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Marília Parreiras Maia Siqueira Enfrentamento religioso em situações de sofrimento

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Academic year: 2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Marília Parreiras Maia Siqueira

Enfrentamento religioso em situações de sofrimento

Mestrado em Psicologia Clínica

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Marília Parreiras Maia Siqueira

Enfrentamento religioso em situações de sofrimento

Mestrado em Psicologia Clínica

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Psicologia Clínica sob a orientação da Prof.a. Dra. Marília Ancona-Lopez

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Banca examinadora

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________________________________

________________________________

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Saber Viver

Não sei se a vida é curta Ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos

Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser:

Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, É o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela Não seja nem curta,

Nem longa demais, Mas que seja intensa, Verdadeira, pura… Enquanto durar

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Agradecimentos

Aprendi neste trabalho a reconhecer Deus como aquele “Tu-que-me-fazes”. A Ele minha gratidão e minha eterna dependência.

Ao meu marido Adriano pela sua sabedoria, dedicação e capacidade de me esperar sempre, acompanhando-me com sua delicadeza e compreensão, principalmente em tantos meses de ausência.

Aos meus pais pelo silêncio respeitoso às minhas escolhas, pelo apoio financeiro, pela educação espiritual e capacidade de ofertar-se aos outros.

À minha orientadora Dra. Marília Ancona-Lopez pelo acompanhamento, paciência e compreensão com meu processo acadêmico e pelas importantes escolhas temáticas nas aulas. À Ana, colaboradora desta pesquisa, pela sua generosidade e seu esforço em estar presente nas entrevistas, em meio a tantas dores e, com quem aprendi o valor do sofrimento.

À Marta Iglesias, profunda conhecedora de Victor Frankl, minha formadora em Logoterapia, mulher de ternura, determinação e vibração inigualáveis.

Aos meus amigos do núcleo que estiveram comigo e me surpreenderam com a alegria e a solicitude de sempre cativando-me com suas sinceras amizades.

À Bibi, amiga-suporte nas horas difíceis em São Paulo. À Terezinha, Telma, Rúbia e Ênio, pelo interesse e carinho.

Às meninas da pensão, Marta Moreira, companheira de quarto; Marta Perreti, Leila, Alê, Ana Tereza, pelos passeios, aventuras e encanto de conhecer coisas novas.

Ao amigo teólogo e escritor Dr. Alex Vilas-Boas por tudo que aprendi poeticamente.

Aos meus professores, Dr. Gilberto Safra, Dra. Maria Helena Franco, Dra. Ceres, Dra. Matilde Neder, Dra. Edna Petters e Dr. Edênio Valle, com os quais aprendi a ser mais humana, livre e consciente dos meus dons.

Ao meu supervisor clínico Dr. Ari Rehfeld que me acolheu em suas supervisões semanais e a quem devo minha formação em clínica fenomenológica.

À Profa. Dra. Eloísa Szymanski pelos nossos encontros em seu consultório, estudando fenomenologia e existencialismo, sua acolhida e amor pelo conhecimento provocaram-me a compreender minha missão.

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Ao professor Dr. Lotuffo pelos cursos no Instituto de Psiquiatria de São Paulo e pela solicitude em emprestar seus livros de autores americanos.

À Profa. Fátima, da Sedes Sapientiae pela formação em Gestalt.

Aos meus vizinhos da Rua Curt Nimuendaju, que me fortaleceram a continuar no meu propósito.

Ao padre Vando, capelão da PUC pelos abraços calorosos de pai.

Aos colegas da Pós-graduação de Direito com quem aprendi uma bioética humana e justa. Aos colegas das aulas sobre luto e morte, psico-oncologia, conjugalidade e família, com quem rapidamente fiz amizades, graças à espontaneidade e aconchego.

Aos vibrantes colegas do Núcleo de Psicossomática pela nossa união e solidariedade.

Ao seu Dito, porteiro e recepcionista da PUC. Sua simplicidade, alegria e histórias, contagiavam-me, que bom ouvir seu “bom dia menina!”.

Aos amigos do Anchietanum que proporcionaram-me momentos ricos de presença amiga, festas, brincadeiras e partilha.

Pela oportunidade de ter conhecido Pargament por meio da ANPEPP (Associação Nacional dos Programas de Estudos Pós-Graduados em Psicologia). Ter me aproximado de seu saber levou-me a amadurecer minha concepção entre psicologia e religião aprofundando minha formação humana, acadêmica e religiosa.

À PUC-SP e ao Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica, sem o qual seria inviável a estrutura deste trabalho.

E a todos os amigos que direta ou indiretamente ajudaram na construção deste trabalho.

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Resumo

Maia, Marília P. Siqueira. Enfrentamento religioso em situações de sofrimento. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, 2012.

Este trabalho visa compreender como os pacientes oncológicos enfrentam o sofrimento advindo da enfermidade por meio de sua religiosidade/espiritualidade. A religião é uma condição cultural e é justo pensar que o homem busque a espiritualidade e a religião para encontrar um significado para a vida, para melhorar a saúde e para lidar com a adversidade e a dor. A fé no sagrado e a busca por apoio religioso diante de situações que estão fora do controle pessoal podem dar às pessoas a possibilidade de ir além de suas limitações pessoais, além de serem meios de enfrentamento positivos. No acompanhamento de um paciente oncológico por meio da investigação fenomenológica e humanista concluiu-se que o sofrimento possui um potencial de conquista, criatividade e transformação. O enfrentamento religioso é vivido como uma experiência estrutural, que modula e configura a personalidade e traz alívio e sentido para a vida. O enfrentamento religioso positivo baseado na aceitação, na entrega e na fé é fonte de amadurecimento psíquico, existencial e fator de resiliência.

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Abstrat

Maia, Marília P. Siqueira. Religious coping in situations of distress. Master's thesis. Graduate Program in Clinical Psychology at the Catholic University of São Paulo, SP, 2012.

The report aims at understanding how cancer-stricken patients face suffering as a result of the disease through their religiosity/spirituality. Religion is a cultural issue and it is suitable toponder that man should seek spirituality and religion to be enabled to find the true meaning oflife, improve health and deal with adversity and pain. Faith in sacredness and the search forreligious refuge when faced with situations which are beyond personal control can extend topeople the possibility of going way beyond their personal limits and are mechanisms of positive confrontation. On accompanying a cancer-stricken patient through phenomenological and humanistic investigation it was concluded that suffering possesses thepotential of conquering, creativity and transformation. The religious confrontation is enduredas a structural experience which controls and shapes personality, besides bringing relief and meaning to life. The positive religious confrontation based on acceptance, surrender and faithis the source of psychic and existential maturity and a factor of resilience.

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Sumário

Introdução...

Capítulo 1- O homem... 1.1-“Quem é o homem, então, para pensardes nele?”...

1.2- O homem religioso... 1.2.1- Pressupostos antropológicos e ontológicos...

1.2.2- O sentido da religiosidade... 1.2.3- A relação homem e Deus: a experiência religiosa...

1.3- A questão da fé... 1.4- O homem sofredor...

Capítulo 2- O Enfrentamento...

Capítulo 3- A religião/espiritualidade como forma de enfrentamento: a busca

pelo significado religioso... 3.1- Conceitos de religião e espiritualidade...

3.2- A religião como possibilidade de enfrentamento...

3.3- O enfrentamento religioso espiritual... 3.4- As formas de relação com o sagrado no enfrentamento...

Capítulo 4- Tessitura Metodológica... 4.1- Objetivos... 4.2-O caminho da pesquisa... 4.3- A Pesquisa em fenomenologia...

4.4- O colaborador... 4.5- A entrevista... 4.6- O processo para análise das entrevistas... 4.7- Cuidados éticos...

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Capítulo 5- Ana: compreendendo o enfrentamento religioso/espiritual na

perspectiva fenomenológica... 5.1-A descrição: síntese da entrevista com Ana... 5.2-A redução e a compreensão fenomenológica...

Capítulo 6- Conclusões e Considerações finais...

Referências bibliográficas...

Anexos... 67 67 74

87

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Introdução

Fiz a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores

Cora Coralina

Como uma semente que germina em silêncio e, aguarda seu devir lentamente, processualmente, assim se fez este trabalho. Requereu paciência, atenção e espera para caminhar junto com o fenômeno que pretende compreender. A cada observação, um desapego e uma renúncia. Ajudou-me a fala de Giussani: “para amar a verdade, mais que a si mesmo, para amar a verdade do objeto mais que a imagem que dele fizemos, para ter esta pobreza de espírito [...] é necessário uma ascese” (GIUSSANI, 2009, p. 57).

É um desafio falar de psicologia e religião. Confessar-se uma pessoa religiosa, no contexto científico da psicologia é provocador e exigente. Provocador porque permite vislumbrar a possibilidade de um diálogo entre a fé e a psicologia, ou de forma mais ampla, entre fé e razão.

Em sua Encíclica Fides et Ratio, João Paulo II mostra que as causas profundas das contradições de nosso tempo estão na ruptura entre a fé a razão. Ele demonstra que a fé e a razão “constituem como duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a

contemplação da verdade,”1

A fé não decorre de evidências e não se reduz à racionalidade do conhecimento científico. Mas a fé possui uma racionalidade original, pois está situada na interpretação que o homem dá a sua existência. Desde criança o homem pergunta o porquê das coisas. Esta capacidade de fazer perguntas revela uma estrutura da inteligência produzida para a busca da verdade. (GIUSSANI, 2009; LIBÂNIO, 2004).

o seu encontro não somente é possível, mas necessário para o benefício de ambas.

Considero que a religião é realizada de vivências relacionadas a um sentido teleológico e, portanto, está constituída no tecer de nossa existência, pois, o homem pergunta pelo sentido último. A psicologia, por sua vez, tem como objeto de estudo as experiências e comportamentos humanos. Religião e psicologia são interpenetradas pelo afã básico do

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homem de encontrar sentido.

Ribeiro (2004) relata: “nenhuma ciência está tão próxima da religião quanto a psicologia”. Reconheço esta afirmação em minha história pessoal. Desde pequena, religião e Igreja foram sinônimos de festa, união, alegria e família. Festa do padroeiro, festa da semana santa, do natal, do réveillon. A religião sempre fez parte de minha vida, cunhada sob uma orientação religiosa católica. Minha vida acadêmica em ciências sociais e psicologia, como professora e ministrando cursos religiosos no estado de Minas Gerais deram-me o suporte para conciliar as duas áreas mais importantes da minha vida: a psicologia e a religião.

Na graduação em psicologia entrei em contato com o pensamento fenomenológico existencial e humanista e, posteriormente, com o conceito de “idioma pessoal” apresentado por Safra que me introduziu nas possibilidades do diálogo entre essas duas áreas, preenchendo um vácuo epistemológico e existencial que não encontrei em minha formação clínica anterior.

Minha formação em Análise Existencial e Logoterapia de Victor Frankl moldaram minha visão de homem, até então influenciada por paradigmas deterministas. Frankl ofereceu-me uma visão antropológica integral, um enraizaofereceu-mento na diofereceu-mensão propriaofereceu-mente humana, uma apropriação responsável e livre do meu estado de busca, um poder-ser aberto às possibilidades e sempre tensionado rumo ao sentido.

No mestrado, nas aulas e orientações de Ancona-Lopez compreendi que é possível construir conhecimento considerando a própria experiência. Esse passo, delicado, me fez mergulhar em questões profundas e revisitar a minha história.

Minhas noções de psicologia e religião foram se aprofundando, um conhecimento teórico foi se formando, os horizontes se ampliaram, incluindo, entre outros, novas formas de elaboração da relação com o sagrado, uma nova compreensão da importância da ciência para a religião e um jeito novo de viver a fé e o amadurecer, integralmente.

Um importante momento desse trajeto foi o encontro pessoal com Pargament e o contato com os diferentes estudos da psicologia e da religião desenvolvidos no Brasil. Conhecer as pesquisas de Pargament e compreender sua visão de homem e seus pressupostos teóricos foi essencial para escolhê-lo como a principal referência teórica para esta pesquisa. Encontrei em seus estudos apoio teórico, postura crítica, envolvimento com a dimensão humana, respeito pela diversidade religiosa, descrição minuciosa dos fenômenos estudados, multidisciplinaridade e rigor científico. Estudar e aprofundar sua forma polidimensional e integral de compreender o homem foi essencial para a minha formação.

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exigências ontológicas colocaram-se como a base para dirigir o homem no enfrentamento dos desafios da vida.

Em minha história pessoal, no ano de 2009, devido a um melanoma maligno seguido de três cirurgias, encontrei-me diante de questões existenciais que me atingiram profundamente. A busca de sentido para o sofrimento humano me fez repensar minha história e minha relação com Deus.

Encontrei-me diante de mim mesma, da inexorável dependência e desamparo humano. Sempre busquei em Deus respostas para minhas dúvidas, e não compreendia porque estava acontecendo aquilo comigo, interpelando Deus. Passei por conflitos e lutas espirituais.

Busquei ajuda na psicologia, mas não encontrei no trabalho terapêutico apoio e compreensão para minhas questões religiosas. Mergulhei mais profundamente na minha relação com Deus. Dediquei muito tempo conversando intimamente com Ele. Neste contato, fui restabelecendo minha saúde psíquica, física, espiritual e religiosa. Ainda sigo perguntando, não encontrei todas as respostas, mas aguardo a vida revelá-las ao seu tempo.

A questão que levanto nesta dissertação é: como os pacientes oncológicos enfrentam o sofrimento advindo da enfermidade por meio de sua religiosidade/espiritualidade? Parto da premissa de que a religião e a espiritualidade dão suporte à saúde, estão ligadas a uma melhor qualidade de vida, dão sentido ao sofrimento, promovem estabilidade emocional e autoconhecimento, são redutoras de tensões e moduladoras de comportamento, dão suporte emocional e social, proporcionam crescimento no campo intrapessoal, geram esperança, altruísmo e tolerância. (AMATUZZI, 1999; STROPPA, MOREIRA-ALMEIDA, 2008; PARGAMENT, 1997, 2007, 2010; KOENING, 2007; PANZINI & BANDEIRA, 2001, 2005; ALMEIDA, CHO, AMARO, LOTUFO NETO, F. (2000); DALGALARRONDO, 2008, 2007; SPILKA, 2003; PARGAMENT., KOENING., PERES.,1998; PERES, 2009; VOLCAN, 2003; TEIXEIRA & LEFEVRE, 2008; SAAD & MEDEIROS, 2008).

Entendo que a psicologia é uma ciência e uma profissão que lida com o sofrimento e, portanto, suas contribuições são essenciais para o homem. A vida humana é transpassada pelo sofrimento, ele vem revelar ao homem, de forma radical, o caráter provisório e paradoxal da existência, sua indigência ontológica, a incapacidade de estabelecer-se por conta própria.

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construtiva, ainda são pouco conhecidos. Entendo por enfrentamento construtivo a possibilidade de fazer frente à situação de modo a avançar do plano fático ao plano existencial, isto é, exercer a capacidade humana de transcendência, dirigir-se livremente a algo além dele mesmo.

No hospital, como voluntária, participo de um grupo religioso cristão com pacientes oncológicos. Presencio pessoas com vivências religiosas riquíssimas, e que a partir delas, passam por profundas transformações psíquicas. Testemunham que a partir da experiência de um encontro com Deus, suas vidas mudaram radicalmente, e passaram a mostrar uma atitude mais positiva diante da vida, do tratamento e das dores. Observo os pacientes que chegam e escutam o testemunho de fé e confiança destas pessoas e são revigorados e encorajados a seguir com esperança.

Muitos não aderem aos cultos religiosos, mas são marcados pelas experiências do sagrado em suas vidas. Percebo que, nestes casos, a religião não escraviza nem desequilibra, mas é um meio de estabilização emocional e psíquica, de auto-realização e responsabilização pessoal.

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CAPÍTULO 1

O HOMEM

Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras, planta roseiras e faz doces. Recomeça. Cora Coralina

1.1-“Quem é o homem, então, para pensardes nele?” Salmo 8,4

Concebo o homem como um ser biopsicossocial e espiritual. Amatuzzi (2005) compreende a complexidade da palavra “espírito” a partir de São Tomás de Aquino. A palavra espírito é referida a intelecto o que significa a capacidade humana de conhecer e da qual decorrem todas as outras originalidades do ser humano, como a afetividade, e a liberdade. Para Amatuzzi:

Quando conheço, alguma coisa se faz presente a mim, não apenas fisicamente, mas espiritualmente, intencionalmente. No conhecimento não é o ser natural de uma coisa que é incorporado por aquele que conhece, mas sim o seu ser espiritual. Por mais que o acontecimento se apoie em eventos físicos, ele, em si mesmo, não é um evento físico, é uma relação que deixa o objeto intacto. É uma relação espiritual. (AMATUZZI, 2005, p.121).

Segundo Amatuzzi, o espírito humano se manifesta por uma capacidade nova de penetrar cognitivamente as coisas, o que gera também uma capacidade nova de se relacionar com o mundo e com as pessoas.

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espiritual está acima da facticidade psicofísica: “a dimensão espiritual mostra-se, portanto, como uma dimensão não-determinada, mas, determinante da existência.” (COELHO JUNIOR & MAHFOUD, 2001, p. 3).

Frankl entende o homem como transcendente, ex-sistente, ele sai de si, para além de sua facticidade. À dimensão espiritual ou noética pertencem os fenômenos mais exclusivamente humanos, como a capacidade de amar, de decidir, de aceitar, de descobrir e de realizar valores e significados. Nesta esfera, o homem não é um ser guiado, mas livre e responsável. Ele é capaz de fazer história a partir da facticidade, e de elevar-se além dela:

Ser homem significa ser para além de si mesmo. A essência da existência humana radica na sua autotranscendência. Ser homem significa dirigir-se e ordenar-se a algo ou alguém: entregar-se o homem a uma obra a que se dedica a um homem que ama, ou a Deus, a quem serve (FRANKL, 2003, p. 45).

Para Frankl, “o homem realiza-se na medida em que ele esquece de si.” (FRANKL, 2010, p. 135). Bretones (2007) considera que o homem se torna plenamente si-mesmo quando pratica a “saída existencial”, ou seja, sai de si, de sua imanência para buscar algo fora de si mesmo. Para ele, humanizar-se é um contínuo ir mais além de si mesmo, para que a vida tenha sentido. O sair existencial supõe uma libertação do narcisismo e dos apegos pessoais e sociais para viver a alteridade, o amor, o serviço e a missão.

Para Herrera (2007), ao exercermos a autotranscendência temos uma atitude voluntária de poder-ser-de-outro-modo, para além da facticidade determinística. Por meio do autodistanciamento, proporcionado pela autotranscendência, enfatizamos o que nos constitui, a dimensão do espírito.2

O homem não é determinado para-ser-assim, mas ele pode se determinar, graças à sua dimensão espiritual, que garante a unidade e a totalidade da pessoa humana.

A dimensão espiritual abarca e inclui a dimensão psicofísica e capacita o homem a posicionar-se diante dos estados somatopsíquicos e das circunstâncias sociais.

Frankl vê a pessoa humana como uma unidade e totalidade, que não é nem divisível nem aditível. As dimensões corporais, psíquicas e espirituais são distintas, mas não separáveis. A pessoa não pode ser tomada apenas em um aspecto ou dimensão e, a ela, nada se pode agregar, pois ela se apresenta como um ser completo em sua estrutura ontológica. Assim sendo, para Para Frankl, o ser humano é uma unidade apesar da diversidade.

2 “Há um determinismo na dimensão psicológica e uma liberdade na dimensão noética, a qual, mais

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A unidade antropológica é garantida pela dimensão espiritual, por isso: “no âmbito de cada uma das abordagens científicas, nós lidamos com a diversidade, mas perdemos a unidade do homem, se não for acessada a dimensão noética ou espiritual”. (FRANKL, 2005, p. 40). A unidade da pessoa pressupõe a dimensão espiritual que transcende o aspecto psicofísico. Para o autor a pessoa apenas compreende a si mesma a partir da transcendência.

Para o autor cada ser humano é uma absoluta novidade. Essa afirmação assinala o valor incomensurável da vida humana. Cada pessoa é única e está no mundo, tem a responsabilidade e a liberdade para realizar sua própria missão, seu projeto existencial. A pessoa mesmo é responsável pelo seu próprio existir. Segundo Frankl, responsabilidade é a capacidade de se autodeterminar, de responder a si mesmo, aos outros, e a Deus, através da própria consciência. O valor da irrepetibilidade confere ao homem uma missão: ele é responsável pela realização de sua existência.

Frankl postula que o homem é livre em qualquer situação e: “a sua não-liberdade inclui-se na sua liberdade, assim como a sua impotência na sua força” 3

Temos condicionamentos físicos, psíquicos e sociais, não se trata, portanto, de liberdade de algo, mas sim, de liberdade para algo. A liberdade para algo é a liberdade para a tomada de posição perante todos os condicionamentos, ou seja, o homem é sempre livre para adotar uma postura frente a todas as condições e circunstâncias, seja desistindo, seja aceitando-as ou superando-as. Ele é livre para assumir uma atitude fatalista ou para aprender as lições que o destino lhe interpõe. Quando o homem encontra sentido em seu destino, ele o integra na estrutura histórica e biográfica de sua vida. Para isso é necessário assumir a responsabilidade do que é feito de si mesmo. (FRANKL, 2003).

(FRANKL, 1978, p. 159). Ele considera que a liberdade humana se exerce ante as pulsões e a facticidade, entretanto, na maioria das vezes, o homem desiste dela, voluntariamente. O ser humano que parece não ser livre renunciou livremente à sua liberdade, deixou-se conduzir.

O autor é bastante explícito ao dizer que o homem cria seu mundo e determina quem ele é. Devido à sua abertura ontológica de ser livre e responsável, ele é ser-no-mundo-que-decide.

Frankl (2010, 2003) postula também que o homem é um ser de busca. Ele possui a capacidade originária de buscar, encontrar e realizar sentidos. A busca de sentido não é gerada no âmbito psíquico, ou biológico, mas no espírito. O homem é orientado, intencionalmente, pela vontade de sentido. Isto significa que os impulsos instintivos são derivações da primeira

3

Aqui, Frankl compreende a liberdade e a responsabilidade em uma dimensão ontológica, e não ôntica, vê estes

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preocupação do homem, isto é, sua vontade de sentido. O homem é atraído pelo sentido, há nele o afã básico de encontrar e realizar um sentido e um propósito. A vontade de sentido expressa algo inerente ao ser humano, a busca da felicidade.

Vislumbrar um sentido é gerar uma força motivadora e propulsora que dá ao homem a capacidade para suportar o sofrimento e se manter saudável psicologicamente, mesmo em situações trágicas. É uma tensão fecunda entre aquilo que já se alcançou e aquilo que ainda deva alcançar, ou seja, a tensão entre o ser e o dever-ser. O estado de tensão é o estado de busca, de confronto com a realidade, com algo a realizar.

1.2- O homem religioso

1.2.1- Pressupostos antropológicos e ontológicos

Ao regressar dos campos de concentração, Frankl conheceu um jovem ateu decepcionado com os estragos e crueldades da guerra que indagava: “como poderia crer em Deus? Não consigo aceitar que existam Deus, espírito e alma. Não poderia ver mesmo com a ajuda de um microscópio.” Frankl perguntou-lhe o que o induzia a essa busca da alma, e o jovem respondeu que era o seu desejo de descobrir a verdade. “E este desejo seria visível através de um microscópio?”“É lógico que não” admitiu o jovem,” já que o meu desejo é de natureza mental, e os fenômenos mentais não podem ser vistos através de um microscópio.” “Ah”, disse Frankl, “em outras palavras, o que você buscava com a ajuda de um microscópio é a condição de sua busca, e algo que sempre pressupôs existir”. (FABRY, 1984, p. 99).

Para Frankl (2003), participamos do sentido último, mediante a busca do sentido das situações de nossas vidas individuais.

Experiências do belo, da verdade, do amor, da musicalidade, experiências afetivo-sexuais marcantes podem levar o homem a descobrir possibilidades, oportunidades e tarefas que preenchem sua existência.

Otto (1987)4

4OTTO. Rudolf. Il Sacro. L’irrazionale nell’idea Del divino e La sua relazione AL razionale, Milano, Feltrinelli,

1987,114.

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emana delas, elas são apenas seu próprio meio. Ele pressupõe que há na alma uma aptidão para assinalar e reconhecer o Sagrado.

Também para Scheler (1972)5

Giussani (2009) discorre que não há nada mais adequado à natureza do homem do que ele ser possuído por uma dependência original. Sua natureza é a de ser criado e ele é maduro quando se descobre dependente.

o homem está orientado para Deus porque não pode abster-se da tendência para o Absoluto. Ele busca na experiência religiosa o centro e o sentido da própria existência, na tensão para uma realidade irredutível a si mesmo.

Buber (2008) afirma que o homem se relaciona com o mundo, com os outros e com Deus. Para Buber, não basta para o homem conhecer a Deus, mas estar em comunhão com Ele. Buber, em sua filosofia do diálogo, distingue a relação entre o EU e o TU da relação EU e o ISSO. Para o autor, no primeiro caso, há uma relação, no segundo há apenas relacionamento. Para ele, o ISSO é o mundo das experiências, dos conteúdos, das vivências subjetivas, preso à temporalidade. A relação EU e TU para Buber é a relação “perfeita”, implica totalidade e, nela, o essencial é vivido na presença do Espírito de Deus:

Entrar na relação pura não significa prescindir de tudo, mas sim ver tudo no tu, não é renunciar ao mundo, mas em proporcionar-lhe fundamentação [...] Nada abandonar, ao contrário, incluir tudo, o mundo na sua totalidade no Tu, atribuir ao mundo o seu direito e sua verdade, não compreender nada fora de Deus, mas apreender tudo nele, isto é a relação perfeita. (BUBER, 2008 p.92)

Para Buber, em cada tu, em cada revelação no mundo, é possível descortinar a presença do Tu Eterno. Aquele que é capaz de ouvir Deus se manifestandonas ações humanas e nas obras criadas alcançou o estágio no qual a totalidade do mundo se entrelaça com a presença de Deus. Buber especifica a relação Eu e Tu divino através de sua compreensão de que Deus é presença e, dessa forma, se coloca diante de Deus o tempo todo: “para isto há uma frase: coloco Deus diante de mim o tempo todo. Com a presença eterna, a presentividade eterna de Deus, o homem está entrando em relação, vezes sem conta, com esta presença eterna.” (BUBER, 2008, p.47)

5 SCHELER, M. La fenomenologia essenziale della religione, in Id.; L’eterno nell’uomo, Milano, Fratelli Fabbri,

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1.2.2- O sentido da religiosidade

Para Giussani é a dimensão religiosa que coloca a exigência do significado. Somente em uma dimensão religiosa é possível “intuir toda a dinâmica estrutural da razão”. (GIUSSANI, 2009, p. 152). O senso religioso, de acordo com Giussani, representa a natureza do eu e se exprime por meio de perguntas inexauríveis, exigências sobre o significado de tudo da existência, sobre o porquê da dor, da morte e da vida. Ele diz que o senso religioso: “coincide com aquele compromisso radical do nosso eu com a vida, que se mostra nessas perguntas.” (GIUSSANI, 2009, p. 73)

Frankl (2003), pergunta: “não teremos nós que admitir que, acima do mundo humano, inacessível ao homem, existe um outro mundo, e cujo sentido e suprassentido seja o único capaz de dar sentido aos seus sofrimentos?” (FRANKL, 2003, p. 64). Aqui Frankl realiza uma analogia entre a relação do mundo dos animais e o mundo humano e esse em relação ao supramundo. Ele toma o exemplo do cão que sofrendo uma dor, levanta o olhar para seu dono, cheio de confiança. Ele não conhece o sentido da dor, mas “crê” na medida em que confia em seu dono, além de “amá-lo”. Assim como na confiança do animal com seu dono, acontece com o ser humano. A fé em um suprassentido, segundo Frankl, torna o homem mais forte. Esse suprassentido excede e ultrapassa a capacidade intelectiva do homem.

Frankl (2003) explica que o homo religiosus vive a vida como uma missão que lhe é conferida, como um mandato a ser cumprido. A vida do homem religioso transparece a presença daquele que lhes confere a missão. A experiência religiosa é importante na busca do sentido da vida, de maneira que o homem religioso assume o risco de se permitir ser conduzido por um Tu, por meio de sua consciência: “no colóquio com a sua consciência

essa conversação mais íntima que se dá a sós consigo mesmo – o seu Deus é o interlocutor que o acompanha” (FRANKL, 2003, p. 97).

Segundo Frankl a consciência é um fenômeno que transcende a condição humana, ou seja, “não se pode conceber o fenômeno da consciência apenas nasua facticidade psicofísica, [...] mas quando minha consciência for mais do que eu, quando for porta-voz de algo distinto de mim”. (FRANKL, 2003, p. 40)

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[...] este relacionamento com o transcendente acontece mesmo que não possa ser percebido de maneira consciente, ou seja, é uma ligação intencional com o transcendente ainda que vivida inconscientemente. Assim, o relacionamento com o transcendente revela-se como uma característica humana, ontológica. (COELHO JUNIOR & MAHFOUD, 2001, p. 9).

Nessa perspectiva há um diálogo em que o transcendente é considerado como um “TU”- Deus, seu “interlocutor”.

Nesta inter-relação entre a fé em um suprassentido e o sentido da religiosidade concebe-se o homem como ser de busca, e porque busca (dimensão espiritual), deixa-se conduzir (dimensão religiosa).

Safra (2006, 2005) concebe o ser humano como fundamentalmente aberto para o existente, caminhante para um telos, um futuro sempre transcendente, na busca pelo sentido, que é realizado na presença de um outro:“em direção a alguém no profundo anseio de realização de uma potencialidade de si mesmo [...] pressente-se o futuro de si no Outro”. (SAFRA, 2006, p. 109). Também para ele, a transcendência, é um aspecto constitutivo fundamental do ser humano.

De acordo com Safra, o sentido de religiosidade encontra suas representações e significações no idioma pessoal. O ser humano sonha com a resposta, jamais respondida, à suas questões: “sonha o fim último”. O telos delineia uma utopia, uma concepção do absoluto, de um ente divino peculiar a uma determinada pessoa. Segundo o autor, o ser humano cria concepções do divino, que podem não ser necessariamente abarcadas e expressas por meio de uma religião. Ele diz que a pessoa formula uma ontologia e uma teleologia sobre o mundo e sobre si mesma. De forma inconsciente subjaz na teleologia uma concepção teológica. A ontologia e a teologia são princípios nos quais se assentam as significações que compõem o idioma pessoal. (SAFRA, 2004).

Em uma perspectiva que busca aproximar as etapas de desenvolvimento psicológico e social do indivíduo e sua religiosidade, Allport (1966, 1970) divisa duas formas opostas de religiosidade. Para ele, os sentimentos religiosos da maioria das pessoas são imaturos, remanescentes da infância. São construções egocentradas nas quais os indivíduos adotam uma divindade para ajudá-los em seus interesses imediatos. Nesse aspecto a religião é um instrumento de manutenção da autoestima que tem uma função utilitarista e incidental. Para Allport, esse modo de viver a religiosidade divide, exclui, dá margem a preconceitos e ódios e nega os critérios de maturidade.

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personalidade amadurecida, que superou os estágios infantis e os integrou. Esta religiosidade adulta tende a comportamentos de autoaceitação, de tolerância à frustração e implica em bom humor, segurança emocional, percepção não-fantasiosa do cotidiano e formação de uma filosofia unificadora de vida. Portanto, para ele, a saúde mental é facilitada por uma orientação religiosa intrínseca.

1.2.3- A relação homem e Deus: a experiência religiosa

Amatuzzi diz que o caminho para encontrar o sentido “é o da experiência em si mesma, independente dos juízos de realidade ou de valor que espontaneamente somos levados a fazer”. (AMATUZZI, 2009, p. 3)

De acordo com Giussani (2009), a experiência recupera o especificamente humano e sua realidade. Ao deixar a experiência emergir, descobrimos a urgência do próprio desejo, da busca, da afirmação da vida, das exigências do ser.

Mahfoud (2005) considera que devemos dar atenção à experiência para descobrir-lhe o sentido, sem nos basearmos, somente, nas sensações, emoções e sentimentos. Ele considera a importância de emitir juízos a respeito daquilo que se experimenta, ou seja, avaliar a experiência. O critério para essa avaliação é imanente, algo que nos é dado junto com a natureza e que corresponde a uma Experiência Elementar. Para ele, somos exigências de bem, de beleza, de justiça, de verdade. Podemos também reconhecer as exigências de cuidado e as evidências de unidade que estão no cerne da experiência da dor humana. A dor humana é uma expressão da exigência, de um bem exigido que abre espaço para que a pessoa possa posicionar-se e para que algo de novo se estabeleça.

Segundo Mahfoud, a psicologia deve reconsiderar o valor da experiência, a fim de efetuar um trabalho que possibilite uma realização pessoal. Aceitar que temos exigências radicais que expressam nosso ser, que nos direcionam no enfrentamento dos desafios, tocá-las para reconhecer a dinâmica própria da pessoa. Sem esse reconhecimento perdemos a unidade que nos é dada pela experiência. (MAFHOUD, 2005).

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1- Experiência religiosa como conhecimento intuitivo, estável e habitualmente acessível a uma realidade sobrenatural que, entendemos como inerente ao mundo e/ou à vida pessoal e como um mistério que transparece na experiência. Esta experiência advém de um poder dinâmico presente em tudo que se vive, uma realidade misteriosa, onipresente, que se mostra na vida e com a qual se mantém uma relação personalizada. Trata-se de uma experiência do sagrado.

2- Outra modalidade da experiência religiosa possui o caráter de uma descoberta iluminadora e intensamente emocional. Trata-se de uma “compreensão profundamente afetiva de uma realidade sobrenatural que se desvenda na sua novidade, surpreende o sujeito, o interpela na sua existência pessoal e o transforma, momentaneamente ou duravelmente” (VERGOTE, 1983, p, 116). Para esse autor, é uma experiência que fazemos de uma realidade, de uma presença, da ação miraculosamente pontual ou pessoalmente salvífica de Deus ou de um ser sobrenatural. Essa experiência tem o caráter de um acontecimento carregado de sentido.

3- Em outra modalidade da experiência religiosa, o conhecimento do eu é fruto de um contato pessoal e prolongado com Deus no qual a pessoa se engaja. O autor se refere a ela assim:

[...] aquele que atravessou as dúvidas e os conflitos religiosos e que fez o trabalho de purificar sua fé em resposta à invocação da mensagem religiosa pode dizer que ele tem experiência da fé e de Deus. Ou aquele que praticou a oração e conhece as alegrias e os benefícios tão bem quanto os aborrecimentos, as ilusões e as provações, pode dizer que ele tem a experiência da oração. (VERGOTE, 1983, p. 118).

Na experiência religiosa assim entendida, a vida com o Outro é o intermédio pelo qual se adquire um conhecimento iluminado e íntimo. A duração da ligação, sustentada através das vicissitudes da vida, confere a essa experiência a estabilidade de um conhecimento que ultrapassa as aparências e as impressões parciais e fugitivas.

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5- Para Vergote a quinta modalidade da experiência religiosa, não pode ser explicada pelas leis que regem o psiquismo. Trata-se de fenômenos como visões, revelações privadas, audições e até contato sensível, que não são, segundo o autor, necessariamente, sintomas psicóticos.

A experiência religiosa contém o aspecto emocional e levou alguns autores a enfatizá-la. De acordo com Frankl (1978) a emoção possui um caráter psicológico, cognitivo e ontológico. Quando se trata de um valor ou sentido, ou da própria relação com Deus, a emoção tem um registro ontológico, não somente psicológico: “emoção não é considerada no sentido psicológico de uma facticidade, mas no sentido ontológico” (FRANKL, 1978, p. 138). Esse sentido ontológico é justificado pelo autor, pelo fato de que no fundo de nosso ser há uma aspiração tão irresistível, que não pode ser referida senão a Deus. Essa aspiração tem relevância metafísica e uma dignidade ontológica.

Para Frankl (1978), “existe algo acima da razão”, o que é expresso poeticamente por Pascal na frase: “o coração tem razões que a razão desconhece”6

Segundo Vergote (1983), a experiência religiosa se realiza na intimidade privada, e a linguagem em que ela se exprime se expressa na e pela afetividade, como por exemplo, sentimentos de alegria e de terror que são qualidades de um contato que é sentido. Para ele, a interioridade afetiva não é a medida da experiência religiosa, mas, não nega a sua função, tanto nesta experiência quanto nas outras nas quais o homem está implicado.

; trata-se de uma “profunda sabedoria do coração”; “inconsciente, irrefletida e não intelectualizada” (FRANKL, 1978, p. 266), fonte de um espírito entregue e confiante em uma emocionalidade e sentido mais amplo e mais profundo. Assim, na experiência religiosa, a razão não é sacrificada, mas “elevada ao nível de um valor absoluto” (FRANKL, 1978, p. 267).

James (2006) concebe as variedades da experiência religiosa a partir do componente emocional e não somente o intelectivo:

O homem que vive em seu centro religioso de energia e lhe impulsiona entusiasmo espiritual, difere de seu eu carnal anterior, de uma forma perfeitamente definida. O novo ardor que incendeia seu peito consome com seu fulgor as inibições inferiores que antes lhe perseguiam e o imuniza da porção vil de sua natureza. A magnanimidade antes impossível, agora parece fácil, os condicionamentos insignificantes e os vis interesses, antes tirânicos, agora não o subjugam. O muro de pedra de seu interior se há derrubado. [...] Se choramos, então parece como se nossas lágrimas brotassem de um manancial interior, deixamos que os velhos vícios e as traves morais

6 Pensées-Blaise Pascal

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fluíssem, deixando-nos limpos e com o coração suave e abertos a toda iniciativa. (JAMES, 2006, p.12)

James conclui que as experiências religiosas contêm emoções poderosas e podem transformar por completo a vida de uma pessoa. A isso ele chama de conversão. Um movimento profundo, que abala e redireciona as forças vitais colocando o indivíduo em “estado de graça” ou de “santidade”. Esse “estado de graça” se dá pelo ato de fé. Para James, crer em Deus é sentir, experienciar que Ele existe para o sujeito, independentemente de qualquer referência doutrinal.

Merlin (1992) assinala que o sentimento é a base de toda a vida religiosa. Não se trata de uma simples emoção afetiva, mas uma emotividade mística, mais imediata de que qualquer conhecimento intelectual. O cerne dessa experiência é a intuição do universo, do Uno, do Todo. A experiência religiosa é, para ele, uma captação do infinito divino, do eterno no mortal e esta intuição se dá em um sentimento espontâneo, pessoal.

Johnson (1959) assinala a esperança que advém da experiência religiosa. Ele nomeia o objeto religioso do crente como “Sustentador de Valores” que age para o bem comum e fornece ao crente a esperança que caracteriza a experiência religiosa. Essa esperança é uma construção emocional forte que dá ao crente mais estabilidade e integração para uma vida mais efetiva. Na experiência religiosa, verdade e amor expulsam o medo e o desespero, transformando emoções destrutivas em energias de harmonia, confiança e paz. As emoções advindas da experiência religiosa reverberam através de toda a vida e afetam as ações e as decisões. Portanto, a religiosidade influencia nas emoções das pessoas, servindo de suporte e de controle diante do estresse.

1.3 - A questão da fé

A fé é um fenômeno humano. Por meio da fé podemos vislumbrar o sentido. Fowler (1992) considera que a fé abrange e unifica todas as funções pessoais, além de estar ativamente comprometida com a modelação da vida. Ao dizer isso, ele estabelece o padrão relacional da fé, isto é, sempre haverá um outro na fé, “eu confio em”.

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as crenças dos pais. Dessa forma, ela apreende uma estrutura de sentido e começa a formar imagens dos valores e do poder que animam a fé dos pais. Nesse sentido, a fé segue um padrão pactual relacional com a história familiar e com a sociedade.

Para Fowler, valorizamos aquilo que nos parece ser de valor transcendente e apreendemos esses valores com aqueles que se comprometem conosco. Quando colocamos nosso coração nas pessoas, causas, instituições ou deuses, é porque o outro com quem nos comprometemos, têm para nós valores intrínsecos, “divinos” que nos conferem sentido, dignidade e parece nos sustentar.

Isto significa que nosso comprometimento e confiança moldam a nossa identidade e nos tornamos parte daquilo que amamos e confiamos. Isto se dá de forma dinâmica e processual. A fé é um processo imaginativo, ou seja, ela apreende as condições últimas de nossa existência, unificando-as em uma imagem abrangente à luz da qual modelamos as nossas ações. Dessa forma, a fé é um modo ativo de conhecer e de compor um senso ou imagem sentida da nossa condição, unificando as várias funções da pessoa.

Ao anunciar que a fé é um modo ativo de conhecer, se estabelece uma ligação entre fé e conhecimento, ou seja, estamos falando da razão7

Ela é uma necessidade antropológica de conhecer, amar, esperar, desejar e querer. Estes atos ultrapassam a racionalidade puramente verificativa, vão além da razão, mas não contra ela.

, do lado racional da fé. A racionalidade é uma questão intrínseca à própria fé. Segundo Libânio (2004), a fé não se reduz ao intelecto, mas o implica em sua estrutura.

A fé tem uma dimensão sobrenatural ou “ordem sobrenatural” (LIBÂNIO, 2004). Nesta ordem, está o apelo de Deus a uma comunhão de amor com Ele. Assim, o ato de fé não é feito sem a graça. Na ordem sobrenatural deste ato estão envolvidos a liberdade humana e a graça divina. A graça permite que as pessoas percebam sinais externos ou internos da revelação divina, potencializa a razão liberando-a para possibilidades mais altas.

A graça divina eleva sobrenaturalmente a própria estrutura do ato intelectivo-volitivo, isto é, a graça divina, afeta psiquicamente a estrutura da consciência, do intelecto. A graça é ressonante na consciência da pessoa que crê em Deus.

Para Libânio (2004), ela possui uma função iluminadora, que se acrescenta à força natural do intelecto. Essa função iluminadora eleva o intelecto e o torna apto para dar seu

7 A razão aqui apresentada se refere à razão vital, que deriva do ser, consubstancial ao ser, comprometida com a

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assentimento a Deus, transcendendo sua própria verdade para se firmar unicamente na Verdade Primeira. Dessa forma, o homem se une ao conhecimento de Deus e dele participa.

1.4- O Homem Sofredor

Para Frankl (2003), a vida humana não pode ser pensada, sem a dimensão do sofrimento. O sofrimento é parte constitutiva do nosso modo humano de existir e está inscrito radicalmente em nosso ser. Ele está presente no corpo, em forma de padecimentos físicos, temporais ou crônicos; no psicológico em forma de padecimentos emocionais neuróticos, não neuróticos e psicóticos; na dimensão social como na forma de pobreza, desintegração familiar, racismo, marginalização, intolerância e dependências das mais variadas; como também, está presente nas questões ambientais, em forma de catástrofes.

Na antropologia do sofrimento, aqui abordada, o sofrimento é visto em seu processo existencial, um acontecimento vital que propõe ao homem buscar um sentido, ser interpelado a dar uma resposta. O homem que padece, não é visto de forma estática, passivo, frente ao seu destino, mas ávido de dinamismo, orientado para uma telefinalidade, um fim. Isso supõe ver o homem como ser-sendo, inacabado, livre em face do seu destino, condicionado, mas não determinado, aberto ao seu devir, sendo que o sofrimento é parte constituinte de seu processo vital.

O sofrimento é pathos, ou seja, sofrimento do homem que busca um sentido, que aguarda uma epifania, uma manifestação, um sofrimento lotado de esperança e de promessa. Uma busca por sentido que cria uma tensão fecunda e que aciona um posicionamento do homem. No pathos, o homem descobre-se em sua dinâmica fundamental e elementar, apreende suas exigências de ser que o provocam a uma atitude que o faz “ousar a sofrer”.

O pathos gera moções e faz o homem vislumbrar novas configurações diante de seu destino. O homo patiens é “o homem que sofre que sabe como sofrer, como transformar seus sofrimentos em uma conquista humana”. (FRANKL, 2005, p. 35)

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Safra (2003, 2004, 2005), considera que no adoecimento ocorre o falseamento da condição humana, o indivíduo entra em uma experiência de mesmice, de repetição, de ausência de sentido. No sofrimento, a pessoa abre-se ao seu devir e se coloca em marcha. O sofrimento revela os aspectos fundamentais, ontológicos da condição humana. É a possibilidade de a pessoa viver uma passagem, destinar-se em uma experiência que se integra à constituição do sentido de sua vida. Vislumbrar um sentido para a existência é se “assentar na esperança”, é ter um horizonte, um futuro que se descortine, e que uma vez estabelecido, ressignifique tudo à sua volta.

O sofrimento revela a condição humana, com o qual o homem se coloca em marcha. A capacidade de sofrer é a capacidade do homem de ser afetado pelo seu destino, ou seja, pela sua própria condição de existência. (SAFRA, 2003, 2004, 2005).

Mahfoud (2005) afirma que não há nada mais essencial que nossa exigência de ser. Todo dinamismo propriamente humano se estabelece e se funda nas exigências de ser. Há nos sentimentos que emanam do sofrimento humano uma expressão de exigência de afirmação de sentido: “porque a gente não aprofunda a tristeza pela tristeza, mas aprofunda para chegar a identificar qual é o bem ausente, qual é a urgência de bem que está ali na tristeza” (MAHFOUD, 2005).

Essas exigências não são construídas pelo homem, mas dadas e, se faz necessário, reconhecê-las para identificar o bem que está ali, e que emerge no sofrimento. Ao vivenciarmos uma dor, ou sofrimento, devemos nos aprofundar nesta experiência, deixar que ela emerja até apreendermos a exigência ali contida, identificarmos qual é a urgência de bem que ali está.

Frankl (2003), sobrevivente de quatro campos de concentração nazista, diz que o sofrimento tem sentido e salva o homem da apatia e da rigidez da alma. Para ele o sofrimento só tem sentido quando se padece “por causa de”. Aceitar o sofrimento é uma forma de enfrentá-lo, é transcendê-lo: “Ao aceitá-lo, não só o enfrentamos, mas através do sofrimento buscamos algo que não se identifica com ele: transcendemos o sofrimento”. (FRANKL, 1978, p. 125).

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seu limitado ser, projetando-lhe para si mesmo, fazendo que se tome a si próprio com a mais importante das tarefas”. (LORENTE, 2007). Nesse sentido, a dor desperta e agiliza a consciência, fazendo-a penetrante e sutil. A dor é o “banco de provas” da existência humana.

Frankl ao comentar que o homem sofredor assume o sofrimento, refere-se a uma forma de enfrentamento, a uma forma de ter postura diante do destino. Ele se posiciona diante das situações limites, imutáveis e sabe que estas situações impostas são as que mais transformam a vida do homem. Essas situações extremas, não controláveis, fazem com que o homem alcance a liberdade interior, além de ajudá-lo a conseguir a maturidade plena.

As situações extremas são oportunidades para o homem exercer sua liberdade espiritual e tomar atitude perante um destino imutável. Diante da inexorabilidade do destino, não há nada a não ser aceitá-lo.

Herrera (2007) adita que a aceitação do sofrimento permite ao ser humano avançar para um mundo silencioso e profundo de crescimento e realizações interiores, no silêncio ante aquele ser, que para Frankl, é Deus: “o companheiro íntimo dos diálogos mais íntimos”. A abertura do ser humano, graças à transcendência, permite a possibilidade de que Deus se comunique com o ser humano gratuitamente e este responda, se estabelecendo dessa forma, uma relação interpessoal.

Para compreender melhor o homem sofredor, Frankl o compara com o homo sapiens e

o homo faber. O homo faber é o homem produtor, construtor, que prioriza as realizações

pessoais, é ativo, chega ao sentido de sua vida produzindo. Frente ao homo faber o homo patiens é um absurdo, um escândalo, pois ele não suporta o sofrimento, não tira nenhum proveito, não há enfrentamento e ele tenta escapar da dor obsessivamente. Lorente adita: “uma pessoa assim como pode suportar a vida, quando a causa do sofrimento que experimenta, não lhe concede a possibilidade de tomar as rédeas de seu próprio destino? Parece óbvio que o homo faber se desespere ante seu sofrimento.” (LORENTE, 2007). 8

O homo sapiens é aquele que resolve tudo pela razão. Seus ídolos são a atividade e a racionalidade. Ele vive na ilusão de que, com a ajuda da razão e da ação, o sofrimento, o mal e a morte vão desaparecer do mundo. Esqueceu-se de que a existência humana não é somente ratio, mas patiens, que a razão e a ciência estão a serviço do homem.

Em contraposição com essas configurações humanas, o homem sofredor sabe como transformar seus sofrimentos em uma conquista humana. Ele não se desespera diante da dor porque se realiza por meio de um sentido.

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CAPÍTULO 2

O ENFRENTAMENTO

Nasci em tempos rudes Aceitei contradições lutas e pedras como lições de vida E delas me sirvo Aprendi a viver

Cora Coralina

Uma vasta literatura9

Lazarus e Folkman (1984) afirmam que o enfrentamento é um processo orientado que se refere a esforços pessoais de constantes mudanças. Esses autores reconhecem que os pensamentos e comportamentos de enfrentamento se modificam no transcorrer do desenvolvimento da interação indivíduo e de seu contexto. Atribuem às modificações nos pensamentos e comportamentos de enfrentamento às mudanças do contexto ou às modificações nas avaliações cognitivo-afetivas efetuadas pelo indivíduo diante do contexto situacional.

foi gerada na tentativa de delinear estratégias de enfrentamento de problemas que confrontam os seres humanos. De acordo com Lazarus e Folkman (1984) as abordagens tradicionais de enfrentamento emergiram de duas literaturas separadas e distintas: a experimentação animal e a psicologia do ego na perspectiva psicanalítica.

Pargament (1997) apresenta conceitos de diferentes autores sobre o enfrentamento.

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• “Todo mecanismo utilizado por um indivíduo para conhecer o significado das ameaças à sua estabilidade psicológica e para permitir efetivo funcionamento do organismo”. (FRIEDMAN, CHODOFF, MASON, & HAMBURG, 1993, p. 616).

• “Dispositivo de regulamentação normal para as emergências de cada dia.” (MENNINGER, 1963, p. 146).

• “Propósito, escolha, flexibilidade, aderência para realidades intersubjetivas e lógicas, permite e aumenta as expressões afetivas”. (HAAN, 1977, p. 34).

• “Algum tipo de resposta que serve para prevenir, evitar, controlar distress emocional” (PEARLIN & SCHOOLER, 1978, p. 3).

• Esforços cognitivos e comportamentais constantemente transformáveis para conduzir demandas específicas internas e/ou externas que são avaliadas como sobrecarga ou excedendo os recursos da pessoa (LAZARUS & FOLKMAN, 1984, p. 141)

• “Comportamentos que são empregados para o propósito de reduzir tensão em face de estressores” (HOBFOOL, 1988, p. 16).

• “Processo de busca por significado em tempos de estresse.” (PARGAMENT, 1997, p. 90).

Para Pargament (1997), o enfrentamento é um processo de busca por significação. O conceito de enfrentamento, está relacionado a duas forças históricas: externas e internas. A força histórica externa refere-se às mudanças culturais que, no mundo ocidental, tornam a vida individual instável, imprevisível e estressante. A força interna relaciona-se às respostas humanas ao estresse. Estas respostas costumam ser vistas através de quatro perspectivas:

1- perspectiva de resposta intrapsíquica, de orientação psicanalista, que focaliza os mecanismos de defesa do ego;

2- perspectiva de resposta fisiológica, estudada por Selye (1976), que analisa respostas do organismo de reação de alarme, fase de resistência e fase de exaustão.

3- perspectiva de resposta psicológica que focaliza sintomas de irritabilidade, desordens do sono, ansiedade, depressão e transtornos psicossomáticos;

4- perspectiva de resposta social querelaciona a deteriorização social com altas taxas de crimes, saúde precária e desordens mentais.

Para estudar o enfrentamento é preciso, inicialmente, entender que as pessoas não são simplesmente determinadas por suas condições intrapsíquicas, biológicas, psicológicas e sociais.

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A quarta qualidade assinalada por Pargament, e a principal, é a visão do enfrentamento como possibilidade e escolha. Possibilidade significa que um problema pode ser antecipado, prevenido ou solucionado ou que alguma coisa boa pode ser encontrada mesmo em tempo de dificuldades, mas há também a possibilidade das dificuldades levarem ao desespero.

Pargament afirma que “a resposta para a crise não é totalmente determinada, é, pelo

menos, parcialmente escolhida” 10

Pargament (1997) afirma ainda que, o enfrentamento é um processo, portanto é variado e fluido, ele evolui e muda com o tempo. Dessa forma, nenhum modelo linear poderá capturar totalmente esse processo, o que faz com que ele exija a necessidade de abordagens dinâmicas para ser compreendido.

(PARGAMENT, 1997, p. 87). Isso significa que as pessoas nem sempre estão conscientes de suas escolhas, que nem todo enfrentamento é totalmente consciente, que algumas formas de lidar com os estressores podem ser aprendidas e outras, envolvem poucos processos conscientes. O fato é que o conceito de enfrentamento personifica a apreciação da capacidade de tomada de decisão pró-ativa e consciente em situações estressantes. Em um contexto geral, o conceito de enfrentamento, para Pargament, rejeita a noção de um determinismo psíquico e social.

O processo de enfrentamento está envolvido com a busca por significação e, Pargament (1997), acredita que as pessoas ao lidarem com eventos estressantes ou traumáticos, não estão totalmente indefesas nesta busca, pois possuem um sistema de orientação, uma estrutura geral de referência para lidar com momentos difíceis.

O sistema de orientação é uma maneira geral que temos de ver e lidar com o mundo. Ele consiste em hábitos, valores, relacionamentos, crenças generalizadas e personalidade. O sistema de orientação é uma estrutura de referência, uma moldura de si mesmo e do mundo que é usado para antecipar e trazer a termo os eventos da vida. Dependendo da característica desse sistema, pode ser um auxílio ou obstáculo no processo de enfrentamento, pois os sistemas de orientação não são feitos apenas de recursos que auxiliam, mas também de atributos inúteis. O sistema de orientação também é formado por qualidades cujos valores variam de situação para situação.

Para Pargament (1997), as pessoas procuram significado através de dois mecanismos que orientam o processo de enfrentamento: conservação e transformação de significados.

10 Pargament faz esta citação ao referir aos mecanismos de defesa preconizados por Freud os quais são

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Eles representam o esforço do indivíduo para mudar ou para reter os significados, e estes esforços podem, ou não, ter sucesso no processo de enfrentamento.

O mecanismo de conservação é frequentemente a tendência inicial no enfrentamento e reflete a tendência básica humana para conservar significados. Quando uma situação apresenta um objeto significativo para uma pessoa, em risco, a primeira resposta é a tentativa de colocá-lo em segurança. As pessoas tentam conservar a significação até nas maiores condições de ameaças. Elas persistem na tentativa de proteger seus valores mesmo em situações desesperadoras, e isto pode dizer algo sobre a profundidade destes valores e sobre a tenacidade do espírito humano.

O mecanismo de transformação acontece quando os velhos hábitos e crenças não são mais suficientes para manter o significado. Esse processo pode ser doloroso, pois a mudança pode levar à ansiedade e ao descontentamento. Mas, em determinados momentos da vida, a busca por significado requer transformação de significado ao invés de sua conservação. As formas de transformação requerem um abandono de velhos valores e a descoberta de novos. Os esforços para transformá-los podem ser criativos, produtivos e até mesmo heróicos. Mas, nem todas as tentativas de transformação são construtivas. Algumas não resultam em mudanças e outras conduzem a derrotas.

Há estratégias de resistências ao sofrimento que se inserem no enfrentamento. Para Spilka et al, (2003), a avaliação cognitiva que fazemos dos fatos é um dos passos iniciais no processo de enfrentamento. Ela tem como referência o bem-estar do indivíduo. Os eventos tornam-se mais estressantes quando atingem o centro de valores pessoais. As pessoas podem responder de forma totalmente diferente ao mesmo evento. Um exemplo importante a esse respeito, apresentado por Pargament, é o do físico Stephen Hawking que, ao se deparar com o diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica, uma doença motora progressiva, que o levaria à total paralisia e eventualmente à morte. Muitos acreditariam nesta doença como uma terrível ameaça ao seu bem-estar. Hawking, no entanto, viu a doença de forma diferente: “minha doença deixou-me com a peça fundamental ao meu trabalho - meu cérebro”. Uma doença devastadora não destruiu o que era de significativo para ele, o cérebro e, assim, ele pode continuar suas investigações a respeito das origens do universo.

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representa para os significados pessoais, e as avaliações secundárias dos recursos e encargos de que o indivíduo traz para o processo do enfrentamento.

Spilka, Hood, Hunsberger e Gorsuch (2003) retratam a importância do controle no enfrentamento. O controle pode ser uma força poderosa de apoio construtivo no comportamento de enfrentamento. Há dois tipos básicos de controle: controle primário, ou seja “estar no controle”, ter a capacidade de mudar uma situação e controle secundário, ou seja ser capaz de efetuar mudanças em si mesmo. Para Pargament a fé pode desempenhar um papel importante no incentivo das formas primária e secundárias de controle, sendo a religião, uma forma de controle secundário, ou seja de mundança pessoal..

Os autores Rothbaum, Weisz, Snyder (1982) citados por Spilka, Hood, Hunsberger e Gorsuch (2003) assinalam três formas de controle secundário: controle interpretativo, controle preditivo e controle vicário11

No controle interpretativo, as pessoas, na busca de compreender eventos e para

conseguir algum grau de controle sobre suas emoções, muitas vezes reinterpretam o que está acontecendo. Elas reinterpretam os eventos e tranformam uma situação aflitiva em uma situação menos perturbadora. Johnson e Spilka (1988), citados por Spilka ( 2003), citam o exemplo de um paciente com câncer que concluiu sua doença assim: “olhei para o câncer como um desvio de estrada mas não como um bloqueio na estrada”.

.

Para Spilka, Hood, Hunsberger e Gorsuch ( 2003) a ideia de precognição fascina as pessoas e é um recurso de controle preditivo, pois garante às pessoas que as coisas vão dar certo no final. Eles dão o exemplo de um paciente com câncer que relata: “por causa da minha relação com Deus, eu tinha fé de que o câncer não tiraria a minha vida”(JOHNSON; SPILKA, 1988, p. 12). O controle preditivo fornece a confiança de que o futuro será bom. O elemento importante é a percepção do futuro, embora o que realmente ocorrerá seja independente desta aspiração.

Quando as pessoas sentem que não são capazes de lidar com os seus problemas, particularmente em casos de doença grave, quando a morte é uma possibilidade, frequentemente elas se voltam ao seu Deus e, indiretamente, a divindade se torna um apoio ou um substituto para os seus próprios esforços. É a forma de controle vicário. A pessoa tem forças para enfrentar a morte em potencial por meio de sua conexão divina.

Na dimensão existencial, as formas de enfrentamento estão direcionadas à capacidade humana de liberdade e responsabilidade, devido à dimensão espiritual. Para Frankl (2003), o

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ser humano é capaz de viver e até de morrer quando tem um para quê, isto é, por seus ideais e valores. Nesse caso, valores são sentidos universais que se cristalizam em situações típicas, singulares, ou seja, não existe um sentido universal da vida, mas sim, sentidos singulares de situações individuais, ou seja, valores.

Por meio dos valores o homem responde à vida, encontrando o sentido e enfrentando o sofrimento. (FRANKL, 2010, 2005, 2003).

Nos valores criativos, o homem dá de si para o mundo, através de seu potencial criativo. Sua capacidade de autotranscendência manifesta-se em sua ação no mundo. Ao realizar valores de criação, como o trabalho, o homem manifesta a sua missão no mundo, realizando-se como ser único e insubstituível e, assim, descobrindo o sentido de sua existência. 12

Nos valores de experiência, Frankl postula a capacidade humana de abertura que se manifesta na dimensão de gratuidade. Enquanto que nos valores criativos há um dar-se, nos valores experienciais há um receber, ou seja, o homem acolhe as riquezas contidas no cosmos e no outro ser humano.

Herrera (2007) assinala que esse valor relaciona-se com o encantamento no contato com a natureza, na contemplação do belo, na riqueza do acolhimento no contato com o outro, na experiência do amor e nas variadas formas de meditação e contemplação que mediam o contato do homem com o suprapessoal. Para alcançar o sentido, se faz necessária uma abertura, uma disposição de si, que se dá na transcendência. A realização de valores de experiência indica o sentido de viver e o enfrentamento do sofrimento pela experiência de autotranscendência.

A última categoria de valores, os valores de atitude, ocorre em situações limites, imutáveis e são os que mais transformam a vida do homem. São situações extremas, não controláveis, que fazem com que o homem alcance a liberdade interior, e o ajudam a conseguir a maturidade plena. No experimentum crucis ele, apesar da dependência exterior, alcança a liberdade interior.

Para realizar os valores de atitude o homem conta com sua liberdade espiritual de tomar uma atitude perante um destino imutável. Herrera (2007) adita que a aceitação do sofrimento permite ao ser humano avançar rumo a um mundo silencioso e profundo de crescimento e de realizações interiores, no silêncio ante aquele ser, que para Frankl, é Deus:

12 Frankl (2003) argumenta que se o trabalho deixa de ser uma fonte de valores criativos, e se torna um trabalho

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CAPÍTULO 3

A RELIGIÃO /ESPIRITUALIDADE COMO FORMA DE ENFRENTAMENTO: A BUSCA PELO SENTIDO RELIGIOSO NO SOFRIMENTO

Senhor, fazei com que eu aceite minha pobreza tal como sempre foi.

Cora Coralina

3.1- Conceitos sobre religião e espiritualidade

A religião, para Frankl é definida como “a realização de uma vontade de sentido último” (FRANKL, 2004. p, 89). Para Alves (2010), a religião fala sobre o sentido da vida. Há uma exigência de que a vida tenha um sentido, e a religião é um esforço para pensar a realidade a partir desta exigência. Pargament (1997) define a religião como um processo de busca por significado na relação com o sagrado. Allport (1970), a considera como um encontro do homem com o supremo na sua última tentativa de ampliar e completar a sua própria personalidade.

A religião se aproxima de nossa experiência pessoal e do cotidiano das pessoas: “é como um espelho em que nos vemos” (ALVES, 2010, p. 13). A religião compõe a cultura com seus sistemas de crenças, símbolos religiosos, ritos e normas, porém, para além disso, ela está inserida no processo de busca originária em todo ser humano. A religião busca responder às questões existenciais do homem.

Para Meslin (1992), muitos povos manifestam em suas culturas o sentido do sagrado e incluem na vida diária, numerosas práticas cultuais e rituais. No entanto, o termo “religião” é puramente ocidental. Muitas línguas e dialetos não têm um termo equivalente. Para Meslin, esta definição ocidental de religião atesta uma tomada de consciência da distinção feita pelo homem entre sagrado e profano.

Konings e Zilles (1997) falam da etimologia do termo religião. Ele origina-se na língua latina, de Lactâncio13

13 Lactâncio autor pagão convertido ao cristianismo que redigiu entre 304 e 313, as Instituições divinas com a intenção de demonstrar que o ensinamento de Cristo transmitido pelos apóstolos constitui a única sabedoria e religião. Ele rejeita a definição corrente da palavra religio. Esta, explica ele, não vem como se afirmou ,depois de

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homem e a divindade. Cícero considera que o termo vem de re-legere, o que poderia significar “reler”, ou seja, ler de novo, ou ainda “reunir”, recolher, aprofundar no sentido de recolhimento, conforme o sentido original de legere “colher”. Ainda no latim medieval, religio significaria antes de tudo, a comunidade dos adeptos de uma determinada espiritualidade. Religião seria, portanto, união, reunião, unidade, comunidade, próprias de uma sociedade que assim honra seus deuses.

Meslin (1992) enumera cinco sentidos da palavra religião em nossa cultura ocidental moderna:

- um sentido geral em que religião é definida como um sistema organizado de crenças e de práticas inseridas num tempo e espaço.

- um sentido complementar ao sentido geral, designa o valor ideal da religião que se caracteriza como um sistema exclusivo, de referências para a vida.

- um sentido sociológico em que a religião permite unir o mundo e a sociedade a uma realidade última, universal e sagrada.

- um sentido pessoal que designa uma piedade e implica em atos de devoção a Deus e em ações específicas para com os outros homens.

-o último sentido é de ordem existencial e é o mais rico, segundo Meslin (1992). É aquilo o que James chama de religião: “as impressões, os sentimentos e os atos do indivíduo entregue à solidão, na medida em que ele se considera em relação com o que lhe parece divino”14

Refletindo sobre o conceito de espiritualidade, Valle (2005) assinala o que a espiritualidade não é. A espiritualidade não nega a natureza. Não é algo que se opõe ao material, ao corpóreo ou ao mundano. Também a espiritualidade não é um “estado de alma” que se consegue fugindo do mundo. Para ele, espiritualidade é algo encarnado no contexto real da vida de cada pessoa e de cada época. Expressa o sentido profundo da vida, permitindo que o homem ultrapasse o nível biológico e emocional das suas vivências. A espiritualidade é a condição basilar, pois, consiste na busca pessoal de sentido para o próprio existir e agir, sendo uma necessidade psicológica constitutiva de todo ser humano.

. É a forma de compreender a religião dando prioridade à experiência direta mais que ao raciocínio metafísico e escatológico.

Cícero, do verbo relegere (atenção escrupulosa), mas do verbo latino religare (religar) a) Assim, a religião não é mais o exercício escrupuloso de práticas tradicionais, como apregoava Cícero, mas um laço pessoal que liga o homem a seu criador. Com isto o conceito de religião é fundamentalmente transformado, como serão durante os séc. III e IV pelos pensadores cristãos. (MESLIN, Michel. A experiência humana do divino. Fundamentos de uma antropologia religiosa. Petrópolis, Vozes, 1992).

14 JAMES, William. Las Variedades de La Experiência Religiosa: Estudio de La Naturaleza Humana. DR.

Referências

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