomia que se tem diante dessa regulação?

Assim, a pesquisa tem como objetivo geral analisar como as professoras e professores constroem e reconstroem currículos no movimento da docência na Educação Infantil, diante de mecanismos de autonomia e regulação. Essa intenção está desdobrada nos seguintes objetivos específicos:

a) Verificar os dispositivos reguladores do currículo nos documentos curriculares oficiais para a Educação Infantil (do nível macro ao micro) e suas implicações sobre a autonomia docente;

b) Identificar os acessos, os usos e as percepções atribuídas aos documentos curriculares oficiais pelas professoras e professores da Educação Infantil; c) Investigar a percepção que as professoras e os professores demonstram sobre

as possibilidades de (re)construir esse currículo no movimento da docência na Educação Infantil;

Diante de tais objetivos, detalho a seguir a escolha conceitual para um currículo em movimento que dê ênfase aos processos cotidianos que constituem a docência na Educação Infantil. Dando seguimento, trago um breve histórico sobre o termo currículo no contexto da Educação Infantil, para então adentrarmos as questões específicas de autonomia e regulação, provocados por exigências advindas de outras esferas no meio educativo (ou não) e que podem interferir na visão que o docente tem de sua autoria na (re)construção curricular cotidiana no trabalho com as crianças.

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2 CURRÍCULO E DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM DIÁLOGO TEÓRICO

“Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, na prática e na reflexão sobre a prática”. (Paulo Freire, 1995)

Não foi de uma hora para outra que eu me tornei professora de Educação Infantil. Não foi preciso “apenas” um diploma de Pedagogia. Foi preciso mais. Muito mais. Foi necessário construir conhecimentos e experiências, refletidas em decisões tomadas em cada ação cotidiana – dentro e fora da universidade e das instituições educativas – estabelecendo aos poucos uma postura, um jeito de ser professora, singular, mas ao mesmo tempo coletivo.

Ser professora de Educação Infantil requer conhecimentos que estão além daqueles que aprendemos na formação inicial. Conhecimentos sobre o outro, sobre as relações que a criança estabelece, e sobre a etapa em que ela se encontra, auxiliam-nos na docência, mas não nos fazem professoras. Experiência prática também não nos constitui docentes, se não houver estudo e reflexão sobre as ações. O que nos torna professoras e professores da pequena infância é se relacionar e mediar – conhecimentos e experiências – no dia a dia docente em instituições de Educação Infantil. Espaço este, em que minha constituição docente realmente se efetivou e constantemente vem se renovando. Até porque, como afirma Paulo Freire – um dos educadores mais renomados da educação brasileira – ninguém nasce pronto para ser professor. A docência é processual.

Nesse processo, eu já aprendi muitas coisas, estudei muito, continuo aprendendo e quanto mais eu conheço sobre a docência, a infância e as crianças, mais percebo-me uma aprendiz. Nesse trajeto, contei com a ajuda de diversas professoras e professores, conversando e observando maneiras de compartilhar a vida cotidiana com crianças pequenas. Como um mosaico, fui selecionando jeitos de ser professora – no presente e na memória – para criar e recriar uma posição profissional que sustentasse uma autonomia docente, mesmo observando tantos prazos e tanta burocracia, pautados em regular o tempo, o espaço e o fazer docente. A docência na Educação infantil se mostrou um espaço singular de aprendizado e de formação profissional – e também pessoal. A reflexão teórica sobre a prática pedagógica constituiu (e continua a constituir), um momento importante da docência

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que, em mim, se renova no cotidiano com as crianças. Afinal, ser professora é vivenciar a docência em sua processualidade.

Nessa seção, organizo e desenvolvo um diálogo teórico entre Currículo, Docência e Educação Infantil. Começo indicando aspectos importantes sobre a escolha conceitual de um currículo em movimento que vai do que está prescrito ao que é desenvolvido cotidianamente pelas/os docentes, e também o que está oculto. Busco evidenciar como aconteceu o envolvimento inicial da área da Educação Infantil com o termo currículo, trazendo outros termos utilizados para expressar o currículo da Educação Infantil a as constantes tentativas de diferenciação dessa etapa de ensino das demais para o qual existem programas e grades de conteúdos. Em seguida, entro nas questões históricas sobre a docência na Educação Infantil, discorrendo sobre a complexidade que envolve a profissionalização docente na área. Por fim, relaciono e problematizo a autonomia docente e os processos de regulação no intuito de promover uma reflexibilidade em torno desses elementos teóricos.

2.1 Aspectos históricos e contemporâneos do currículo: questões conceituais

O conceito de currículo e sua utilização no meio educativo surge desde os primórdios associados à ideia de seleção de conteúdos e classificação dos conhecimentos a serem ensinados. (SACRISTÁN, 2013). O currículo teria, então, o objetivo de tornar o processo formativo mais eficiente, ordenando os conteúdos em disciplinas e evitando a arbitrariedade na escolha de “o que será ensinado”, o que provocou limites a autonomia dos professores sobre essa escolha. De tal modo, o currículo tornou-se um instrumento de regulação a partir do entrelaçamento histórico de outros conceitos (como classe, grau, método, etc) dando origem a uma invenção social estruturada do que hoje é a escolaridade como a conhecemos. Desde suas origens, o currículo,

[...] tem se mostrado uma invenção reguladora do conteúdo e das práticas envolvidas nos processos de ensino e aprendizagem; ou seja, ele se comporta como um instrumento que tem a capacidade de estruturar a escolarização, a vida nos centros educacionais e as práticas pedagógicas, pois dispõe, transmite e impõe regras, normas e uma ordem que são determinantes. (SACRISTÁN, 2013, p. 20)

Apesar de sua capacidade reguladora, o currículo também é regulado por estruturas e agentes capazes de normatizá-lo, flexibilizá-lo ou limitá-lo. Sua regulação

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depende principalmente de opções e decisões estabelecidas pelo poder dominante, dentre essas, encontramos a defesa de um modelo de educação, que pode, ou não, ser o modelo que queremos e necessitamos. Dessa forma, professoras e professores, por mais que pareçam ser autores de sua própria história, de suas próprias opções e ações, e portanto, de sua docência, estão, em algum grau, submetidos, assim como o currículo, a condições previamente estabelecidas e/ou oferecidas e que são, de certa forma, reguladoras de suas ações.

Recorro a etimologia do termo currículo, que vem da palavra latina Scurrere, correr, e refere-se a curso (GOODSON, 1995) – sendo dicionarizado pela primeira vez em 1663 com esse sentido – para alertar que todo percurso pode ser transgredido quando mudamos sua rota, seu tempo e sua forma de caminhar nesse trajeto. Pacheco (2005, p. 30) explicita que o conceito tem sofrido, ao longo dos tempos, mudanças “que o tem transportado desde uma concepção restrita de plano de instrução até uma concepção aberta de projecto de formação, no contexto de uma dada organização”.

De acordo com Pacheco (2005, p. 55), o currículo “é uma construção ampla de intenções e práticas que coexistem de uma forma nem sempre coerente, porque se encontram alicerçadas em conflitos, em função de um projecto de formação pertencente a uma dada organização”. Nesse sentido, ainda que não se fale ou não se admita tratar da questão do currículo em alguns contextos educativos ele coexiste com eles e se expressa nas proposições e intencionalidades que são construídas.

Pacheco (2005) ainda compara o currículo a uma moeda que apresenta duas faces: a das intenções e a da realidade que adquire no contexto de uma estrutura organizacional. Isto é, o currículo se define, essencialmente, pela sua complexidade e ambiguidade, pois não se faz dissociado de interesses e desinteresses políticos e sociais, muito menos de contextos educativos diversos em diferentes tempos e espaços ao longo de sua constituição histórica. Sob essa ótica, o currículo não se trata de um objeto, mas de um processo pelo qual se coloca em constante movimento.

Essa perspectiva processual, que abrange desde um plano prescrito e normatizado até sua acepção como prática cotidiana e formativa determinada por múltiplos contextos, indica dizer que o currículo não pode se dissociar em partes, mas, ao contrário, que cada parte do seu desenvolvimento compõe o currículo em sua inteireza. Partes indissociáveis, porém, representativas de um currículo. Por

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