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Artigo Vasconcellos Andrade e Felix Relações Saúde e Trabalho no Serviço Público

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Academic year: 2021

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Relações Saúde-Trabalho no Serviço Público Federal

- O Estado brasileiro como patrão -

Eliana Guimarães Felix* Elsa Thomé de Andrade**

Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos***

Sumário: 1. Introdução; 2. Diferenças de enfoque das relações saúde-trabalho: a saúde ocupacional e a saúde do trabalhador; 3. As relações saúde-trabalho dos servidores públicos: 4. As resoluções da OIT - Organização Internacional do Trabalho - relacionadas aos servidores públicos; 5. As influências da saúde do trabalhador na política para os servidores públicos; 6. A proposta política em curso - Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor – SIASS; 7. Conclusão.

Sumary: 1. Introduction 2. Differences on focus of health-labor relations: the occupational health and worker's health, 3. The relationship of health-working public servers: 4. The resolutions of the ILO - International Labor Organization - related to public servers; 5. The influences of the worker's health on the policy for public servers; 6. The current policy proposal – Integrated Subsystem for Server’s Health Assistance; 7. Conclusion.

Palavras-chave: Saúde do Trabalhador, Saúde Ocupacional, Relações saúde-trabalho, Serviço Público Federal, Saúde do Servidor Público.

Key words: Worker’s health, occupational health, work and health relationships, Federal Public Service, public worker's health.

Este artigo trata da relação saúde-trabalho no serviço público federal que se encontra em processo de discussão, com a construção do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor - SIASS. Reflete sobre o papel do Estado, enquanto empregador, e como promotor e garantidor de políticas públicas de saúde voltadas para a população trabalhadora, em geral, e para os servidores públicos federais, em particular. A partir de revisão bibliográfica e documental são discutidas as diferenças conceituais existentes sobre a saúde no trabalho, correlacionando-se os campos da saúde do trabalhador e da saúde ocupacional, como se interpenetram e exercem influências recíprocas entre si. Analisa-se a forma como o Estado brasileiro se comportou no trato com essas questões para seus servidores, no percurso histórico, desde a criação do Departamento de Administração do Serviço Público - Dasp -, até o estado atual das práticas de implantação do SIASS.

______________________________________________________________________________

* Fundação Oswaldo Cruz/Ministério da Saúde - Farmanguinhos - Mestranda do Curso de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública. Especialista em Recursos Humanos/ e-mail: efelix@far.fiocruz.br. End: Av. Comandante Guaranys, nº 447 – Jacarepaguá /RJ CEP: 22775-903 - Tel.: 21 -3348-5050

** Fundação Oswaldo Cruz/ Ministério da Saúde – Escola de Governo em Saúde/Escola Nacional de Saúde Pública – Mestre em Saúde Pública/Saúde do Trabalhador/ e-mail: elsa@ensp.fiocruz. br. End: Rua Leopoldo Bulhões 1480 sala 39 – Tel: 21- 2598 2561

***Ministério da Saúde/Fundação Oswaldo Cruz - Pesquisador/Professor - Doutor em Saúde Pública / e-mail: elfadel@globo.com - End. Av. Brasil 4.036 - sala 903 - Tel: 21-3882.9222.

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Health-Labor Relations in the Federal Public Service - The Brazilian state as employer -

This paper discusses the relation between health and work in the federal public service which is in process of redefinition, with the construction of the Integrated Subsystem of Assistance to Server's Health. It reflects upon the role of the State, as employer, and as promoter and warrantor of public health policies for the working population, in general, and for federal public servers, specifically. Starting from both a review of literature and documents, we discuss existing conceptual differences about health at the workplace, correlating the areas of workers’ health and occupational health, how they interrelate and influence each other. We analyze the way the Brazilian State has dealt with these issues with public servers, observing this historical trajectory, since the creation of the Department of Administration of Public Service, until the implementation practices of the current system.

1. Introdução

As relações saúde-trabalho no serviço público federal são objeto recente de discussão. Sua materialização vem ocorrendo por intermédio de um projeto coordenado pelo Ministério do Planejamento - o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor - SIASS.

O projeto, enquanto um processo institucional em construção, vem incorporando questionamentos sobre as diferentes estratégias a serem adotadas para a sua implementação.

A partir de uma pesquisa de base histórica, desde a criação do Departamento de Administração do Serviço Público - Dasp, em 1938, até a implantação do SIASS, em curso, o objetivo deste artigo foi o de observar como o Estado, no papel de empregador, portanto, como patrão, tem se posicionado na construção de uma política no campo das relações saúde-trabalho no âmbito do serviço público federal, de que forma o faz e qual a participação dos trabalhadores, no caso os servidores públicos federais, nesse processo.

O levantamento efetuado centrou-se nas primeiras iniciativas do Dasp, nas legislações sucedâneas, como o Regime Jurídico Único (Lei 8112, de 11/12/90), passando pela implantação do Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público Civil Federal - Sisosp, até chegar à versão do SIASS, analisada no decorrer de 2008.

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Simultaneamente, foi pesquisada a adesão do Estado Brasileiro às resoluções da Organização Internacional do Trabalho - OIT que tratam das relações saúde-trabalho, em que se inclui o trabalhador do serviço público.

Buscou-se, ainda, analisar se houve influências das iniciativas do Estado brasileiro no campo das políticas públicas de saúde do trabalhador sobre o SIASS. Nesse contexto, as análises recaíram sobre a atual política de saúde do trabalhador, a partir de sua inserção na Constituição Federal/88, e as recomendações das três Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador - CNST, realizadas em 1986, 1994 e 2005.

Finalmente, partindo-se da hipótese de que as ações do Estado empregador, enquanto patrão, relacionadas ao eixo saúde-trabalho, carecem de uma base conceitual e organizacional consistente, o artigo demarca as aproximações e os distanciamentos entre políticas públicas voltadas para os trabalhadores em geral e aquelas voltadas para os trabalhadores em particular, no caso, os servidores públicos federais.

2. Diferenças de enfoque das relações saúde-trabalho: a saúde ocupacional e a saúde do trabalhador

A responsabilidade da atenção às relações entre saúde e trabalho, por parte dos empregadores, é uma construção histórica que se origina no contexto da Revolução Industrial e que vai se consolidar nos anos subseqüentes como o campo do Direito Trabalhista.

O Estado passa a criar, desde então, regras para o controle das condições de saúde no trabalho, garantidas pelo contrato entre as partes patrão-empregado. O Direito Trabalhista, em seu percurso, torna-se expansível, ou seja, permanentemente inovador no sentido de agregar regras e, portanto, novos direitos de garantia das condições de saúde dos trabalhadores.

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A agregação desses novos direitos reflete, no contexto histórico, as lutas políticas provocadas pelos trabalhadores que, pouco a pouco, vão se organizando e, a partir daí, exigindo melhores condições de saúde e de vida no trabalho.

Um resultado relevante desse processo foi o surgimento da Medicina do Trabalho, que passou a responder tecnicamente às exigências do controle das condições de saúde, sob o mandamento da regra estabelecida (MENDES & DIAS, 1991).

As regras do Direito Trabalhista buscavam a preservação do corpo trabalhador, de modo a manter a força de trabalho e a sua capacidade de reprodução. Com a evolução das lutas dos trabalhadores, sempre no sentido de expandir os seus direitos, surge o Direito Previdenciário como resposta às necessidades de garantia de reparação ao dano à saúde provocado pelo trabalho. (VASCONCELLOS & OLIVEIRA, 2008).

Consolida-se, desse modo, um conjunto de preceitos normativos protetor da força de trabalho (Direito Trabalhista) e um outro conjunto com um sentido reparador da mesma (Direito Previdenciário), que vai se legitimar no contexto político e jurídico da maioria dos países. Com a criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT, em 1919, as regras trabalhistas e previdenciárias se legitimam internacionalmente e se expandem para os países signatários das suas resoluções (idem ibidem).

Fruto de lutas intensas por mais direitos e as decorrentes negociações entre trabalhadores e patrões para a sua garantia e ampliação, essas regras vão se expandir, estabilizar-se ou mesmo se retrair em função de conjunturas políticas locais, ao sabor da correlação de forças entre as partes. Essa dinâmica demonstrou com bastante nitidez a vulnerabilidade da regra, permanentemente questionada na sua capacidade de garantir plenamente a vida e a saúde no trabalho - suficiente para alguns (patrões) e limitada para a maioria (trabalhadores).

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A evolução gradativa dos processos e ambientes de trabalho, com a incorporação de novas tecnologias e métodos, passou a exigir regras condizentes e, portanto, mais complexas, ao longo da história. A preservação da saúde no trabalho adotou, do mesmo modo, abordagens técnicas que superassem o enfoque restrito da Medicina do Trabalho clássica. Nesse contexto, o surgimento de uma Saúde Ocupacional, no decorrer do século XX, visou suprir insuficiências técnicas e metodológicas de preservação da saúde no trabalho (MENDES & DIAS, 1991), incorporando formulações das engenharias, da ergonomia e, entre outros campos do conhecimento, da psicopatologia, passando a frequentar, cada vez mais intensamente a regra protetora da força de trabalho. Ou seja, a incorporação de novos elementos técnicos e o aporte de novos conhecimentos trazidos por outras disciplinas passaram a ser mandatórias para o aprimoramento de respostas condizentes com as exigências técnicas de normativas contratuais ampliadas.

Desde o surgimento dos estados de bem-estar social (welfare-state), na primeira metade do século XX, até o advento das políticas neoliberais, especialmente após os anos 1980, havia uma tendência de maior expansão das regras do que sua retração, especialmente, no contexto da Guerra Fria em resposta aos movimentos de trabalhadores, identificados com as ideologias de esquerda. As regras protetoras da saúde no trabalho, seguindo a tendência das políticas de bem-estar social, foram aprimoradas e ampliadas, especialmente sob a chancela da OIT.

Concomitante ao fato, contudo, um agir histórico político e normativo sobre a saúde no trabalho, por parte dos Estados, influenciado na mesma medida pela OIT, alicerçava-se nos campos trabalhista (proteção) e previdenciário (reparação), em suas respectivas instituições estatais, deixando as relações saúde-trabalho à margem das políticas de saúde pública, ao longo de grande parte do século XX (VASCONCELLOS, 2007). Consolidou-se, desse modo, uma saúde preventiva direcionada a grandes contingentes populacionais, no caso os trabalhadores,

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cuja responsabilidade legal e política recaiu sobre setores dos aparelhos de Estado (trabalhista e previdenciário) da grande maioria dos países que não aqueles responsáveis pelas políticas de saúde preventiva dos demais segmentos da população (saúde pública). De modo simplificado, podemos dizer que a formulação das políticas das relações saúde-trabalho e sua execução ficaram ao encargo, na maioria dos países, inclusive no Brasil, dos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social, ou seus similares. Aos Ministérios da Saúde dos países, ou seus similares, por seu turno, não recaíam responsabilidades formuladoras ou executivas sobre essas questões.

Fruto de uma crítica a esse modelo trabalhista-previdenciário, fortemente identificado com os campos técnicos da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional, uma das principais iniciativas de luta por ampliação dos direitos à saúde no trabalho ocorreu na Itália, a partir dos anos 1960, com o surgimento do Movimento Operário Italiano, apoiado pelo Partido Comunista Italiano. Suas características reportavam-se a princípios, dos quais se destacam: a estruturação de grupos homogêneos de risco para conhecer as condições de trabalho; a criação de instrumentos de avaliação, como o mapa de riscos; a incorporação dos trabalhadores como sujeitos da transformação dos processos e ambientes de trabalho; e a validação consensual entre o saber técnico e o saber dos trabalhadores - saber operário (ALONSO, 2007). O movimento, do mesmo modo, trouxe para a cena da saúde pública essas questões, introduzindo-as na Reforma Sanitária Italiana daqueles anos. As relações saúde-trabalho passavam a ser, de modo explícito, problemas de saúde pública, cuja responsabilidade recaía sobre o aparelho de Estado no âmbito da saúde e não somente do trabalho e previdência. Além disso, afrouxavam-se os vínculos técnicos bastante estritos com a Saúde Ocupacional (onde está inscrita a Medicina do Trabalho), ampliando o campo de atuação para outras disciplinas do conhecimento e com outras instâncias do Estado e da Sociedade.

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O conjunto de características, advindas desse movimento e de seus princípios, forjou o conceito de saúde do trabalhador que se difundiu e passou a freqüentar as reflexões sobre a construção de conhecimentos e políticas na dimensão das relações saúde-trabalho, em vários países do mundo, inclusive o Brasil.

O movimento da Reforma Sanitária Brasileira consolidou a compreensão de que as relações saúde-trabalho estão contidas no campo de ação da saúde pública e introduziu no seu ideário essa perspectiva, na concepção ampliada de mudança do modelo sanitário do país. Nos moldes do conceito italiano original, surgiu o conceito técnico-normativo de saúde do trabalhador, inscrito na Constituição Brasileira de 1988 e consolidado na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080, de 19/09/1990), que dá organicidade ao Sistema Único de Saúde - SUS.

O nascente ideário constitucional da saúde do trabalhador implicava em superar as limitações dos direitos tradicionais com a garantia de uma saúde plena e irrestrita (enquanto direito de todos e dever do Estado). Ou seja, o movimento sanitário brasileiro buscou incluir as relações saúde-trabalho no rol dos direitos ampliados de saúde e cidadania, sob a influência do movimento operário italiano, também protagonista da Reforma Sanitária Italiana que influenciou a brasileira .

A partir daí, passou-se a ter o convívio de uma saúde do trabalhador, ampliada e alicerçada na saúde pública e no marco regulatório do direito amplificado à saúde, ao encargo do SUS, e uma saúde ocupacional, mais restrita e alicerçada nos estatutos regulatórios limitativos do contrato entre as partes - patrão/empregado - compradora e vendedora da força de trabalho no mercado, ao encargo das áreas estatais do trabalho e previdência.. Uma distinção bastante nítida entre dois campos de conhecimento - o da saúde do trabalhador e o da saúde ocupacional - passou a ser tangível quanto à aplicação de regras sobre a saúde no trabalho.

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Na saúde do trabalhador fundou-se a relação do Estado como provedor de uma política pública indistinta para o conjunto dos trabalhadores brasileiros, mantendo-se a saúde ocupacional como o campo técnico-normativo aplicado à relação privativa entre partes.

Em virtude de sua compleição histórica, cristalizou-se, no Brasil, desse modo, o dualismo entre saúde do trabalhador e saúde ocupacional. Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997) observam o reflexo dessa situação no campo da produção de conhecimentos sobre a relação saúde-trabalho:

Em síntese, apesar dos avanços significativos no campo conceitual que apontam um novo enfoque e novas práticas para lidar com a relação trabalho-saúde, consubstanciados sob a denominação de Saúde do Trabalhador, depara-se, no cotidiano, com a hegemonia da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional. Tal fato coloca em questão a já identificada distância entre a produção do conhecimento e sua aplicação, sobretudo num campo potencialmente ameaçador, onde a busca de soluções quase sempre se confronta com interesses econômicos arraigados e imediatistas, que não contemplam os investimentos indispensáveis à garantia da dignidade e da vida no trabalho (p.23).

Tambellini (1988), a propósito dessas questões, assinalava a demarcação de um conceito para uma política de saúde do trabalhador: "... é a expressão do poder dos trabalhadores de ter saúde e tomar em suas mãos o controle de suas próprias vidas, saúde e trabalho” (p.12). Com o objetivo de melhor ressaltar as diferenças entre os campos, no quadro adaptado a seguir, a mesma autora observava:

Relações saúde trabalho - diferenças de enfoque

Campo Medicina do Trabalho Saúde Ocupacional Saúde do Trabalhador

Agente Médico Especialista Equipes Multi-Profissionais +

Trabalhadores

Objetos Trabalhadores Grupos de Risco Classes Sociais

Trabalhadores Organizados

Instrumentos e Meios

Técnica a Serviço dos

Setores Dominantes Técnica "Neutra" Técnica a Serviço dos Trabalhadores

Resultados Informação Deformada da

Realidade

Conhecimento Ideologizado da

Realidade

Determinantes sob Controle dos Trabalhadores

Conhecimento Integrado da Realidade Fonte: Tambellini, A.T. (1988): Da Medicina do Trabalho às Relações trabalho-saúde (quadro resumido e adaptado).

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É bem evidente que os dois campos trazem marcas distintas e bem marcadas do ponto de vista ideológico, seja por conta de suas origens ou seja, ainda, pela condução histórica de suas formulações e seus formuladores. A distinção ideológica é bem observada por Ramos Jr:

[..] o corte de classe é muito evidente entre as diversas formas de abordagem teóricas e práticas da saúde dos trabalhadores. Conceitos como Saúde Ocupacional, Medicina do Trabalho, Higiene do Trabalho, Engenharia de Segurança e Saúde do Trabalhador se confundem na prática de muitos profissionais que atuam no campo, mas, longe de ter diferença apenas semântica, representam interesses divergentes, nem sempre explicitados, na forma de tratar a saúde e a segurança da força produtiva. Estes muitos conceitos podem ser sistematizados em dois grandes campos de conhecimento: a Saúde Ocupacional e a Saúde do Trabalhador; a primeira embasada numa teoria positivista e a serviço do capital; a segunda com base no materialismo histórico e dialético e a serviço da classe trabalhadora (2007: 67-68).

Com a consolidação da saúde do trabalhador no SUS, nos anos subsequentes observou-se a utilização indistinta da expressão "saúde do trabalhador" sem a demarcação conceitual com a saúde ocupacional, confundindo papéis, perfis, competências e o direcionamento das políticas públicas, em que muitas vezes se torna necessário evidenciar suas diferenças.

O convívio entre os campos da saúde do trabalhador e da saúde ocupacional, considerados ora como similares, ora como bastante distintos, não se deu de forma pacífica. Isto por situarem responsabilidades objetivas do Estado brasileiro sobre um e outro em setores diversos do seu aparelho institucional e por não deixar claro, no campo formulador da política, de que se tratam as políticas públicas em cada um dos campos.

A rigor, a inclusão da saúde do trabalhador no âmbito do SUS inaugurou uma crise de paradigmas, por tratar de um campo político de ação que expande o direito à saúde sobre um campo de ação que restringe esse direito, em função da regra contratual (saúde ocupacional).

A hierarquia proposta pelo SUS, em sua formulação de Saúde do Trabalhador, estabelece uma organização interdisciplinar a partir da epidemiologia, constituindo um saber dogmático característico da área de saúde. Por sua vez, no campo do Ministério do Trabalho e Emprego, o arcabouço interdisciplinar da saúde do trabalhador é fundamentado e hierarquizado através da submissão das outras disciplinas ao estudo das relações de trabalho. Essa disputa teórica é muitas vezes intuitiva e, sobretudo, condicionada pelos próprios micropoderes existentes

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dentro das instituições de referência. Isso inclui de forma perversa os corporativismos que se auto-reproduzem como fim de sua ação institucional, constituindo-se num campo fechado de negócios e saberes (Machado: 2005:8). Um passo em direção à superação da crise implica considerar o campo da saúde do trabalhador como estrutura política e institucional na dimensão formuladora macro do Estado brasileiro, subordinando as micro-dimensões que tratam das relações saúde-trabalho, aqui incluída a saúde ocupacional (relação entre partes), às suas bases doutrinárias e diretrizes de ação. Em outras palavras, a saúde do trabalhador abrange a totalidade política da dimensão da saúde enquanto direito de todos e dever do Estado de garanti-la e vigiar para que seja garantida. Assim, a saúde do trabalhador tem como aparato político-ideológico e institucional a dimensão holística da saúde pública sobre os determinantes sociais, incluindo o trabalho, tendo a vigilância da saúde como sua dimensão técnica interventora. O campo da saúde do trabalhador e sua vigilância da saúde é instrumento da política de intervenção do Estado, o campo da saúde ocupacional é um dos objetos dessa intervenção.

A melhor compreensão da identidade de cada campo, pela via da institucionalidade, do discurso político, da base legal e dos recursos destinados para as ações passou a ser exigida para o cumprimento das responsabilidades objetivas do Estado. No caso do Estado brasileiro, enquanto patrão, a demarcação de suas diferenças deverá ser observada para melhor qualificar a aplicabilidade das políticas. No quadro a seguir, observam-se algumas diferenças entre a saúde ocupacional e a saúde do trabalhador.

Saúde Ocupacional e Saúde do Trabalhador - diferenças de enfoque

Diferenças Saúde Ocupacional Saúde do Trabalhador

POLÍTICAS

Privativas e Limitadas Públicas e Ampliadas Tutelares Compartilhadas com o trabalhador Subordinadoras do trabalhador Empoderadoras do trabalhador Reguladoras segundo a norma trabalhista Interventoras segundo o direito à saúde

Mantenedoras da ordem normativa Transformadoras da ordem normativa

ECONÔMICAS

Restritas segundo disponibilidades Irrestritas Contratuais Universalistas Compensatórias monetaristas Não monetaristas

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ÉTICAS

Relações Autoritárias Relações Democráticas Trabalhador como objeto Trabalhador como sujeito Relações desumanizadas Direitos Humanos

TÉCNICAS

Multiprofissionais Interdisciplinares Agentes como determinantes Organização como determinante Controle sobre o corpo individual Intervenção com e sobre o sujeito coletivo

Exposição controlada Pesquisa-intervenção Fonte: VASCONCELLOS, 2008.

Dessa forma, fica evidente a necessidade de elaboração de instrumentos jurídicos, técnicos e de planejamento das ações sobre as relações saúde-trabalho, quer se tratem de diretrizes ampliadas sobre o conjunto da população trabalhadora, quer se tratem de diretrizes sobre o corpo de trabalhadores - servidores - inseridos na máquina pública.

3. As relações saúde-trabalho dos servidores públicos O período anterior à Constituição Federal de 1988

No final da década de 1920, a crise no mercado mundial de consumidores motivada pelas dificuldades econômicas dos Estados Unidos afetou o desenvolvimento do sistema capitalista internacional, cuja repercussão no Brasil, enquanto economia periférica sustentada na exportação de café foi relevante. Foi nesse contexto que o Estado Brasileiro, no 1º governo Getúlio Vargas (1930 a 1945), teve a preocupação de organizar a estrutura administrativa da União de forma mais racional (COSTA, 2008).

Nunes (1997) relata que a necessidade de modernização do Estado brasileiro superou a influência da grave crise econômica internacional com um projeto desenvolvimentista, criando bases para a sua industrialização. A lógica da produção capitalista e as demandas da sociedade, neste período, marcaram a redefinição dos padrões sociais e de políticas no interior do Estado, com reformas da estrutura e da administração pública.

A criação de elementos burocráticos, o início do processo de estatização em alguns setores produtivos e a instituição de normas legais foram instrumentos de poder do Estado

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brasileiro que se caracterizava como paternalista e de classe, impulsionando a administração pública com mecanismos de controle, principalmente nas áreas de pessoal, material e finanças (COSTA, 2008).

Entre as medidas de organização e racionalização do serviço público no Brasil destaca-se a criação, em 1938, do Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP (Decreto-Lei n.º 579, de 30/07/1938), órgão previsto pela Constituição de 1937, subordinado à Presidência da República, com o objetivo de estruturar a reforma administrativa no país. Sua atribuição maior foi a de promover a seleção e o aperfeiçoamento do pessoal administrativo, por meio da adoção do sistema de mérito1, capaz de impedir as pressões dos interesses privados e político-partidários na ocupação dos empregos públicos.

Além dessas atribuições, o DASP foi também, por muito tempo, responsável pela elaboração da proposta do orçamento federal e da fiscalização orçamentária (MPOG, 2008).

Entre as principais realizações do DASP encontra-se a sistematização dos direitos e deveres do funcionalismo, definidos no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, primeiro documento desse tipo no Brasil (Decreto-Lei nº 1.713, de 28/10/1939), assinado por Getúlio Vargas. A intenção era dar ordem, respeito e garantia de direitos, com tratamento isonômico entre todas as carreiras do serviço público, proporcionando condições ao servidor para desempenhar suas tarefas com maior produtividade e qualidade. No seu artigo 120, o estatuto concede gratificação ao funcionário, pelo exercício em determinadas zonas ou locais e/ou pela execução de trabalho de natureza especial, "com risco da vida ou da saúde".

O fato é relevante em instituir compensação financeira por atividade de risco, denotando iniciativas que vão se consolidar ao longo do tempo, como medidas de monetarização dos riscos,

1

Segundo Max Weber, a meritocracia está associada ao estado burocrático, quando a forma pela qual os funcionários estatais são selecionados para seus postos de acordo com sua capacidade técnica, através de concursos e também indica posições ou colocações conseguidas por mérito pessoal (Weber, 1979).

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dentre as quais os adicionais de insalubridade e periculosidade, hoje ratificados na Constituição Federal/88 (inciso XXIII do art.7º).

Com a intenção de dar respostas estruturais e institucionais à proteção social para os funcionários públicos e suas famílias, em 1940, foi criado o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado - Ipase (Decreto-Lei nº 2.865, de 12/12/1940). Logo a seguir, instituiu-se o regime de benefícios de pensões, pecúlio e outras formas próprias de instituiu-seguro privado com opção de contribuir para obter financiamentos e complementar as pensões2.

O Decreto n.º 11.101, de 11/09/42, acrescentou como finalidade do Dasp a competência de estudar e fazer proposições sobre as relações de trabalho, tais como a classificação dos cargos e funções, os planos de assistência e previdência relativos aos servidores públicos e medidas tendentes a incentivar o cooperativismo e assistência econômica aos servidores públicos. Previa ainda, promover medidas visando o bem-estar social dos servidores civis da União e o seu aprimoramento nas relações humanas no trabalho (MPOG, 2008).

Após 1945, o DASP foi parcialmente reestruturado dedicando-se à seleção e aperfeiçoamento de pessoal. Em todos os decretos das reformas administrativas foi sempre reafirmado seu papel de orientação, coordenação, supervisão e controle de assuntos concernentes à administração do pessoal civil da União.

O Senado Federal, através da Lei 1.711, de 28/10/1952, dispôs sobre o estatuto dos funcionários públicos civis que instituiu o regime jurídico dos funcionários civis da União e dos Territórios. Esta lei reafirmou os direitos relativos às questões de saúde, já assegurados anteriormente, e estabeleceu os critérios para atuação de junta médica oficial na concessão de licenças e remuneração do tempo de afastamento ou aposentadoria.

2

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Após esse período, em 1967, uma nova reforma foi estabelecida (Decreto nº 200, de 25/02/1967), com o objetivo de aumentar o rendimento e a produtividade no setor público. O paradigma da administração era a obediência à lei e seus ditames, subordinando a Administração Pública ao Estado.

O Decreto n.º 93.211, de 03/09/1986, criou a Secretaria de Administração Pública da Presidência da República - Sedap, órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República, que substituiu o Dasp. À Sedap coube a modernização, organização administrativa e a desburocratização, além das atribuições já desenvolvidas pelo Dasp relativas à administração de pessoal civil (MPOG, 2008).

Em síntese, no período anterior à Constituição Federal de 1988, os direitos dos servidores relacionados à saúde no trabalho diziam respeito a normas de aposentadoria, remuneração de licenças para tratamento de saúde e instituição do adicional de insalubridade e periculosidade.

O período posterior à Constituição Federal de 1988

As reformas do aparelho do Estado Brasileiro tiveram o permanente objetivo de criar uma burocracia profissional e meritocrática na administração pública, variando apenas as estratégias adotadas em seu percurso histórico (RIBEIRO, 2002).

Nessa dinâmica reformista, a Sedap foi extinta no Governo Fernando Collor de Mello (15/03/1990 a 02/10/1992), dando origem à Secretaria da Administração Federal - SAF, órgão de assistência direta e imediata ao Presidente da República3, em que se manteve a estrutura da Secretaria de Recursos Humanos, órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - Sipec.

3

Com a Lei 8.490, de 19/11/1992 a SAF passa a ter como atribuições coordenar as atividades do "pessoal civil da Administração

Pública Federal, direta, indireta e fundacional, bem assim os serviços gerais, modernização e organização administrativas e os sistemas e serviços de processamento de dados dessas entidades"

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Em 1990, a Lei 8.112 (11/12/1990) instituiu o Regime Jurídico Único dos Servidores Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais - RJU, tornando estatutários os servidores públicos federais até então contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Como características da mudança de regime se destacam: direito à aposentadoria integral; estabilidade no serviço; desvinculação da Previdência Social4 e nas suas disposições encontram-se os critérios de concessão dos adicionais "pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas [...] e outros, relativos ao local ou à natureza do trabalho" (artigo 61).

No 1º governo Fernando Henrique Cardoso (01/01/1995 a 01/01/1998), a SAF passou a fazer parte do Ministério da Administração e Reforma do Estado - Mare, criado por Medida Provisória5 e confirmado pelo Decreto nº. 1.825, de 29/02/96. Sua competência era a de elaborar diretrizes para a reforma do aparelho do Estado, tendo como titular da pasta o Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira que atuou dentro e fora do governo como ideólogo e articulador do projeto de reforma.

Foi instituído, em 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRE, com o objetivo de implementação de um modelo de gestão para o setor público, a partir da redefinição do papel do Estado e da instauração de um novo paradigma de administração por resultados, denominado de administração gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998).

O PDRE baseou-se num diagnóstico sobre a crise do Estado - crise do modo de intervenção, dos modelos de administração e de financiamento do setor público. Foi um plano concebido, levando-se em conta o conjunto das mudanças estruturais de ordem econômica,

4

Lei 9.717 de 27/11/98: dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências

5

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política e social necessárias à inserção competitiva do Brasil na nova ordem mundial (idem ibidem).

A proposta do PDRE requereu o estabelecimento de todo um arcabouço jurídico para a definição de regras para a flexibilização da gestão, em especial, no que se refere aos processos de aquisições pelo governo e à administração dos recursos humanos do serviço público. As mudanças de ordem legal e normativa incluíram a revisão de dispositivos constitucionais, como a das regras da estabilidade (Emenda Constitucional n.º 19/98) e a mudança das regras para a concessão de aposentadorias aos servidores (Emenda Constitucional nº 20/98).

O RJU mereceu especial atenção nesse processo de reformulação legal: em pouco mais de doze meses foram alterados 58 dos seus 253 artigos originais e, ainda, revogados outros 7 artigos e 13 alíneas, incisos e parágrafos, com redação dada pela Lei nº. 9.527, de 10/12/97 (MARE, 1998). Dentre as alterações sobre as relações saúde-trabalho, destacam-se a modificação das regras para a concessão de licença para tratamento de saúde do servidor e a terceirização das perícias, avaliação ou inspeção médica, na ausência de médico do órgão ou de junta médica oficial.

Outras alterações foram realizadas, no decorrer dos governos Fernando Henrique Cardoso (01/01/1995 a 01/01/2003) e Luiz Inácio Lula da Silva (01/01/2007 em exercício), culminando nas mudanças apresentadas pela Lei 11.907 de 02/02/2009, em que se destacam nas relações saúde-trabalho novas regras de licença por doença em familiares e do próprio servidor e de aposentadoria por invalidez, a inclusão de perito odontólogo e a realização de exame médico periódico para o servidor.

Observa-se que o RJU tratou de medidas periciais, remuneratórias e compensatórias de exposição a risco e de seguridade social sem estabelecer parâmetros de melhoria das condições de trabalho e do ambiente. Aspectos como o estabelecimento de padrões de exposição e

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avaliações para a redução ou eliminação dos riscos, organização de instâncias para efetuá-las e a participação dos servidores no processo de melhorias, comunicação e informações sobre as condições dos processos e ambientes de trabalho não foram alvo de suas disposições.

A atual estrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão6 foi definida pelo Decreto nº. 6.081, de 12/04/2007. Sua missão é a de: "Promover o planejamento participativo e a melhoria da gestão pública para o desenvolvimento sustentável e socialmente includente do País". Em sua estrutura está a Secretaria de Recursos Humanos entre os denominados Órgãos Específicos Singulares. Um de seus departamentos é o de Relações de Trabalho, com quatro coordenações: de negociação e relações sindicais; de estudos e informações gerenciais; de carreiras e análise do perfil da força de trabalho; e de seguridade social e benefícios do servidor, esta última de especial interesse para a presente discussão.

À Coordenação de Seguridade Social e Benefícios do Servidor - COGSS, criada em julho de 2003, cabe a tarefa de

[...] propor e supervisionar a aplicação das políticas e diretrizes relativas à saúde ocupacional, saúde suplementar, direitos previdenciários e assistência psicossocial, bem como benefícios diretos e indiretos aos servidores da administração federal direta, autárquica e fundacional (MPOG, 2008).

Seu objetivo é o de suprir a ausência de uma política nacional de saúde do servidor articulada pelo Estado brasileiro, que vem sendo demandada historicamente por entidades representativas dos servidores. Além de ser recomendada por convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, a atenção à saúde do servidor público foi objeto de reivindicação das 2ª e 3ª Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador.

6

Em 1º de janeiro de 1999, no início do 2º mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, houve a fusão do Mare com o Ministério do Planejamento e Orçamento e passa a se chamar Ministério do Orçamento e Gestão - MOG. A partir de 30 de julho de 1999, com a Medida Provisória nº 1.911-8, o MOG recebeu o nome atual de Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG.

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Com esse propósito, a partir de 2003, foram implementadas medidas que culminaram com a criação do Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público - Sisosp - e de espaços de discussão coletiva envolvendo os servidores na construção da política de atenção à sua saúde. Em 2008, a nomenclatura do Sisosp muda para Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor - SIASS.

A rigor, essas medidas visam suprir as lacunas deixadas pelo RJU que, como foi visto, não mostra, em seu conteúdo, uma preocupação com as relações de saúde-trabalho do servidor público, a quem ele está dirigido. As menções a essas questões foram sempre genéricas, voltadas para os aspectos assistencial, pericial e o da monetarização, sem a preocupação em criar instâncias, regulamentos próprios, incentivos a ações específicas e, mesmo, dar voz aos servidores nessas questões.

Paralelamente, o campo da saúde do trabalhador exerceu uma influência nessa discussão, no sentido de se estabelecer uma atenção à saúde do trabalhador servidor público. Desse modo, o Estado brasileiro vem sendo chamado a cumprir sua responsabilidade como empregador no âmbito da saúde ocupacional e estabelecer protocolos e procedimentos, conforme se observa entre as competências da Secretaria de Recursos Humanos/MPOG.

Finalizando, na figura que se segue observa-se a evolução histórica dos diplomas legais e suas atribuições no campo das relações saúde-trabalho, em seus respectivos períodos políticos.

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4. As resoluções da OIT relacionadas aos servidores públicos

As convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT - são tratados internacionais que, uma vez aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho, que se realiza anualmente, podem ser ratificados ou não pelos países membros. Pela constituição da OIT, para que um país ratifique uma convenção o seu parlamento deve aprová-la. Caso um país membro decida por sua aprovação, a convenção entra em vigor um ano depois de sua ratificação, estando obrigado "a aplicá-la em sua legislação e em suas práticas nacionais", tendo que enviar regularmente relatórios referentes à sua aplicação (MTE, 2002).

As resoluções emitidas pela OIT, discutidas, apoiadas e aplicadas pelos países participantes têm em comum a abrangência para todos os segmentos, públicos ou privados, em que haja trabalhadores abrangidos pelo tema em pauta. A seguir, são apresentadas as Convenções da OIT, ratificadas pelo Brasil, ou em vias de sê-lo, em que há menção direta ou indireta aos servidores públicos.

Convenções da OIT

Situação Brasileira - trabalho no serviço público

Descrição Título Aplicação Ratificação Promulgação Área de

Aplicação Convenção 151 Ano: 1978 Relações de Trabalho na Função Pública

Tramita na Câmara dos Deputados desde

20/02/2008

Pendente Pendente Servidores públicos de todos os níveis Convenção 155 Ano: 1981 Segurança e saúde dos trabalhadores Decreto Legislativo no 2, de 17/03/92 18/05/92 Decreto 1.254, de 19/09/94 Todos os ramos da atividade econômica Convenção 161 Ano: 1985 Serviços de Saúde no Trabalho Decreto Legislativo nº 86, de 14/12/89 18/05/90 Decreto n. 127, de 22/05/91 Todos os ramos da atividade econômica Convenção 187 Ano: 2006 Estrutura de promoção, segurança e saúde ocupacional

Avaliada pela Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho Pendente Pendente Todos os ramos da atividade econômica Fonte: Internacional Labour Organization. Disponível em http://www.ilo.org; acessado em 22/07/2008.

O não cumprimento de uma convenção por um país signatário implica em "sanção moral" aplicada pela OIT. Mesmo dotada de instrumentos coibentes, quanto ao descumprimento de suas

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regras, a atuação define-se pela conscientização dos estados-membros para que seus objetivos sejam cumpridos, portanto não têm características punitivas. Sobre o fato, cabe a observação:

[...] por que não impor sanções de natureza econômica ou outras mais drásticas aos Estados descumpridores das normas expedidas pela Organização Internacional do Trabalho? A resposta deve ser que tais imposições criariam uma resistência internacional ao funcionamento deste organismo. Ressalte-se que outros organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas promoveram, no passado, sanções de natureza econômica, todavia, não obtiveram o êxito pretendido. [...] valendo dizer que a Organização Internacional do Trabalho não se utiliza de tais mecanismos para obrigar o cumprimento de suas convenções, até porque ferem a soberania de cada país (SOUZA, 2006).

Dentre as convenções reconhecidas, ratificadas e promulgadas, em vigor, estão as de nº 155 e de nº 161. O Decreto 1254/94 que promulga a Convenção nº 155 sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores assinala, em seu artigo 3:

a) a expressão "áreas de atividade econômica" abrange todas as áreas em que existam trabalhadores empregados, inclusive a administração pública; b) o termo "trabalhadores" abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos.

Também, o Decreto 127/91 que promulga a Convenção nº 161, que trata dos Serviços de Saúde no Trabalho, observa no artigo 3:

Todo membro se compromete a instituir, progressivamente, serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, entre os quais se contam os do setor público, e os cooperantes das cooperativas de produção, em todos os ramos da atividade econômica e em todas as empresas; as disposições adotadas deverão ser adequadas e corresponder aos riscos específicos que prevalecem nas empresas.

Em seu artigo 12, o mesmo decreto assinala que "o acompanhamento da saúde dos trabalhadores em relação com o trabalho não deverá acarretar para estes qualquer ônus; deverá ser gratuito e ter lugar, na medida do possível, durante o expediente de trabalho".

O texto ratifica o entendimento de que as despesas de exames médicos e laboratoriais, inclusive os exames admissionais correm por conta do empregador. O fato corrente contraria a lei em transgressões diuturnas, quando, principalmente em concursos públicos, os candidatos aprovados são obrigados a efetuarem seus exames admissionais por seu risco e conta.

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Nesse contexto, a saúde ocupacional do setor privado que contrata trabalhadores pela CLT encontra-se mais condizente com a lei, em conformidade com o enunciado da Norma Regulamentadora nº 7 (Portaria 3214/78) Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, onde este aspecto está muito bem assinalado quanto ao ônus do empregador.

Como se observa, inclusive pelo exemplo citado, embora essas convenções estejam em vigor há vários anos não são obedecidas e não se vêm observando efetivamente ações implementadas que garantam ao servidor público federal as medidas preconizadas.

5. As influências do campo da Saúde do Trabalhador na política de Saúde Ocupacional para os servidores públicos.

As lutas políticas travadas pelos trabalhadores por melhores condições de saúde no trabalho, no contexto histórico, que redundaram numa crítica ao modelo da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional, a partir do Movimento Operário Italiano, encontraram no Brasil um cenário favorável com a Reforma Sanitária.

O fato de a reforma sanitária italiana ter influenciado de modo significativo a reforma brasileira auxiliou na compreensão de que a saúde do trabalhador era um problema de saúde pública e o seu convívio com a saúde ocupacional aproximou atores sociais e institucionais em novos espaços de debate, confrontando-os e, algumas vezes, levando-os a consensos antes não experimentados.

No decorrer dos anos 1990, espaços institucionalizados de poder político que tratavam de questões privativas das relações saúde-trabalho (saúde ocupacional) passaram a ter mais permeabilidade e, inclusive, sofrer certa influência de instituições sociais, sindicais e acadêmicas que debatiam e produziam conhecimentos sobre as relações saúde-trabalho na perspectiva da saúde pública (saúde do trabalhador).

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A produção intelectual no campo da saúde do trabalhador, sistematizada em alguns levantamentos efetuados recentemente (MENDES, 2003) passou a servir como balizamento do debate acadêmico sobre o tema e em vários espaços institucionais com reflexos na máquina do Estado. Inclusive, nesse período, o debate sobre as relações saúde-trabalho no serviço público gerou algumas dissertações e teses no meio acadêmico7.

Com a inclusão da saúde do trabalhador no SUS, implicando-o em novas missões sobre as relações saúde-trabalho, antes nunca exercidas pelo setor saúde, impôs-se uma aproximação entre o Ministério do Trabalho e Emprego, o da Saúde e o da Previdência Social. Nesse contexto, foi criado o Grupo Executivo Interinstitucional de Saúde do Trabalhador – Geisat, instituído pela Portaria Interministerial nº 18, de 09/11/1993, e constituído por representantes dos três ministérios. Conforme esta Portaria, o Geisat tem

[...] caráter permanente, incumbido de buscar, promover ações integradoras, harmonizadoras e sinérgicas entre os vários órgãos de execução, na implantação concreta de políticas emanadas dos respectivos Ministérios e dos Conselhos Nacionais de Saúde, do Trabalho e da Previdência visando melhorar os serviços públicos oferecidos aos usuários.

A partir do Geisat, sucessivas portarias reiteraram a necessidade de articulação entre os ministérios, culminando com a Portaria Interministerial n.º 153, de 13/02/2004, que estabelece, entre outras atribuições a de: "elaborar proposta de Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador [PNSST], observando as interfaces existentes e ações comuns entre os diversos setores do Governo". A PNSST, cujo texto foi divulgado pela Portaria Interministerial nº 800, de 30/05/05, para consulta pública, considera que suas recomendações se aplicam a todos os trabalhadores, inclusive servidores públicos.

7

Foram identificadas 03 dissertações e 02 teses do total de 862 artigos com a temática principal relacionada ao servidor público defendidas de 1980 até 2002 (MENDES, 2003)

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Outra influência do campo da saúde do trabalhador sobre o da saúde ocupacional clássica deu-se com a formulação de diretrizes políticas da Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-americana de Saúde, desde os anos 1980, quando passaram a recomendar ações de saúde pública relacionadas ao tema da saúde no trabalho, influenciando a tomada de decisões e o desenvolvimento de projetos (LACAZ, 2007).

Um fato relevante na democratização do debate da saúde do trabalhador e suas interfaces com a saúde ocupacional foi a realização das Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador - CNST. Um dos pilares do SUS é o controle social, expresso na Constituição Federal/88 como diretriz organizacional de participação da comunidade (Art. 198, inciso III). Sua regulamentação, por intermédio da Lei 8.142, de 28/12/1990, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, assinala duas formas de controle social - o conselho de saúde e a conferência de saúde -, esta com o objetivo de "[...] avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde [...]". Na 1ª CNST, realizada em 1986, convocada pela VIII Conferência Nacional de Saúde - CNS, ainda no período pré-constitucional, não se fazia menção ao trabalho no serviço público. Todavia, aí se inicia a influência do paradigma da saúde do trabalhador sobre a saúde ocupacional, refletindo-se, inclusive, em textos e normativas oficiais, produzidos pelo Ministério do Trabalho (paradigma institucional da saúde ocupacional).

A própria inclusão do mapa de risco, em 1992, como atribuição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - Cipa8- das empresas trouxe para o campo estrito da saúde ocupacional uma técnica criada pelo movimento operário italiano, que era um dos principais críticos do modelo de saúde ocupacional e, portanto, de sua institucionalidade no setor estatal do trabalho.

8

A obrigatoriedade de elaboração do mapa de riscos foi instituída pela Portaria nº 05, de 17/08/1992, incluída na Norma Regulamentadora nº 9. Com a emissão da Portaria nº 25, de 29/12/1994, que dispõe sobre o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, a elaboração do mapa de riscos foi incluída na Norma Regulamentadora nº 5 (Cipa).

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Já, na 2ª CNST, realizada em março de 1994, começam a se aprofundar as reivindicações de políticas de saúde do trabalhador voltadas para o servidor público. O Relatório Final da conferência clamava, entre outras propostas, pela realização de ações de vigilância e fiscalização nas instituições públicas, pela criação de Comissões de Saúde do Trabalhador nos serviços públicos e que as informações sobre acidentes e doenças relacionadas ao trabalho abrangessem os servidores públicos, inclusive com a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho pelo setor público. A seguir, observam-se algumas dessas propostas.

Que a Comissão de Saúde do servidor público seja amplamente discutida nas bases da categoria a nível federal, estadual e municipal, junto aos seus sindicatos e representações. Esta comissão deve ser composta exclusivamente por servidores, eleitos por seus pares (BRASIL, 1994:20).

Definir competência para julgamento das causas relacionadas à saúde dos trabalhadores do setor público (idem:32).

Estabelecer mudanças na legislação das Cipas/Comissões de Saúde e NRs, incorporando a legislação já atualizada nos acordos coletivos de trabalho (como eleição direta para todos os membros da CIPA, liberação de cipeiros para desenvolver o trabalho da CIPA sem prejuízo salarial, estabilidade do cipeiro igual a do dirigente sindical, tanto no setor público como no privado) (idem:32).

Estas últimas são, também, recomendações da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador realizada em 2005. A estas é acrescentada a necessidade de cumprimento das Normas Regulamentadoras de segurança e saúde para os trabalhadores do serviço público, nas três esferas de governo, priorizando o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO. Além disso, aponta para a necessidade de participação das entidades representativas dos trabalhadores do setor público na elaboração da Norma Regulamentadora de Saúde do Trabalhador no serviço público, estabelecendo, o primeiro semestre de 2006, para entrada em vigor, o que não ocorreu.

Os relatórios das conferências resultam em recomendações propositivas para a formulação das políticas, conforme o teor da Lei 8.142/90, cujo poder deliberativo e normatizador fica a depender dos poderes legislativo e executivo, que geralmente não as obedecem. Assim, as

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determinações das conferências perdem seu poder formulador das políticas, transformando-se no mais das vezes em letra morta da voz do controle social em saúde.

Durante décadas, o domínio da saúde ocupacional nas relações saúde-trabalho vigorou no Brasil, seguindo a tendência internacional em que os organismos de saúde pública não tratavam, via de regra, dessas questões. Com a influência do emergente campo da saúde do trabalhador, a partir dos anos 1980, o Brasil iniciou um processo de reavaliação de suas práticas de saúde ocupacional, especialmente no aspecto da produção de conhecimentos. Podemos considerar que, atualmente, o campo da relação privativa do contrato de trabalho, característico da saúde ocupacional, vem sendo influenciado em diversos aspectos, tanto normativos, quanto técnicos, e até mesmo éticos, pelo campo da saúde do trabalhador. É nesse contexto que se tem em curso a política de saúde ocupacional do servidor público.

6. A proposta política em curso - Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor - SIASS.

O Estado Brasileiro, em 2003, tomou iniciativas no sentido de ter em sua estrutura uma unidade com a atribuição de implementar ações para a construção de uma política de saúde para o trabalhador do serviço público. O fato pode ser visto como uma nova forma de gestão do serviço público em relação ao atendimento das demandas de ampliação da atenção à saúde do servidor público, incluindo a implantação de novas formas de negociação com os servidores e suas entidades representativas e de participação dos servidores como sujeitos da política, no sentido conceitual da saúde do trabalhador.

Assim, a Secretaria de Recursos Humanos/MPOG, em 2003, representada pela Coordenação de Seguridade Social e Coordenação de Capacitação, do Ministério do

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Planejamento reuniu um grupo interinstitucional com a participação da FIOCRUZ9 e da COSAT10 do MS, da FUNDACENTRO do MTE11, do Ministério da Educação e outras instituições de ensino e pesquisa e elaborou um Plano de Ação da Política de Seguridade Social. Este apresentou como macro objetivo a implementação da Política de Seguridade Social do Servidor Público Federal, em todos os órgãos do Serviço Público Federal. O documento do plano de ação foi disponibilizado para os participantes e, em síntese, observava alguns aspectos do que se esperava da política, como se segue.

C

Coomm aa avaliação de que a legislação trabalhista do servidor público - Lei nº 8.112, de 11/12/90 (atualizada em 07/07/97) - não ressalta aspectos da relação saúde-trabalho e não propõe ações nesse sentido, a proposta do grupo era o de instituí-las em todos os órgãos da administração federal. Timidamente, a própria legislação estabelecida no RJU coloca algumas dessas responsabilidades em evidência, como no seu artigo 69: “Haverá permanente controle da atividade de servidores em operações ou locais considerados penosos, insalubres ou perigosos”. Mas, não há política institucionalizada com diretrizes e normas. Além disso, não há recursos disponibilizados para que haja condições de operacionalização de ações no sentido de detectar, conhecer, analisar e intervir nos fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde, relacionados aos ambientes e processos de trabalho no serviço público.

A

A proposta previa, além de estruturação de um sistema de informações de uso inter e intrainstitucional, métodos de avaliação continuada e de educação permanente.

Além desta, já havia, anteriormente, outras demandas institucionais no sentido de organizar seus serviços de saúde do trabalhador que se concretizaram em parte ou foram preteridas.

9 Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz 10

COSAT – Coordenação de Saúde do Trabalhador.

11 FUNDACENTRO - Fundação Jorge Duprat Figueiredo

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No final de 2005 foi lançado pelo MPOG e no ano seguinte, foi instituído pelo Decreto nº 5.961, de 13/11/2006, da Presidência da República, o Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público Federal - Sisosp. O objetivo deste sistema, voltado ainda apenas para os servidores públicos civis, era estruturar a política de saúde ocupacional do servidor e teve sua importância por sinalizar uma tendência de mudança de comportamento do Estado empregador na definição de ações de responsabilidade sobre a saúde de seus trabalhadores.

A partir daí, coube à SRH/MPOG, a responsabilidade de coordenar quatro projetos-piloto voltados para a proteção da saúde do servidor. Com o Sisosp, o governo pretendeu implementar, na administração pública federal, diretrizes e ações que já existem na Consolidação das Leis do Trabalho, desde 1977, por meio das normas de Segurança e Medicina do Trabalho. Um dos produtos do Sisosp foi o Manual para os Serviços de Saúde dos Servidores Públicos Civis Federais.

As capitais onde os projetos pioneiros deste programa tiveram a prioridade de realização foram: Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Florianópolis. Considerada a participação majoritária do contingente de servidores públicos no Rio de Janeiro sobre o total do país, nossa observação sobre o percurso da política neste local buscou focalizar o ponto mais potencialmente impactante quanto aos resultados após a sua implementação.

No Rio de Janeiro, as questões de vigilância ficaram sob a responsabilidade da Fiocruz e as de perícia e promoção da saúde ficaram com a UFRJ, trabalhando juntas no projeto.

Uma vez que o Ministério do Planejamento, não deu continuidade aos trabalhos do projeto do Sisosp, a Coordenação de Saúde dos Trabalhadores – CST/Fiocruz/MS e a Coordenação Geral de Recursos Humanos – CGRH/MS tomaram a iniciativa de realizar, em 22 e 23 de maio de 2007, o I Fórum de Saúde do Trabalhador no âmbito do Ministério da Saúde - "A coletividade construindo modos de fazer". Neste evento estiveram presentes integrantes dos

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grupos de atenção à saúde dos trabalhadores dos Hospitais Federais do município do Rio de Janeiro que formaram um Grupo de Trabalho (GT) com agenda de discussão sobre insalubridade, vigilância, treinamento e formação, além de dados de informação. O objetivo do GT era manter um relacionamento institucional fortalecendo os grupos que trabalhavam na atenção à saúde do servidor e que acabou por ampliar a participação de outras instituições federais do Rio de Janeiro.

No final de 2007, com a mudança de coordenação, a unidade COGSS/SRH/MP retomou os trabalhos do Sisosp como meta a ser atingida até 2010.

No Rio de Janeiro, a Coordenação do Ministério do Planejamento juntou-se a este GT da Fiocruz e do MS, sendo criado um GT permanente de discussão em saúde do trabalhador e retomadas as ações de construção do Sisosp.

No decorrer de 2008, a COGSS promoveu a discussão de mudança do nome Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público (Sisosp), provocada em virtude do conceito mais restritivo da "saúde ocupacional", quando se optou pelo nome de Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor - SIASS.

Já com a nova denominação, no período de 28 a 31 de outubro de 2008 foi realizado o I Encontro Nacional de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal, em Brasília. Por iniciativa da COGSS teve "o objetivo de promover momentos de reflexão e debate, que ajudarão no processo de construção coletiva da Política de Atenção à Saúde do Servidor". Estiveram presentes 583 servidores públicos federais representando instituições, sindicatos e associações de servidores públicos federais.

Tendo como pauta a apresentação do processo de construção do SIASS, foi disponibilizado um documento sobre o Projeto SIASS, que foi discutido em oficinas com todos os participantes. Na consolidação das oficinas em plenária, destacaram-se os seguintes pontos: uma política única em nível nacional para o servidor público; o estabelecimento de regras com

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equidade para todos; um programa de capacitação permanente para as equipes de saúde do trabalhador; articulação e integração das equipes de trabalho em saúde do trabalhador (comunicação); garantia de recursos orçamentários para as ações, conscientização dos gestores para comprometê-los na implementação e desenvolvimento da política do SIASS.

Fruto desta mobilização, um de seus desdobramentos foi a institucionalização do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor – SIASS, que foi formalizado pelo Decreto nº 6.833, de 29 de abril de 200912. Nele, o subsistema tem por

[...] objetivo coordenar e integrar ações e programas de assistência à saúde, perícia oficial, promoção, prevenção e acompanhamento da saúde dos servidores da administração federal direta, autárquica e fundacional, de acordo com a política de atenção à saúde e segurança do trabalho do servidor público federal, estabelecida pelo governo.

Ao ineditismo de um projeto de política de Estado e não de governo, a ser construído de maneira coletiva com os próprios interessados maiores da política - os servidores públicos -, agregue-se a questão de como o Estado brasileiro, enquanto 'patrão', conduzirá o desenrolar do processo, que somente se inicia.

A estratégia de trabalho tem acontecido, desde então, no Rio de Janeiro, em três subgrupos técnicos para a discussão: Perícia, Vigilância e Promoção em saúde e em mais um subgrupo que tem a tarefa de trazer subsídios para a organização da forma de implantação dos serviços.

Os desdobramentos mais significativos até junho de 2009 foram a constituição de grupos, inclusive em outros estados, com reuniões sistemáticas para a estruturação de comissões (Comissão Interna de Saúde do Servidor – CISS, no Rio de Janeiro); revisão do Manual do (extinto) Sisosp; e, entre outras iniciativas, a produção de material subsidiário.

12

Institui o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal – SIASS e o Comitê Gestor de Atenção à Saúde do Servidor.

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Os materiais produzidos vêm servindo na discussão de encontros com outros estados. O Rio de Janeiro tem um grupo local indicado para coordenar os trabalhos de implementação do SIASS - Coordenação Executiva Institucional Provisória – CEIP-SIASS-RJ. Sua composição foi feita por indicação da COGSS/MPOG, com representação dos órgãos que serão os responsáveis pelas primeiras unidades de referência, nome escolhido para o local onde as ações do SIASS serão concentradas. Por determinação da COGSS/MPOG, a implantação das ações nas unidades de referência do Rio de Janeiro deverá ser iniciada pela perícia. A estas serão acrescentadas outras, e suas escolhas têm como critério de localização as instituições públicas federais para facilitar o acesso aos servidores. Posteriormente, essas unidades de referência poderão ser mistas com a organização de equipes para a operacionalização das outras ações.

O projeto da COGSS/MPOG é o de intermediar de forma pactuada a realização de convênios para a organização das unidades de referência e viabilizar sua operacionalização. Nessa pactuação participam a COGSS/MPOG, órgão central e gestor da política, a coordenação local como colaboradora, os órgãos que vão abrigar as unidades e os órgãos que vão ter servidores atendidos nessas unidades. Concomitantemente, está sendo implementado o Sistema de Informação - Siape-Saúde, que trata dos dados registrados sobre a saúde dos servidores, para armazenamento e transformação dos mesmos em informações epidemiológicas. Além de treinamento gerencial dos que vão lidar com a organização das unidades de referência, deverá haver um mecanismo de comunicação entre os órgãos no Portal SIASS.

Após décadas de omissão do Estado brasileiro em relação à saúde dos servidores, alguma mobilização está em curso com respostas institucionalizadas que, embora tardias, provocam uma nova tomada de posições, especialmente por parte dos próprios servidores.

O fato de que os sindicatos e associações representativas dos servidores vêm participando de forma periférica na construção do SIASS é uma preocupação na condução da política.

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Especialmente quando se observa que muitos sindicalistas quando participam o fazem na condição de servidores e não como representantes sindicais. Esse é um desafio a ser enfrentado, até porque a construção de uma efetiva política de saúde do trabalhador para o servidor público depende de um protagonismo deles e de seus representantes na condução da mesma.

7. Conclusão

O Poder Executivo Federal possui 542.134 servidores civis ativos, distribuídos nos 26 Estados da Federação e no Distrito Federal. O número de servidores no Rio de Janeiro é de 102.813 servidores distribuídos em 91 instituições de nível federal, o que corresponde aproximadamente ao dobro de servidores da capital federal que é de 53.497 (MPOG, 2009). Os números, de per si, demonstram a relevância dessa questão. Se considerarmos que a implementação de um sistema de atenção à saúde dos servidores públicos federais serve como parâmetro para os demais servidores públicos nas esferas estadual e municipal, esses números ganham contornos colossais, não dimensionados com exatidão.

Observamos, ao longo do texto, a precária atuação do Estado no seu papel de empregador, bem como um posicionamento embrionário na construção de uma política no campo das relações saúde-trabalho no serviço público federal. Além de um arcabouço jurídico-político de ações de saúde desarticuladas e fragmentadas em prol dos servidores públicos, existe uma carência de base conceitual consistente que ultrapasse o campo do conhecimento e considere a aplicação prática de regras sobre a saúde no trabalho.

Verificamos que as diferenças de enfoque das relações saúde-trabalho quanto à saúde ocupacional e a saúde do trabalhador, apesar de nítidas, emergem em meio a conflitos de competências, papéis e atuações. Torna-se evidente e impróprio o uso do termo saúde do trabalhador, se as práticas decorrentes não se harmonizam com sua base conceitual. Podemos

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falar de uma crise de paradigma no sentido de expandir o direito à saúde do trabalhador sobre uma base conceitual assentada num direito contratual restritivo. Quando reportamos este enfoque ao serviço público federal percebemos um retrocesso conceitual histórico e persistente observado, por exemplo, na adoção de modelos que se inspiram na saúde ocupacional, cuja limitação da regra estatuída é patente e insuficiente para a garantia de uma saúde plena no trabalho.

Existe um distanciamento do servidor público na relação saúde-trabalho entre atuar em prol de garantias efetivas de direitos à sua saúde no trabalho e sua capacidade de perceber diferenças na condução das políticas que vão garanti-las, a ponto de influenciá-las a seu favor. O servidor público que atua na ponta do sistema, no mais das vezes, alheio a essas discussões carece de mecanismos participativos mais ostensivos e abrangentes em relação ao tema. A oportunidade de alguns servidores de participarem do processo de construção da política, embora seja um fundamento básico do projeto, não contempla a abrangência da população servidora.

Armadilhas podem ser colocadas pelo poder estatuído, porquanto sabemos que uma saúde plena exige investimentos pesados em matéria de formação de pessoas, aquisição de materiais e insumos estratégicos e, principalmente, mudanças na configuração dos processos organizacionais. Além disso, a possibilidade de participação efetiva, caracterizada como um controle social dos servidores, à moda do SUS, é potencialmente uma ameaça à gestão em todos os níveis da máquina administrativa do Estado. Não existe cultura, tampouco receptividade para mudanças no modelo de gestão que contemple a voz do servidor na condução de sua vida no trabalho.

Não se percebe um empowerment do servidor público, sujeito e detentor de sua saúde e validador das condições no trabalho. É evidente que a elaboração, construção e planejamento de instrumentos jurídicos e técnicos, que garantam ao servidor melhorias na relação saúde-trabalho, depende da voz do servidor e de seus representantes.

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