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Estatuto da vítima e suas implicações no processo penal português

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Academic year: 2020

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Declaração para efeitos do disposto no n.º 7 do Anexo I do Despacho NT-32/2005.

Autor: Magda Elsa de Araújo Cerqueira

Contacto: magda851@gmail.com

Título da Dissertação: O Estatuto da Vítima e suas implicações no Processo Penal português

Relatório de Atividade Profissional para obtenção do grau de Mestre em Direito, especialização em Direito Judiciário

Orientadores: Professora Doutora Margarida Maria de Oliveira Santos

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA RELATÓRIO PROFISSIONAL APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 28 de abril de 2017.

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Agradecimentos:

À Professora Doutora Margarida Maria de Oliveira Santos, deixo aqui o meu agradecimento sincero pela colaboração, disponibilidade e paciência dispensada na orientação do presente Relatório Profissional.

Dedico também este trabalho à minha família, especialmente à Leonor e à Filipa, sem cujo carinho e apoio moral não poderia ter sido elaborado, e a todos aqueles que desejam um mundo melhor, com menos vítimas e mais cidadãos responsáveis, conscientes e benévolos.

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Título: O Estatuto da Vítima e suas implicações no Processo Penal português

Resumo:

O presente trabalho aborda a problemática existente em torno do (novo) Estatuto da Vítima, que se vazou na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro. O Estatuto da Vítima estabelece os direitos, o apoio e a proteção das vítimas de criminalidade. Vem criar alterações que se pretendem de relevo na própria estrutura do Processo Penal de modo a que a vítima do crime não seja totalmente arredada do processo pelo qual se pretende apurar a responsabilidade pela prática do ilícito típico criminoso.

O objeto deste trabalho consiste numa análise crítica dos princípios e direitos de proteção das vítimas de crimes. Para o efeito, abordam-se as noções legais e doutrinais de vítima, distinguindo esta da noção de ofendido, de assistente e de lesado, bem como o contexto do seu surgimento e as suas implicações para o Direito Processual Penal português.

Defendemos que o Estatuto da Vítima agora criado não trouxe grandes alterações no âmbito do Processo Penal mas permite reconfigurar a intervenção da pessoa que foi alvo da conduta criminosa, de modo a pôr em relevo a sua intervenção, melhor satisfazendo os seus interesses.

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Title: The legal status of the victim and its implications to Portuguese criminal procedure.

Abstract:

The present work faces the problematic around the new Status of the Victim created by the statute nº 130/2015 of 4 th September. The Victim`s Status establishes the rights, support, and protection of victims of crime.

It pretends to create relevant changes in the structure of the criminal procedure in order to prevent the victim from being alienated from the same procedure.

The purpose of this work consists in a critical analysis of the principles and rights governing the protection of victims of crimes. We will approach the legal and doctrinal concepts of victim, distinguishing the victim from the concepts of offended, assistant and injured, as well as the context of its emergence and implications to Portuguese Criminal Procedure.Law.

We will defend that the status of the victim recently created has not brought about any major changes but it allows for the reconfiguration of the intervention of the person who has been the object of a criminal conduct, in order to highlight an intervention better tailored to his/her interests.

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Índice:

Abreviaturas e Siglas ... XII

RELATÓRIO ... - 1 -

I - Introdução ... - 3 -

1. Notas curriculares ... - 3 -

2. Descrição da área territorial do juízo de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Braga ... - 5 -

3. Afetação a Processos de Inquérito Pendentes na seção do DIAP de VN Famalicão e a todos os Processos de Inquérito Pendentes nas seções do DIAP de Braga (mesmo que não sejam da área territorial do município) ... - 7 -

4. Do tipo de criminalidade em sede de instrução ... - 8 -

II. Delimitação do objeto, objetivos e estrutura da dissertação ... - 9 -

DISSERTAÇÃO ... - 13 -

1. A posição da vítima ... - 15 -

2. O Contexto de surgimento do Estatuto da Vítima ……….. - 18 -

3. A vítima, a/o ofendida/o, a/o assistente e a/o lesada/o: novas (re) configurações no direito processual penal português ... - 25 -

4. A posição de fragilidade processual da vítima ………..….. - 33 -

5. A Diretiva 2012/29/UE e os direitos, apoio e proteção à vítima na União Europeia... - 37 -

6. A proteção, o apoio e os direitos das vítimas ... - 41 -

a. Princípio da Igualdade (de Oportunidades) ... - 42 -

b. Respeito pela dignidade pessoal da vítima e Respeito Integral da sua vontade... - 44 -

c. Direito à Proteção (integridade física) respeito pela sua vida privada (sigilo de informações) e acesso equitativo aos cuidados de saúde. ... - 47 -

d. Indemnização e restituição de bens ... - 56 -

e. Princípio e direito à Informação ... - 61 -

f. Direito de Assistência específica à vítima ... - 66 -

g. Direito de Participação Ativa no Processo ……….…… - 67 -

7. Perspetiva Crítica: implicações do Estatuto da Vítima para o direito processual penal português e seu cotejo com a Diretiva ... - 71 -

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Abreviaturas e Siglas:

AAFDL- Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa Ac- Acórdão

BFDUC- Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra CDFUE- Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

CEJ- Centro de Estudos Judiciários

CNUDC- Carta das Nações Unidas do Direito das Crianças CP- Código Penal

CPC- Código de Processo Civil CPP- Código de Processo Penal

CPVC- Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes CRP – Constituição da República Portuguesa DIAP- Departamento de Investigação e Ação Penal EM- Estado-Membro

EMs- Estados-Membros MP- Ministério Público

RMP- Revista do Ministério Público

RPCC- Revista Portuguesa de Ciência Criminal STJ- Supremo Tribunal de Justiça

TEDH- Tribunal Europeu dos Direitos do Homem TFUE- Tratado de Funcionamento da União Europeia TJUE- Tribunal de Justiça da União Europeia

TRG- Tribunal da Relação de Guimarães TRP- Tribunal da Relação do Porto TRC-Tribunal da Relação de Coimbra TRL-Tribunal da Relação de Lisboa TRE- Tribunal da Relação de Évora UE- União Europeia

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I - Introdução

1. Notas curriculares

Data nascimento: 11 de março de 1974 Cartão cidadão: 10126774

Correio eletrónico: magda851@gmail.com Habilitações académicas:

• 1997- Licenciatura em Direito pela Universidade de Coimbra.

• 2000/2002- Conclusão do Curso de Formação no Centro de Estudos Judiciários

• 10-2012 a 01-2013- Curso de Especialização em Direito da União Europeia na Escola de Direito da Universidade do Minho, que terminou com a elaboração de trabalho escrito para avaliação consistente no comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça C-236/09. Foi avaliado em 17 valores.

• 2015- Inscrição no Mestrado em Direito Judiciário da Escola de Direito da Universidade do Minho, com dispensa da fase letiva.

Publicações:

• Publicação, em co- autoria com Maria Paula Moreira Sá Fernandes e Rui António do Nascimento Ferreira Martins da Rocha, 20 Anos de Jurisprudência Portuguesa sobre Igualdade no Trabalho e no Emprego,CITE, Lisboa, 2007.

Formações anteriores ao período inspecionado:

• 1 a 16-6-2011- Ação de Formação organizada pela Universidade do Minho, em colaboração com o Centro de Estudos Judiciários, intitulada “Direito da União Europeia”, com a duração de 15 horas letivas.

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• 18 e 19-5-2012- 2º Seminário dos Cadernos de Direito Privado, subordinado ao tema “Responsabilidade Civil”, na Escola de Direito da Universidade do Minho, em Braga. • 19-5-2012- Conferência “A Morte não escolhe idades” sobre os temas do Testamento Vital

e A morte e seus efeitos jurídicos- Direitos de Personalidade Post- Mortem, na Universidade Católica, Centro Regional do Porto.

• 25-5-2012- Wokshop “Questões de Prova em Direito da Família e Menores”, na Escola de Direito da Universidade do Minho.

• 23-11-2012 e 30-11-2012- Seminário sobre insolvência- CEJ, Lisboa.

• 21 a 23-5-2012- Workshop on Principles of European Union Environmental Law, em Wiesbaden, ministrado em língua inglesa, e realizado pelo EIPA- European Institute of Public Administration.

• 17-1-2013- Conferência subordinada ao tema “O novo regime jurídico das responsabilidades parentais- as quatro mãos que embalam o berço”- no Tribunal Judicial de Barcelos, sendo orador o Juíz Desembargador Dr Paulo Guerra.

• Abril 2013- Ação de formação contínua do CEJ sob o título “Direito Processual Civil”, que versou sobre as alterações ao CPC que entraram em vigor em setembro de 2013.

• 3,10 e 17-5-2013- Ação de formação contínua organizada pelo CEJ sob o título “Direito Societário e Corporate Governance”, Lisboa.

• 2013- Curso de inglês jurídico em sistema de b-learning, ministrado pelo Centro de Estudos Judiciários.

• 30-8-2013 a 13-9-2013- Estágio no Tribunal de 1ère Instance de Liège, Bélgica, no âmbito do Exchange Programme for Judicial Authorities implementado em 2013 pelo European Judicial Training Network.

Ações de Formação Profissional:

Desde 25 de março de 2014 frequentei as seguintes ações de formação:

• Curso de Direito da Concorrência Entrance 2014, ministrado em plataforma on-line pelo European University Institute, de Florença.

• Tráfico de Seres Humanos- conferência internacional- por videoconferência- a partir de Braga, a 31-10-2014;

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• Criminalidade Económico-Financeira e Recuperação de Produtos do Crime- Lisboa- a 17 e 24-4-2015;

• Técnicas de Inquirição e Interrogatório em Processo Penal- Lisboa- a 16-1-2015;

• Seminário em Cibercriminalidade, promovido pelo SMMP e pela ASJP que decorreu no dia 20-11-2015, no Porto.

• Temas de Direito Penal e Processual Penal- Braga- 12,19, e 26-2-2016;

• Implementação dos Direitos Fundamentais: Tendências Internacionais- Braga- 18-3-2016; • Prova em Direito Penal, Cibercriminalidade e Prova Digital- Braga- 7 e 8-4-2016;

• Curso Inglês Jurídico B-Learning- Lisboa- 11-1-2016 a 27-6-2016- com uma sessão presencial final.

Outra atividade de natureza científica:

• 2014- janeiro a outubro- curso on-line por e-learning “Entrance 2014”- Training For National Judges in Competition Law, ministrado pelo European UNiversity Institute, de Florença. • Apresentei um caso comentado em língua inglesa no “Final Workshop” do curso de Direito

da Concorrência Entrance 2014, ministrado no European University Institute, em Florença, perante os professores universitários e juízes que o frequentaram- 2 a 4 de outubro de 2014. Tratou-se do encerramento do curso que havia iniciado no ano anterior com aulas teóricas que cobriram todos os temas do Direito da Concorrência. Junto cópia do trabalho apresentado.

• Visitei o Tribunal de Justiça da União Europeia, visita organizada pela EJTN em conjunto com o Centro de Estudos Judiciários- 13 e 14-11-2014- no Luxemburgo.

• Frequentei o curso de inglês jurídico denominado Linguistic Seminar “Language Training on the Vocabulary of Judicial Cooperation in Civil Matters”, do European Judicial Training Network, que teve lugar de 23 a 27 de março de 2015 na cidade de Bruxelas.

2. Descrição da área territorial do juízo de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Braga

A área de competência do Tribunal da Comarca de Braga tem quatro principais centros urbanos: Braga, Guimarães, Vila Nova de Famalicão e Barcelos. O distrito tem uma população entre

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a residir nos municípios de Braga e Guimarães, e 70% a residir nos municípios de Braga, Guimarães, Vila Nova de Famalicão e Barcelos.

No que à área da instrução criminal diz respeito, importa considerar que foi criada em Vila Nova de Famalicão uma seção especializada do DIAP para os crimes de tráfico de droga (crimes em que são frequentes as intervenções do juiz de instrução) com competência alargada a todo o território da comarca.

Foi ainda criada uma seção do DIAP em Barcelos, com competência alargada ao município de Esposende, especializada nos crimes de violência doméstica, cujos inquéritos são sempre de natureza urgente e nos quais também é muito frequente a intervenção do juiz de instrução criminal. Esta competência alargada das seções do DIAP obriga ao trânsito constante dos inquéritos entre a sede da seção do DIAP competente e a sede da seção de instrução criminal ou da seção criminal da instância local competente, com os gastos e perdas de eficiência associadas.

Relativamente às seções do DIAP instaladas em Braga, tais problemas foram ultrapassados mediante a atribuição aos juízes das seções de instrução criminal do respetivo município de competência para a prática dos atos jurisdicionais em todos os inquéritos pendentes nas referidas seções do DIAP.

No que tange à seção do DIAP especializada nos crimes de tráfico de droga, foi atribuída competência aos juízes das seções de instrução criminal para praticar os atos jurisdicionais nesses inquéritos.

Na prática, a reafectação aos juízes da 1ª seção de instrução criminal dos atos jurisdicionais respeitantes a todos os processos de inquérito pendentes nas seções de Braga do DIAP bem como os processos de inquérito pendentes na 1ª seção de Vila Nova de Famalicão do DIAP, mas provenientes dos municípios de Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro, Vieira do Minho e Vila Verde, resulta da desarticulação entre o DIAP e as seções de instrução criminal. Para informação mais detalhada pode consultar-se o relatório da Comarca disponível no sítio on-line da Comarca de Braga.

Os crimes pelos quais são apresentados arguidos detidos para interrogatório judicial- primeiro ou subsequente- são os de violência doméstica, com uma frequência muito preocupante,

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de abuso sexual de crianças (com um crescendo de tomada de declarações para memória futura e a revelar uma preocupação crescente pelo aumento deste tipo de crime), tráfico de estupefacientes e crimes contra a propriedade e património.

Devo, por último referir, no que concerne a interrogatórios de arguidos, que têm vindo a tornar-se frequentes interrogatórios judiciais de arguidos detidos por crimes de corrupção, tráfico de influência, insolvência dolosa, participação económica em negócio, situação que é tributária da criação de um DIAP especializado em criminalidade económico-financeira em Braga, sendo que, pela complexidade intrínseca aos referidos crimes, mercê do longo período de investigação e multiplicidade de diligências investigatórias e de arguidos detidos, e da maior litigância da defesa nessas situações, pelo risco das medidas de coação mais gravosas para a vida estável e profissão e imagem social dos arguidos, os interrogatórios têm tendência para se alongar, tendo já por três vezes abrangido o fim-de-semana inteiro, ou, quando no mesmo dia se realizavam mais de que um ato (alguns com vários arguidos), ocorreram situações em que as diligências terminaram muito para além do horário de funcionamento dos Tribunais, mas nunca para além do horário previsto no Código de Processo Penal, e sempre com respeito pelos períodos de descanso e alimentação.

Importa ainda referir que no recente relatório de monitorização do Conselho Superior de Magistratura se pode aferir que o número de processos entrados no Juízo de Instrução Criminal de Braga onde desempenho funções é muito superior à média nacional.

3. Afetação a Processos de Inquérito Pendentes na seção do DIAP de VN Famalicão e a todos os

Processos de Inquérito Pendentes nas seções do DIAP de Braga (mesmo que não sejam da área territorial do município)

Desde 9-10-2014, por despacho do Exmo Vogal em substituição do Sr Vice-Presidente do Conselho Superior de Magistratura, que aprovou a afetação dos juízes da, à data, 1ª seção de instrução criminal da Comarca de Braga, na qual me incluía, aos processos de inquérito pendentes na 1ª seção de Vila Nova de Famalicão do DIAP de Braga, provenientes dos municípios de Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro, Vieira do Minho e Vila Verde, em que devam ser

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de Braga mesmo os relativos à criminalidade económico-financeira de todo o distrito de Braga e à violência doméstica de Braga, Amares e Vila Verde (competência do DIAP de Braga).

4. Do tipo de criminalidade em sede de instrução

No que concerne aos tipos de crime em sede de instrução, uma grande parte diz respeito a crimes de natureza fiscal, burlas, falsificações de documentos, crimes contra a propriedade e contra o património, crimes contra a honra e alguns crimes estradais, nomeadamente crimes de homicídio negligente.

Mas também surgem instruções que incidem sobre crimes menos comuns, como os crimes de corrupção previstos no Código Penal e os previstos na Lei dos titulares de cargos políticos, participação económica em negócio, branqueamento de capitais e outros integrados na criminalidade económica.

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II.

Delimitação do objeto, objetivos e estrutura da dissertação

O presente trabalho aborda a problemática existente em torno do (novo) Estatuto da Vítima, que se vazou na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro. O Estatuto da Vítima estabelece os direitos, o apoio e a proteção das vítimas de criminalidade. Vem criar alterações que se pretendem de relevo na própria estrutura do Processo Penal de forma a que a vítima do crime não seja totalmente arredada do processo pelo qual se pretende apurar a responsabilidade pela prática do ilícito típico criminoso.

A motivação desta reflexão prende-se com o facto de termos constatado da nossa experiência em tribunais de comarca de competência genérica bem como da experiência enquanto juíza de instrução criminal que muitas vezes a pessoa singular que sofreu no seu corpo, no seu património, na sua vida afetiva ou emotiva, profissional, ou em todas estas vertentes, as consequências do ato criminoso, não é ouvida nem informada dos ulteriores trâmites processuais após a dedução da queixa ou da denúncia.

Neste sentido, com o presente relatório profissional pretendemos tecer um olhar crítico sobre o (novo) Estatuto da Vítima e sobre as suas efetivas implicações práticas, perscrutando se, efetivamente, a lei processual penal alterou de facto a posição processual da vítima, valorizando a sua intervenção processual ou se, de iure condendo, face ao aguilhão do direito da União Europeia - na sua legislação e concretização jurisprudencial - urgirá proceder a remodelações de forma a tornar os direitos que se pretendem atribuir executórios e efetivos.

De uma forma especial, pretendemos com o presente estudo conhecer o Estatuto da Vítima e definir os seus contornos, no âmbito do Direito Processual Penal português; conhecer o contexto em que este Estatuto surge; problematizar o conceito de vítima e distinguir o conceito de vítima de figuras próximas; integrar o Estatuto da Vítima no contexto do Processo Penal; conhecer os novos direitos da vítima; avaliar os direitos para proteção das vítimas especialmente vulneráveis; reconhecer a importância do novo direito da vítima de ser ouvida em qualquer fase do processo; integrar e problematizar o estatuto da vítima no âmbito da legislação penal e processual penal em vigor, bem como no âmbito do direito da União Europeia, de onde surgiu, apurando, nomeadamente se o

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legislador português procedeu a uma correta transposição da Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de outubro de 2012.

Atendendo aos objetivos e aos contornos da investigação, entendemos dividir este estudo em 7 capítulos, além da introdução e da conclusão.

O primeiro capítulo aborda a posição da vítima no Processo Penal de acordo com a filosofia iluminista influenciadora dos nossos Códigos Penal e Processual Penal.

O segundo capítulo aborda o contexto de surgimento do Estatuto da Vítima analisando os fundamentos do direito de punir pelo Estado e a sua evolução cultural no sentido da integração da vítima na tríade punitiva, após o seu afastamento inicial.

O terceiro capítulo versa a definição legal e doutrinal dos conceitos de vítima, ofendido, assistente e lesado e a influência que a definição legal de vítima consagrada na alteração ao Código de Processo Penal (CPP) pela mesma lei que consagrou o Estatuto da Vítima- e antes inexistente no ordenamento jurídico português- trouxe para aqueles conceitos. Problematiza-se a figura da vítima à luz desta definição legal para percebermos se foi criado um novo participante processual ou um novo sujeito processual.

O quarto capítulo versa a posição de fragilidade processual da figura da vítima que se encontra com a sua intervenção vinculada às decisões processuais tomadas pela magistratura do Ministério Público.

O quinto capítulo aborda as ideias- força que presidiram ao estabelecimento de direitos, apoio e proteção pela Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012. E o sexto capítulo analisa detalhadamente a Lei nº 130/2015 de 4-9, que aprovou o Estatuto da Vítima no ordenamento jurídico interno da República Portuguesa. Subdivide-se em seis sub-capítulos onde se abordam com minúcia os princípios e os direitos consagrados às vítimas de criminalidade: os princípios da igualdade de oportunidades para viver sem violência, do respeito pela dignidade pessoal e respeito integral pela sua vontade, da informação e seu respetivo direito, e os direitos à proteção, respeito pela sua vida privada (sigilio de informações) e acesso equitativo aos cuidados de saúde, direito à indemnização, restituição de bens e direito de assistência específica à vítima.

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Finalmente, no sétimo capítulo analisam-se criticamente as implicações do Estatuto da Vítima para o direito processual penal português, no seu cotejo com a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012.

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Capítulo I

– O surgimento do Estatuto da Vítima

1. A posição da vítima

O vocábulo “vítima” tem a sua origem etimológica provinda do latim víctima e referia-se ao ser humano ou animal morto e oferecido em sacrifício (imolado) a alguma divindade1. Com este

estigma cultural a impender sobre a palavra, o seu significado evoluiu para definir a situação de pessoa em situação de inferioridade face às circunstâncias, de objeto e não sujeito na medida que é alguém a quem fizeram algo, de uma relativa fragilidade2. Assim, não pode a ordem jurídica ignorar

as suas necessidades subjetivas em prol do interesse coletivo da realização da justiça.

Do ponto de vista da Dogmática Penal, o Estado detém o monopólio da administração da justiça penal em virtude de os indivíduos seus cidadãos terem com ele celebrado um contrato social pelo qual abdicaram de fazer justiça pelas suas próprias mãos e conferiram essa tarefa ao Estado, que passou a deter o monopólio do uso da força3. Esta teoria do contrato social resulta dos estudos

teórico-conceptuais de grandes pensadores iluministas, como Hobbes, Locke, Hume e Rousseau, que fornecem uma explicação não teológica para fundamentar o direito de punir, mas antes baseada num raciocínio lógico-dedutivo. Todos têm em comum “a explicação do exercício do poder por um trato, um ajuste tácito a que chamaram Pacto Social” 4.

Nas palavras esclarecedoras de Faria Costa5: “Na verdade, quando se cede aquele pedaço

mínimo necessário da liberdade para se beneficiar da segurança que nos permita viver individual e colectivamente está-se, segundo este modelo, a aceitar duas coisas: uma que se confina com a

1 Dicionário Global da Língua Portuguesa, autoexplicativo com exemplos contextualizados, Jaime Coelho, Lidel- edições técnicas, Lda, 2014, página

1421. Também Dicionário Houaiss, Círculo de Leitores, 2011, página 2396.

2 DANIELE GIGLIOLI, Crítica Della Vittima, nottetempo, 2014.

3 THOMAS HOBBES, Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e Civil. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural 1997. LOCKE,

John. “Segundo tratado sobre o governo”, In: Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo e Ensaio acerca do entendimento humano. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural 1989. E, mais recentemente, PAULO MOTA PINTO, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, in Portugal- Brasil, ano 2000. Tema Direito, Coimbra Editora, coleção STUDIA IURIDICA do BFDUC, 40, página 187 e 191. E JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES, “Liberdade e Segurança”. RPCC, ano 4, julho-setembro 1994, página 299 e ss.

4 MIGUEL JOSÉ FARIA, Criminologia: Epanortologia: Fundamento do direito de punir, Instituto Superior Ciências Policiais e Segurança Interna, Lisboa,

2014, página 283. Este autor deixa uma nova proposta de reflexão: “a busca em radicais biológicos de uma fundamentação do Direito (…) o entendimento de o direito ter surgido e na essência significar o instrumento da ordenada e prudente satisfação das necessidades, estas facilmente

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contraprestação atrás referida e que é aquela que normalmente é salientada; outra, bem mais particular mas não menos precisa, que assenta na lógica de que a existência de crimes - e consequentes penas - pressupõem também a relação contratual originária, isto é: para viver em segurança e paz aceitam-se os crimes como um mal necessário mas também se assume - faz parte desse contrato originário -, comutativamente, que, se se tiverem comportamentos proibidos por lei, é intrinsecamente correcto aceitar-se o mal da pena - «retribuição» - previsto em lei certa, anterior e precisa”. Como claramente sintetiza o Autor “… é nuclear à ideia de contrato originário que a um comportamento criminalmente censurável se siga a correspondente - quase de modo sinalagmático - pena. Aquele que violou o pacto originário - através da prática de um crime - deve «pagar» com uma pena, tanto mais que na lógica interna da doutrina do contrato originário todos estiveram de acordo na realização do contrato e todos conhecem, sem excepção, as condições e as consequências do não cumprimento do «contrato». Nada mais límpido e transparente à luz de uma das ideias matrizes de todo o Iluminismo” 6.

Assim, “uma das principais missões da comunidade estadual é a de garantir a segurança externa e interna das pessoas que a compõem”7.

Também Cesare Beccaria parte da ideia do contrato social enquanto base legitimadora do Direito Penal no qual a mínima parte possível de liberdade que se cede individualmente permite receber em troca as condições necessárias à segurança de cada indivíduo e o bem comum, assim atingindo “a máxima felicidade repartida pelo maior número8”.

Como bem sublinha Jorge de Figueiredo Dias9: “Porventura em nenhuma outra disciplina

jurídica como nesta surgirá uma tão nítida relação de supra/infra- ordenação entre o Estado soberano, dotado do ius puniendi, e o particular submetido ao império daquele; como em nenhuma outra será tão visível a função estadual de preservação das condições essenciais da existência comunitária e o poder estadual de, em nome daquela preservação, infligir pesadas consequências para a liberdade e o património (…) dos cidadãos”. Neste sentido, “… verificados (…) os pressupostos

6 JOSÉ DE FARIA COSTA, Ler Beccaria Hoje, in Beccaria e o Direito Penal, Coimbra Editora, 2015, página 20 e 21. 7 SÉRVULO CORREIA, Direitos Fundamentais, Sumários Desenvolvidos, AAFDL, Lisboa, 2002, página 97. 8 CESARE BECCARIA, Dos delitos e das penas, Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, página 62.

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da intervenção, o ius puniendi estadual surge como coisa pública, por inteiro subtraída à vontade dos particulares”10.

Mas os particulares não podem ser completamente eliminados da equação, especialmente os diretamente envolvidos no facto criminoso, sob pena de o próprio Direito Penal deixar de cumprir as funções para as quais tem utilidade.

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2. O Contexto de surgimento do Estatuto da Vítima

A partir da segunda metade do século XX a vítima do crime passou a assumir um papel de relevo na comunidade científica, surgindo no âmbito da disciplina da Criminologia11, a Vitimologia12,

como ciência autónoma.

O Conselho da Europa, criado no final da II Guerra Mundial, em 1949, por impulso de Winston Churchill, com a incumbência de aglutinar os países defensores da civilização e cultura ocidental e do ideal democrático, tomou a dianteira na chamada de atenção para as vítimas de crimes com a Recomendação (85) 11, sobre a posição da vítima no Processo Penal, a Recomendação nº (87) 21, sobre a assistência às vítimas e prevenção da vitimização, e a Recomendação nº (85) 4 sobre violência familiar.

A nível internacional, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração de princípios fundamentais de justiça relativos às vítimas da criminalidade e às vítimas do abuso de poder, em 1985. Aí expressamente se afirmava nessa data a “necessidade de adopção, a nível nacional e internacional, de medidas que visem garantir o reconhecimento universal e eficaz dos direitos das vítimas da criminalidade e de abuso de poder”, e adoptavam princípios básicos de justiça, nomeadamente: 1) um conceito lato de vítima que incluía as pessoas que tivessem sofrido um prejuízo ao intervirem para prestar assistência, 2) o tratamento com compaixão e respeito pela sua dignidade, 3) o direito ao acesso às instâncias judiciárias, e a uma rápida reparação do prejuízo por si sofrido através de procedimentos, oficiais ou oficiosos, que sejam rápidos, equitativos, de baixo custo e acessíveis, 4) o direito à informação das vítimas dos direitos que lhes são reconhecidos para obter reparação por estes meios, 5) medidas para prestar assistência às vítimas e minimizar as dificuldades por estas encontradas, proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, bem como a da sua família e das suas testemunhas, preservando-as de manobras de intimidação e de represálias, utilizando práticas de mediação e arbitragem, quando adequadas a facilitar a conciliação e obter a reparação em favor das vítimas, 6) reparação do prejuízo causado às vítimas pelos autores

11 MAURICE CUSSON, Criminologia, Casa das Letras, 3ª edição, para uma visão da evolução da ciência criminológica através dos tempos. 12 MAURICE CUSSON, idem; CLAUS ROXIN, Derecho Penal parte general, tomo I, fundamentos, la estrutura de la teoria del delito, Civitas, 2001, página

562: “La victimología, es decir, la teoria criminológica de la influencia de la conducta de la víctima en la delincuencia, há comenzado recentemente a irradiar su influencia sobre la dogmática del Derecho Penal”. ISABEL FALCÃO CORREIA, Concertos e Desconcertos na Procura de um mundo concertado: crença no mundo justo, inocêrncia da vítima e vitimização secundária, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT, Ministério da Ciência ecdo Nesino Superior, 2003, página 13 e ss.

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do crime que deve englobar a restituição de bens, 7) indemnização pelo prejuízo ou pelas perdas sofridas, 8) reembolso das despesas como consequência da vitimização, 9) prestação de serviços e restabelecimento de direitos, 10) asseguramento de indemnização financeira por parte do Estado às vítimas de dano corporal ou atentado importante à sua integridade física ou mental em consequência de atos criminosos graves, quando não seja possível obtê-la do delinquente, 11) prestação de assistência material, médica, psicológica e social e fácil acesso à mesma, 12) formação adequada que sensibilize para as necessidades das vítimas para todos os profissionais das polícias, justiça, serviços de saúde e serviços sociais e 13) dispensa de atenção às vítimas com necessidades especiais em razão da natureza do prejuízo sofrido ou de fatores como a raça, cor, sexo, idade, língua, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou outras, crenças ou práticas culturais, situação económica, nascimento ou situação familiar, origem étnica ou social ou capacidade física.

Importa, ainda, referir, no âmbito da União Europeia, a Resolução 95/C 327/04 do Conselho da União Europeia de 23-11-1995 sobre a proteção de testemunhas no âmbito da luta contra a criminalidade organizada, que convidou os Estados-Membros a garantir a proteção apropriada das testemunhas, de acordo com linhas de orientação que delineou, abrangendo no conceito de testemunha todas as pessoas que possuam informações importantes para o processo e suscetíveis de pôr as pessoas em perigo em caso de divulgação, efetuou o incremento da cooperação judiciária permitindo a obtenção de provas à distância através de meios audiovisuais, proteção contra todas as formas de ameaça, pressão ou intimidação, direta ou indireta, possibilidade de não revelar os elementos de identificação da testemunha, possibilidade de mudança de identidade, possibilidade de depor em local separado do arguido através de meios audiovisuais, etc.

Seis anos após, surge a Decisão – Quadro nº 2001/220/JAI, do Conselho de 15-3-2001, em que o Conselho da União Europeia vem novamente preocupar-se com a vítima em Processo Penal, na linha da prioridade conferida à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, nesse mesmo ano de 2001.

O Estatuto da Vítima, que se consagra pela primeira vez para todas as vítimas de crimes no direito interno português, com a Lei n.º 130/2015 de 4-9, deflui naturalmente da Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012 que foi obrigatoriamente transposta para o direito interno, substituindo a anterior Decisão – Quadro nº 2001/220/JAI, do

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Conselho de 15-3-2001, estabelecendo as normas mínimas para o estatuto da vítima em Processo Penal, considerada muito tíbia e sem resultados práticos13.

Todavia, não se pode afirmar que o Direito Penal e Processual Penal português não tinha preocupações vitimológicas. Efetivamente, a vítima sobretudo depois da 2ª Guerra Mundial, como já se referiu, “passou então a ser alguém a quem deveria ser atribuída dignidade no âmbito do direito penal”, referindo-se, desde logo, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82 que “a vítima passa a ser um elemento, com igual dignidade, da tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima”14.

Neste sentido, veja-se, por exemplo, a Constituição da República Portuguesa (CRP), enquanto “direito processual penal aplicado”, no artigo 32º, nº7, aditado pela Lei Constitucional nº 1/97, onde se confere legitimidade ao assistente para intervir no processo. Este direito envolve, como claramente esclarece Gomes Canotilho e Vital Moreira15: “o direito (poder) de acusar, o poder de

requerer a instrução (no caso de arquivamento dos autos por deliberação do MP), o poder de recorrer da sentença absolutória”.

E já antes se verificava uma procura de equilíbrio entre a salvaguarda dos direitos e interesses da vítima e os direitos e interesses do presumível agente do facto ilícito típico.

Efetivamente, é notório como o direito português se preocupava com a vítima, atendendo, desde logo, ao teor de vários artigos consagrados na Constituiçãocda República Portuguesa (CRP) e no Código de Processo Penal (CPP).

Assim, por exemplo, a CRP consagra o direito à segurança no artigo 27º, nº1: “Todos têm direito à liberdade e à segurança”. Também relevante é o artigo 32º, nº4, que estabelece os atos da reserva do juiz enquanto garante da salvaguarda dos direitos fundamentais no Processo Penal: “Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades

13Vide proposta de lei 343/XII/4ª (GOV) do CSM, 2015: “Os relatórios de execução sobre a (…) Decisão- Quadro – de 2004 a 2009- concluíram que

a legislação da União Europeia tinha sido ineficaz para garantir a proteção adequada às vítimas em toda a UE”. MARIA DOLORES BLAZQUEZ PEINADO, “La Directiva 2012/29/EU. Un paso adelante en matéria de protección a las víctimas en la Unión Europea?”, Revista de Derecho Comunitario Europeo, número 46, Madrid, septiembe/ diciembre (2013), pags 897-934.

14 MIGUEL CARMO, “Anotação ao artigo 17º da Lei 104/2009 de 14-9”, página 269, in PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE e JOSÉ BRANCO (org.),

Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume 1, Universidade Católica Editora, 2010: “A reforma penal operada no ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei nº 400/82 de 29-9, deu eco, pela primeira vez, às questões relacionadas com a problemática da vítima. Esta, fundamentalmente, depois da 2ª Guerra Mundial, começou a ser objecto de estudos de natureza criminológica que alertaram para a forma, por vezes pouco ou nada cuidada, como era encarada, quer pela comunidade, quer ainda pela doutrina do direito Penal. A vítima passou então a ser alguém a quem deveria ser atribuída dignidade no âmbito do direito penal. O preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82 refere que: «a vítima passa a ser um elemento, com igual dignidade, da tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima».

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a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais”. Estão aqui abrangidos todos os atos que constituiriam ofensas a direitos fundamentais se não fossem praticados no âmbito do processo, como a aplicação de medidas de coação, reconhecimento e interrogatório de arguidos, buscas domiciliárias, interceção e gravação de conversas telefónicas, exame de correspondência, acesso a ficheiros informáticos de dados pessoais, exames violadores da privacidade, que podem por em causa também a vítima e terceiros, para além do arguido, como aponta Gomes Canotilho16.

Na mesma linha, importa atentar no n.º 7 do artigo 32.º: “O ofendido tem o direito de intervir no processo nos termos da lei”, aditado pela Revisão Constitucional de 1997, bem como no artigo 206º da CRP: “As audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento”, e ainda ao reforço do estatuto do assistente no CPP de 1987 expresso no regime da suspensão provisória do processo17. Note-se que ao elencar

as injunções e regras de conduta aplicáveis ao arguido começa o Código por enumerar a indemnização do lesado e a prestação de satisfação moral adequada. Sublinhe-se, ainda, que o nº7 do artigo 281º do CPP relativamente aos processos por crime de violência doméstica, não agravada pelo resultado, prevê a suspensão provisória do processo pelo MP, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, “mediante requerimento livre e esclarecido da vítima”. Também nos processos por crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, não agravado pelo resultado, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, determina a suspensão provisória do processo, “tendo em conta o interesse da vítima”. Aqui a lei não exige a constituição de assistente para defesa dos interesses da pessoa objeto do crime. Esta redação do artigo 281º do CPP resulta da Lei nº 20/2013 de 21-1.

De igual forma, o artigo 82º-A do CPP, prevê a possibilidade de o tribunal, em caso de condenação, e não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil, arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos “quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham”. Esta norma foi introduzida pela Lei n.º 59/98 de 25-8, constituindo um arbitramento oficioso que já existiu no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no artigo 34º do CPP de 1929

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e no artigo 13º do DL 605/75 de 3-11. Manifesta notória preocupação com a proteção da situação económica da vítima decorrente dos danos sofridos com a conduta criminosa e típica.

Ao nível do Direito da União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão em 2001, foi conferida prioridade à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça. Em 2009 com o Tratado de Lisboa, o desenvolvimento desse espaço converteu-se em preocupação fundamental da União Europeia. Estabeleceu-se o reconhecimento mútuo18 de decisões judiciais em

matéria penal, expressamente consagrado no artigo 82º do TFUE: 1- “A cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e inclui a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados- membros nos domínios a que se referem o nº2 do artigo 83º (…). 2- Na medida em que tal seja necessário para facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação policial e judiciária nas matérias penais com dimensão transfronteiriça, o Parlamento Europeu e o Conselho, por meio de diretivas adoptadas de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer regras mínimas. Essas regras mínimas têm em conta as diferenças entre as tradições e os sistemas jurídicos dos Estados- Membros. Essas regras mínimas incidem sobre: a) A admissibilidade mútua dos meios de prova entre os Estados- Membros; b) os direitos individuais em processo penal; c) os direitos das vítimas da criminalidade; (…)”.

Assim, nesta sede, realçamos a adoção por parte do Conselho da Decisão- Quadro 2001/220/JAI, de 15 de Março de 20011, relativa ao estatuto da vítima em Processo Penal; o Programa de Estocolmo, adoptado pelo Conselho Europeu, que convidou a Comissão e os Estados Membros a analisar a forma de melhorar a legislação e medidas de apoio concretas para proteger as vítimas, dando especial atenção ao apoio a todas as vítimas, incluindo as vítimas de terrorismo, e ao seu reconhecimento; o Roteiro de Budapeste, onde o Conselho afirmou a necessidade de se tomarem medidas ao nível da União para reforçar os direitos, o apoio e a protecção das vítimas da criminalidade; a Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de Novembro de 2004, sobre a eliminação da violência contra as mulheres, segundo a qual os Estados Membros foram exortados a melhorarem a sua legislação e as suas políticas de luta contra todas as formas de violência contra as mulheres e a tomarem medidas para combater as causas dessas violência, nomeadamente, através de medidas de prevenção, tendo a União sido chamada a assegurar o direito à assistência e ao apoio a todas as

18 ANABELA MIRANDA RODRIGUES, O Direito Penal Europeu Emergente, Coimbra Editora, 2008, página 67 e ss. RICARDO JORGE BRAGANÇA DE

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vítimas de violência; a Resolução de 5 de Abril de 2011 sobre a prioridade e definição de um novo quadro político da União em matéria de combate à violência contra as mulheres, onde o Parlamento Europeu propôs uma estratégia para combater a violência contra as mulheres, a violência doméstica e a mutilação genital feminina como base para a criação de futuros instrumentos de direito penal contra a violência baseada no género, incluindo um quadro para combater a violência contra as mulheres que deverá ser seguido de um plano de ação da União; a Diretiva 2011/99/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativo à decisão europeia de protecção, a qual estabeleceu um mecanismo para reconhecimento mútuo das medidas de proteção em matéria penal entre os Estados Membros; a Directiva 2011/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção de vítimas; a Diretiva 2011/93/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil e, a Decisão Quadro 2002/475/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo, que reconheceu que este constitui uma das violações mais graves dos princípios em que a União se baseia, incluindo o princípio da democracia, confirmando, ainda, que o terrorismo constituiu, entre outros, uma ameaça ao livre exercício dos direitos humanos.

Por fim, salientamos o artigo 82.º, n.º 2 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que prevê a possibilidade da União estabelecer regras mínimas aplicáveis aos Estados Membros com o objectivo de facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação policial e judicial nas matérias penais com dimensão transfronteiriça, em especial no que diz respeito aos direitos das vítimas de criminalidade.

No seguimento de tal desiderato, pretendeu-se com a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012 estabelecer normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção de vítimas da criminalidade, substituindo e alargando, por conseguinte, a Decisão- Quadro 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, visando, ainda, promover, o direito a um julgamento equitativo, sendo certo que deixa em aberto aos Estados Membros a possibilidade de reforçarem os direitos aí previstos a fim de proporcionar um nível de protecção mais elevado.

A Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012 foi transposta para o ordenamento jurídico português, como se impunha, através da Lei n.º 130/2015, de 4 de

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Relativamente às alterações no CPP, procedeu-se à introdução do artigo 68.º-A, de acordo com o qual se definiu vítima para efeitos de Processo Penal e que corresponde na íntegra ao disposto no já citado artigo 2.º da Diretiva.

No mais, realce-se que é hoje possível a constituição de assistente no prazo de interposição de recurso de sentença, nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 3 alínea c) do Código de Processo Penal; nos casos de revogação e substituição de medidas de coação o juiz deve, sempre que necessário, ouvir a vítima mesmo que esta não se tenha constituído assistente, tal como prescrito pelo artigo 212.º, n.º 4 do CPP; no âmbito da instrução, o juiz ouve a vítima, mesmo que esta não se tenha constituído assistente, quando o julgar necessário e sempre que esta o solicitar, conforme plasmado no artigo 292.º, n.º 2 do CPP; quanto à aferição do cumprimento das condições que estiveram na génese da suspensão da execução de pena de prisão, impõe o actual artigo 495.º, n.º 2 do CPP que, o juiz antes de decidir por despacho, ouça a vítima, sempre que necessário e mesmo que esta não se tenha constituído assistente.

No entanto, a nível processual, se é verdade que a vítima em sentido amplo foi ganhando importância, o certo é que, quanto à concreta vítima de crimes, e acompanhando Arménio Sottomayor, “atendendo especialmente à fase preliminar do processo penal, não tem sido concedida à vítima a importância a que teria jus, havendo de considerar-se tímidas as concessões que neste campo lhe vão sendo feitas” 19. Efetivamente, como bem lamentava, em 1980, Manuel Costa

Andrade: “Recebemos uma estrutura processual que reduz a vítima a uma testemunha da lesão dos interesses do soberano e a quem se nega a consideração autónoma dos seus interesses” 20.

19 ARMÉNIO SOTTOMAYOR, “A Voz da Vítima”, in JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, IRENEU CABRAL e outros (org), “Estudos em Homenagem a Cunha

Rodrigues- I”, Coimbra Editora, 2001, página 842.

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3. A vítima, a/o ofendida/o, a/o assistente e a/o lesada/o: novas (re) configurações no direito processual penal português

Antes de analisarmos as alterações que o Estatuto da Vítima consagrou importa definir claramente os conceitos das figuras processuais penais21.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 130/2015 de 4-9, que alterou o CPP e aprovou o Estatuto da Vítima efetuando a transposição da Diretiva 2012/29/UE de 25-10-2012, foram estabelecidas normas relativas aos direitos e à proteção das vítimas de criminalidade, começando por se estabelecer a definição legal de vítima, inexistente (salvo no que diz respeito ao crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do CP22) no nosso ordenamento jurídico.

Considera a lei que “vítima23” é a pessoa singular que sofreu um dano, seja ele um dano físico

ou psíquico, emocional, moral ou patrimonial, causado por ação ou omissão, decorrente da prática de um crime.

Ou os familiares da pessoa cuja morte foi diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte. Pelo que só em caso de morte da pessoa singular por força do ato criminoso é que a lei atribui o estatuto de vítima a alguns dos seus familiares.

São considerados familiares para a referida norma o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, que tenham sofrido um dano com a morte.

21 Como resume em poucas palavras CLÁUDIA SANTOS, A Justiça Restaurativa – Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal, Porquê

para quê e como? Coimbra, página 531, nota 850: “No processo penal, as partes civis têm natureza activa (o lesado), ou passiva (o responsável civil). Este responsável civil pode não coincidir com o arguido, sendo antes um avalista ou fiador, por exemplo. Por outro lado, também o lesado pode não coincidir com o ofendido. Finalmente, o assistente pode não ser o ofendido, mas apenas a pessoa que nos termos da lei deve representá-lo no processo (e também o ofendido pode não ser o assistente em todos aqueles casos em que resolver não se constituir como tal)”.

22 Ver a Lei n.º 112/2009, de 16-9, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das

suas vítimas. Efetivamente, como ressalta André Lamas Leite, com esta lei, “… de jeito inovador no nosso ordenamento jurídico, há uma cristalização processual do «estatuto da vítima» (art.º 14.º), através da entrega de um «documento comprovativo do referido estatuto, que compreende os deveres estabelecidos na presente lei» - ver ANDRÉ LAMAS LEITE, “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia”, Julgar, n.º 12: número especial: Crimes no Seio da Família e Sobre Menores, 2010, p. 59. A esta matéria ainda faremos menção adiante.

23Já MANUEL DA COSTA ANDRADE havia arriscado um conceito doutrinal de vítima: “toda a pessoa física ou entidade colectiva directamente atingida,

contra a sua vontade, na sua pessoa ou no seu património pela déviance”, entendendo que não deveria ser alargado o conceito de vítima a toda a pessoa direta ou indiretamente atingida pelo crime sob pena de se perder de vista o caráter de interação que carateriza a vitimologia, idem, página 34.

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A “vítima especialmente vulnerável” é avaliada pela especial fragilidade que resulte da idade, estado de saúde, deficiência ou do facto de o tipo, grau e duração da vitimização ter resultado em lesões graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.

Ao aditar o título IV, através da Lei n.º 130/2015 de 4-9, ao livro I da parte I do CPP (aprovado pelo DL n.º 78/87 de 17-2), com a designação “Vítima”, composto apenas pelo artigo 67º-A que define a noção legal de vítima, a doutrina tem-se questionado se o legislador criou a figura de um novo sujeito processual ou de um mero participante processual24. A nosso ver, criou apenas um novo

participante, como abaixo explicitaremos.

Na verdade, a vítima não dispõe dos poderes processuais de que beneficia o arguido com o elenco de direitos e deveres previstos no artigo 61º do CPP.

Esta noção de vítima acolhida pela Lei nº 130/2015 abrange apenas pessoas singulares, tal como a noção constante da Diretiva- artigo 2º, nº1, alínea a) e subalínea i) e da noção já constante nas Leis nº 104/2009, relativa à concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos, e nº 112/2009, relativa ao regime jurídico aplicável às vítimas de violência doméstica, do ordenamento jurídico português.

Nem detém a posição processual e prerrogativas da figura do assistente enquanto colaborador do MP com competências especiais para intervir no inquérito e na instrução e conhecer os despachos que recaírem sobre as suas iniciativas. Bem como o direito de deduzir acusação em caso de procedimento dependente de acusação particular e em caso de procedimento por crime público ou semi - público, dependente da acusação deduzida pelo MP.

24 Para mais desenvolvimentos, ver, entre outros, PEDRO MIGUEL VIEIRA, “A vítima enquanto sujeito processual e à luz das recentes alterações

legislativas”, Revista Julgar, n.º 28, Coimbra Editora, Coimbra, janeiro- abril, 2016; MARIA JOÃO ANTUNES, Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra, 2016; CLÁUDIA CRUZ SANTOS,”Os novos atores da justiça penal («o futuro é uma astronave que tentamos pilotar»)” in MARIA JOÃO ANTUNES, CLÁUDIA CRUZ SANTOS, CLÁUDIO DO PRADO AMARAL (coord.), Os Novos Atores da Justiça Penal, Almedina, Coimbra, 2016, página 16; CLÁUDIA CRUZ SANTOS “A Justiça Penal entre a publicização defendida por Beccaria e a contemporânea «descoberta da vítima»”, Revista da ESMAL, Maceió, nº1,2016, página 47. CLÁUDIA CRUZ SANTOS, “A «Redescoberta» da Vítima e o Direito Processual Penal Português”in MANUEL DA COSTA ANDRADE e outros (coord.) Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, Ad Honorem, Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Sobre o sentido e alcance do conceito de “sujeitos processuais” e de “participantes processuais”, ver já JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1989, em especial páginas 6 e seguintes.

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O ofendido será “o titular do interesse que a lei quis especialmente proteger quando formulou a norma penal” 25.

O “assistente” é o sujeito processual que foi vítima de um crime e que requer a intervenção nos autos nessa qualidade. Para adquirir esse estatuto tem de ter legitimidade2627para tal, nos termos

do artigo 68º, nº1 do CPP, tem que o fazer em tempo28, prazo que varia conforme o crime em questão

seja de natureza pública, semi- pública ou particular, e a fase em que esteja o processo a correr, e ainda tem de pagar a correspondente taxa de justiça- artigo 519º, nº1 CPP- ou beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça, bem como tem de estar patrocinado por advogado- artigo 70º CPP.

O assistente tem de aceitar o processo no estado em que o encontrar e subordina-se à atuação do Ministério Público nos crimes de natureza pública e semi- pública pois apenas deduz acusação subordinada à acusação pública, não podendo acusar por factos que impliquem uma alteração substancial face aos da acusação pública.

Podem constituir-se assistentes em Processo Penal os ofendidos, definindo-os a lei como os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação29, desde que

25 BELEZA DOS SANTOS, citado por ARMÉNIO SOTTOMAYOR in A Voz da Vítima, idem, página 843. JORGE DE FGUEIREDO DIAS, Direito Processual

Penal, 1ª edição, 1974, reimpressão, Coimbra Editora, 2004, páginas 508 a 510.

26 No Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº10/2010 publicado no DR 242, série I, de 16-12-2010, fixou-se jurisprudência neste sentido: “Em

processo por crime de desobediência qualificada, decorrente de violação de providência cautelar, previsto e punido pelos artigos 391º do CPP e 348º, nº2 do CP, o requerente da providência tem legitimidade para se constituir assistente” Nele pugna-se por um conceito restrito de ofendido, tendo a lei alargado o âmbito de legitimidade para a constituição de assistente a não ofendidos: “O conceito legal de ofendido é pois restrito ou, mais rigorosamente, estrito. Não é de somenos importância esta conclusão pois a aceitação de um conceito amplo de ofendido poderia envolver consequências desastrosas para o processo, pois abriria eventualmente as portas à manipulação ou instrumentalização da figura do assistente, pondo-a pondo-ao serviço de outros interesses que não o dpondo-a colpondo-aborpondo-ação com o Ministério Público npondo-a prossecução dpondo-a pondo-acção penpondo-al. A pondo-aceitpondo-ação de um conceito estrito de ofendido não desprezará, porém, os interesses da “vítima” quando forem efectivamente relevantes, melhor, quando ela for portadora de um interesse protegido pelo tipo legal”. E se a vítima, lesada com o comportamento criminoso não for portadora de um interesse protegido pelo tipo? De facto, se nem todo o lesado com a prática do crime é reconhecido pela lei como ofendido, não pode constituir-se assistente a não ser que a lei alargue por lei especial o âmbito da legitimidade para constituição de assistente quanto àquele crime específico. Ou que se reinterpretem os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora. Sobre este assunto veja-se PAULO FERREIRA DA CUNHA, “Ultima Ratio em Direito Penal- fundamentos dogmáticos e político-criminais” in Homenagem ao Prof. Peter Hunerfeld, Coimbra Editora, 2013; PAULO FERREIRA DA CUNHA, A Constituição do Crime, da substancial constitucionalidade do direito penal, argumentum 10, Coimbra Editora, 1998.

27 O Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 publicado no DR nº49, série I-A de 27-2-2003 fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Em

processo por crime de falsificação, previsto e punível no artigo 256º, nº1, alínea a) do CP, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente”. E o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2006 publicado no DR nº 229, Série I-A, de 28-11-2006 fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Em processo penal pelo crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º do CP, reconhece-se legitimidade para se constituir assistente ao caluniado”.

28 O assistente tem um prazo muito curto em processos por crimes de natureza particular. Veja-se o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2011

de 16-12-2010: “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no nº2 do artigo 68º do Código de Processo Penal”. E o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 12/2016 de 7-7-2016:“Após a publicação da sentença proferida em 1ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semi- público, o ofendido não pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68º, nº3 do CPP, na redação vigente antes da entrada em vigor da Lei 130/2015 de 4-9. Esta lei é a já acima citada Lei que consagrou o Estatuto da Vítima no nosso ordenamento jurídico.”

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maiores de 16 anos, as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento - artigos 113º, nº1 e 117º CP - o representante legal do ofendido que seja menor de 16 anos ou declarado incapaz de reger a sua pessoa, e, em caso de morte do ofendido, o seu cônjuge ou pessoa que com o mesmo vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, os ascendentes e adotantes ou, na falta destes, irmãos e descentes de irmãos (sobrinhos)- artigo 68º, nº1, alíneas a), b), c), e d) do CPP.

Pode ainda constituir-se assistente qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção30- artigo 68º, nº1, alínea e) do

CPP.

Existem finalmente leis especiais a alargar a terceiros a titularidade dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação, como o DL n.º 28/84 de 20-1 que no artigo 43º permite a intervenção das associações de consumidores e associações de profissionais na qualidade de assistentes, o DL n.º 20-A/90 de 15-1, na redação do DL n.º 394/93 de 24-11, que no artigo 16º permite à Administração Fiscal constituir-se assistente nos crimes fiscais, e a Lei n.º 83/95 de 31-8 (Lei de Ação Popular) …

de ofendido, uma conceção restritiva de bem jurídico que impedia a constituição de assistente nos crimes contra o Estado e que protegessem apenas interesses supra individuais. Mas mais recentemente surgem defensores de uma reelaboração do conceito de bem jurídico, “agora entendido já não como mero valor ideal ínsito na ratio legis da norma, para passar a ser considerado como o substrato do valor, como valor corporizado num suporte fáctico-real. Este reajustamento do conceito de bem jurídico permitirá o reconhecimento em muitas incriminações de uma pluralidade de bens jurídicos, públicos, mas também individuais, cabendo naturalmente aos titulares destes últimos o direito a constituírem-se assistentes”. Assim, a reapreciação do conceito de bem jurídico, mostrando-o fragmentado, potenciador da proteção dos interesses dos mais variados cidadãos, atinge o alargamento do âmbito objetivo daqueles que têm legitimidade para se constituírem assistentes…A este respeito JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, sobre os fundamentos da doutrina penal sobre a doutrina geral do crime, Coimbra Editora, 2001, página 184, escrevia: “(…) assume entre nós particular interesse, perante a figura (com tendências ainda incipientes e relativamente imprecisas de alargamento dos assistentes como exclusivos titulares do bem jurídico protegido pela incriminação. Discutir a possibilidade de esta figura ter também- em termos ainda a precisar- lugar relativamente a certos crimes cujo bem jurídico protegido seja de natureza supra-individual ou mesmo colectiva é decerto uma tarefa que os anos próximos tornarão particularmente instante e mesmo inevitável”.

30 FLÁVIA NOVERSA LOUREIRO, “A indeterminabilidade da vítima e a posição de assistente nos processos-crime de natureza económico-financeira”, in

MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE (coord.) IV Congresso de Processo Penal, Almedina 2016, página 198: “(…) a criminalidade económico-financeira é, por excelência uma área em que o conceito tradicional de vítima (aquele que traçamos como alicerçado numa ideia de pessoa física, singular, que sofre diretamente um determinado dano) é muito estreito e com pouca utilidade, dado o processo de profunda despersonalização, anonimato e coletivização da vítima que se tem vindo a produzir na nossa sociedade e que afeta em particular este tipo de crimes”.

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E pode recorrer31 mesmo em procedimento por crime público ou semi-público,

desacompanhado do Ministério Público, da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido e da sentença absolutória32.

O “lesado”, por sua vez, é a figura processual definida como a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente (por não ser titular de um interesse especialmente protegido com a incriminação). Esta pessoa não tem necessariamente que ser ofendido no Processo Penal pois os seus danos podem ser de índole meramente patrimonial, e não ter sido sujeito do ato criminoso. Como os familiares diretos da pessoa sujeita ao ato criminoso. O lesado intervém no processo para sustentar e provar o pedido de indemnização civil. Para esta intervenção processual, o artigo 74º, nº2 in fine CPP confere-lhe os direitos que a lei confere aos assistentes mas apenas relativamente aos factos que sustentem o seu pedido indemnizatório: elaborar pedido cível, oferecer as provas e requerer as diligências necessárias bem como conhecer os despachos que sobre as mesmas recaírem, e interpor recurso das decisões que o afetem, mesmo que o MP o não tenha feito.

A lei processual confere ainda o direito a serem informados os eventuais lesados logo que as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal tomem conhecimento da sua existência. Essa informação abrange não apenas o direito a deduzirem pedido de indemnização civil como as formalidades a observar para o exercer.

Para além do direito à informação, mesmo que o eventual lesado não tenha sido informado de que pode deduzir pedido de indemnização em Processo Penal, basta considerar-se lesado para poder manifestar no processo o seu propósito de o fazer, até ao encerramento do inquérito. Após ter praticado este ato, o lesado terá de ser notificado do despacho de acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, para deduzir o pedido em requerimento articulado, no prazo de 20 dias. Acompanhado de duplicados para os demandados e para a secretaria.

31 Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011 de 9-2 publicado no DR, I Série, de 10-2-2011.

32 Para uma perspetiva crítica ver CLÁUDIA SANTOS, idem, página 543: “Desde há muito, prevalece a concepção de que as questões atinentes à

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Se não tiver deduzido pedido de indemnização civil (e,33 se este fosse deduzido em separado

não necessitasse de constituição obrigatória de advogado) o lesado pode requerer, no prazo antes referido, que lhe seja arbitrada uma indemnização civil.

Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no Processo Penal, ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º CPP, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima34

o imponham. Entendemos que tais razões se manifestam quando, por razões de equidade, for de uma injustiça gritante que a vítima, lesada com a prática do crime, não seja ressarcida do prejuízo sofrido.

O tribunal pode ainda, oficiosamente, ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito de arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

Os sujeitos processuais, como os intitula Figueiredo Dias35, definindo-os como os participantes

a quem pertencem direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final- impulsionam o processo. Identifica aquele autor como sujeitos processuais o tribunal, o ministério público, o arguido, o defensor e o assistente.

Já tão insigne processualista havia em 1966, no seu primeiro escrito “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada no Processo Penal” chamado a atenção de que “para uma autêntica protecção da vítima, mais decisivo ainda que o auxílio «social», em sentido amplo que lhe possa ser prestado é o conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do Processo Penal, permitindo-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final e tornando possível que, sem incómodos e despesas que não possam ser suportados, a vítima possa obter no próprio processo penal a indemnização das perdas e danos sofridos com o crime”.

33 Artigo 76º, nº1 CPP. O valor do pedido define, nos termos da lei de processo civil, a obrigatoriedade de constituição de advogado.

34 Ac TRC de 22-1-2014, TRP de 16-10-2013, TRC de 28-5-2014, 2-7-2014, 22-1-2014 e 29-4-2015, in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017,em

que se presume existirem particulares exigências de proteção da vítima no crime de violência doméstica, por força do artigo 21º, nº1 e 2 da Lei 112/2009 de 16-9.

35FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os Sujeitos Processuais no Novo CPP”, in CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal,

Referências

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