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A vítima, a/o ofendida/o, a/o assistente e a/o lesada/o: novas (re) configurações no direito

II. Delimitação do objeto, objetivos e estrutura da dissertação 9

3. A vítima, a/o ofendida/o, a/o assistente e a/o lesada/o: novas (re) configurações no direito

Antes de analisarmos as alterações que o Estatuto da Vítima consagrou importa definir claramente os conceitos das figuras processuais penais21.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 130/2015 de 4-9, que alterou o CPP e aprovou o Estatuto da Vítima efetuando a transposição da Diretiva 2012/29/UE de 25-10-2012, foram estabelecidas normas relativas aos direitos e à proteção das vítimas de criminalidade, começando por se estabelecer a definição legal de vítima, inexistente (salvo no que diz respeito ao crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do CP22) no nosso ordenamento jurídico.

Considera a lei que “vítima23” é a pessoa singular que sofreu um dano, seja ele um dano físico

ou psíquico, emocional, moral ou patrimonial, causado por ação ou omissão, decorrente da prática de um crime.

Ou os familiares da pessoa cuja morte foi diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte. Pelo que só em caso de morte da pessoa singular por força do ato criminoso é que a lei atribui o estatuto de vítima a alguns dos seus familiares.

São considerados familiares para a referida norma o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, que tenham sofrido um dano com a morte.

21 Como resume em poucas palavras CLÁUDIA SANTOS, A Justiça Restaurativa – Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal, Porquê

para quê e como? Coimbra, página 531, nota 850: “No processo penal, as partes civis têm natureza activa (o lesado), ou passiva (o responsável civil). Este responsável civil pode não coincidir com o arguido, sendo antes um avalista ou fiador, por exemplo. Por outro lado, também o lesado pode não coincidir com o ofendido. Finalmente, o assistente pode não ser o ofendido, mas apenas a pessoa que nos termos da lei deve representá-lo no processo (e também o ofendido pode não ser o assistente em todos aqueles casos em que resolver não se constituir como tal)”.

22 Ver a Lei n.º 112/2009, de 16-9, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das

suas vítimas. Efetivamente, como ressalta André Lamas Leite, com esta lei, “… de jeito inovador no nosso ordenamento jurídico, há uma cristalização processual do «estatuto da vítima» (art.º 14.º), através da entrega de um «documento comprovativo do referido estatuto, que compreende os deveres estabelecidos na presente lei» - ver ANDRÉ LAMAS LEITE, “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia”, Julgar, n.º 12: número especial: Crimes no Seio da Família e Sobre Menores, 2010, p. 59. A esta matéria ainda faremos menção adiante.

23Já MANUEL DA COSTA ANDRADE havia arriscado um conceito doutrinal de vítima: “toda a pessoa física ou entidade colectiva directamente atingida,

contra a sua vontade, na sua pessoa ou no seu património pela déviance”, entendendo que não deveria ser alargado o conceito de vítima a toda a pessoa direta ou indiretamente atingida pelo crime sob pena de se perder de vista o caráter de interação que carateriza a vitimologia, idem, página 34.

A “vítima especialmente vulnerável” é avaliada pela especial fragilidade que resulte da idade, estado de saúde, deficiência ou do facto de o tipo, grau e duração da vitimização ter resultado em lesões graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.

Ao aditar o título IV, através da Lei n.º 130/2015 de 4-9, ao livro I da parte I do CPP (aprovado pelo DL n.º 78/87 de 17-2), com a designação “Vítima”, composto apenas pelo artigo 67º-A que define a noção legal de vítima, a doutrina tem-se questionado se o legislador criou a figura de um novo sujeito processual ou de um mero participante processual24. A nosso ver, criou apenas um novo

participante, como abaixo explicitaremos.

Na verdade, a vítima não dispõe dos poderes processuais de que beneficia o arguido com o elenco de direitos e deveres previstos no artigo 61º do CPP.

Esta noção de vítima acolhida pela Lei nº 130/2015 abrange apenas pessoas singulares, tal como a noção constante da Diretiva- artigo 2º, nº1, alínea a) e subalínea i) e da noção já constante nas Leis nº 104/2009, relativa à concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos, e nº 112/2009, relativa ao regime jurídico aplicável às vítimas de violência doméstica, do ordenamento jurídico português.

Nem detém a posição processual e prerrogativas da figura do assistente enquanto colaborador do MP com competências especiais para intervir no inquérito e na instrução e conhecer os despachos que recaírem sobre as suas iniciativas. Bem como o direito de deduzir acusação em caso de procedimento dependente de acusação particular e em caso de procedimento por crime público ou semi - público, dependente da acusação deduzida pelo MP.

24 Para mais desenvolvimentos, ver, entre outros, PEDRO MIGUEL VIEIRA, “A vítima enquanto sujeito processual e à luz das recentes alterações

legislativas”, Revista Julgar, n.º 28, Coimbra Editora, Coimbra, janeiro- abril, 2016; MARIA JOÃO ANTUNES, Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra, 2016; CLÁUDIA CRUZ SANTOS,”Os novos atores da justiça penal («o futuro é uma astronave que tentamos pilotar»)” in MARIA JOÃO ANTUNES, CLÁUDIA CRUZ SANTOS, CLÁUDIO DO PRADO AMARAL (coord.), Os Novos Atores da Justiça Penal, Almedina, Coimbra, 2016, página 16; CLÁUDIA CRUZ SANTOS “A Justiça Penal entre a publicização defendida por Beccaria e a contemporânea «descoberta da vítima»”, Revista da ESMAL, Maceió, nº1,2016, página 47. CLÁUDIA CRUZ SANTOS, “A «Redescoberta» da Vítima e o Direito Processual Penal Português”in MANUEL DA COSTA ANDRADE e outros (coord.) Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, Ad Honorem, Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Sobre o sentido e alcance do conceito de “sujeitos processuais” e de “participantes processuais”, ver já JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1989, em especial páginas 6 e seguintes.

O ofendido será “o titular do interesse que a lei quis especialmente proteger quando formulou a norma penal” 25.

O “assistente” é o sujeito processual que foi vítima de um crime e que requer a intervenção nos autos nessa qualidade. Para adquirir esse estatuto tem de ter legitimidade2627para tal, nos termos

do artigo 68º, nº1 do CPP, tem que o fazer em tempo28, prazo que varia conforme o crime em questão

seja de natureza pública, semi- pública ou particular, e a fase em que esteja o processo a correr, e ainda tem de pagar a correspondente taxa de justiça- artigo 519º, nº1 CPP- ou beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça, bem como tem de estar patrocinado por advogado- artigo 70º CPP.

O assistente tem de aceitar o processo no estado em que o encontrar e subordina-se à atuação do Ministério Público nos crimes de natureza pública e semi- pública pois apenas deduz acusação subordinada à acusação pública, não podendo acusar por factos que impliquem uma alteração substancial face aos da acusação pública.

Podem constituir-se assistentes em Processo Penal os ofendidos, definindo-os a lei como os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação29, desde que

25 BELEZA DOS SANTOS, citado por ARMÉNIO SOTTOMAYOR in A Voz da Vítima, idem, página 843. JORGE DE FGUEIREDO DIAS, Direito Processual

Penal, 1ª edição, 1974, reimpressão, Coimbra Editora, 2004, páginas 508 a 510.

26 No Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº10/2010 publicado no DR 242, série I, de 16-12-2010, fixou-se jurisprudência neste sentido: “Em

processo por crime de desobediência qualificada, decorrente de violação de providência cautelar, previsto e punido pelos artigos 391º do CPP e 348º, nº2 do CP, o requerente da providência tem legitimidade para se constituir assistente” Nele pugna-se por um conceito restrito de ofendido, tendo a lei alargado o âmbito de legitimidade para a constituição de assistente a não ofendidos: “O conceito legal de ofendido é pois restrito ou, mais rigorosamente, estrito. Não é de somenos importância esta conclusão pois a aceitação de um conceito amplo de ofendido poderia envolver consequências desastrosas para o processo, pois abriria eventualmente as portas à manipulação ou instrumentalização da figura do assistente, pondo- a ao serviço de outros interesses que não o da colaboração com o Ministério Público na prossecução da acção penal. A aceitação de um conceito estrito de ofendido não desprezará, porém, os interesses da “vítima” quando forem efectivamente relevantes, melhor, quando ela for portadora de um interesse protegido pelo tipo legal”. E se a vítima, lesada com o comportamento criminoso não for portadora de um interesse protegido pelo tipo? De facto, se nem todo o lesado com a prática do crime é reconhecido pela lei como ofendido, não pode constituir-se assistente a não ser que a lei alargue por lei especial o âmbito da legitimidade para constituição de assistente quanto àquele crime específico. Ou que se reinterpretem os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora. Sobre este assunto veja-se PAULO FERREIRA DA CUNHA, “Ultima Ratio em Direito Penal- fundamentos dogmáticos e político-criminais” in Homenagem ao Prof. Peter Hunerfeld, Coimbra Editora, 2013; PAULO FERREIRA DA CUNHA, A Constituição do Crime, da substancial constitucionalidade do direito penal, argumentum 10, Coimbra Editora, 1998.

27 O Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 publicado no DR nº49, série I-A de 27-2-2003 fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Em

processo por crime de falsificação, previsto e punível no artigo 256º, nº1, alínea a) do CP, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente”. E o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2006 publicado no DR nº 229, Série I-A, de 28-11-2006 fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Em processo penal pelo crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º do CP, reconhece-se legitimidade para se constituir assistente ao caluniado”.

28 O assistente tem um prazo muito curto em processos por crimes de natureza particular. Veja-se o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2011

de 16-12-2010: “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no nº2 do artigo 68º do Código de Processo Penal”. E o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 12/2016 de 7-7-2016:“Após a publicação da sentença proferida em 1ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semi- público, o ofendido não pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68º, nº3 do CPP, na redação vigente antes da entrada em vigor da Lei 130/2015 de 4-9. Esta lei é a já acima citada Lei que consagrou o Estatuto da Vítima no nosso ordenamento jurídico.”

maiores de 16 anos, as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento - artigos 113º, nº1 e 117º CP - o representante legal do ofendido que seja menor de 16 anos ou declarado incapaz de reger a sua pessoa, e, em caso de morte do ofendido, o seu cônjuge ou pessoa que com o mesmo vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, os ascendentes e adotantes ou, na falta destes, irmãos e descentes de irmãos (sobrinhos)- artigo 68º, nº1, alíneas a), b), c), e d) do CPP.

Pode ainda constituir-se assistente qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção30- artigo 68º, nº1, alínea e) do

CPP.

Existem finalmente leis especiais a alargar a terceiros a titularidade dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação, como o DL n.º 28/84 de 20-1 que no artigo 43º permite a intervenção das associações de consumidores e associações de profissionais na qualidade de assistentes, o DL n.º 20-A/90 de 15-1, na redação do DL n.º 394/93 de 24-11, que no artigo 16º permite à Administração Fiscal constituir-se assistente nos crimes fiscais, e a Lei n.º 83/95 de 31-8 (Lei de Ação Popular) …

de ofendido, uma conceção restritiva de bem jurídico que impedia a constituição de assistente nos crimes contra o Estado e que protegessem apenas interesses supra individuais. Mas mais recentemente surgem defensores de uma reelaboração do conceito de bem jurídico, “agora entendido já não como mero valor ideal ínsito na ratio legis da norma, para passar a ser considerado como o substrato do valor, como valor corporizado num suporte fáctico-real. Este reajustamento do conceito de bem jurídico permitirá o reconhecimento em muitas incriminações de uma pluralidade de bens jurídicos, públicos, mas também individuais, cabendo naturalmente aos titulares destes últimos o direito a constituírem-se assistentes”. Assim, a reapreciação do conceito de bem jurídico, mostrando-o fragmentado, potenciador da proteção dos interesses dos mais variados cidadãos, atinge o alargamento do âmbito objetivo daqueles que têm legitimidade para se constituírem assistentes…A este respeito JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, sobre os fundamentos da doutrina penal sobre a doutrina geral do crime, Coimbra Editora, 2001, página 184, escrevia: “(…) assume entre nós particular interesse, perante a figura (com tendências ainda incipientes e relativamente imprecisas de alargamento dos assistentes como exclusivos titulares do bem jurídico protegido pela incriminação. Discutir a possibilidade de esta figura ter também- em termos ainda a precisar- lugar relativamente a certos crimes cujo bem jurídico protegido seja de natureza supra-individual ou mesmo colectiva é decerto uma tarefa que os anos próximos tornarão particularmente instante e mesmo inevitável”.

30 FLÁVIA NOVERSA LOUREIRO, “A indeterminabilidade da vítima e a posição de assistente nos processos-crime de natureza económico-financeira”, in

MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE (coord.) IV Congresso de Processo Penal, Almedina 2016, página 198: “(…) a criminalidade económico- financeira é, por excelência uma área em que o conceito tradicional de vítima (aquele que traçamos como alicerçado numa ideia de pessoa física, singular, que sofre diretamente um determinado dano) é muito estreito e com pouca utilidade, dado o processo de profunda despersonalização, anonimato e coletivização da vítima que se tem vindo a produzir na nossa sociedade e que afeta em particular este tipo de crimes”.

E pode recorrer31 mesmo em procedimento por crime público ou semi-público,

desacompanhado do Ministério Público, da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido e da sentença absolutória32.

O “lesado”, por sua vez, é a figura processual definida como a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente (por não ser titular de um interesse especialmente protegido com a incriminação). Esta pessoa não tem necessariamente que ser ofendido no Processo Penal pois os seus danos podem ser de índole meramente patrimonial, e não ter sido sujeito do ato criminoso. Como os familiares diretos da pessoa sujeita ao ato criminoso. O lesado intervém no processo para sustentar e provar o pedido de indemnização civil. Para esta intervenção processual, o artigo 74º, nº2 in fine CPP confere-lhe os direitos que a lei confere aos assistentes mas apenas relativamente aos factos que sustentem o seu pedido indemnizatório: elaborar pedido cível, oferecer as provas e requerer as diligências necessárias bem como conhecer os despachos que sobre as mesmas recaírem, e interpor recurso das decisões que o afetem, mesmo que o MP o não tenha feito.

A lei processual confere ainda o direito a serem informados os eventuais lesados logo que as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal tomem conhecimento da sua existência. Essa informação abrange não apenas o direito a deduzirem pedido de indemnização civil como as formalidades a observar para o exercer.

Para além do direito à informação, mesmo que o eventual lesado não tenha sido informado de que pode deduzir pedido de indemnização em Processo Penal, basta considerar-se lesado para poder manifestar no processo o seu propósito de o fazer, até ao encerramento do inquérito. Após ter praticado este ato, o lesado terá de ser notificado do despacho de acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, para deduzir o pedido em requerimento articulado, no prazo de 20 dias. Acompanhado de duplicados para os demandados e para a secretaria.

31 Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011 de 9-2 publicado no DR, I Série, de 10-2-2011.

32 Para uma perspetiva crítica ver CLÁUDIA SANTOS, idem, página 543: “Desde há muito, prevalece a concepção de que as questões atinentes à

Se não tiver deduzido pedido de indemnização civil (e,33 se este fosse deduzido em separado

não necessitasse de constituição obrigatória de advogado) o lesado pode requerer, no prazo antes referido, que lhe seja arbitrada uma indemnização civil.

Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no Processo Penal, ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º CPP, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima34

o imponham. Entendemos que tais razões se manifestam quando, por razões de equidade, for de uma injustiça gritante que a vítima, lesada com a prática do crime, não seja ressarcida do prejuízo sofrido.

O tribunal pode ainda, oficiosamente, ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito de arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

Os sujeitos processuais, como os intitula Figueiredo Dias35, definindo-os como os participantes

a quem pertencem direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final- impulsionam o processo. Identifica aquele autor como sujeitos processuais o tribunal, o ministério público, o arguido, o defensor e o assistente.

Já tão insigne processualista havia em 1966, no seu primeiro escrito “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada no Processo Penal” chamado a atenção de que “para uma autêntica protecção da vítima, mais decisivo ainda que o auxílio «social», em sentido amplo que lhe possa ser prestado é o conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do Processo Penal, permitindo-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final e tornando possível que, sem incómodos e despesas que não possam ser suportados, a vítima possa obter no próprio processo penal a indemnização das perdas e danos sofridos com o crime”.

33 Artigo 76º, nº1 CPP. O valor do pedido define, nos termos da lei de processo civil, a obrigatoriedade de constituição de advogado.

34 Ac TRC de 22-1-2014, TRP de 16-10-2013, TRC de 28-5-2014, 2-7-2014, 22-1-2014 e 29-4-2015, in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017,em

que se presume existirem particulares exigências de proteção da vítima no crime de violência doméstica, por força do artigo 21º, nº1 e 2 da Lei 112/2009 de 16-9.

35FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os Sujeitos Processuais no Novo CPP”, in CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal,

Não podemos ignorar, contudo, que a noção de vítima prende -se com a própria noção de crime, que não são dados adquiridos da experiência sensorial. Como aponta Figueiredo Dias36: “a

realidade do crime (…) não resulta apenas do seu conceito, ainda que material, mas depende também da construção social daquela realidade; ele é em parte produto da sua definição social, operada em último termo pelas instâncias formais (legislador, polícia, ministério público, juiz) e mesmo informais (família, escolas, igrejas, clubes, vizinho) de controlo social. Numa palavra: a realidade do crime não deriva exclusivamente da qualidade «ontológica» ou «ôntica» de certos comportamentos, mas da combinação de determinadas qualidades materiais do comportamento com o processo de reacção social àquele, conducente à estigmatização dos agentes respectivos como criminosos ou delinquentes3738”.

Para perceber a construção social do crime é necessário, então, convocar as demais ciências sociais que, em confronto, ensaiam a explicação do humano. De igual forma, a vitimologia, a ciência que estuda a vítima, numa definição quase tautológica, é uma ciência multidisciplinar, já que “não se pode explicar o fenômeno da vitimização de uma pessoa, grupo ou sociedade apenas pelo viés do Direito Penal, é necessário compartilhar praticamente de todas as ciências sociais, principalmente a sociologia e a psicologia39”.

36 FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal- parte geral, tomo I, 2007, página 132.

37 No mesmo sentido HELENA MACHADO, Sociologia do Crime, Edições Afrontamento, 2008, página 29: “Não sendo a definição do crime algo auto-

evidente e unitário, torna-se importante perceber a diversidade de elementos que podem estar associados a este conceito, assim como o relativismo cultural e histórico que lhe está subjacente”.

38 Para uma noção da evolução da ciência que estuda o comportamento desviante, RITA FARIA, “Um itinerário teórico da Criminologia” in JOSÉ CRUZ,