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SEGUIDA DE SEIS PROPOSIÇÕES

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Academic year: 2019

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(1)

*'&?#*&

C/l

BREVES

CONSIDERAÇÕES

'

SOBRE

A

FEBRE

PUERPERAL

DESTOADAS

A

PROVAR

QUE

ELLA

NÃO

É

ESSENCIAL

THESE

SEGUIDA DE SEIS PROPOSIÇÕES

APRESENTADA A'

ESCOLA

MEDICO-CIRURGICA

DO

PORTO

E defendida em Julho de 1863

SOBA PRESIDÊNCIADO LENTEDA il.aCADEIRA

0

111."°

g

Ex."

Sr.

José

Fructuoso

Ayres

de

Gouvêa

Osório

i

PEI.0ALUMNODAMESMAESCOLA

FRANCISCO BENTO ALEXANDRE BEFIGUEIREDO 11AGALIIÏÉS

Aspirante a facultativo ­da Armada Real

L I S B O A

rVP. DASOCIEDADE TVPOGRAPHICAFRANCO-PORTUGUEÍA

6,Rua tioThesouro Velho,C.

1864

(2)

Quem nos alenta as dores da existência, Mil gosos a florir?

Quem o leito nos deu? quem neste mundo Sempre vemos sorrir?

Quem saudável frescor esparge afflicta Em nosso coração?

Quem nas horas de fundo sentimento Nos dá consolação?

Quem noite a noite cuidadosa e terna O nosso berço embala? Quem neste exilio de joelhos sempre

De Deos sempre nos falia? Quem sua vida nos dá, nos dá sua alma?

Nossa querida mãe!

(3)

ESCOLA MED1CO-CIRMGICA DO PORTO

Director

0 h™ Sr. Conselheiro FRANCISCO DASSIZ SOUSA VAZ, lenle jubilado

COftrO CATHEDRATICO

Lentes proprietários

Anatomia geral e descripliva. . Luiz Pereira da Fonseca. Physiologia José d'Andrade Gramaxo. Historia natural dos

medicamen-tos, materia medica epharmacia José Pereira Reis. Pathologiaelherapeulica externas Antonio Ferreira Braga. Operações e apparelhos . . . . Caetano Pinto d'Azevedo. Partos, moléstias das

parturien-tes e recem-nascidos . . . . Manoel Maria da Costa Leite. Pathologiaelherapeulica externas Francisco Velloso da Cruz. Clinica medica Antonio Ferreira de Macedo Pinto. Clinica cirúrgica Antonio Bernardino d'Almeida Pathologia geral, historia medica,

anatomia pathologica . . . . José Alves Moreira de Barros. Medicina legal e hygiene publica

e privada, e toxicologia geral José Frucluoso Ayres de Gouvôa Osório.

Lentes substitutos

SECÇÃO MEDICA SECÇÃO CIRÚRGICA

João Xavier d'Oliveira Barros. Agostinho Antonio do Souto. José Carlos Lopes Junior. João Pereira Dias Lebre.

Lentes demonstradores

SECÇÃO MEDICA . SECÇÃO CIRDBCICA

Pedro Augusto Dias. Miguel Augusto Cesar d'Andrade.

Secretario

Dr. Agostinho Antonio do Soulo.

(4)

JURY

Presidenta

0 III."'o e Ex.™ Sr. Dr. José Frucluoso Ayres de Gomêa

Osório.

Arguentes

Os III.™8 c Ex.mM Srs: Dr. José Pereira Reis. Luiz Pereira da Fonseca. Dr. Agostinho Antonio de Souto. Dr. João Xavier oVOliveira Barros.

(Dia 17 de Julho de 1863, pelas 10 horas da manhã)

O Secretario,

(5)

W @ 0 0 > O O O S > ^ S ^ O O O < 0 @ ) @ @ 0 > O í i

Illuslrissinio e Exeellcnlíssimo Senhor

JOSÉ FRUCTUOSO AYRES DE GOUYÈÀ OSÓRIO O

Bacharel formailo em Philosophia e em Medicina pela Universidade de Coimbra ;

Duulor em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Edimburgo ; Socio do Instituto de Coimbra;

da Sociedade das Scicncias Medicas de Lisboa ; da Sociedade Agrícola do Porto; Professor de Hygiene Publica e de Medicina Legal

na

Escola Medieo-Cirurgica do P.irto ; etc. etc.

Em lestimunho da respeitosa amuade e cardeal affeiçãa que sempre consagrei a V. Ex." como discípulo e amigo, offereço esta pagina singela do tasco trabalho, que hoje vou apresen-tar aos Illustres juizes da minha prova final debaixo da pro-tecção de V. Ex ". Aceita esta minha affeclnosa demonstra-ção, importa assegnrar-me mais uma vez quanto merecida-mente sou obrigado a confcssar-me

De V. Ex * sincero amigo e obrigadissimo criado

(6)

I

gS);^5);S)^3)^3)^5).'cSig3)g3)^5)S^3(^5g3)^5,^5£5,,£3)g3x^3^|

y

I

Illuslrissirao eExcellcnlissimo Senhor

JOSÉ

DA

SILVA

MENDES

LEAL

DoConselhodoSUAMAGESTADE;

CavalleirodamuitonobreeantigaOrdemdaTorreeEspada,doValor, LealdadeeMérito;

dadoNossaSenhoradaConceiçãodeVillaViçosa; Commendadordaantiga,nobilíssima,eesclarecidaOrdemdeS.Thingo,

doméritoscientifico,litterario,cartístico; GrãCruzdaordemmilitardeS.MaurícioeS.Lazarod'Italia;

SocioeffectivodaAcademiadasseienciasdeLisboa; doConservatórioReal;

daSocidadeGeographicadeLondres;

odemuitasoutrassociedadesscieutiiicasnacionaeseestrangeiras; BibliothecarioMordaBibliothecaNacionaldeLisboa; MinistroeSecretariodeEstadodosnegóciosdamarinhaeultramar,

etc.etc.

Aveneraçãoerespeitocomqueossábiossãoadorados,aes­ pontânea affeição,quetodoomundo dedicaaorico proprie­ tário dotalento,eanaturalpredilecção,queatéosmenosil­ lustradosconsagramaosgrandesgénios,traz­me hojejunto de V.Ex.",para renier­llie umahomenagemtãopequena, comosãoasminhasforças,mastãomerecida,comoégran­ deomeupesardenãoserelladignadeaceitar­se.

Signi/icaraminha consideraçãoeestimaporJosédaSilva MendesLeal,foioqueappelecinoprimeiro instante em que mesentiferidoporseumagicotalismandalilleralura ;lesti­ munhar adedicaçãoerespeito,que,comofacultativo daar­ mada, consagroaoministro dacorporaçãoaquepertenço, porserelleMENDES LEAL, éoquehojesolicito, pedindoa V.Ex."quesedignepartilhar nadedicatória d'estémeuhu­ mildetrabalhoigualmentecomomeupresadomestreebom amigo,Dr.JoséFructuosoAyresdeGouvêaOsório.

È pobreaoffrenda, esempretençõesoofferente,que bem conhecequãopoucoellavale;porémdigne­seV.Ex."acei­ tal­a, ereceberemcompensaçãoósentimento quesobeja a quemtãopôde,comoanciosodesejara,patentearqueè

DeV.Ex.* Omaisreverenteservo, eaffeiçoadorespeitador.

ïmwdsco Btulo AWauivt àtYvijutvreio MaqaUiães. p

(7)

P R O L O G O

Com a devida permissão de Euripede resolvi fazer tam-bém um prologo para a minha peça ; um prologo com

to-do o acatamento á épigraphe ; um prologo com todo o

ri-gor etimológico ; um prologo, emfim, como qualquer

avant-propos que se paga aos editores.

Receiando que alguém, por me conhecer mal, consi-dere vaidosa a publicação da minha these um anno de-pois de concluido o meu tirocinio escolar, e quando eu estava já dispensado da lei, que exige impressos os tra-balhos inauguraes dos alumnos das Escolas Medico-Ci-rurgicas, vou pedir-lhe a fineza de não me julgar preten-cioso, e de acreditar que ha n'esta minha serôdia deter-minação motivos de outra ordem : eis o fim do meu

pre-facio.

Dezanove condiscípulos meus, bastantes contemporâ-neos, e muitos collegas, que me hão dado a honra de re-ceber o presente das suas theses, obrigam-me hoje a fa-zer imprimir a minha, (como tencionei ao terminar o

(8)

X

dispensando-me todavia de fazer erudicção, eu obedeço,

vis-to que é mister satisfazer compromissos.

Aqui não ha vangloria, nem pasto para ella, e pela insignificância da obra creio salvar-me aos desapiedados golpes do escalpello da critica, que por yentura uma sup-posta ostentação desafiasse, mas, se a fatalidade ordenar que este meu trabalho vá cahir nas mãos de algum

espa-dachim litlerario, supplico-lhe que não descarregue sobre

elle os seus furores: —que o não espatife!'=. Se não qui-zer ser indulgente, rogo-lhe que seja ao menos caritati-vo depois do supplicio, prestando um leito á victima no

hospital da lilteratura lazara !

Perdoem os bons collegas o impudente sarcasmo, que parece haver n'estas minhas supplicas!

Eu dirijo-me a ura certo critico balofo, que presume de nunca errar (!), de ser catão (//), e de espatifar os livros que lê(!!!)

Duas palavras a serio :

Ë dedicada a minha these aos Ill.mos e Ex.mos Srs. José da Silva Mendes Leal, e José Fructuoso Ayres de

Gouvéa Osório; a este em testimunho do respeito e cordeal affeição, que sempre fui obrigado a consagrar-lhe como discípulo e amigo; áquelle em tributo da sincera estima e veneração, que o seu nome faz merecer.

(9)

1 N T R O D U G Ç A O

nomines enini ad deos nulla re proprius accedunt, quam salutem hominibus dando.

CICERO.

0 melhor dos bens na terra é a vida; a mais bella das sciencias é a que da vida se occupa—a Medicina—, e de Minerva o primeiro apostolo é conseguintemente o que professa a sciencia brotada do instincto, e crescida com a

na-turalidade no coração do homem—o Medico.—E ninguém

o contesta.

O medico pelo seu mister, e a medicina pela sua ex-cellencia, teem e tiveram sempre a especial veneração das gentes.

Nos annaes das eras mais remotas vê-se a estimação, que a sociedade, ainda no começo da sua organisação, dava já aos medicos d'aquellas épocas, não obstante se-rem elles grosseiros empiricos, ignorantes iatraliptas, ou gymnastas ; e na chronica da medicina, desde que os pa-rentes, amigos, e visinhos, acudindo aos gritos do pri-meiro homem doente, arrancaram do acaso a primeira pedra para os alicerces d'ella, não se encontra um só

ca-pitulo que a desdoure.

(10)

com-XII

pondo o seu Wagadasastir com as receitas principaes que conheciam; o povo da China, chegando a formar um

Có-digo medico; os Japonezes, elevando-se a nossos

precepto-res em alguns pontos therapeuticos, affirmam a antigui-dade da sua jerarchia; e alfim para provar-se que a me-dicina, senão como sciencia, ao menos como arte, é a primeira e a mais velha na linha de nobreza, não é pre-ciso fallar dos Scytas, dos Gregos, e antigos Romanos, dir-se-ha apenas que Moyses, e Salomão, foram militantes da congregação medica.

Distinctos foram sempre considerados os ministros da medicina, pela sua illustre profissão, e em nenhuma das revoluções sociaes conhecidas até hoje perderam elles o estandarte, que seu avô Apollo hasteara um dia nos ar-raiaes do seu domínio.

Seus hrazões de nobreza herdados do pai Esculápio teem sido respeitados pelo mundo inteiro,* desde os

Tem-pos Fabulosos até os nossos dias, sem que as Revoluções, e

as Lactas das Três Grandes Epochas, mais fizessem do que

polir o relôvo do seu ornato.

O medico, á cabeceira do doente perscrutando os ge-midos do enfermo, á banca anatómica contemplando o silencio dos mortos, e investigando a rasão porque lhe não responde o cadaver, nem treme diante do terrível ferro afiado, é na verdade o ente mais precioso do universo ! Ê elle quem pôde livrar da deshonra, do infortúnio, e da morte, os seus semilhantes ', quem vai sempre

(11)

XIII

var consolação aos que jazera no leito da dor, subindo ás reaes camarás, e descendo ás choupanas da indigên-cia, sahindo da alcova do velho agonisante, e entrando no gabinete da donzella, que, no meio do fausto que a cerca, e da candura que a envolve, geme com dores, e supplica os soccorros da medicina, para não murchar na primavera da sua vida !

E quem não vio os epigrammas, jogados hontem á medicina por o homem sadio, trocarem-se hoje em sup-plicas ao medico para o salvar do perigo que lhe corre a vida? Quem enfermo, não acha mesmo na palavra— medico—euphonia, e doçura ? Que descrente da medici-na deixa de chamar medici-naturalmente pelo facultativo, logo que a doença o afflige? Ninguém ! — que a preciosa mis-são do homem, que cura, tem alguma cousa de divino entre os espinhos que enleiam a quem a desempe-nha !

O principe dos philosophos—o immortal Hippocrates—• já na sua poética comparação o igualou a Deus—vir Me Déo

aequalis.

Heroe tem sido também reputado o facultativo, e co-mo tal o mais valeroso e magnânico-mo, no dizer do dr. Auber, e affirmado pelo professor Cruveilhier n'estes ter-mos : — autre chose est le courage du guerrier, qui dans l'enivrement des combats affronte une mort glo-rieuse; autre chose est le courage civique, qui s'expo-se par le s'expo-seul s'expo-sentiment du devoir à une mort sans gloi-re dont l'imagination double encogloi-re l'horgloi-reur. — Bem fundadas são estas expressões !

(12)

xiv

morte, exposto a elk corajosamente, esemalardo, oho­

mem, que atravessa mil perigos pararestituir o esposoá

consorte, opaeaostenrosfilhos eum rei aseusvassallos,

é só o facultativo, anjo tutelar da humanidade afílicta,

quemistura ainda osseusesforços comos últimos officios

da religião para salvar o agonisante!

«Dans quelque lieu qui vous soyez jeté, vous n'êtes

pas seul, s'il s'y trouve un médecin. Les médecins ont

fait des prodiges d'humanité. Cesont lesseuls hommes,

avec les prêtres, qui se soient jamais sacrifiés dans les

pestes publiques, et quels philosophes ont plus honoré

l'humanité qu'Hippocrate et Galien.»

São as palavras do grande Chateaubriand fallando dos

medicos, esãoestas as suas expressõesquando significa a

sua consideração porelles: «Considéréesoustouslesrap­

ports, la classe desmédecins ne saurait être trop respe­

ctée. C'est chez elle qu'on rencontre le véritable savoir

et la véritable philosophie.» Ocondede Salvandy fazen­

do também a apologia do corpo medico, pelas condições

de seus estudos, porsuas luzes, porseusserviços, eprin­

cipalmente por sua dedicação, semprecaritativa e muitas

vezes heróica, diz que elle forma uma parte essencial e

considerável dasociedadefranceza, terminandod'estémo­

do:—Sa constitution importe aux intérêts les pluschers

et les plus élevés de l'Etat.

Que alta destincçâo sobre a terra!Mas que dolorosa

situação!... queamargo trance!... quandoemfrente de

siestão osamigos, ospróprios pães, ou irmãos, dizendo

que lhes valha, que os não deixe morrer!

(13)

XV

passa na, terra, os irmãos de Hygea são os primeiros

con-templados !

A tarefa do facultativo ë com effeito preciosa e eximia sempre, mas ainda assim cresce de valor na proporção dos serviços que presta á humanidade, e na razão dire-cta das arriscadas difficuidadades com que luta para conseguil-os.

Assim, pois, é elle mais sublime no meio da horrível e devastadora epidemia, amparando os já abandonados pelos seus mesmos parentes ; nos campos da batalha, passando sobre cadáveres, para mais além dar soccorro a moribundos; sobre o oceano, quando nas trevas da noite procellosa só o clarão do raio lhe mostra o enfermo estirado no convez da embarcação, que o mar quer en-gulir de um só trago ; e junto da esposa, no acto mais solemne da sua existência, nesse sagrado momento em que ella quasi toca as raias da vida para lançar o homem no mundo !

E quem duvidará d'esta verdade ? !

A mulher, que suavisa a existência ao homem desde o berço á campa, ungindo-lhe o coração com o bálsamo de seus carinhos, é o principal élo da sociedade, e o ser mais caro das familias ; quando se faz mãe, requinta-lhe a doçura da existência, e torna-se ainda mais amável : prodigaliza então delicias, que só o filho pôde descrever ! Toca a mulher o apogeu do sublime, e brilha como

esmalte do annel do Creador, na occasião do puerperio ;

(14)

fi-XVI

lho, sem deixar morrer a mãe, e reintegra esta á vida quasi sem soffrimentos.

Foi movido por estas considerações que resolvi dedi-car o trabalho, que a lei exige para termo do meu tiro-cinio escolar, ao estudo de um dos mais temíveis acci-dentes que se seguem á veneranda prova da maternida-de, tendo em vista traçar as feições da febre puerperal,

e confrontal-as com as da febre traumática, afim de tirar deducções therapeuticas da analogia, que as prende.

Tentei provar que a febre puerperal não é essencial, para chamar o clinico ao verdadeiro ponto d'onde deve partir para combatêl-a, e sem risco de perder-se no campo de profusas asserções que muitos naturalistas, antigos e modernos, teem firmado sobre este objecto. Mas, dir-me-hâo os Mestres, como ousaste, profano dis-cipulo ainda, querer entrar no sanctuario dos dogmas medicos, sem bem te purificares na observação propria? Como do chão raso, em que vagueias, pensaste elevar-te a tão altas regiões ?

São justas e pezadas as arguições, como é grave o as-sumpto para não poder-se entrar n'elle só com a maxima de J. Guerin «Medicus sum, mediei nihil a me alienum puto»; porém, sobre a legitima clemência dos Professo-res, afouta-me o lógico aphorismo de Bacon:—Ex erro-re citius emergit veritas, quam ex confusione — , e dá-me valor a doutrina dos hodá-mens respeitáveis que sigo na minha dissertação.

(15)

ai-. XVII

tar de Lucina, animado só por o «medico sou....», nem tentaria matar o minotauro, se não assegurasse fácil sa-bida do labirintho o fio que me guia os passos.

A litteratura medica, diz o dr. Simpson (d'Edinburg), ainda não possúe realmente uma série sufficiente de da-dos, que nos habilite a formar uma plena comparação entre todos os elementos d'estas duas doenças, mas as considerações de poucos pontos provam já bastante, para indicar, ao menos uma forte analogia, senão uma iden-tidade entre ambas. Estabelece Simpson estes princípios, e posto que os baseie só n'uma condição viciada do san-gue, que origine ambas as moléstias, mostra por elles em que pontos se assemelha uma á outra: 1.° Nas con-dições anatómicas, e particularidades constitucionaes d'a-quelles individuos, que são objecto d'ellas; 2.° nos sym-ptomas, que acompanham cada affecção ; 3.° nas lesões mórbidas respectivamente deixadas por ambas as doen-ças ; i.° na natureza pathologica das duas febres.

Eu levarei também o mesmo caminho na exposição' dos argumentos em que fundo a minha proposição, ain-da que ella se afasta um pouco d'aquelles princípios ; porém antes de tudo tocarei de passagem na historia da febre puerperal, somente para mostrar desde quando, e porque formas, ella tem figurado entre os homens da sciencia.

F aliarei em resumo.das considerações que tem sem-pre merecido a natureza da moléstia, sem entrar nas par-ticularidades que sôb diversos pretextos teem sido explo-radas para a escolha do seu tratamento e do seu verda-deiro nome. Seriam longas demais para aqui taes

(16)

XVIII

gações, e se importantíssimo o primeiro artigo, inutil ou pouco util o segundo.

A questão do nome, posto que ainda hoje se ventile, é todavia secundaria, e só a sustentam alguns denomi-nadores caprichosos, que querem a gloria de innovadô-res, ou que teimam com orgulho de sciencia em fazer valer

um porquê seu, estabelecido uma vez sem a maior

(17)

R E S U M O HISTÓRICO

Uuiilquid agimus, seriliimus, excugitamus id

non est novum, sed veterum inventis nddimus tantum atque amplilicnmus.

B Â I L L O N , O P E R A , Ï . IC, P . 10.

Se lançarmos um golpe de vista sobre os annaes da Seiencia, vemos que a febre puerperal, observada desde a origem da Medicina, tem sido para os naturalistas as-sumpto de grandes debates, tanto em respeito á sua na-tureza, como á denominação.

Os escriptos de Monti, G. Bauhin, Akakia, Wolf, os de Paré, Plater, Sylvius, Rousset, etc., que Spach colheu para o seu livro, ' e muitos outros, antigos e modernos, mostram-nos diversos nomes porque tem sido designada esta doença, e différentes modos com que ha sido con-siderada em varias épochas da medicina.

- Encarada a febre puerperal como essencial, ou sym-ptomatica, tomados como primitivos, ou secundários, al-guns dos phenomenos que a acompanham, e confundi-da com outros estados mórbidos, tem recebido assim, des-de os primeiros tempos até hoje, muitos epithetos, e sem

1 Gynaeciorum sive de mulierum lura communibus, turn

(18)

20 —

nenhum d'elles exprimir cabalmente a sua natureza pa-thologica.

0 de febre puerperal mesmo que lhe deu Ed. Strohler em 1718, e não Willis como querem alguns escriptores, ainda que está hoje admittido pela maior parte, não in-dica, pelo que vem da palavra romana —puéfpefilán^,

mais do que a existência de febre em uma mulher de parto, e nem passa de ser a definição de Hippocrates abreviada.

O venerando velho chamava esta doença : « Febre aguda das mulheres em partos», attribuindo-a á sup-pressão dos lochios, cujas idéas Galeno, Aretéo, os pri-meiros medicos gregos, e arabes, e finalmente bastantes naturalistas do século XVI e XVII partilharam ; e foram ellas abraçadas a tal ponto por Rocheus, Bonnacioli, e Rylf, que pozeram á moléstia o nome de «febre lo-ch ial ».

Contra estas opiniões, porém, não faltaram mais tarde as de muitos distinctes philosophos, que, fazendo depen-der esta febre do transvio do leite, lhe depen-deram outros títulos.

Trincavilli, Sydenham, Astruc, e Le Roy, a

denomina-ram febre leitosa; Hecquet doença leitosa; Puzos, Levret,

Van Swieten, e Bordeu, depósitos leitosos; Bonté, diarrhea

leitosa; Planchon, e Gastelier, miliar leitosa; e

Soleman-der na sua obra = Consilia Medicinalia=, sustentando que ella procedia do transporte do leite para o sangue e humores, appelidou-a febre de leite.

(19)

depen-— 21 depen-—

dia do derramamento dos lochios, ou da materia leitosa; nas cavidades e vasos impróprios : uma métastase dos lo-chios, ou do leite, era para todos estes e aquelles medi-cos o commum ponto de partida.

Porém se condiziam as idéas de todos em quanto á natureza da moléstia, não acontecia o mesmo a respeito do nome. Só concordavam unanimemente em que certos materiaes, demorando-se na economia do individuo por falta de eliminação, ou entrando nos liquidos (princi-palmente no sangue), eram os productores da doença ; e Mercatus com as suas duas formas de « Febre aguda das mulheres paridas », procedida uma da suppressão dos lochios, e a outra da suppuraçâo do utero, formava ainda d'algum modo parte do grupo.

Em 1718 terminou, por assim dizer, a infância dos debaíes criados por este assumpto, e principiou a sua adolescência.

Foi n'esta epocha que. a febre puerperal começou ver-dadeiramente a desprender-se das theorias essencialistas, por impulsos do desenvolvimento em que entrou a ana-tomia pathologica.

A medicina antiga, não possuindo meios de fixar a se-de das alterações mórbidas, pelo atrazo da anatomia, foi naturalmente conduzida á sua essencialidade, como do-gma fundamental de suas doutrinas ; mas, á medida que a anatomia dava um passo, lançava à sciencia no seu thesouro uma nova jóia, que hia trocando por falsos ade-reços.

(20)

— 22 —

Morgagni, Lientand, Sandiford, Baillie, Portal, etc, ou o nosso contemporâneo Lepelletier de La Sarthe. '

Sendo em 1718 Ed. Strobter, como já dissemos, o pri-meiro que introduzio na linguagem medica o nome de

febre puerperal, proclamou esta filha da inílammação do

utero, ou d'outro qualquer órgão, e ao écho dos seus hrados responderam muitos localisadores.

A trombeta marcial deu o toque de alarme e os guer-reiros despertados correram ao campo da lucta.

Contra os essencialistas juraram a bandeira de Ed. Stro-hter, Burton, Smellie, Th. Cooper, Denman, Gasc, Gar-dien, e muitos outros, d'entre os quaes tomaram a van-guarda Hulme, e Leake, localisando a inílammação no omento, Gordon, Makintosh, etc., no peritonéo, Astruc e Denmen no utero, Dance, Duplay, e alguns mais, nas veias uterinas, ou vasos lymphaticos.

Travou-se então renhido combate entre os localisa-dores e os essencialistas, e sustentou-se caloroso até que no theatro da anatomia pathologica o escalpello de Bi-chat acertou os primeiros golpes sobre o cadaver da mu-lher parida.

Já em 1776 G. Hunter tinha dito também que a fe-bre puerperal não era essencial, mas symptomatica da pé-ritonite ; todavia a sua doutrina não impedio que

bas-1

Nous emprunterons particulièrement à Vamtomie

patho-logique, des notions précieuses lorsqu'il s'agira de déterminer

(21)

tantes medicos continuassem a considerar primitiva a doença, chamando lesões secundarias, ou resultados d'el-la, aos différentes estragos, que viam por meio da auto-psia nos casos fataes. A opinião de G. Hunter, e as

dos mais localisadores até elle, caliiam talvez no des-prezo, se Bichat as não reforça, aceitando e profes-sando as mesmas idéas contra a essencialidade da

doença.

Este celebre discipulo e amigo de Desault, proseguin-do na vereda de Pinei, foi guiaproseguin-do- pelos symptomas da moléstia esquadrinhar as lesões que ella deixava; e sus-tentado nos factos da sua observação disse : = Da ín-flammação do peritonêo provém a febre puerperal—, doutrina que foi acolhida de tal sorte nos primeiros an-nos d'esté século, que os nomes de febre puerperal e

péri-tonite puerperal eram synonimos.

Porém Bichat não vio tudo. Tomou sempre a inflam-mação do peritonêo como primeiro e único elemento da moléstia, e não fallou d'ella como sympathica, e acces-soria da inflammação do utero, peccando por isso como os mais naturalistas, que chamaram a doença para uma sede exclusiva. .Não disse que a inflammação do perito-nêo quasi sempre vem aggravar o accesso da febre puer-peral, quando não é o seu primeiro estimulo morbifi-co ; ' se o fizera, tinha deixado apenas no campo analo-mo"-pathologico os ovários, as veias, os lymphaticos, os intestinos, e outros órgãos mais secundários para a

gra-1 Algumas vezes o peritonêo, como órgão mais.sensível e

(22)

— 24 —

vidade da moléstia, que inflammando-se também podem fazer parte d'ella.

Bichat esteve, comtudo,. muito perto da verdade, pela direcção que levava, e se não chegou a descobril-a, foi quica porque a morte prematura lhe não deu largas pa-ra mais !

São estas as palavras de Lepelietier, quando falia do grande anatomo-pathologista :

«Nous le disons avec une conviction entière, si quelque chose a fait défaut à notre immortel Bichat, ce n'est assu-rément pas la haute conception et le génie: c'est le temps seul. Certainement s'il eût vécu davantage, il eût rectifié lui-même les erreurs d'un premier jet : car il n'appartenait qu'à lui de fonder une doctrine médicale irréprochable pour le présent et pour l'avenir»; (p. 235.)

A medicina perdeu realmente muito com a morte de Bichat; e a natureza da febre puerperal é controversa ainda hoje, porque elle não pôde terminar a sua obra ! Sobre o clarão luminoso, que começava a emiltir-nos tão distincto naturalista, cahio a nuvem espessa do crepe fu-néreo !

Mas o correr do tempo rarefez finalmente o negrume que enlutava os philosophos d'aquella epocha, e alguns d'elles entraram no caminho aplanado pelo seu nobre contemporâneo, e proseguiram-no. Verificaram o quadro que elle tinha desenhado, e acharam também os dos pri-meiros localisadores, resultando d'ahi nova vida para a theoria de Bichat, mas o desfallecimento da sua synoni-mia.

(23)

— 2S —

a receber dos vários exploradores anatomo-pathologistas, e o abuso que alguns fizeram também da sua doutrina, fez com que revivessem muitas e différentes hypotheses so-bre a natureza da moléstia, e mais uma vez se declarasse a anarchia entre os homens da sciencia, voltando ao seu campo os essencialistas, que já se tinham por vencidos. A febre puerperal foi sempre elemento de um verdadeiro scisma entre os naturalistas, desde que elles se dividiram em localisadores, e essencialistas, porque, ou questiona-vam sobre a natureza d'ella, ou sobre a mera legitimida-de do titulo que legitimida-devia dar-se-lhe ; e se algum periodo tem havido, em que os debates acalmaram um pouco, foi o decorrido nos primeiros annos d'esté século.

Porém, no dia 23 de Fevereiro de 1858, tomaram el-les novo vigor, e maior vulto. N'este dia M. Guerard, impressionado ainda pela morte de uma mulher, que um mez antes havia seccumbido á febre puerperal, não ob-stante os sérios cuidados que lhe tinha prestado com M. Depaul, subio á tribuna da Academia Imperial de Me-dicina, e propoz aos membros doesta sábia corporação os seguintes problemas = Qual é a natureza da febre puer-peral ? Qual é o seu modo de propagação ? Qual é o tra-tamento que deve oppor-se-lhe ? = Dissertaram sobre as três proposições o mesmo Guerard, Depaul, Piorry, Trous-sau, Beau, Hervez de Chegoin, Cruveilhier, Paul Du-bois, Cazeaux, Danyau, Bouillaud, Velpau, J. Guerin, etc ; porém o ponto principal da questão consistia em determinar a natureza da" moléstia, que, por assim di-zer, era a incognita commum de todos os problemas.

(24)

— 26 —

entrado em discussão, e talvez por essa razão foi ella ca-lorosa.

Considerada essencial por uns, symptomatica por ou-tros, contagiosa por estes, não contagiosa por aquelles, chegou a febre puerperal ao mais alto das contendas, re-cebendo um medicamento de cada hypothèse que fazia nascer.

M. Guerard não fez entrar a questão do nome no enunciado de seus problemas, mas ainda assim appare-ceu ella, e tomou uma grande parte nos debates : aquel-les campeões discutiram portanto sobre a natureza, titulo, contagio, e tratamento da moléstia, e por tal forma, que entre elles não pôde distinguir-se a facção essencialista da organicista, e de qualquer d'ellas tirar duas opiniões iguaes, dous camaradas completamente ligados.

Auber na memoria, que escreveu, para critica d'esta questão, diz assim :

«Sur douze orateurs entendus, on peut compter: des essentialistes ; des demi-essentialistes ; des essentialistes sans le vouloir; des essentialistes sans le savoir ; des loca-lisateurs ; des localoca-lisateurs avec tendance á l'essentialisa-tion ; des essentialistes avec amour pour la localisal'essentialisa-tion ; des spécifistés ; des thyphistes ; des traumatisms, e des néo-traumatistes !... »

«Maintenant débrouillez-vous, arrengez-vous, compo-sez-vous une religion médicale avec les dogmes de tous ces chefs d'école, véritables pontifes de l'enseignement officiel ; etc. »

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— 27 —

Newton, a fallar d'ella, não poderia dizer : É conhecida a

causa, está terminada a discórdia. As opiniões,

(26)

A N A L O G I A

DA»

Condições anatómicas e particularidades constitucionaes,

da piierpera e operado

Às condições anotomicas da mulher puerpera, e as do individuo operado, são a muitos respeitos as mesmas, diz Dr. Simpson.

(27)

produzi-— 30 produzi-—

da pelo ferro do operador (principalmente no logar em que estava a placenta) iguaes órgãos lesados, que h&o de ser reparados por cicatrisação, á custa da mesma exsu-dação plástica, nos pontos a que a immediata adhesão não chegue, ou onde seja mister nova camada de mem-brana mucosa.

As secreções de ambas estas feridas podem alterar-se morbidamente, ou tornar-se a sede de uma excessiva in-flammação, ulceração, ou suppuraçâo phlebitica e suas consequências.

Em qualquer das soluções de continuidade é possível que as veias occasionalmente recebam o ar ; e tanto a ferida cirúrgica, como a obstétrica, pôde desviar-se do modo regular de reparação. Ambas ellas estão sujeitas a perigosas hemorrhagias, tanto primarias, corao consecu-tivas ; ambas, ainda que raras vezes, são occasionalmen-te seguidas de delirio, tétano, e outras complicações ner-vosas ; e do mesmo modo, mas muito mais frequente-mente, ellas podem ser acompanhadas da acção febril e inflammatoria combinada.

A mulher puerpera tem a sua ferida complicada com estados constitucionaes da mesma espécie, que os ob-servados no operado ; e ambos os individuos passam ge-ralmente por um maior ou menor gráo de subsequen-te reacção febril, que o parsubsequen-teiro chama febre de leite, ou

febre puerperal, e o operador febre ephemera das operações,

ou febre traumatica, conforme a gravidade da mesma

(28)

pathologi-31 —

cas constitucionaes, porque se ha dtfferença entre ellas, está apenas nas suas formas, e nas regiões que ellas oc-cupant.

Muitas mais considerações, que reservo para a minha conclusão, poderiam ser trazidas aqui a fim de guarnecer melhor este quadro comparativo ; porém eu creio estas sufficientes, para não deixarem ver já a essencialidade da febre puerperal na parte que podesse tocar-lhe.

(29)

'*.

ANALOGIA

Symptomas que acompanham a febre puerperal

c a febre Iraiimarlica

É quasi impossivel agrupar n'uni só quadro todos os symptomas, que a febre puerperal, considerada generi-camente, pôde revelar.

São différentes as condições era que ella é susceptivel de desenvolver-se, e varias as formas que pôde assumir, como mostram as muitas variedades da moléstia, que os auctores teemdescripto:—a inflammatoria, abiliosa, a gas-tro-enterica, a nervosa ou ataxica, a typhoïde adijnamica,

etc. etc. ;—porém a mesma nota, em quanto á variabili-dade do seu typo e formas, procede a respeito da febre traumatica, e quando qualquer das doenças é plenamente marcada, OS symptomas são sufficientemente notáveis, e sufficientemente similhantes em cada uma.

(30)

34

de pacientes, não acha dífficuldades em identificar a

doença por estes mesmos symptomas na outra classe.

Um pulso variando em força, mas sempre constante

em quanto ao facto da sua rapidez; a cor da superficie

alterada, e frequentemente mais escura ou quasi ictéri­

ca; a pelle algumas vezes quente e sêcca, outras banha­

das em suor, ou estes estados alterando­se sem qualquer

crise material na acção febril; dores locaes, e desarranjos

funccionaes nas partesque sãoasededas effusões inflam­

matorias internas, (devendo­se notar que os symptomas

locaesd'estas inflammações são muitasvezesencobertos a

latentes); anciedade; prostração geral,e.adynamica; mui­

tofrequentemente nauseaevomito;occasionalmente diar­

rhea, respiração laboriosa, ou apressada; algumas vezes

inchações repentinas, e effusões nas articulações, e teci­

do subcutâneo, etc., e muitas vezes por ultimo rápida

prostração, com delirio ou sem elle: são os symptomas

mais geraes das febres—puerperal, e traumatica.

M. Depaul diz queafebre puerperal não tem sympto­

ma pathognomonic, eque éno caracter de muitos d'el­

les, e na sua apparição simultânea ou successiva, que

um olho exercitado descobre o sinete particular d'ella.

Para este parteiro os symptomas mais frequentes são:■=

arripios violentos; pulso pequeno e fraco com140 a160

ou mais pulsações por minuto; perturbações da inerva­

ção, e respiração, que se faz curta, precipitada, anciosa,

e enterrompida deprofundas inspirações;dores rheuma­

tismaes peri­articulares, além da que se fixa na região

cpigastrica; vómitos amarellos ou esverdeados; alteração

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— 35 —

M. Cruveilhier forma apenas de quatro symptomas to-do o quadro symptomatico da moléstia; a saber: arri-pio; dôr abdominal peritonitica; decomposição profunda da face; frequência extrema do pulso, com moleza e pequenez. Em summa, as descripções da symptomologia da febre puerperal são quasi tantas, como os naturalistas que a teem estudado, e tão différentes, como são varias as formas de que a doença pode revestir-se ; e o mesmo acontece em relação á febre traumatica. Por tanto, tor-na-se impossivel mencional-as aqui todas, e passar além de citar alguns casos, em que se verifica a analogia en-tre ambas as moléstias, pela igual extravagância dos si-gnaes que as revelam.

Tanto a febre puerperal, como a traumatica, se apre-senta debaixo de muitos aspectos différentes, porque os seus caracteres estão dependentes da constituição dos próprios individuos, da idade, temperamento, estado geral, diathese, idyosyncrasia, varias influencias rae-tereologicas, etc.; porém, ceteris paribus, os phenomenos dados na puerpera são idênticos, pôde dizer-se, aos do operado.

Os symptomas da febre puerperal, quando, por exem-plo, a perturbação funccionaj que a produz está no pe-ritonêo, são os mesmos que os da paritonite sobrevinda ao operado da cystotomia hypogastrica, se este está nas mesmas condições da vida que a puerpera ; da mesma forma/ são elles os da phlébite do operado, quando na febre puerperal predomina a phlogose das veias.

(32)

doen-— 3 6 — '

ça produz n'outro individuo independente do parto, e até da prenhez, se apenas nos guiássemos pelos symptomas ? Por o que elles nos dizem, em igualdade de circum-stancias, a febre das mulheres paridas é a dos indviduos operados, afora o nome, que emquanto a mim só serve para notar a occasião em que ella figura.

Esta é a verdade, que nos dá a confrontação dos vários quadros symptomaticos de ambas as moléstias feitos pe-los Mestres, e esta é a realidade, que nos affirma a pro-pria observação.

Os phenomenos pathologicos da febre puerperal, como os da febre traumatica, podem ser inflammatories, ataxi-cos, ou adynamiataxi-cos, segundo o caracter que cada molés-tia toma; e nenhuma d'ellas, em qualquer forma, conserva ainda uma ordem certa e constante nos signaes patho-gnomonicos, porque até a natureza do órgão ou órgãos inflammados, e a extensão da inflammação, exerce influen-cia sobre a sua pathopoése ; quando dois ou mais órgãos são a sede da inflammação, que desenvolve a reacção fe-bril na puerpera, os symptomas são mixtos e complica-dos, como acontece, por exemplo, no individuo,-que, sof-frendo a amputação coxo-femural, é acommettido de uma phlébite, e immediatamente da inflammação de alguma viscera abdominal.

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— 37 —

(34)

ANALOGIA

Lesões patliologieas internas, deixadas pelas febres

puerperal e traumatica

É este o capitulo que menos abona a essencialidade

da febre puerperal.

Desde que a anatomia pathologica entrou como

verda-de-principio, verdade-mãe, no corpo das sciencias naturaes,

e se tornou a pedra angular do edifício da medicina; des-de que os naturalistas vieram contrastar por ella o valor das moléstias, subio de preço a natureza da febre puer-peral na doutrina da verdadeira localisação.

A anatomia pathologica, tomada pelos localisadores e essencialistas como arbitro na questão da natureza d'esta doença, decidio em favor d'aquelles, baseando o porque

da sua sentença em factos terminantes que apresentou, e em tantos, que só um livro de grosso volume seria suf-ficiente para dar conta de todos elles; assim, pois, lum-tar-me-hei a mencionar os que bastam para comprovar a analogia, que ha entre as lesões da febre traumatica c da puerperal.

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symptomas, que se dão nos pacientes d'estas duas molés-tias, deduz-se a mesma relação entre as lesões mórbidas de cada uma, porque ellas são o contra-cunho dos phe-nomena observados no vivo, e a analogia dos effeitos é aqui conclusão necessária da analogia das causas ; mas não queiramos só a lógica dos raciocínios, quando tam-bém os factos podem fazer mais palpáveis as verdades, e entremos portanto na sua observação.

Numerosas autopsias, feitas nos cadáveres dos indiví-duos sucumbidos á febre puerperal, teem mostrado pro-vas innegaveis de recente inílammação aguda n'um ou mais órgãos do corpo, taes como as observadas nos mor-tos por febre traumatica; e alguns dados estatísticos, que passo a enumerar, servirão de base á comparação das le-sões inílammatorias achadas na puerpera e no1 operado. A tabeliã immediata é feita por Dugés, segundo o resul-tado que colheu do exame post mortem em 341 casos fa-faes de febre puerperal; e as lesões, que elle achou nos 341 cadáveres de mulheres paridas, foram, nas seguintes proporções, estas:

(36)

41

abdominaes. Foi mais alémTounellé n'este ponto,como

mostra a seguinte tabeliã dos resultados observados por

elle em 222 casos de febre puerperal fataes também.

Péritonite em 193 c a s o s

Metrite e ovarite 197 »

Pus nas veias uterinas ou lympha­

ticas 1 1 2 »

Gastrite e enterite 6 *

Pleurite 4 3 »

Pneumonia 21 »

Pericardite e Hidro­pericardite. . . 1 »

Pus no fígado, pancreas, múscu­

los, etc I9 ' »

Pus nas articulações •■ • • • *" *

Em quanto aos órgãos internos, que mais frequente­

mente se acham affectados de lesões inflammatorias nos

pacientes cirúrgicos, nãopossuimos realmente muitosde­

talhes, porque o numero das autopsias feitas aosseus ca­

dáveres tem sido também menor; porém Dr. Chevers

dá uma interessante nota de 153 casos fataes de febre

traumatica, observados no Hospital de Guy, era 134 dos

quaes se descobriram as seguintes lesões internas:

Péritonite em 52 casos

Enterite (excluindo casos de Hernia) 9 »

Pneumonia e seus resultados . . . . 47 »

Pleurite 3 5 »

Bronchite 4 »

Pericardite 14 »

Arterite e Aortite 4 »

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— 42 —

Meningite 27 , Cerebrite -. 9 » Cystite , 8 »

Pus nos músculos e articulações . . 3 » Inflammaação da tunica vaginal. . . 1 » A excepção de 19 casos, todos os 153 mostram vestí-gios de recentes lesões internas inflammatorias ; e com-paradas estas notas com as da anatomia pathologica da febre puerperal, vemos uma variedade de importante evi-dencia, relativa ás acções mórbidas internas, que prece-dem a morte n'esta febre e na traumatica.

As tabeliãs de Dugés, Tounellé e Chevers, provam bas-tante a analogia das lesões deixadas por ambas as molés-tias, quer na sua sede, quer na sua itensidade e varie-dade ; e fornecem argumentos sufficientes para poder-se refutar á posteriori, como á priori, a essencialidade da fe-bre puerperal.

A mesma falta de lesões apparentes, achada 19 vezes em 153 mortos de febre traumatica, responde aos que fundam a essencialidade da febre puerperal n'essa rasão, quando também as autopsias não descobrem nos cadáve-res das puerperas vestígio algum phlegmasico; e se os essencialistas não querem que a primeira febre seja tão essencial como a segunda, pelo mesmo motivo pôde di-zer-se-lhes que a negativa das autopsias depende n'alguns casos da sua imperfeição.

(38)

ob-j — 4 3 —

servadores a retirar-se, convencidos de que não existia phlébite, quando de repente Castelnau, e Sappey, acha-ram irrecusáveis signaes d'ella.=

Porém não é virgem este caso. Um outro semelhante aconteceu a M. Beau no Hospital Cochin em 1857. «Uma mulher do meu serviço, conta elle, falleceu dezasete dias depois do parto, fez-se-lhe a autopsia, e nada se achou anormal nas cavidades splanchnicas ; mas, ao sair-mos já da sala do exame, um estudante espetou ao acaso um escalpello na região glútea do cadaver, e fez apparecer uma grande quantidade de pus, proveniente de um abcesso completamente latente na região lombar, que tinha produzido a febre puerperal, e matado a doente. » Sem duvida, deixam de descobrir-se bastantes vezes le-sões no cadaver, por imperfeição das observações ; todavia pôde uma mulher parida sucumbir também a uma affec-ção febril, que não deixe lesão alguma apreciável, sem que por isso se deva olhar essa affecção como uma febre essencialmente puerperal.

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— 44 —

«Tem-se dado pouca importância, continua elle, ás péssimas circumstancias moraes, em que se acham as mulheres depois de um parto illegitimo. No momento em que ellas precisam mais de tranquilidade e carinhos, são quasi sempre abandonadas pelo seu seductor, 5 sepa-das de sua familia, e inquietasepa-das pelo futuro de seu fi-lho, que se acha somente a seu cargo. Tem-se fallado dos perigos da primiparidade, más é preciso acrescentar os da primiparidade illegitima ; o perigo de um primei-ro parto não vem só das difficuldades physicas : as temi-veis complicações moraes, a que estão sujeitas as mulhe-res primipamulhe-res, dão também um bom contigente para a sua mortalidade.»

E por tanto admissivel que a puerpera succumba a uma affecção pyretica, sem deixar lesões pathologicas sen-siveis ; mas essa affecção não pôde ehamar-se febre puer-peral essencial, porque os mesmos phenomenos e resul-tados mostram-se indistinctamente em qualquer indivi-duo, nem tão pouco pôde Depaul dar esta denominação á doença que se manifesta com os mesmos caracteres n'al-gumas pessoas, fora das condições do estado puerperal, porque o nome deve ser então essencial e especifico como a idéa que exprime. Melhor seria neste caso dizer, como M. Trousseau :— não existe febre puerperal: a febre, de-signada por este nome, é commum para os infantes, para os operados, e t c . =

De toda a forma porém, são aproveitáveis estas

decla-1

(40)

— 45 —

rações dos essencial istas avec amour pour la localisation.

Elles mesmos vem, sem o querer, affirmar a analogia das febres puerperal e traumatica, nos casos em que poderia-mos ter alguma duvida :=cjuando ellas se afastam do seu typo mais geral. =

Querem alguns essencialistas que as commoções mo-raes actuem de um modo especifico sobre a puerpera, para sustentarem ainda a essencialidade da febre puerperal contra esta objecção ; mas figurando ellas da mesma sorte no operado, como pôde conceder-se-lhes uma influencia de tal caracter?

Se bem me recordo, M. Sedillot nos prolegomenos do seu tratado de medicina operatória, fallando das

contra-indicações das operações, diz assim: «O moral do doente

não demanda menos cuidados que o physico. O medo, os presentimentos funestos, as resoluções desesperadas, exi-gem grande attenção. É preciso reanimar a coraexi-gem aba-tida. Sem estas precauções o espirito fica agitado, inquieto, e reage da maneira a mais temivel sobre o estado das constituições e das feridas.»

(41)

— 46 —

Algumas vezes estava já s. s.a com o escalpello na mão, prompto a dar o primeiro golpe, e suspendia-o, para adiar a operação, porque não achava o doente em boas

disposições moraes. Eram circumstancias estas a que dava

séria importância, pelo conhecimento que tinha do seu mau resultado ; e a propósito contava, entre outros, este caso da sua clinica particular.

«Consultado uma vez por um ourives d'esta cidade, que se queixava de padecimentos de bexiga, verifiquei que elles provinham d'uni calculo vesical, e indiquei a

cystotomia. Ao ouvir fallar na operação mostrou o doente

um ar de terror que me impressionou seriamente, e, pos-to que elle resolveu prestar-se a ella depois de conven-rido da sua necessidade, fiquei sempre considerando-o pusillanime, e prevenido conseguintemente do quanto havia a receiar das suas más disposições moraes se não fosse prudentemente desviada a sua influencia sobre a ope-cação.

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— 47 —

conferencia com os collegas presentes para assistir á ope-ração esperar pela tarde, a ver se com o uso d'aigu ns cordiaes elle se reanimava; mas o collapso passouápros-tração gravissima, e na noute desse mesmo dia o indivi-duo succumbiu.»

E que dizer a tudo isto ? Morreu accaso este homem d'alguma febre puerperal essencial, como as suppostas nas parturientes, que fallecem do mesmo modo antes de parir ? Ou podem estas succurabir também a uma igual af-fecção moral? Se o sr. Almeida não respeitasse o estado do seu operando, e um essencialista visse expirar este du-rante ou pouco depois da operação, diria que elle falle-cera como a puerpera, em que se fez o parto sob condic-ções de idêntica gravidade ? Ou viria ainda com a sua

especificidade e essencialidade privativa da prenhez ? Eu

penso que não, porque negar a evidente analogia d'es-tes factos, e obrigal-os a passar para um campo falso, não é fácil fazer-se depois de madura reflexão, e contra a propria convicção.

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— 48 —

As tabeliãs de Chevers, Tounellé e Dugés, repito, dão arapja evidencia da analogia, que ha entre as offen-sas pathologicas deixadas por ambas as doenças sobre o corpo dos indivíduos, que succumbem a ellas, e provam cabalmente a aguda e muitas vezes extensa acção in-flammatoria occorrida antes da morte.

Ellas mostram que as. lesões inílammatorias internas raras vezes se limitam a um só órgão, em qualquer dos casos ; que dous ou mais tecidos são ordinariamente se-des simultâneas ou successivas da acção phlegmasia ; que as différentes partes assim atacadas são algumas ve-zes mui distinctas e distantes umas das outras, e que nos casos obstétricos o utero, appendices uterinos, e pe-ritonéo, são a sede mais commum da acção inflammatoria interna, ainda que os órgãos thoraxicos, ou outros, sejam frequentes vezes também affectãdos ; porém não permit-tem que as causas d'esta localisação especial possam con-siderar-se essenciaes do puerperio, ou da febre puerpe-ral, porque affirmam ao mesmo tempo que todas as'feri-das dos órgãos pélvicos e geradores, quando dão origem á febre traumatica, podem igualmente ser acompanhados da inflammaçâo do perilonéo, como o próprio órgão lesado.

Chevers encontrou a péritonite nos casos fataes de fe-bre traumatica em mais de 30 por cento das suas dis-secções, e se no acto da parturição o utero é a sede da lesão original, que ha de produzir a inflamação, e esta acção mórbida promptamente se estende pela lei de con-tinuidade do tecido aos seus apêndices e peritonéo, dete ella com muito maior rasão localisar-se n'esses órgãos,

(44)

par-— 49 par-—

le mais fraca, mais combalida ou predisposta, para a qual uma métastase a faça transportar.

Desde Valsalva e Morgagni para cá teem-se observado injurias da cabeça, seguidas muitas vazes de inflamma-ção e effusão de pus no fígado, pulmões, pleuras, perito-néo, etc; Dupuytrin, Charles Bell, Guthrie, e outros, no-taram que, depois da amputação das extremidades, a in-flammação dos pulmões ou pleura era uma consequên-cia muito commum e muito fatal ; Velpau achou tantas vezes a pleuresia depois d'estas operações, que propoz dar á doença o nome de pleuresia purulenta dos operados; e Rokytansky, Routh, Kiwisch, e o dr. Simpson, fallando a par d'isto nas lesões inflammatorias do peito, como muito communs na febre puerperal, levam-nos mais uma vez a concluir que varias inflammações podem sobrevir á puerpera e ao operado, sobre regiões distantes da sua le-são, embora sejam pouco marcados esses phenomenos'du-rante a vida de/ qualquer dos indivíduos.

Acham-se effectivamente muitas vezes separadas da ferida original as vísceras, ou tecidos internos, que são as principaes sedes da inílammação : todavia estes casos pa-recem excepcionaes, e dependentes d'uma susceptibilida-de occasional, porque, em regra geral, o órgão lesado, ou seu visinho immédiate, é o primeiro na manifestação mór-bida, e mais depressa ainda se havia em qualquer d'elles uma predisposição para ella.

Relatarei a propósito um facto de que também tomei conhecimento por uma lição do digno lente de clinica cirúrgica. «Servi-me uma vez do lithotridor de Heur-teloup para calcular o volume e dureza de um calculo

(45)

.—80

vesical, fiz a observação, e quando quiz fechar o ins­

trumentopara extrahil­o, apedra nãosedesprendeu d'el­

le,eobrigou­me afazer algumas manobras com bastante

attrito sobre asuperfície interna da bexiga.

Eu tinha­ resolvido fazer a cystotomia hypogaslrica em

donstempos, epraticar o primeiron'essemesmo dia; mas,

em virtude d'aquelle acontecimento, suspendi a opera­

ção, porque suppuz logo consequência infallivel d'elle a

cystite. Com effeito ■ella declarou­se, apesar dos meios

preventivos, e se bem que ao oitavo dia estava debelada

por um tratamento conveniente, achava eu ainda muito

cedo para operar ; porém o doente, que todos os dias

teimava pela operação, disse­me que nunca mais se su­

jeitaria aella,selh'a não fizesse n'aquelle dia, e forçou­

me, por assim dizer, a pratical­a. Executei conseguinte­

inente oprimeiro tempo quasi violentado, e receiosod'um

mau resultado, oque se verificou reapparecendo a cys­

tite com tal força, que communicou repentinamente a

inflammação ao pirotonéo, aos intestinos, a todos osór­

gãos abdominaes emfim, e fez suecumbir o doente ao

terceiro dia,e antesdo segundo tempo.»

Nãofoi n'este caso que a péritonite representou o'pri­

meiro papel, como ordinariamente acontece : pertenceu

á bexiga, pelacircumstancia de ter ellaum prévio estado

mórbido, além da influencia da relação immediata em

que estava também com a ferida da operação; e tira­se

d'aqui arazãoporque nopuerperio operitonéo se inflam­

ma primeiro que o utero, e dá rapidamente origem á

febre puerperal, quando domesmomodoalgumaccidente

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— 5 1 —

(47)

A N A L O G I A

DA

Natureza pathologica das febres puerperal e traumatica

É esta a ultima parte da minha dissertação, e a con-clusão final da proposição que estabeleci.

(48)

— 84-—

mais nadaá definição de febre, e ao modo como a patho-logia se occupa d'ella.

Febre (na accepção a mais geral) é um phenomeno pathologico que revela a reacção da economia viva con-tra o elemento mórbido, que lhe perturba a sua norma-lidade funccional, caracterisado por acceleração do pul-so e augmento de calor animal.

Pelas leis estabelecidas em pathologia fazem-se duas distincções capitães de febre — a essencial ou idiopathica = a symptomatica ou inflammatoria = , segundo ella se considera phenomeno primitivo ou secundário da doença. Estas duas divisões subdividem-se ainda em muitas ou-tras, que tomam différentes nomes e alcunhas, conforme a natureza do elemento que as produz, e as formas, graus, caracteres, circumstancias, condições, estados, etc., em que se manifestam. D'esté modo chama-se symptomatica

á febre que se julga dependente de lesões orgânicas; essen-cial a que se mostra sem ellas serem percebidas, ou que procede, como querem alguns, de uma alteração dos líqui-dos desconhecida ; traumatica a que provém das feridas ;

puerperal a que sobrevem á mulher puerpera, etc. etc.

No caso presente tratamos da febre na puerpera, para decidirmos a qual das divisões capitães pertence ; e para isso' seguimos a doutrina de Cruveilhier, procurando vér se ha entre ella e a febre que acommette o ferido, co-nhecida como symptomatica, relações que lhe determinem a mesma natureza.

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— 35 —

intimo da febre era questão, para examinarmos as suas propriedade* intrinsecas, e concluirmos que cilas não são como as attribuidas ás febres essenciaes.

Diz Boerhave: (depois de Hipocrates) = Febris

inflam-mationi individims comes=; mas não poderá dizer-se fanar

hem = indhiduus comes febri inflammatio? Inflammação t

febre, phlegmasia e pyrexia, são dous grandes factos

pa-thologicos, como quer Cruveilhier, que marcbam quasi sempre simultaneamente, e entre os quaes a questão de prioridade e de preeminência é muitas vezes difficil de decidir. Nós estamos no caso : ba febre na puerpera, e o facto mórbido de que são symptomas patognomonicos

tumor, rubor, calor e ãôr = a inflammação = ; mas qual

d'estes pbenomenos é consequência do outro? em que re-lação pathologica se acha a febre e áphlegmasia?

As febres acompanhadas de phlegmasias distinguem-sc em duas grandes classes muito circumdistinguem-scriptas : cm umas, como a variola, a phlegmasia é consecutiva á fe-bre, e, se se analysa o sangue então, acha-se que a propor-ção da fibrina está no estado normal, ou ainda mais abai-xo : em outras pelo contrario, como na pneumonia, a phlegmasia é primitiva, dando logar á febre que se torna seu symptoma, e o sangue contém um maior ou menor excesso de fibrina ; as primeiras chamam-se phyrexias ou

febres essenciaes ; as segundas phlegmasias febris ou febres

symplomaticas.

Partamos agora d'estes princípios ; qual é a crase san^-guinea na febre puerperal ? Ha ou não ha excesso de fi-brina? Segundo diz Herscut,' Beau, Cazeaux, Amiral e

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nos casos das phlegmasias febris=; 1." conclusão : não c pyrexia essencial a febre puerperal. Manifesta-se a febre puerperal alguns dias antes das determinações locaes como no typho, variola, sarampo, etc. ? Observa-se o contrario, porque a dôr, (indicio das pblegmasias locaes) produz-se senão antes ao menos logo que o arripio (signal do estado gcral)==2.°conclusão: a febre puerperal é uma ílegmasia febril. Ha alguma alteração especial do sangue, preparada deantemão na mulher pelo estado deprenbez, ou desenvol-vida subitamente depois do parto, que seja causa essen-cialmente determinante da febre puerperal? Não: as al-terações do sangue, que se notam na parturiente, são tão différentes e variadas, como as de queé susceptível qual-quer individuo, mulher ou homem, e se as ha sempre, nem sempre tomam um caracter pathologico : algumas vezes são ale" salutares, e comtudo a febre puerperal da-se ; nem pdde conceder-da-se ao estado da prenhez uma condição mórbida especial, que determine por uma alte-' ração certa a essencialidade da moléstia, porque os ,phe-nomenos da chloro-anemia, por exemplo, são na puer-pera como os do ferido nas mesmas condições de crase sanguínea; eseo estado puerperal, considerado sem com-plicação, é um estadosemi-pathologico, como diz Bouillaud, não diffère do que se nota nos feridos ou operados ; = 3." conclusão: a febre puerperal é análoga á febre traumatica.

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ra, eu não tratarei das segundas, nem d'ellas fallaria, senão quizesse dizer de passagem que as opiniões geral-mente estabelecidas sobre estes pontos vem a favor dos co-rollarios, que estabeleci na minha dissertação. Os pri-meiros naturalistas teem mostrado que a febre puerperal, não sendo contagiosa de natureza, pôde comtudo tomar esse caracter por influencia de .varias circumstancias ac-cidentaes, sem que ainda assim o contagio era qualquer dos casos destrua o seu caracter inflammatorio, e os pri-meiros práticos affirmam que se não conhece meio al-gum especifico contra ella. O que da minha pequena ob-servação pude colher, quasi nada é.

Durante o meu anno de clinica obstetrícia houveram na enfermaria 129 puerperas, das quaes morreram ape-nas três. A primeira, tendo entrado com uma ascite na enfermaria geral, e passando para a nossa quando o tra-balho do parto principiou, succumbiu 10 horas depois

que pario, revelando a autopsia amollecimento do cére-bro, agua nos ventriculos, no pericárdio, e pleuras ; a segunda, pouco depois que chegou ao hospital falleceu também com ataques eclampticos, de que vinha já acoraet-tida; a terceira, um dia depois que tomamos conta d'el-la, morreu de uma febre puerperal, a que deu origem a raetrite, proveniente da demora do feto morto por uma hemorrhagia placental-, como decidio a autopsia mostran-do bastantes focos apopleticos ; e ninguém duvimostran-dou pelo exame cadavérico de que tinha havido franca inflamma-ção do utero, porque os seus signaes eram irrecusáveis.

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que o digno lente debellou cora os meios antîpblogïsti-cos convenientes. O sr. professor Manoel Maria olhava sempre a febre puerperal como symptoraa da metrite, da péritonite, da metro-peritonite, da phlébite, ovarite, etc., conforme os signaes que o moviam ao diagnostico diffe-rencial ; e combatia-a sempre no seu começo com os an-ti-phlogisticos que mais indicados lhe pareciam, mas não com meios therapeuticos que chamasse especiaes.

Eu vi empregar a ipecacuanha, o sulfato de quinina, o tártaro emético, os calomelanos, o gelo topicamente, todos os meios preconisados emfim, mas sendo única ra-são da escolha a indicação racional, deduzida da forma que apresentava o caso.

Algumas vezes lançava também mão dos antisepticos e dos tónicos, quando a moléstia os reclamava, fundan-do esta therapeutica em dever prevenir-se a deterioração do estado geral das doentes.

A febre puerperal, ainda que desenvolvida por uma phlogose, pôde cair em adynamia ou ataxia, como a fe-bre traumatica, que também procedera de uma inflam-mação ; ambas podem revestir-se de um caracter conta-gioso por circumstancias idênticas, ainda que de sua na-tureza o não haja e se algumas vezes a primeira é pouca intensa, também a segunda pelo mesmo motivo não passa outras tantas de febre ephemera. *

Ao bom ou mau andamento das suas respectivas feri-das está sujeito o organismo da mulher parida e o do

operado, nos accidentes que se lhe podem seguir. Tanto

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tado geral da sua economia ; e em qualquer d'elles a infecção pútrida ou purulenta, ou a pyohemia, pôde re-presentar o mesmo papel ; mas da mesma forma o bom ou mau andamento das feridas está dependente do esta-do orgânico, e disposições especiaes em que se acha o individuo.

Diz Velpau : é mister ter em consideração as' disposi-ções individuates, que fazem (por exemplo) com que em tal individuo as feridas se curem depressa e n'outro de vagar, ou até mesmo senão curem ; estas disposições, continua elle, todo o mundo as admitte, e conhece de-baixo da idéa do que se chama vulgarmente «boa ou má

carmdura»;e com isto responde-se a M. Dubois, quando

pensa achar argumentos a favor da essencialidade da fe-bre puerperal nos casos em que os coágulos do utero não produzem a infecção purulenta, como em outros tem logar.

Em conclusão : não ha febre puerperal essencial ; a reacção pyretica, que as parturientes ou puerperas accu-sam, provém da metrite, da péritonite, ou d'ambas re-unidas ; da phlébite ; da augiolencite; da ovarite; n'uma palavra, da inflammação localisada n'este ou n'aquelle ponto ; d'uma affecção moral, ou qualquer outra rasão similhante ás que se podem dar nos operados.

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PROPOSIÇÕES

Do mau resultado das operações não deve deduzir-se a imperícia do operador.

2."

A profissão tem reconhecida influencia na producção de certas moléstias.

3."

A agua é um dos melhores meios therapeuticos.

4."

0 diagnostico é a parte mais importante para a cura da moléstia.

3."

A separação entre a medicina e a cirurgia é inadmis-sível na pratica.

6.°

A operação cesarianna só deve praticar-se depois de provada a morte da parturiente.

Vista ; pule imprimir-se. Porto 8 de julho de 1863.

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