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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras

OS VERBOS INSTRUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Letícia Lucinda Meirelles Orientadora: Márcia Cançado

Belo Horizonte 2013

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Letícia Lucinda Meirelles

OS VERBOS INSTRUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Letras (habilitação em Linguística).

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Cançado

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG 2013

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Aos meus amados pais; ao Henrique e ao futuro que almejamos compartilhar.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais: à minha mãe querida que, mesmo não estando mais presente, continua iluminando meu caminho; ao meu pai, meu esteio, meu companheiro, meu amigo, agradeço por nunca me deixar desanimar e por me proporcionar a felicidade de concluir meus estudos mesmo com todas as dificuldades que passamos.

À minha família, em especial aos meus tios Roberto, Roney e Renato, e à minha avó Sônia por cuidar de mim e ter assumido o papel de minha segunda mãe. Ao Maurício, pelo carinho e por sempre demonstrar interesse em meu trabalho. Agradeço também à Rianny, por devolver um pouco de alegria às nossas vidas.

Ao Henrique, meu amor, agradeço por ter nutrido minha vida com afeto e companheirismo durante todo o tempo. Agradeço pela sua presença em cada instante, por me escutar falando de linguística até altas horas da madrugada, por me fazer sorrir, por dividir a vida comigo.

Agradeço à família do Henrique, principalmente à Miriam e ao Ricardo, por me acolherem e me receberem tão bem em suas vidas.

Aos amigos, Ana Lu, Marcella, Ricardo, Josué, Juliana, Lívia, Gilberto, Silmara, Ingrid e Guilherme, agradeço pelos finais de semana, pelas risadas mais gostosas, pelos sorrisos mais sinceros.

Às minhas colegas do NuPeS, em particular à Luana, pelo interesse em meu trabalho, pelas dicas e textos trocados. À Profa. Jânia Ramos, por ter sido tão importante para a minha formação.

Por fim, porém não menos importante, agradeço à minha orientadora, a Profa. Márcia Cançado, por ter me apresentado à reflexão linguística e à Semântica. Agradeço pela sua orientação presente, pela compreensão e pela amizade.

Poder seguir carreira acadêmica é a realização de um sonho para mim. Hoje, termino minha graduação com a plenitude de que tenho maturidade suficiente para tal, mas também com a certeza de que ainda tenho muito para aprender. Espero poder continuar minha caminhada em busca do conhecimento ao lado da Profa. Márcia Cançado, meu exemplo de profissional a seguir.

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“Somos humanos não porque temos uma linguagem, mas porque somos uma linguagem.”

Wilhelm von Humboldt

“(...) E voltou, então, à raposa: - Adeus - disse ele.

- Adeus - disse a raposa. - Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos. - O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar. - Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a fez tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade - disse a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.”

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RESUMO

Nesta monografia tomamos como objeto de estudo a classe dos verbos instrumentais no português brasileiro. O primeiro passo desta pesquisa consistiu em separar um pequeno subgrupo de 24 verbos que compartilham as mesmas propriedades semânticas e sintáticas a fim de compará-los com os demais verbos instrumentais para atestarmos se aquilo que é conhecido como a classe dos verbos instrumentais na literatura constitui uma única classe verbal ou não. A motivação para essa pesquisa surgiu ao observarmos que os verbos conhecidos como instrumentais apresentavam comportamentos semânticos e sintáticos distintos entre si. Desse modo, o objetivo principal de nosso trabalho é analisar o estatuto dos verbos instrumentais enquanto classe verbal do português brasileiro e propor uma estrutura argumental para os mesmos. Para tanto, utilizamos a linguagem de decomposição de predicados primitivos e as propostas de representação lexical para os verbos instrumentais já existentes na literatura. Ao final da pesquisa, concluímos que realmente não há uma única classe de verbos instrumentais, de modo que esta pode ser subdividida em, pelo menos, três subclasses distintas, sendo estas: a classe dos verbos de locatum, como acorrentar e algemar, que apresentam, segundo Cançado, Godoy e Amaral (no prelo), uma estrutura do tipo [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y WITH <THING>]]; a classe a qual pertencem os 24

verbos por nós analisados, como alfinetar e martelar, para os quais propomos uma estrutura do tipo [X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y]; e a classe dos verbos como abanar, regar e

remar que apresentam a estrutura, [X VOLITION AFFECT <MANNER> Y], também proposta neste

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ABSTRACT

This study aims to study the class of instrumental verbs in Brazilian Portuguese. The first step of this research was to separate a small subgroup of 24 verbs that share the same syntactic and semantic properties in order to compare them with other instrumental verbs with the intention of investigate if what is known as the class of instrumentals verbs in the literature is an only verbal class or not. The motivation for this research comes from the observation that the verbs, known as instrumentals, present different semantic and syntactic behaviors between each other. Thus, the main objective of our work is to analyze the status of instrumental verbs as a verbal class of Brazilian Portuguese and propose an argument structure for these verbs. For this, we used the language of decomposition and primitive predicates and some proposes of lexical representation for instrumentals verbs in the literature. At the end of the study, we concluded that there is not a single class of instrumental verbs, so this can be divided in at least three distinct subclasses: the class of locatum verbs, which, according to Cançado, Godoy and Amaral (in press), presents type structure [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME

Y WITH <THING>]]; the class in which the 24 verbs analyzed by us belongs to, such as alfinetar and martelar. They have this structure [X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y]; and the

class of verbs such as abanar, regar and remar, wich has the structure [X VOLITION AFFECT <MANNER> Y], also proposed in this paper.

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SUMÁRIO

1. CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO...10

1.1. Introdução...10

1.2. Metodologia...11

CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO...13

2.1. A Interface Sintaxe-Semântica Lexical...13

2.2. Classes Verbais...14

2.3. Estrutura argumental de verbos...16

2.4. O aspecto lexical e a sua derivação por meio de uma estrutura de decomposição de predicados...18

2.5. A linguagem de decomposição de predicados...21

2.6. Catálogo de verbos do português brasileiro...23

CAPÍTULO 3: ESTRUTURA ARGUMENTAL DE VERBOS INSTRUMENTAIS NO PB ...27

3.1. A classe dos verbos instrumentais no PB...27

3.1.1. Comportamento dos verbos instrumentais...29

3.2. A Decomposição de predicados primitivos: Levin (1993) e Levin & Rappaport Hovav (1998, 2010)...32

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3.2.1. Por que não utilizar a raiz <INSTRUMENT>...37

CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS...42

REFERÊNCIAS...44

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CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO

1.1. Introdução

Na literatura, a classe dos verbos instrumentais engloba um grande número de verbos, como: acorrentar, alfinetar, algemar, esfaquear, martelar, navalhar, regar, remar, entre outros. Entretanto, ao observarmos essa classe mais atentamente, podemos perceber que há diferenças semânticas entre os verbos que a compõem.

Verbos do tipo acorrentar e algemar, por exemplo, acarretam que o instrumento contido no nome do verbo fica em seu argumento interno, e isso não ocorre com os outros verbos citados anteriormente. Isto é, quando dizemos que o soldado algemou o bandido, essa sentença acarreta que o bandido ficou com algemas. Já em uma sentença do tipo Ricardo martelou o prego na parede, não temos como acarretamento que o prego ficou com martelo. Verbos do tipo regar e remar, por sua vez, aceitam, contrariamente aos demais verbos, um outro instrumento que não seja aquele contido no nome do verbo, como em Gisela regou o jardim com uma mangueira e Roney remou a canoa com um pedaço de pau.

Tais fatos nos levam a questionar se aquilo que é amplamente tratado como verbos instrumentais na literatura constitui realmente uma única classe com as mesmas propriedades semânticas e os mesmos comportamentos sintáticos.

Portanto, o objetivo desta monografia é analisar e descrever os verbos instrumentais do português brasileiro, doravante PB, com o intuito de avaliarmos se eles realmente constituem uma classe unitária. Para tanto, vamos utilizar um subgrupo dos verbos instrumentais composto por 24 verbos que compartilham propriedades semânticas e sintáticas, a fim de realizarmos uma comparação com os demais verbos instrumentais e propormos uma estrutura argumental para a classe através da linguagem de decomposição em predicados primitivos.

Este trabalho se insere em um projeto maior de pesquisa, coordenado pela Profa. Dra. Márcia Cançado, que tem como objetivo descrever o léxico verbal do PB e evidenciar como certas propriedades semânticas podem influenciar no comportamento sintático dos verbos através daquilo que é conhecido como Interface Sintaxe-Semântica Lexical.

A monografia está organizada da seguinte forma: na próxima seção, apresentamos nossa metodologia de pesquisa; no capítulo 2 explicamos o que é a linha de pesquisa conhecida como Interface Sintaxe-Semântica Lexical e como representamos a estrutura

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argumental de verbos em termos de uma linguagem de decomposição em predicados primitivos; o capítulo 3 traz a nossa análise para os verbos instrumentais do PB; e o capítulo 4 conclui a monografia. No Apêndice, apresentamos os dados que foram utilizados na realização da pesquisa.

1.2. Metodologia

A metodologia deste trabalho consistiu em fazer uma coleta dos verbos instrumentais no PB a partir dos dados levantados por Barbosa (2010). Ao todo foram agrupados 24 verbos, a saber: açoitar, alfinetar, anavalhar, apedrejar, apunhalar, arar, bombardear, carimbar, chicotear, encerar, ensaboar, escovar, esfaquear, espanar, lixar, maquiar, marretar, martelar, metralhar, palitar, peneirar, pinçar, pincelar e serrar.

É importante ressaltar que analisamos apenas verbos biargumentais no sentido físico/ concreto e que evidenciam o contato do instrumento com o argumento interno verbal. Desse modo, não analisamos verbos como bombear, apitar e filtrar, apesar destes conterem, respectivamente, os instrumentos bomba, apito e filtro em seus radicais verbais. O verbo bombear possui mais de um argumento interno (Marcos bombeou a água da cisterna para a fazenda), enquanto apitar não indica contato do argumento interno com o instrumento. Em uma sentença como o juiz apitou o jogo, não há contato do apito com o jogo, ou seja, este último não é afetado pelo primeiro. O verbo filtrar, por sua vez, não parece se comportar exatamente como um verbo instrumental prototípico. Quando dizemos uma sentença como Maria filtrou a água, percebemos que, apesar de a Maria ter tido o trabalho de colocar a água dentro do filtro, é esse quem faz a ação de filtrar, e não a Maria. Além disso, esse verbo aceita uma causa como sujeito (O filtro de barro filtrou a água), o que não ocorre com os verbos que analisamos.

A cada um dos 24 verbos analisados foi atribuída uma sentença1 que passou por julgamentos de aceitabilidade feitos através dos exemplos de Borba (1990), da nossa intuição de falantes e de buscas no site Google.

O uso de tal metodologia se justifica pelo cunho formalista de nossa pesquisa e pelo fato de necessitarmos manipular as sentenças com relação ao tempo, aspecto e número de argumentos que cada verbo apresenta. Além disso, como aponta Laporte (2008), a introspecção nos permite trabalhar com a evidência negativa, ou seja, com sentenças

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agramaticais, fator que tem sua importância reconhecida desde Chomsky (1957). Tal fato seria impossível se nossa base para coleta de dados fosse um corpus com dados reais de fala.

Para a análise do nosso objeto de estudo, valemo-nos de uma série de testes semânticos e sintáticos que serão apresentados no decorrer desta monografia, como os testes de aspecto lexical, de agentividade, de acarretamento de argumentos, passivização, participação em alternâncias verbais, presença de PP cognato, paráfrases, entre outros. A abordagem teórica utilizada foi a de decomposição depredicados como forma de representar o sentido lexical dos verbos. Tal abordagem será descrita no capítulo 2.

(13)

CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO

A importância do léxico para as teorias linguísticas tem se tornado cada vez mais clara, uma vez que esse deixou de ser tratado como um simples repositório de papéis temáticos e certas exceções gramaticais. É conhecida como semântica lexical a linha de pesquisa que, de forma geral, estuda a representação mental do significado. Dentre os assuntos trabalhados e discutidos pelos estudiosos dessa área encontram-se o aspecto lexical, a estrutura argumental dos verbos e a interface entre a Sintaxe e a Semântica Lexical, temas que pretendemos apresentar neste capítulo.

2.1. A Interface Sintaxe-Semântica Lexical

A semântica lexical foca no estudo da representação mental do significado de um item lexical e, mais especificamente, a interface Sintaxe-Semântica Lexical consiste no estudo das propriedades semânticas dos itens lexicais que possuem relevância para a sintaxe2. De acordo com essa linha de pesquisa, o léxico não é apenas um simples repositório de papéis temáticos e exceções gramaticais. Ele é um componente linguístico sistemático e organizado, onde se encontram informações importantes para as generalizações da língua.

Seguindo essa linha de pesquisa, uma série de autores (PINKER, 1989; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 1992, 1995 e trabalhos subsequentes; VAN VALIN, 1993, 2005; WUNDERLICH 1997; CANÇADO, 2005, 2010; CANÇADO; GODOY, 2012; entre outros) defendem a ideia de que são as propriedades semânticas presentes na entrada lexical dos itens verbais que determinam a realização sintática de seus argumentos.

Assim, o principal objetivo das teorias de Interface Sintaxe-Semântica Lexical é propor representações semânticas para os verbos, ou seja, propor estruturas argumentais que possam servir de base para a explicação da sintaxe verbal. Essa estrutura argumental pode ser dada através de uma grade de papéis temáticos ou, por exemplo, através da linguagem de decomposição em predicados primitivos, como veremos mais adiante.

2

Propriedades semânticas relevantes sintaticamente são aquelas que determinam o comportamento sintático dos verbos, como é o caso dos verbos que denotam mudança de estado (verbos que apresentam a estrutura [BECOME Y <STATE>], na linguagem de decomposição de predicados) para a alternância causativo-incoativa (Cançado; Amaral, 2010; Cançado; Godoy, 2012; Cançado; Godoy; Amaral, no prelo).

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2.2. Classes Verbais

Entende-se por classes verbais grupos de verbos que compartilham propriedades semânticas e sintáticas (LEVIN 1993; CANÇADO; GODOY; AMARAL, no prelo). Não é qualquer grupo de verbos que representa uma classe verbal. Peguemos como exemplo um dos verbos utilizados na realização desta pesquisa, o verbo chicotear, e as possíveis classes a que elepode pertencer.

O verbo chicotear é uma ação que envolve certo tipo de movimento o que, a princípio, nos levaria a agrupá-lo juntamente com outros verbos de movimento, como por exemplo, correr. Contudo, verbos que acarretam movimento se comportam sintaticamente diferente, como argumentam Levin e Rapapport Hovav (1992):

(1) O fazendeiro chicoteou o empregado. (2) Paula correu a São Silvestre.

(3) *O fazendeiro chicoteou o dia todo. (4) Paula correu o dia todo.

Observem que ambos os verbos aceitam um objeto direto como mostrado em (1) e (2), mas apenas correr pode acontecer na forma intransitiva. Isso nos mostra que a propriedade semântica movimento não agrupa verbos em uma mesma classe semântica e também não é uma propriedade sintaticamente relevante.

Verbos como chicotear possuem um argumento interno que sofre uma ação, o que poderia nos levar a classificá-lo juntamente com outros verbos que possuem um paciente, como é o caso do verbo quebrar:

(5) a. O fazendeiro chicoteou o empregado. b. *O empregado (se) chicoteou.

(6) a. Maria quebrou a taça de cristal. b. A taça de cristal (se) quebrou.

Notemos que, apesar de ambos os verbos possuírem um paciente como argumento interno, apenas quebrar participa da alternância causativo-incoativa, o que faz com que ter um paciente não seja uma propriedade semântica suficiente para agrupar verbos em uma classe.

(15)

O verbo chicotear pertence, segundo Levin (1993), a uma classe verbal chamada de verbos instrumentais, uma vez que estes trazem um instrumento contido no verbo.

(7) O fazendeiro chicoteou o empregado com um chicote de espinhos. (8) Joana alfinetou Marta com um alfinete prata.

(9) Bruna abanou Samanta com um abano de palha. (10) Carla remou a canoa com um remo de madeira.

O problema é que apenas a propriedade semântica de possuir um instrumento contido no nome do verbo também não consegue agrupar verbos em uma mesma classe, como podemos ver a seguir:

(11) *O fazendeiro chicoteou o empregado com um cordão de ouro. (12) *Joana alfinetou Marta com um graveto.

(13) Bruna abanou Samanta com uma folha de papel.

(14) Carla remou a canoa com o próprio braço (na falta de um remo).

Os verbos em (11) e (12) só aceitam um PP cognato ou um hipônimo como especificação do instrumento contido no verbo, enquanto abanar e remar não exigem que a ação seja necessariamente realizada com um abano ou um remo.

Diante desses fatos, poderíamos pensar que as propriedades semânticas compartilhadas por certos itens lexicais não interferem no comportamento sintático dos mesmos. Entretanto isso não é verdadeiro. O que ocorre é que não são todas as propriedades semânticas dos verbos que são relevantes para a formação de uma classe verbal que compartilha os mesmos comportamentos sintáticos. Portanto, é trabalho do semanticista lexical encontrar quais são essas propriedade relevantes e é isso que pretendemos fazer para os verbos instrumentais do PB nesse trabalho.

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2.3. Estrutura argumental de verbos

Segundo Rappaport e Levin (1998), na informação lexical dos verbos existem dois níveis de informação: a LCS (lexical conceptual structure), que corresponde ao nível semântico e a estrutural argumental que corresponde ao nível sintático. Entretanto, assumiremos, de acordo com a proposta de Cançado e Godoy (2012), que o nível semântico é a própriaestrutura argumental.

Uma das formas de se representar a estrutura argumental de um verbo é por meio das grades temáticas. Nesse tipo de representação, um verbo como assustar, por exemplo, traria consigo o seguinte tipo de informação:

(15) assustar: {Agente, Paciente}

Através da representação em (15) já podemos notar um dos primeiros problemas gerados por uma representação do significado de um verbo por meio de grades temáticas: o fato de muitas vezes os papéis temáticos não respeitarem o Critério Theta3. O argumento interno do verbo assustar pode ser tanto um paciente como um experienciador, uma vez que podemos considerar que uma experiência psicológica é vivenciada pela entidade que ocupa a posição de objeto nas sentenças em (16):

(16) a.Henrique assustou Miriam intencionalmente. {Agente, Paciente/ Experienciador}

b. Henrique assustou Miriam com o seu comportamento. {Causa, Paciente/ Experienciador}

Dessa forma, a representação, através de grades temáticas, mais adequada para o verbo assustar seria {Causa (Agente), Paciente/ Experienciador}, como propõem Cançado, Godoy e Amaral (no prelo). No entanto, esse tipo de representação viola o Critério Theta, pois o argumento interno recebe ao mesmo tempo o papel temático de paciente e de experienciador.

Ainda há outros problemas como a falta de consenso entre os autores sobre as definições dos papéis temáticos e o risco de haver uma lista infinita de funções semânticas, o que violaria o princípio de que uma teoria deve ser econômica.

3 Critério Theta: (i) Cada argumento tem que receber um e um só papel temático.

(17)

Além disso, podemos perceber que a estrutura argumental do verbo assustar por meio de grades temáticas só nos traz informações semânticas a respeito do tipo dos participantes do evento, não mencionando nada a respeito do predicado, ou seja, sobre o significado do próprio verbo, ou mesmo sobre o tipo do evento.

Outra forma de propor a estrutura argumental de um verbo é por meio da linguagem de decomposição em predicados primitivos. Segunda essa, verbos do tipo assustar trariam em sua informação lexical a seguinte estrutura proposta por Cançado, Godoy e Amaral (no prelo):

(17) v: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [ BECOME Y <STATE>]]

Neste tipo de representação, o foco está em descrever o evento, mas também não deixa de lado o tipo de seus participantes.

Cançado, Godoy e Amaral (2013) argumentam que essa é uma forma mais completa de representação do significado, pois através dela somos capazes de perceber a relação existente entre os eventos de um verbo, o tipo de seus participantes e até mesmo o seu aspecto lexical. Assim, (17) nos mostra que verbos do tipo assustar são compostos por dois subeventos que estabelecem uma relação causal entre si. O modificador VOLITION, entre parênteses, indica que o indivíduo X pode ser um agente ou uma causa, enquanto o subevento [Y BECOME <STATE>] evidencia que houve uma mudança de estado, o que faz com que Y seja um paciente.

Além disso, através dessa estrutura ainda somos capazes de perceber que verbos do tipo assustar têm o aspecto lexical de accomplishment, uma vez que possuem dois subeventos. Desse modo, a paráfrase para a estrutura em (17) seria: o X agir causa o Y mudar de estado.

Outro ponto a favor da linguagem de decomposição em predicados é que ela consegue prever certos comportamentos sintáticos dos verbos mais rigorosamente do que uma representação semântica por meio de papéis temáticos. Como vimos na seção 2.2, tanto verbos do tipo chicotear, como verbos do tipo quebrar possuem um argumento interno paciente. Entretanto, apenas verbos do segundo tipo realizam a alternância incoativa, como mostrado em (5). Portanto, ter um paciente como argumento interno não é uma boa previsão para a alternância causativo-incoativa. No entanto, através de uma representação semântica por meio da linguagem de decomposição em predicados, somos capazes de prever quando os verbos podem realizar tal alternância.

(18)

De acordo com Cançado, Godoy e Amaral (no prelo), o verbo quebrar possui a mesma estrutura semântica do verbo assustar (17) e é o segundo subevento dessa estrutura, [BECOME Y <STATE>], que faz com que verbos desse tipo sejam capazes de realizar a alternância causativo-incoativa. Verbos como chicotear, por sua vez, não apresentam o sentido de mudança de estado em sua representação lexical e por isso não realizam tal alternância, como mostrado em (6).

Em nossa análise, utilizaremos a decomposição semântica em predicados primitivos como forma de descrever o significado dos verbos. Fizemos tal escolha baseadas nos motivos apresentados nesta seção.

2.4. O aspecto lexical e a sua derivação por meio de uma estrutura de decomposição em predicados

Vamos tratar de um tipo de aspecto verbal conhecido como aspecto lexical ou aktionsarten que diz respeito às propriedades lexicais dos itens verbais. Vendler (1967) foi o primeiro a propor as quatro classes aspectuais que utilizamos hoje: estados, atividades, accomplishments e achievements. Forneceremos uma breve explicação acerca de cada uma delas, nos atendo mais aos verbos de atividade, uma vez que este é o aspecto lexical dos verbos instrumentais do PB.

Os verbos de achievement são monoeventivos e télicos, descrevendo eventos que não se desenvolvem no tempo, ou seja, que são pontuais. Vejamos as sentenças a seguir:

(18) O gelo derreteu. (19) O menino caiu.

(20) Carlos chegou na festa.

Os verbos de accomplishment caracterizam-se por serem verbos bieventivos e télicos, ou seja, por indicarem uma ação que se desenvolve no tempo e possui um ponto de culminação. São exemplos desses verbos:

(21) Ricardo construiu uma casa. (22) Ana quebrou a taça de cristal. (23) O soldado capturou o assaltante.

(19)

Os verbos de estado, por sua vez, não indicam um processo que se desenvolve no tempo. Apresentam um esquema temporal homogênio, ou seja, o valor de verdade de uma expressão será sempre o mesmo em todos os subintervalos desse evento. São considerados verbos de estado:

(24) Henrique ama Letícia. (25) Miriam tem uma casa. (26) Lívia sabe matemática.

Os verbos de atividade descrevem ações monoeventivas que se desenvolvem no tempo, sem ter um determinado ponto de conclusão. Vale dizer que são agentivos e, assim como os verbos de estado, são homogêneos na medida em que qualquer de suas partes é da mesma natureza que o todo. Entretanto, contrariamente a estes últimos, as atividades caracterizam-se por serem dinâmicas. São exemplos de verbos de atividade:

(27) Roberto nada muito. (28) Renato corre na lagoa todos os dias. (29) Sônia dança muito bem.

O evento de nadar, correr e dançar se efetiva em qualquer ponto do evento, ou seja, não preciso chegar a um ponto final para afirmarmos que Roberto nadou, Renato correu e Sônia dançou.

Existem alguns testes propostos na literatura para identificar o aspecto lexical dos verbos. Um deles é conhecido como acarretamento com progressivo ou paradoxo do imperfectivo. Observemos as sentenças a seguir.

(30) *Miriam está tendo uma casa. (31) O menino está caindo.

(32) Ricardo está construindo uma casa. (33) Renato está correndo.

A princípio, nem os verbos de achievement (31), assim como os de estado (30) não poderiam ocorrer no progressivo. No entanto, em PB, até estes últimos acontecem no progressivo, como em Henrique está amando Letícia ou meu filho está sabendo se comportar

(20)

ultimamente. Wachowicz e Foltran (2006) propõem que os verbos que denotam achievements, quando utilizados no progressivo, expressam a eminência de uma ação. Assim, uma sentença como (31) nos transmitiria a ideia de que o menino está prestes a cair.

Os verbos de accomplishment (32), por sua vez, possuem acarretamento distinto dos de atividade (33) quando postos no progressivo. Observem que a sentença expressa em (32) não acarreta que ação foi realizada, ou seja, não acarreta que Ricardo construiu a casa. Já em (33), fica claro o acarretamento de que Renato correu.

Outro teste semelhante ao descrito anteriormente é o teste com a expressão parar de. Estados (34) e achievements (35) não aceitam uma sentença com o verbo parar, enquanto os verbos de accomplishment (36) e atividade (37) aceitam, gerando o mesmo tipo de acarretamento mostrado para a ocorrência com o progressivo.

(34) *O menino parou de saber matemática. (35) ?O menino parou de cair.

(36) Ricardo parou de construir sua casa. (37) Sônia parou de dançar.

A sentença em (36) não acarreta que Ricardo construiu sua casa, enquanto (37) acarreta que Sônia dançou pelo fato de dançar ser um verbo de atividade.

Outro teste bastante utilizado é o da ambiguidade com o advérbio quase. Verbos que denotam accomplishment (38) formam sentenças ambíguas quando utilizados com o advérbio. O mesmo não ocorre para os verbos de achievement (39) e atividade (40).

(38) Ricardo quase construiu sua casa. (39) O menino quase caiu.

(40) Renato quase correu.

Notemos que (38) possue duas leituras que podem ser expressas da seguinte maneira:

(41) a. O que Ricardo quase fez foi construir sua casa. b. O que Ricardo fez foi quase construir sua casa.

Em (39) e (40), temos apenas as leituras de que o menino não chegou a cair e de que Renato não correu.

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Por fim, um último teste é o da composição com os advérbios temporais por x tempo, em x tempo e às x horas. Verbos de achievement (42) aceitam às x horas, verbos de accomplishment (43) ficam melhores com em x tempo e os verbos que denotam atividades (44) aceitam por x tempo.

(42) O menino caiu ontem às 15h.

(43) Ricardo construiu sua casa em um ano. (44) Renato correu por 3h.4

Cançado, Godoy e Amaral (2013) mostram como podemos derivar o aspecto lexical de uma estrutura de decomposição de predicados. As autoras utilizam como exemplo a estrutura genérica dos verbos de mudança [[X] CAUSE [BECOME Y...]] e mostram que, através dela, podemos perceber que todos os verbos de mudança do PB possuem dois subeventos que se relacionam por meio do metapredicado CAUSE. Uma vez que os accomplishments são bieventivos (Dowty, 1979) podemos derivar esse aspecto lexical a partir da estrutura dos verbos de mudança do PB. Visto isso, nosso próximo passo será explicar como funciona a linguagem de decomposição em predicados.

2.5. A linguagem de decomposição em predicados

A decomposição do significado em predicados primitivos parte do pressuposto de que o significado dos itens lexicais não é algo unitário, mas sim decomponível em partes menores que são chamadas de primitivos. Wunderlich (2009), por exemplo, mostra, através de verbos denominais, como é possível se extrair componentes de sentido menores de palavras como engavetar, enjaular, amanteigar e apimentar. Segundo o autor, não é possível negar que dentro do significado de cada verbo citado anteriormente esteja contido o sentido de gaveta, jaula, manteiga e pimenta, respectivamente.

Essa metodologia de pesquisa surgiu a partir da Semântica Gerativa com os autores McCawley (1968), Morgan (1969) Lakoff (1970), e Ross (1969), e é utilizada em trabalhos mais atuais como forma de representação do sentido dos verbos, itens predicadores por excelência (Levin; Rappaport Hovav, 1992 e trabalhos subsequentes; Cançado, 2010;

4

É importante ressaltar que esses testes são evidências do tipo aspectual, entretanto são apenas testes e podem não funcionar perfeitamente.

(22)

Cançado; Amaral 2010, Cançado; Godoy, 2012, Cançado; Godoy; Amaral, 2013; Cançado; Godoy; Amaral, no prelo).

Rappaport Hovav e Levin (1998) assumem que a Gramática Universal traz um inventário das estruturas semânticas de cada classe verbal. Essa estrutura é dada através da combinação de vários predicados primitivos ou metapredicados, os quais correspondem ao conhecimento que um falante possui sobre os diversos tipos de eventos.

Os metapredicados mais utilizados na literatura são os seguintes: ACT, CAUSE, BECOME, IN, WITH, AFFECT, entre outros. O predicado ACT toma apenas um argumento para ter o seu sentido saturado e este deve ser um indivíduo, sendo representado, na maioria dos casos, por uma variável X. O primitivo CAUSE, que representa uma relação entre dois subeventos, pede exatamente dois argumentos desse tipo (subeventos) para ser saturado. O metapredicado BECOME pede um argumento composto (Cançado; Godoy; Amaral, no prelo), sendo este uma variável, geralmente Y, ligada a um estado que pode ser de três tipos: estado puro <STATE>, estado locativo <PLACE> e estado possessivo <THING>. Tanto o predicado IN como o WITH pedem um argumento5 para terem seu sentido completo. Por fim, o metapredicado AFFECT pede dois indivíduos como argumentos, uma variável X e outra Y.

Além dos metapredicados e as variáveis, existem as raízes. Essas carregam o sentido idiossincrático dos verbos e podem ser argumentos de predicados, como <STATE>, <THING> e <PLACE>, ou modificadores de predicados, como é o caso das raízes <MANNER> e <INSTRUMENT>.

É importante ressaltar que esses rótulos servem para representar toda uma classe verbal e não um verbo específico. Um verbo como preocupar, por exemplo, que se encaixa dentro da classe dos verbos de mudança de estado estritamente causativos (raiz <STATE>) segundo Cançado e Godoy (2012), trará em sua raiz a parte de seu significado que não é compartilhada com os demais verbos da classe. Assim, a raiz de preocupar seria o estado <PREOCUPADO>.

A raiz <THING>, a princípio, é característica dos verbos de locatum, ou verbos de mudança de posse, enquanto <PLACE> caracteriza a classe dos verbos de location (ambas as nomenclaturas são utilizadas na literatura desde Clark & Clark, 1979). Todos esses verbos

5 Estamos assumindo, juntamente com Levin e Rappaport Hovav (2005), Cançado (2010), Cançado e Godoy

(2012) e Godoy (2012), que os metapredicados WITH e IN são monoargumentais, contrariamente a ideia de Hale e Keyser (2002).

(23)

serão explicados mais detalhadamente quando formos tratar da proposta de representação lexical das classes verbais do PB de Cançado, Godoy e Amaral (no prelo).

A raiz <MANNER>, por sua vez, é própria dos verbos de maneira e dentre esses se encontram verbos de movimento (p. ex. correr, pular, nadar, etc.), verbos de modo de fala (p. ex. cochichar, gritar, sussurrar, etc.), verbos de superfície (p. ex. varrer, esfregar, lustrar, etc.), entre outros. Por fim, a raiz <INSTRUMENT> é específica de verbos instrumentais (Rappaport e Levin, 1998) que são o objeto de estudo desta pesquisa.

Agora que já sabemos como a linguagem de decomposição em predicados funciona do ponto de vista formal, vamos mostrar, na próxima seção, um exemplo de aplicação dessa linguagem em uma pesquisa a respeito da representação lexical das classes verbais do PB.

2.6. Catálogo de verbos do português brasileiro (Cançado, Godoy e Amaral, no prelo)

O catálogo de verbos do português brasileiro é parte de um projeto maior da Profa. Dra. Márcia Cançado sobre o estudo do léxico do PB que faz uma descrição minuciosa a respeito do léxico verbal e das relações existentes entre Sintaxe e Semântica Lexical. A pesquisa é dividida em tipos de verbos e conta com uma primeira parte já acabada, que trata dos verbos que denotam mudança. Esses resultados encontram-se em um livro em coautoria de Luisa Godoy e Luana Amaral, em preparação para edição pela Editora UFMG.

Esse volume do catálogo trata daquilo que as autoras chamam de verbos de mudança no PB e tem o objetivo de fazer uma descrição semântica dos verbos pertencentes a esse grande grupo, agrupando-os em classes de acordo com suas especificidades semânticas e seus comportamentos sintáticos. Foi utilizada a ideia de propriedade semântica relevante sintaticamente para determinar quais as propriedades semânticas estariam presentes nas estruturas argumentais das classes apresentadas. A estrutura argumental de cada classe, por sua vez, foi dada em termos da linguagem de decomposição em predicados primitivos e, através dela, são derivados a grade temática da classe verbal e seu aspecto lexical.

Como vimos, muitos semanticistas lexicais trabalham com a linguagem de decomposição em predicados primitivos, ou seja, a representação dos componentes do significado que são recorrentes entre os grupos de verbos são representados através de predicados primitivos. A estrutura recorrente de uma classe é denominada de template (Rappaport e Levin, 1998), de modo que é ela que carrega as informações que são compartilhadas entres os verbos que pertencem a uma mesma classe.

(24)

Rappaport e Levin (1998) assumem que existem verbos que têm como parte de seu significado a especificação do processo de um estado resultante, e existem verbos que têm como parte de seu significado a maneira como uma ação ocorre. Os primeiros são chamados de verbos de resultado e os segundos de verbos de maneira. Os verbos de resultado, por sua vez, são divididos em verbos de mudança de estado e verbos de ação. Os verbos desse primeiro tipo é que são analisados por Cançado, Godoy e Amaral (no prelo).

Os verbos de mudança de estado acarretam necessariamente o sentido de become ADJ, realizam a alternância causativo-incoativa e apresentam uma natureza causativa. Em relação ao seu argumento externo, são subdivididos em subclasses: verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos, verbos de mudança de estado não-volitivos, verbos de mudança de estado volitivos e verbos de mudança de estado incoativos.

Verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos dizem respeito aos verbos do tipo quebrar, ou seja, verbos que são basicamente causativos, mas que podem aceitar um agente como argumento externo. Foram encontrados 435 verbos nessa classe, de modo que a estrutura de decomposição de predicados para a mesma, ou seja, o template da classe é o seguinte:

(45) [[X ACT (VOLITION)]CAUSE [BECOME Y <STATE>]]

São exemplos de verbos dessa classe: quebrar, acalmar, acender, entre outros.

Os verbos não-volitivos, ao contrário dos opcionalmente volitivos , não aceitam um agente na posição de sujeito, apresentando a representação lexical expressa em (46):

(46) [[X ACT/ STATE] CAUSE [BECOME Y <STATE>]]

Foram encontrados 158 verbos nessa classe, como: abater, cansar, enriquecer preocupar, etc. O metapredicado ACT diz respeito a um evento, como em as saídas de Rosa preocupam a mãe, enquanto STATE aponta a existência de um estado como argumento externo, como ocorre em a arrogância de Rosa preocupa a mãe. É importante ressaltar que essa subclasse não realiza a alternância passiva.

Os verbos de mudança de estado volitivos, por sua vez, só aceitam um agente como argumento externo, compartilhando as seguintes propriedades sintáticas: realizam alternância causativa-incoativa, aceitam instrumento como adjunto, realizam a passiva sintática. Foram

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encontrados 24 verbos nessa classe, sendo alguns deles: beatificar, estatizar, formalizar, entre outros. A estrutura de decomposição de predicados primitivos para essa classe é a seguinte:

(47) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE>]]

Já os verbos incoativos são verbos intransitivos que aceitam causativização. O argumento externo que entra na estrutura argumental de um verbo incoativo só pode ser uma causa, assim como nos verbos estritamente causativos. Segundo Cançado e Amaral (2010), a mudança de estado do argumento interno de um verbo incoativo deve-se a um processo que ocorre internamente ao objeto e depende de propriedades inerentes do mesmo para se efetivar. É o próprio argumento interno do verbo que expressa a mudança de estado e também é o próprio objeto que possibilita que esse processo de mudança se efetive. Foram encontrados 64 verbos nessa classe, como amadurecer, azedar e derreter e eles apresentam a seguinte estrutura argumental:

(49) [BECOME Y <STATE>]

Godoy (2012) percebeu que havia um grupo de verbos que acarretavam ficar estado em determinado lugar, como acomodar, dependurar, enterrar, esconder. A partir daí, Cançado, Godoy e Amaral (no prelo) também propõem que há uma classe de verbos de estado locativo, composta por 69 verbos. O template dessa classe seria o seguinte:

(48) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE> IN Z]]

Passando para os verbos que acarretam uma mudança de lugar ou posse, temos que o primeiro grupo é composto apenas por 15 verbos que são conhecidos na literatura como verbos de location. Esses verbos só aceitam um agente como argumento externo, acarretam que o Y fica em algum lugar, e não apresentam a alternância incoativa, uma vez que esta só pode ocorrer com aqueles verbos que possuem a estrutura [BECOME Y <STATE>]

(50) a. O João hospitalizou a Maria.

b. *A Maria (se) hospitalizou. (a menos que tenhamos uma interpretação reflexiva)

(26)

O template dessa classe é o seguinte:

(51) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y [IN <PLACE>]]]

Por fim, as autoras tratam dos verbos de mudança de posse ou locatum. Os verbos desta classe, assim como os verbos de location, só aceitam um agente como argumento externo, não fazem a alternância causativo-incoativa, mas possuem um acarretamento de que o nome expresso pelo radical verbal fica em Y. Ao todo são 95 verbos de locatum no PB, sendo exemplos desses verbos: acorrentar, algemar, amarrar, etc. A estrutura da classe é a seguinte:

(52) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y [WITH <THING>]]]

Tendo mostrado como Cançado, Godoy e Amaral (no prelo) utilizam a linguagem de decomposição em predicados para tratar do sentido lexical dos verbos e suas propriedades sintáticas, gostaríamos de pontuar que o nosso trabalho pode ser visto como continuação deste amplo projeto de pesquisa de Cançado que tem como objetivo a estruturação do léxico do PB. No próximo capítulo falaremos especificamente dos verbos instrumentais no PB a fim de apontarmos suas propriedades semânticas, seus comportamentos sintáticos e de atribuirmos uma representação lexical através de uma linguagem de decomposição em predicados para os mesmos.

(27)

CAPÍTULO 3: ESTRUTURA ARGUMENTAL DE VERBOS INSTRUMENTAIS NO PB

Neste capítulo, discutimos o estatuto dos verbos instrumentais como classe verbal do PB e propomos uma estrutura argumental para os mesmos através da linguagem de decomposição em predicados primitivos.

3.1. A classe dos verbos instrumentais no PB

Como mostramos no capítulo 2, na seção 2.2, entende-se por classe verbal um grupo de verbos que compartilham propriedades semânticas que sejam relevantes sintaticamente, ou seja, que consigam determinar certos comportamentos sintáticos dos verbos.

Assim, em um primeiro momento, vamos começar a investigar os verbos instrumentais no PB nos valendo de uma paráfrase do tipo: alguém age, usando um instrumento, sobre algo ou alguém; ou seja, se os verbos aceitarem tal paráfrase, serão separados como possíveis pertencentes à classe dos instrumentais e, em seguida, submetidos à análise de outras propriedades semânticas e sintáticas. Possíveis exemplos desse tipo seriam: abanar, acorrentar, algemar, chicotear, martelar, regar, entre outros. Todos esses verbos, a princípio, cabem na paráfrase: alguém age, usando abano/corrente/ algema/chicote/martelo/regador, sobre algo ou alguém.

No entanto, ao observarmos esses prováveis dados mais atentamente, podemos perceber que há algumas diferenças entre eles. Vejamos alguns exemplos:

(53) Fabiano abanou Marcela com um abano de palha/ com um pedaço de papelão. (54) Gisela regou o jardim com um regador todo florido/ com uma mangueira. (55) O fazendeiro chicoteou o empregado com um chicote de espinhos / *com um pedaço de corda.

(56) Ricardo martelou o prego com um martelo de ferro/ *com um alicate. (57) Marta acorrentou Bruno com correntes de ferro/ *com um pedaço de corda. (58) O guarda algemou o prisioneiro com algemas de aço/ *com um arame farpado.

Através desses exemplos, notamos que, enquanto os verbos abanar e regar aceitam tanto um PP cognato como outro instrumento na posição de adjunto, os demais verbos só

(28)

aceitam a adjunção do primeiro tipo, de modo que ao colocarmos um outro instrumento que não aquele contido no verbo, a sentença fica agramatical. Dessa forma, em uma primeira análise, podemos pensar que abanar e regar pertencem a uma classe, enquanto acorrentar, algemar, chicotear e martelar pertencem a outra classe verbal.

Porém, ainda há uma diferença existente entre os verbos chicotear e martelar em relação à acorrentar e algemar. Vejamos as sentenças seguintes:

(59) A mãe acorrentou o filho. ├ O filho ficou com corrente6

(60) O guarda algemou o prisioneiro. ├ O prisioneiro ficou com algema.

(61) O fazendeiro chicoteou o empregado. ~ ├ O empregado ficou com chicote. (62) Ricardo martelou o prego. ~ ├ O prego ficou com martelo.

Com esses exemplos é possível observar que apenas os verbos em (59) e (60) acarretam que o instrumento passa a ficar na entidade (pessoa ou coisa) denotada pelo SN que é o argumento interno do verbo, enquanto o mesmo não acontece para os verbos em (61) e (62). Isso ocorre devido ao fato de verbos como acorrentar e algemar pertencerem a uma classe conhecida na literatura como verbos de locatum (nomenclatura utilizada desde Clark e Clark, 1979).

Cançado, Godoy e Amaral (no prelo), em seu Catálogo de Verbos do Português Brasileiro, propõem que existem 95 verbos desse tipo no PB, sendo alguns deles: acorrentar, algemar, amanteigar, azulejar, engessar, gramar, entre outros. Todos esses verbos acarretam que a entidade denotada pelo nome contido no verbo passa a ser posse da entidade denotada pelo SN que é o argumento interno do mesmo, ou seja, amanteigar o pão acarreta que o pão fica com manteiga, azulejar a parede, acarreta que a parede fica com azulejo e assim por diante. A partir daí, a paráfrase mais adequada para os verbos de locatum não seria que alguém age, usando um instrumento, sobre algo ou alguém, mas sim algo do tipo prover o Y com algo, como propõem Hale e Keyser (2002), Cançado e Godoy (2012) e Cançado, Godoy e Amaral (no prelo).

Visto isso, temos que há três grupos de verbos que parecem conter um instrumento em seu nome, entretanto, como vimos, esses grupos apresentam comportamentos distintos. Vamos focar a nossa análise apenas no grupo de verbos que realmente lexicalizam o instrumento contido na raiz verbal. Esses verbos são os do tipo chicotear e martelar, pois

(29)

aceitam apenas um PP cognato ou um hipônimo como forma de se especificar o instrumento utilizado na ação verbal. Em nosso levantamento de dados, foram encontrados 24 verbos com essas particularidades (já mencionados na metodologia). Esses 24 verbos, por sua vez, compartilham uma série de características que serão explicitadas a seguir.

3.1.1. Comportamento dos verbos instrumentais

Como vimos na seção anterior, existe um subgrupo, constituído por 24 verbos, dentro do grupo mais geral daquilo que pode ser pensado, a priori, como verbos instrumentais. Na análise desse subgrupo de verbos, pudemos constatar que, além de lexicalizarem o instrumento, eles também apresentam propriedades semânticas e sintáticas em comum, o que nos dá mais respaldo para classificá-los como uma classe verbal. Esses verbos compartilham as seguintes características: todos eles possuem o aspecto lexical de atividade7; não licenciam a alternância causativo-incoativa e não ocorrem na forma intransitiva com o apagamento do objeto8; aceitam a forma passiva; só aceitam um instrumento como adjunto se este for um PP cognato ou um hipônimo; a sua forma reflexiva vai depender da animacidade do argumento interno dos mesmos, já que apenas verbos que possuem um argumento interno [+animado] aceitam a forma reflexiva (Godoy, 2012).

Destaquemos alguns exemplos da classe para ilustrarmos as propriedades propostas acima. Primeiramente, vejamos a propriedade semântica relativa ao aspecto lexical desses verbos, aplicando os testes do progressivo ou paradoxo do imperfectivo e o teste da ambiguidade com o advérbio quase, descritos na seção 2.4 do capítulo anterior:

(63) a. Se o fazendeiro estava chicoteando o empregado, então o empregado foi chicoteado.

7 Os testes aspectuais de todos os verbos instrumentais juntamente com todos os outros testes que utilizamos

podem ser vistos no apêndice.

8 Os verbos arar e maquiar aceitam a forma intransitiva, como em: o empregado arou todos os dias da semana e

Gisela maquia bem. No entanto, essas sentenças não representam um problema para nossa análise, pois

acreditamos que elas ocorrem devido ao fato de tanto arar como maquiar apresentarem uma superfície prototípica e, por isso, essa pode ser apagada sem gerar problemas de interpretação, que é feita pragmaticamente. O verbo arar só aceita como argumento interno um SN que denote o campo ou a terra, enquanto maquiar tem como argumento interno prototípico um SN que denota somente o rosto. Notem que quando queremos dizer que foi feita uma maquiagem em outro local que não seja o rosto, não omitimos o argumento interno, como em: a

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b. O fazendeiro quase chicoteou o empregado (sentença não ambígua). (64) a. Se o lenhador estava serrando a madeira, então a madeira foi serrada. b. O lenhador quase serrou a madeira. (sentença não ambígua).

(65) a. Se a Joana estava apunhalou a Maria, então a Maria foi apunhalada. b. A Joana quase apunhalou a Maria. (sentença não ambígua).

Esses testes constatam que esses verbos têm como natureza aspectual a atividade, pois eles acarretam que a atividade foi realizada, quando colocados no progressivo, e não têm a leitura ambígua com o advérbio quase.

Também, como podemos ver, eles não licenciam a alternância causativo-incoativa, com construções intransitivas e, tampouco, ocorrem na forma intransitiva, com o apagamento do objeto:

(66) a. *O empregado (se) chicoteou.

b. *Um fazendeiro malvado chicoteia demais. (67) a. *A madeira (se) serrou.

b. *Um lenhador ocupado serra todos os dias da semana. (68) a. *A Maria (se) apunhalou.

b. *Joana apunhala todos os dias da semana.

Ainda, aceitam a passiva:

(69) O empregado foi chicoteado pelo fazendeiro durante vários anos. (70) A madeira foi serrada ontem pela manhã.

(71) A Maria foi apunhalada pela Joana.

Só aceitam um instrumento como adjunto se este for um PP cognato ou um hipônimo:

(72) O fazendeiro chicoteou o empregado com um chicote de espinhos/ *com um pedaço de corda.

(73) O lenhador serrou a madeira com uma serra elétrica/ com um serrote/ *com um facão.

(74) A Joana apunhalou a Maria com um punhal de prata/ ?com uma faca/ *com uma tesoura.

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E, por fim, seguem a hipótese de Godoy (2012), aceitando a forma reflexiva só quando existe a animacidade de seus argumentos internos:

(75) O fazendeiro se chicoteou.

(76) O lenhador se serrou. (situação esdrúxula, mas possível). (77) Joana se apunhalou.

Como última observação, Salles e Naves (2009) chamam atenção para o fato de os verbos instrumentais enfeitar e envenenar realizarem a alternância incoativa, como em Laura enfeitou as lojas/ as lojas (se) enfeitaram e Taís envenenou o gato com cianureto/ o gato (se) envenenou. No entanto, não nos parece que enfeite e veneno sejam verdadeiramente instrumentos como chicote, serra, punhal, etc., não sendo, portanto, classificados como instrumentais. Além disso, esses verbos são polissêmicos, podendo pertencer à classe dos verbos de locatum e dos verbos de mudança de estado causativo-agentivos (Cançado, Godoy e Amaral, no prelo). Observemos os exemplos abaixo:

(78) A decoradora enfeitou a loja. ├ A loja ficou com enfeite. (Locatum) (79) A mulher envenenou a comida. ├ A comida ficou com veneno. (Locatum) (80) O gás tóxico envenenou a população./ A população (se) envenenou com o gás tóxico. (mudança de estado causativo-agentivo)

Através das sentenças de (78) a (80) podemos perceber que envenenar, sendo polissêmico, pode ser ou um verbo de locatum ou de mudança de estado causativo-agentivo, enquanto enfeitar9 se comporta como verbo de locatum.

Feita tal observação, concluímos que há um subgrupo formado por 24 verbos instrumentais que, por sua vez, apresentam as mesmas propriedades semânticas e compartilham os mesmos comportamentos sintáticos e, por isso, devem constituir uma classe com estruturas semânticas idênticas. Assim, o nosso objetivo nas próximas seções será propor uma estrutura argumental para essa classe em termos de decomposição em predicados primitivos.

9 Ainda há outro sentido para enfeitar que é o de embelezar: Ana se enfeitou com bijuterias. Nesse caso, não é

(32)

3.2. A Decomposição de predicados primitivos: Levin (1993) e Rappaport & Levin (1998, 2010)

Rappaport e Levin (1998, 2010) assumem que os verbos não estativos dividem-se em duas classes: uma em que os verbos têm como parte de seu significado a especificação do processo de um estado resultante e, outra, em que os verbos têm como parte de seu significado a maneira como uma ação ocorre. A primeira classe é composta pelos verbos de resultado (p.ex., congelar, abrir, quebrar, etc.) e a segunda, pelos verbos de maneira (p.ex., correr, pular, varrer, etc.). Conforme as autoras, esta classificação é relevante gramaticalmente, pois essas classes verbais apresentam padrões diferentes de realização sintática dos argumentos, incluindo a participação ou não na alternância causativo-incoativa.

Existem diferentes tipos de verbos de maneira, de acordo com Rappaport e Levin (1998). Verbos como esfregar e raspar, por exemplo, diferem-se pelo tipo de contato com uma determinada superfície que descrevem. Verbos como correr e pular, por sua vez, distinguem-se pelo modo de movimento que representam. Já verbos como assobiar e gritar são diferentes no que diz respeito ao modo de se emitir um determinado som. Entretanto, para as autoras, todos esses verbos apresentam uma mesma estrutura de predicado primitivo, que se encontra representada a seguir:

(81) manner → [X ACT <MANNER>]

De acordo com Levin (1993), os verbos instrumentais do inglês, como to brush (escovar), to comb (pentear), to plow (arar), to shear (tosquear), entre outros, comportam-se da mesma maneira que os verbos de superfície to scrape (raspar) e to rub (esfregar), exceto pelo fato de os primeiros estarem relacionados com um nome de um instrumento. A estrutura dada por Rappaport e Levin (1998) para os verbos instrumentais do inglês encontra-se em (82).

(82) instrument → [X ACT <INSTRUMENT>]

A raiz <INSTRUMENT>, assim como <MANNER>, funciona como modificador do metapredicado ACT.

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Entretanto, ao observarmos o comportamento dos verbos instrumentais no PB, podemos perceber que esses estão associados a dois participantes: um agente e algo afetado pela ação, de modo que a forma intransitiva dos verbos não nos parece boa, como já mostramos anteriormente e reforçamos com os seguintes exemplos:

(83) a. O João açoitou a Maria. b. *O João açoita todos os dias. (84) a. Marcos alfinetou Joana. b. *Marcos alfineta sempre.

(85) a. O patrão chicoteou o empregado.

b. *Os patrões de escravos chicoteavam todos os dias. (86) a. Ana martelou o prego na parede.

b. ?Ana martelou todos os dia durante 2 anos. (87) a. O carpinteiro serrou a madeira.

b. *Um carpinteiro atarefado serra todos os dias da semana.

As sentenças mostradas de (83) a (87), deixam claro que o argumento interno não pode ser apagado, de modo que a forma intransitiva dos verbos gera problemas de aceitabilidade. Marantz (1984) e Cançado (2009) propõem que o argumento que se encontra na posição sintática de objeto direto na sentença, não pode ser excluído por questões semânticas. Segundo os autores, o argumento interno tem uma relação semântica mais forte com verbo do que o argumento externo, o que nos impossibilita de apagar o primeiro, pois isso geraria a perda do sentido essencial do verbo.

Outra evidência de que, em PB, os verbos instrumentais precisam de um argumento interno, pode ser vista através da noção de acarretamento lexical proposta por Dowty (1979, 1991). De acordo com o autor, os itens lexicais também geram acarretamentos dos seus significados. Vejamos as seguintes sentenças:

(88)╞ O João acoitou a Maria, mas ninguém foi açoitado. 10 (89)╞ Marcos alfinetou Joana, mas ninguém foi alfinetado.

(90)╞ O patrão chicoteou o empregado, mas ninguém foi chicoteado. (91)╞ Ana martelou o prego, mas nada foi martelado.

10

(34)

(92)╞ O carpinteiro serrou a madeira, mas nada foi serrado.

Podemos perceber que as sentenças de (88) a (92) se tornam contraditórias ao negarmos a presença do SN denotado pelo argumento interno, o que nos prova que a presença destes é acarretada pelos verbos instrumentais para que possam ter seu sentido saturado (Cançado, 2009).

Além disso, segundo Pinker (1989) e Horrocks e Stavrou (2010), apenas objetos diretos canônicos podem ser passivizados. Também como já observarmos, os verbos dessa classe aceitam a construção passiva. Ilustremos novamente essa afirmação com os seguintes exemplos:

(93) A Maria foi açoitada pelo pai durante muitos anos.

(94) Joana foi alfinetada por Marcos durante 5 minutos seguidos.

(95) Os escravos foram chicoteados por seus patrões durante todo o período de escravidão no Brasil.

(96) O prego foi martelado cuidadosamente na parede por Ana. (97) A madeira foi serrada pelo carpinteiro esta tarde.

Feitas tais considerações, parece-nos mais do que claro que os verbos instrumentais necessitam de um argumento interno em sua estrutural argumental e isso faz com que a proposta de Rappaport e Levin (1998) para os verbos instrumentais no inglês não sirva para os mesmos em PB. Como vimos, as autoras propõem que os instrumentais sejam representados da seguinte forma: [X ACT <INSTRUMENT>]. Uma possível solução seria apenas

acrescentar um segundo participante Y nessa estrutura de predicados primitivos. No entanto, do ponto de vista estrutural, o metapredicado ACT pede apenas um argumento que é preenchido pela variável X.

Pereira (2009) propõe que a estrutura ideal para os verbos instrumentais seria a seguinte:

(98) v: [[EVENTO X AGIR] CAUSAR [EVENTO Y COISA/ PROPRIEDADE IR PARA Z COISA/

(35)

A partir da estrutura dada em (98), para uma sentença como Ricardo martelou o prego, por exemplo, teríamos a seguinte paráfrase: o X agir causa o Y (martelo) ir para Z (o prego). Entretanto, essa representação dos verbos instrumentais também não é adequada, uma vez que nos informa que esses possuem dois subeventos que estabelecem uma relação causal entre si. Como vimos, os verbos instrumentais possuem o aspecto lexical de atividade, o que faz com que sejam necessariamente verbos monoeventivos e isso torna a estrutura em (100) inapropriada.

Desse modo, inspiradas em Jackendoff (1990) e voltando à proposta de Rappaport e Levin (1998), nossa primeira ideia é trocar o predicado ACT por AFFECT (Jackendoff, 1990), uma vez que esse pede dois argumentos, como propomos a seguir por meio de uma estrutura usando a decomposição em predicados:

(99) [X AFFECT<INSTRUMENT> Y] 11

Porém, ao incluirmos um argumento interno, obedecendo às exigências desses verbos, e ao substituirmos ACT por AFFECT, deixamos de evidenciar a agentividade do argumento externo. Todavia, esta é clara, podendo ser comprovada por vários testes propostos na literatura. Vejamos alguns deles.

Jackendoff (1990) propõe que um agente (x) ocorrerá em uma estrutura do tipo o que o x fez foi:

(100) O que o João fez foi açoitar a Maria. (101) O que Marcos fez foi alfinetar a Joana. (102) O que o patrão fez foi chicotear o empregado. (103) O que Ana fez foi martelar o prego.

(104) O que o carpinteiro fez foi serrar a madeira.

Dowty (1979) afirma que somente agentes podem manipular um instrumento, o que faz com que a inserção do mesmo nas sentenças evidencie a agentividade do argumento externo:

(36)

(105) O João açoitou a Maria com um açoite de ferro. (106) Marcos alfinetou Joana com um alfinete enferrujado.

(107) O patrão chicoteou o empregado com um chicote de espinhos. (108) Ana martelou o prego na parede com um martelo de ferro. (109) O carpinteiro serrou a madeira com um serrote.

Outro teste que corrobora a agentividade do argumento externo é a passivização. Segundo Jackendoff (1972), Pinker (1989) e Cançado (2005) os agentes estão relacionados com a possibilidade de passivização dos verbos. Já evidenciamos essa propriedade nos exemplos de (93) a (97).

Além disso, Jackendoff (1972) propõe que há advérbios e expressões voltadas especificamente para o sujeito, como deliberadamente, intencionalmente e com a intenção de. Isso evidencia o fato de o agente estar ligado à animacidade.

(110) O João açoitou a Maria com a intenção de feri-la. (111) Marcos alfinetou Joana com a intenção de provocá-la. (112) O patrão chicoteou o empregado com a intenção de puni-lo. (113) Ana martelou o prego com a intenção de fixá-lo na parede. (114) O lenhador serrou a madeira com a intenção de vendê-la.

Por fim, é sabido na literatura que verbos estritamente agentivos não aceitam uma causa como sujeito:

(115) *A maldade do João açoitou a Maria. (116) *O descuido de Marcos alfinetou Joana. (117) *A raiva do empregado chicoteou o patrão. (118) *A eficiência de Ana martelou o prego na parede. (119) *O bom trabalho do lenhador serrou a madeira.

Através desses testes, portanto, fica claro que o sujeito dos verbos que analisamos são todos agentes e isso precisa ser evidenciado dentro da estrutura de decomposição de predicado dos mesmos. Como o predicado AFFECT não atribui agentividade ao seu argumento externo, adotaremos o modificador VOLITION (Cançado, Godoy e Amaral, no prelo) como forma de expressar essa agentividade.

(37)

Visto isso, propomos uma segunda versão para a representação da estrutura argumental dos verbos instrumentais em PB:

(120) [X VOLITION AFFECT<INSTRUMENT>Y]

O modificador VOLITION indica a agentividade de X, os argumentos do metapredicado AFFECT são preenchidos pelas variáveis X e Y, e a raiz <INSTRUMENT> modifica o metapredicado AFFECT. Além disso, a estrutura em (120) é composta por um só evento, o que vai de acordo com o fato dos verbos instrumentais serem verbos de atividade, como já visto anteriormente.

Porém, essa ainda não é a melhor representação para os verbos instrumentais no PB. O problema se encontra na própria raiz <INSTRUMENT>, como veremos na próxima seção.

3.2.1. Por que não utilizar a raiz <INSTRUMENT>

É assumido que, em PB, os itens modificadores são adjetivos, advérbios, certos sintagmas preposicionados e formas verbais no gerúndio. Um DP, por sua vez, não exerce função de modificador, como pode ser visto nos exemplos a seguir.

(121) Menino bonito – o adjetivo bonito modifica o DP menino.

(122) Roberto discursou euforicamente. – o advérbio euforicamente modifica o VP.

(123) Inês agiu com calma. – o PP com calma modifica o VP.

(124) Juliana chegou cantando. – o gerúndio cantando modifica o VP Juliana chegou.

(125) Desabamento do edifício. – o DP o edifício é argumento do nome deverbal desabamento, ou seja, não o modifica.

Analisando a nossa proposta de estrutura para os verbos instrumentais temos que a raiz <INSTRUMENT> encontra-se na posição de modificador do metapredicado AFFECT. O mesmo ocorre com o metapredicado ACT na estrutura proposta por Rappaport e Levin (1998). No entanto, essa raiz é um DP e como vimos, DPs não exercem a função de

(38)

modificadores. Teríamos, para a proposta de Rappaport e Levin (1998) e para a nossa, as seguintes paráfrases, respectivamente.

(126) v: [X ACT <INSTRUMENT>] - o X age instrumento.

(127) v: [X VOLITION AFFECT<INSTRUMENT> Y] – o X, volitivamente, afeta instrumento

Y.

Notemos que tais paráfrases não nos parecem boas, mesmo formalmente,e isso ocorre devido ao fato de termos, em ambas as estruturas, um DP funcionando como modificador.

Harley (2005) e Harley e Haugen (2007) propõem que os verbos instrumentais nada mais são do que verbos de maneira, que envolvem raízes que fazem conflation diretamente com o v, como pode ser observado na estrutura a seguir retirada de Harley (2005):

(Harley, 2005, p.26)

Segundo a autora, a maneira (hammering) realiza conflation com v, ou seja, se une a v por meio de uma operação chamada de Manner Incorporation. Através dessa, um verbo pode ser nomeado por uma raiz que descreva a maneira como a ação é realizada. A operação de Manner Incorporation é representada pelo balão na estrutura em (128).

Portanto, ao trazemos a análise de Harley (2005) e Harley e Haugen (2007) para a nossa proposta de decomposição de predicados dos verbos instrumentais em PB, nós teríamos que trocar a raiz <INSTRUMENT> por uma raiz de tipo <MANNER>, tendo uma estrutura da seguinte forma:

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