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A (in) constitucionalidade da execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória

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Academic year: 2021

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GUSTAVO HENRIQUE TRENTINI

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CONDENATÓRIA

Ijuí (RS) 2017

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GUSTAVO HENRIQUE TRENTINI

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CONDENATÓRIA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2017

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Dedico este trabalho aos meus pais, meu irmão e meu sobrinho, que durante toda essa árdua jornada não mediram esforços para que eu chegasse nesta etapa da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A esta universidade, seu corpo docente e aos demais funcionários, que oportunizaram а janela que hoje vislumbro um horizonte superior.

A minha orientadora Patrícia Borges Moura pela sua dedicação e disponibilidade.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, muito obrigado!

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“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los” Cesare Beccaria

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso fez uma análise da constitucionalidade da execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, a partir do modelo de sistema processual penal pátrio, qual seja, o acusatório. Para tanto, utilizando-se de uma metodologia de revisão bibliográfica e jurisprudencial, foi dividido em dois capítulos. Inicialmente, abordou as características dos sistemas processuais penais contemporâneos, a fim de identificar o sistema adotado pela Constituição de 1988, seguindo-se de um estudo sobre a função limitadora dos princípios constitucionais no processo penal pátrio, com especial enfoque à noção instrumental e garantista. Num segundo momento, buscou diferenciar a pena do processo, para então analisar, a partir da garantia constitucional da presunção de inocência, a execução antecipada da pena, com especial enfoque aos julgamentos das decisões proferidas no HC n. º 84.078, de 2009 e no HC n. º 126.292, de 2016, em que o primeiro julgou inconstitucional a execução provisória da pena e o segundo decidiu pela possibilidade de tal antecipação da pena. Por fim, verificou que tal precedente, ao possibilitar a utilização da antecipação de tutela no processo penal, instituto jurídico até então próprio do processo civil, relativizou do princípio da presunção de inocência.

Palavras-Chave: Direito Constitucional. Direito Processo Penal. Presunção de Inocência. Execução provisória da pena.

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ABSTRACT

This Undergraduate Thesis made an analysis of the constitutionality execution of the sentence before the final judgment, based on Country’s model of the criminal procedural system, which is, the Accusatory System. Therefore, using a methodology of bibliographical and jurisprudential review, it was made into two chapters. First, it deals with the characteristics of contemporary procedures of criminal systems, in order to identify the system adopted by the 1988’s Constitution, followed by a study to limit the function of constitutional principles in the country's criminal process, with special focus on the Instrumental and assurance notion. Secondly, it tries to differentiate the sentence from the process, and then analyze it from the constitutional guarantee of the presumption of innocence, the early execution of the penalty, focusing on the judgments of the decisions rendered on HC n. 84,078 from 2009 and also HC n. 126,292, from 2016, in which the first one judged unconstitutional the provisional execution of the sentence and the second one decided on the possibility of the penalties anticipation. Finally, it has been found that such precedent, by allowing in advance of tutelage in criminal proceedings, Legal characteristic until then related to the civil lawsuit, relativized from the principle of presumption of innocence.

Key Words: Constitutional rights; Criminal Procedural Law; Innocence Presumption; Provisory Penalty Execution.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ... 10

1.1 Os sistemas processuais penais contemporâneos: principais características ... 10

1.1.1 Sistema Inquisitivo ... 11

1.1.2 Sistema Acusatório ... 14

1.1.3 Sistema Misto ... 16

1.2 O processo penal: um breve relato histórico ... 18

1.3 O sistema processual penal e a Constituição Brasileira de 1988 ... 21

1.4 A função limitadora dos Princípios Constitucionais e a instrumentalidade constitucional do processo penal ... 24

1.4.1 Devido processo legal ... 25

1.4.2 Presunção de inocência ... 26

1.4.3 Princípio do Juiz natural ... 27

1.4.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa ... 28

1.4.5 Princípio da Publicidade ... 30

2 A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E O SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS ... 32

2.1 Pena e processo: a crucial diferença ... 32

2.2 Presunção de Inocência ... 36

2.3 A possibilidade da execução provisória da sentença penal condenatória conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal: um comparativo entre as decisões proferidas no HC n.º 84.078, de 2009 e no HC n.º 126.292, de 2016 ... 40

2.4. Tutela antecipada no processo penal brasileiro: é possível? ... 53

CONCLUSÃO ... 58

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da problemática da relativização do princípio constitucional da presunção de inocência – e a possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória-, em virtude do julgamento do HC nº 126.292 do Supremo Tribunal Federal.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir realizar a análise da validade constitucional da decisão preferida no HC nº 126.292.

Inicialmente, no primeiro capítulo será realizado uma abordagem pelos sistemas processuais penais vigentes, para, em razão disto, identificar qual foi o sistema adotado pela Constituição Federal de 1988. Para uma melhor compreensão do Direito Processual Penal brasileiro, se examinará a sua história, dos seus primórdios na Grécia antiga até a construção do processo penal brasileiro. Também será analisado a função limitadora dos princípios constitucionais no processo penal e a sua instrumentalidade constitucional, pois a Constituição, além de impor limites ao arbítrio do Estado, dá os meios de como o Processo Penal deve fluir, estabelecendo assim as principais “regras do jogo” quanto a como deve se desenvolver a persecução penal no país, em respeito aos direitos e garantias fundamentais do acusado

No segundo capítulo, far-se-á a diferenciação da pena e do processo, suas finalidades e o momento processual em que estão inseridos. Posteriormente, para uma melhor compreensão

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da discussão advinda do HC nº 126.292, será feita uma análise mais aprofundada do princípio constitucional da presunção de inocência. Passada essa análise dogmática, a presente temática fará a diferenciação entre dois precedentes do Supremo Tribunal Federal, o HC n. º 84.078 e o HC nº 126.292, no qual o primeiro julgou inconstitucional a execução provisória da pena, pois viola o princípio da presunção de inocência; já o segundo decidiu pela sua constitucionalidade, pois a antecipação execução não viola tal cânone. Por fim, se possibilitado a execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença, estará o Direito Processual Penal admitindo o instituto da antecipação da tutela, que até então é próprio do Direito Processual Civil.

E é nesse contexto que se pretende desenvolver o presente trabalho, a abordar se a decisão referida está de acordo com o princípio constitucional da presunção de inocência e consequentemente a sua (in)constitucionalidade, como também, em todas as limitações e garantias previstas no próprio texto constitucional.

Nesse sentido, se tratando de uma discussão contemporânea e muito recente, o presente trabalho, tem o intuito de contribuir, senão para uma análise hermenêutica do texto constitucional e da decisão já mencionada, ao menos para fomentar o debate e enriquecer a reflexão sobre a matéria.

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1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

O presente capítulo tem por objetivo estudar os sistemas processuais penais para, a partir da análise de suas características, identificar o modelo de sistema processual preconizado pela Constituição Federal de 1988. Posteriormente, serão analisados alguns aspectos históricos do Processo Penal, da Antiguidade até a contemporaneidade, bem como compreender a função limitadora dos princípios constitucionais.

1.1 Os sistemas processuais penais contemporâneos: principais características

Em primeiro momento, será abordado a temática dos sistemas processuais penal. Para uma melhor conceituação do tema, o professor Paulo Rangel (2012, p. 46) ensina que o sistema processual penal é:

o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto.

Para Rangel (2012, p. 47), o Estado deve assegurar a efetiva aplicação da norma penal, a qual se dará através do processo. Nesse contexto, as regras e princípios básicos de cada sistema estão inseridos, principalmente em duas formas: inquisitivo e acusatório. Para o autor, o primeiro se encontra em Estados totalitários, já o segundo está em conformidade com o Estado Democrático de Direito.

Na mesma linha de pensamento, Antonio Scarance Fernandes (2000, p.13), refere que:

O processo, como todo o Direito, reflete valores sociológicos, éticos e políticos, havendo, por isso, íntimo relacionamento entre o direito processual e a ideologia dominante em determinado país, naquele momento histórico.

O entendimento dos sistemas processuais é crucial para a própria compreensão do Direito Processual Penal, pois, como ensina Gilberto Thums (2006, p. 175), é a ideologia

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inserida dentro do sistema jurídico do Estado, pois sem ela “as regras processuais não passam de um amontoado de normas”. Para o autor, o “sistema inquisitório é compatível com Estados autoritários, de Direito Penal máximo, enquanto o sistema acusatório (de garantias) preconiza o Direito Penal mínimo e direitos fundamentais maximizados”.

Os sistemas processuais estão estritamente ligados ao modelo político de cada Estado. Quanto mais o Estado é rígido e totalitário, menos garantias serão dadas ao acusado, e se buscará a verdade a qualquer custo, com um sistema processual penal que seja orientado pelo princípio da verdade real. Em Estados democráticos, ocorre o inverso. É assegurado ao acusado um rol de garantias, inseridas nos textos constitucionais, verdadeiras normas de garantia aos direitos fundamentais, com a importante função de limitar o poder punitivo estatal.

Na doutrina contemporânea, são encontrados 03 sistemas processuais penais, quais sejam: inquisitivo, acusatório e o misto, os quais serão analisados separadamente, pois suas características os definem, na mesma medida que os diferenciam.

Ao se atentar para a historicidade dos sistemas processuais, em sua origem, o sistema acusatório foi o primeiro a ser delineado, seguido do sistema inquisitivo e depois do misto. No entanto, a fim de expor a análise das principais características de cada um deles e, em especial, pensando-se que o sistema acusatório é a regra das constituições democráticas da contemporaneidade, opta-se por analisar inicialmente o sistema inquisitivo o qual sucumbiu ao acusatório com a conquista dos direitos humanos, numa reação ao arbítrio do poder monárquico e absoluto que imperou por séculos na Europa, até aproximadamente a segunda metade do século XVIII, como será abordado nos itens seguintes.

1.1.1 Sistema Inquisitivo

Em uma perspectiva histórica, Ragel (2012, p. 47) refere que o sistema inquisitivo nasceu nos regimes monárquicos e passou a ser adotado pelas legislações europeias durante os séculos XVI, XVII e XVIII. O seu surgimento, segundo o autor, se deu após o fim do acusatório privado, argumentando-se de que não se dependia da vontade do privado para a o

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inicio da persecução penal e da defesa social. Assim, passou o Estado a realizar o jus puniendi e combater as infrações penais, em razão do seu monopólio quanto à administração da justiça na seara penal.

Durante o período acima referido, instituiu-se, através do Direito Canônico, a Inquisição ou também denominado Santo Ofício, um período de total brutalidade, que foi estruturado em dois livros, chamados de: directorium inquisitorum e malleus maleficarum. Nas palavras de Thums (2006, p. 214), “a inquisição foi um terrível sistema concebido pela igreja católica para implantar o catolicismo no mundo ocidental [...]”. Para o autor, o que se buscava na inquisição era defender o dogma da fé contra as heresias, ou seja, combater tudo aquilo que vinha de desencontro com o catolicismo, seus ensinamentos, rituais e tradições.

As penas mais graves não se designavam para os crimes contra a pessoa - esses podiam até ser perdoados -, mas sim, nas palavras de Thums (2006, p. 216), para “os opositores, os hereges, considerados seres perigosos, que ficam sujeitos à pena de morte, ao banimento, até o confisco de bens, para engrossar os cofres de Deus”.

Para Aury Lopes Jr. (2010, p. 159), entender a Inquisição é necessário ver o comportamento da Igreja, durante aquele período histórico, pois, “trata-se de um sistema fundado na intolerância, derivada da ‘verdade absoluta’ de que ‘a humanidade foi criada na graça de Deus’”. Nesse sentido, o autor refere que:

Recordemos que a intolerância vai funda a inquisição. A verdade absoluta é sempre intolerante, sob pena de perder seu caráter “absoluto”. A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e, nessa estrutura, a heresia era o maior perigo, pois atacava o núcleo fundante do sistema. Fora dele não havia salvação. Isso autoriza o “combate a qualquer custo” da heresia e do herege, legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela empregada. Após perdurar por diversos séculos, a Inquisição perde seu poder com a Revolução Francesa de 1789, nas palavras de Lopes Jr. (2010, p. 154), “suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório” e as ideias iluministas, que culminaram no fim da Idade Média e começo do Estado Moderno.

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Segundo Thums (2006, p. 202), o sistema inquisitivo, em sua origem, tem como característica a reunião da função de acusar e julgar no mesmo órgão, ou seja, “típica de concepção de Estado absolutista, havendo concentração de todo o poder nas mãos do soberano”. Como ensina o autor, o que se busca em tal sistema é “a verdade a qualquer custo”, não existindo meios legais e ilegais para a obtenção da prova.

A concentração das funções de acusar e julgar em única pessoa, acarreta na parcialidade do julgamento. A colher o acervo probatório e acusar o imputado, o juiz já estará ligado ao caso e influenciará no seu veredito final. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 38), leciona que:

Essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua imparcialidade. De fato, há uma nítida incompatibilidade entre as funções de acusar julgar. Afinal, o juiz que atua como acusador fica ligado psicologicamente ao resultado da demanda, perdendo a objetividade e a imparcialidade no julgamento.

Para Lima (2015, p. 39), o sistema inquisitivo é, em síntese, “rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal”. Assim, é inconcebível, nesse sistema, a ideia de garantias e direitos individuais, pois, segundo o autor, o acusado é “mero objeto do processo, e não sujeito de direito”.

Na mesma linha, Fernando da Costa Tourinho Filho (2009, p. 94), refere que o sistema inquisitivo é, em suas características:

O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontra-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, ao final, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não sujeito de direito.

O sistema inquisitivo é a personificação do próprio Estado absolutista e monárquico. O juiz assume para si o poder de acusar e julgar, não tendo limites para a sua atuação, muito menos para os meios probatórios, buscando a qualquer custo a verdade dos fatos. A

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principiologia deste sistema vem de um Estado em que o poder está monopolizado nas mãos de um órgão ou pessoa, sem limitação de sua atuação, tampouco respeito aos direitos e garantias individuais.

1.1.2 Sistema Acusatório

Em uma perspectiva histórica, Aury Lopes Jr. (2012, p. 117) refere que o sistema acusatório tem origem no “Direito grego, o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador”. Posteriormente, vigorou durante a o Direito romano da Alta República, que se prolongou entre 510 ate 27 a.C., em uma forma processual denominada “accusatio”, o qual será melhor estudado no item 1.2.

A accusatio, conforme destaque de Lopes Jr. (2010, p. 153-154), tinha as seguintes características:

a) a atuação dos juízes era passiva, no sentido de que eles se mantinham afastados da iniciativa e da gestão da prova, atividades a cargo das partes;

b) as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas; c) adoção do princípio ne procedat iudex ex officio, não se admitindo

denúncia anônima nem processo sem acusador legítimo e idôneo; d) estava apenado o delito de denunciação caluniosa como forma de punir

acusações falsas e não se podia proceder contra réu ausente (até porque as penas são corporais);

e) acusação era por escrito e indicava as provas; f) havia contraditório e direito de defesa; g) o procedimento era oral;

h) os julgamento eram públicos, com os magistrados votando ao final sem deliberar.

O accusatio se demonstrou infrutífera na época do Império Romano, tendo em vista as necessidades de repressão, fazendo que os juízes agissem de ofício, invadindo assim a figura do acusador, o que culminou no fim do sistema acusatório. Como já explicado anteriormente, teve seu tal sistema teve seu despertar, novamente, após a Revolução Francesa, do século XVIII (LOPES JR., 2010).

Na atualidade, o sistema acusatório tem, nas palavras de Lopes Jr. (2010, p. 154-155), as seguintes características:

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a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes;

c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação, como de descargo;

d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente);

f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição. Diferente do sistema inquisitivo, o acusatório tem como cerne a separação entre o órgão julgador e acusador. Tal característica, conforme leciona Lima (2015, p. 39, grifo do autor), vem amparada com a:

presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira eqüidistante e imparcial. Aqui, há uma separação das funções de acusar, defender e julgar, O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum.

Com propriedade, Lopes Jr. (2010, p. 155), afirma que a inércia do magistrado traz uma maior a responsabilidade as partes, “já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias para demonstrar os fatos”. Como também, deve o Estado criar um órgão, tão bem estruturado como a acusação (Ministério Público), que represente as pessoas que não tem condições de pagar os honorários de um bom advogado, garantindo assim um “mínimo de paridade de armas e dialeticidade”.

Na mesma esteira, Rangel (2012, p. 49) refere que, diferente do que ocorre no sistema inquisitivo, não incumbe mais ao juiz dar início ao processo. Há um órgão próprio, criado pelo próprio Estado, que se torna o titular da ação penal pública, o Ministério Público.

Para Lopes Jr. (2012, p.19, grifo do autor), a separação das funções de acusar e julgar “assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar”. Segundo o autor, tal afastamento garante um novo tratamento ao acusado, que “deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal”.

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Segundo Lima (2015, p. 40), no sistema acusatório, o papel do juiz é de garantir às regras do processo, ficando inerte a produção probatória. Já às partes incumbem a construção do caso penal, com a criação do acervo de provas, a fim de achar a verdade dos fatos.

Nesse contexto, em uma diferenciação entre o sistema acusatório e inquisitivo, Lima (2015, p. 40), refere que a principal diferença esta na “posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova”. O autor acrescenta ainda que:

O modelo acusatório reflete a posição de igualdade dos sujeitos, cabendo exclusivamente às partes a produção do material probatório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais. Portanto, além da separação das funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova.

Ao que se observa, o sistema acusatório é hoje a opção feita pela maioria das Constituições próprias dos Estados Democráticos de Direito, respaldados por direitos e garantias fundamentais do cidadão, não sendo o acusado um mero objeto da persecução penal. Nesse sistema, cria-se um triênio, entre as partes – numa posição igualitária, em termos de isonomia processual – e o julgador, o qual não está totalmente vinculado psicologicamente com o processo.

1.1.3 Sistema Misto

O sistema misto surgiu com o Code d’Instruction Criminelle, na França, por meados do século XIX, por isso, também se denomina de sistema francês. Trata-se da mescla o sistema acusatório e o inquisitivo (LIMA, 2015).

Conforme leciona Rangel (2012, p. 52, grifo do autor), o sistema misto se subdivide em duas fases distintas, que segundo o autor, assim se compreende:

1 ª) instrução preliminar: nesta fase, inspirada no sistema inquisitivo, o procedimento é levado a cabo pelo juiz, que procede às investigações, colhendo as informações necessárias a fim de que se possa, posteriormente, realizar a acusação perante o tribunal competente;

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2ª) judicial: nesta fase, nasce a acusação propriamente dita, onde as partes iniciam um debate oral e público, com a acusação sendo feita por um órgão distinto do que irá julgar, em regra, o Ministério Público.

Em uma crítica a classificação doutrinária do sistema misto, Lopes Jr. (2010, p. 165-166), refere que, a mera separação da atividade de acusar e julgar, é insuficiente para a caracterização do referido como um sistema processual penal, pois, para tal, é necessário o somatório de diversos princípios, que se “inter-relacionam e influem no resultado final”. Segundo o autor, a prova produzida durante a fase de instrução preliminar é “trazida integralmente para dentro do processo, e, ao final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão”, fazendo que a fase processual, após a prova ser corroborada, “uma mera repetição ou encenação da primeira fase”.

Assim, para Lopes Jr. (2010, p. 167):

Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se, depois, o juiz assume um papel claramente inquisitorial. O juiz deve manter uma posição de alheamento, afastamento da arena das partes, ao longo de todo o processo.

Para Lopes Jr. (2010, p. 168), inexiste um princípio fundante no sistema misto, “ainda que mesclado, na essência é inquisitório ou acusatório a partir do princípio que informa o núcleo”. Segundo o autor, a “gestão da prova é a espinha dorsal do processo penal”, que se dá, através de dois princípios fundantes: o dispositivo (sistema acusatório) e o inquisitivo (sistema inquisitivo). Os demais são meros adendos ao próprio, pois é tal que marca qual sistema a legislação estará vinculada.

Segundo Tourinho Filho (2009, p. 96, grifo do autor), o sistema misto é a opção feita em alguns países, sobretudo da Europa Ocidental, como a França, e em algumas da América Latina, como por exemplo o “Código de Enjuiciamiento Criminal da Venezuela”.

Quanto às características de tal sistema, segundo Rangel (2012, p. 52), tem-se peculiaridades próprias, assim como no inquisitivo e no acusatório. A fase preliminar ao processo é presidida por um magistrado, o “procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto da investigação”, não se respeitando qualquer direito ou garantia. Na segunda

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fase, a acusação é formalizada pelo Ministério Público, aonde o acusado é sujeito de direitos, estando a defesa e acusação uma situação se igualdade no processo.

Em que pese às críticas sobre a existência do sistema misto, alguns países, como acima mencionado, adotaram-no em seus ordenamentos jurídicos. No próximo tópico, será feito um breve resgate sobre a história do processo penal e a sua íntima relação com os três sistemas processuais penais estudados.

1.2 O processo penal: um breve relato histórico

Na Grécia Antiga, mais precisamente em Atenas, já ocorria a distinção entre crimes públicos e crimes privados. Como ensina Fernando da Costa Tourinho Filho (2009, p. 81), os primeiros, na concepção ateniense, eram crimes que prejudicavam o coletivo, não necessitando da anuência da vítima. Já os segundos não possuíam tanta importância ao Estado, dependendo assim da vontade da parte.

Para o autor citado (2009, p. 81-82), o processo era popular, pois dependia, na maioria dos casos, da atuação dos cidadãos, caracterizando-se pela oralidade e publicidade dos atos. Os Tribunais mais importantes eram denominados Assembleias do Povo, que se reuniam para julgar crimes políticos graves. Os tribunais de jurisdição comum poderiam funcionar com vários juízes, de 100 até 6.000 magistrados.

Na Roma Antiga também existia a separação da ação penal, dividindo-se em privada e pública. Conforme Tourinho Filho (2009, p. 82), na primeira:

o Estado assumia o papel de simples árbitro para solucionar o litígio entre as partes. O Magistrado limitava-se a examinar as provas apresentadas pelas partes e decidia. No Público, o Estado atuava como sujeito de um poder público de repressão; com o passar dos anos, o Processo Penal Privado foi abandonado quase que totalmente.

Na monarquia romana, o magistrado procedia com as investigações do fato delituoso e após já impunha a pena a acusado, sem qualquer limitação do seu poder. Com intuito de diminuir o poder do juiz, nasceu a possibilidade do condenado recorrer da sentença, a qual

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seria dirigida ao povo, em comício. Nessa fase, incumbia ao magistrado mostrar os elementos que embasaram a sua decisão aos cidadãos presentes (TOURINHO FILHO, 2009, p. 82-83).

No fim da República Romana, nasceu uma nova forma de procedimento, que segundo Tourinho Filho (2009, p. 83-84, grifo do autor), se denominada accusatio. Nesse sistema, o processo se iniciava com a postulatio, que poderia ser proposta por qualquer cidadão. Como preceitua o referido autor, “para a formação do consilium, os judices eram simplesmente designados pelas partes (editio). Depois, prevaleceu a formação pelo sorteio (sortitio)”.

Durante a época imperial, o sistema accusatio saiu de cena, dando espaço a um novo procedimento, conforme leciona Tourinho Filho (2009, p. 84), denominado cognitio extra ordinem. Nesse modelo, as prerrogativas de acusar e julgar estavam reunidas na mesma pessoa, a qual, poderia agir ex ofício. Foi admitida a prática da tortura nos acusados e posteriormente nas testemunhas.

Quanto aos recursos, Tourinho Filho (2009, p. 85, grifo do autor) leciona que “a apelação, neste novo procedimento, era dirigida ao Imperador, appelatio ad principem”. Posteriormente, a apelação era dirigida aos Magistrados Superiores.

O Processo Penal na Roma Antiga estava estritamente ligado ao regime de governo em que estava inserido o país. Quando vigorava a democracia, os poderes do magistrado eram diminuídos e criava-se a acusação. Já, nas épocas monárquicas e imperiais, as funções de acusar e julgar se reuniam em uma única pessoa, demonstrando o totalitarismo daquele momento histórico.

Na Germânia, também existia a diferenciação de crimes de ação penal pública e privada. Para Tourinho Filho (2009, p. 85), os germânicos priorizavam confissão do réu, pois, se ela acontecesse, ele já estaria condenado. Salienta, também, que o ônus probatório era do acusado e não do autor, tendo aquele a necessidade de provar sua inocência.

O Direito Canônico, como estudado no item sobre o sistema inquisitivo, em sua origem, surgiu como um instrumento de defesa dos interesses da Igreja. No começo, vigorava o sistema acusatório, até meados do século XII. Após, passou-se a adotar o sistema inquisitivo, por influência do poderio da Igreja Católica à época, e pela adoção do Direito

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Canônico. Nessa época, o acusado não tinha qualquer espécie de direito, tampouco poderia oferecer defesa a acusação a ele imposta, para não atrapalhar a descoberta dos fatos (TOURINHO FILHO, 2009).

Transitando da Antiguidade para o Estado Moderno, após a Revolução Francesa de 1789, iniciou-se, principalmente na França, um período de humanização, nas palavras de Cristiano Álvares Valladares do Lago (2016), principiou-se “o período moderno de administração da justiça, diminuindo as características inquisitoriais dos procedimentos processuais penais adotados”. Para o autor, o Código de Napoleão de 1808 foi um instrumento para “aplainar as arbitrariedades e desumanidades do Sistema Inquisitorial até então adotado”, como também, criou-se um novo sistema: o misto, a mescla entre o inquisitivo e o acusatório.

No Brasil, durante a era colonial, sob domínio da coroa portuguesa, as leis que aqui se aplicavam eram as mesmas de Portugal e, portanto, vigoraram três ordenações a regular o Direito Processual Penal, quais sejam: Filipinas, Afonsinas e Manuelinas. Para Lago (2016):

Sob a vigência das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, imperaram sempre as regras consoantes com o sistema inquisitorial, oriundo do direito canônico, sendo certo que, quando da descoberta do Brasil, os processos criminais se iniciavam por simples “Clamores”, mas pouco depois passou a se exigir as “Denúncias”, estas feitas nos casos de “Devassas”, através das quais os juízes competentes faziam inquirições para informação dos delitos, propiciando a colheita de provas para ensejar acusação e possibilitar respectivo processo e julgamento.

O advento da Constituição Política do Império Brasileiro, de 1824, estabeleceu princípios e garantias ao processo penal, diante dos ideais de humanização da Revolução Francesa. E em 1832 editou-se o Código de Processo Criminal, que nas palavras de Lago (2016), era instaurado pelo ofendido, por qualquer do povo ou pelo Ministério Público, podendo o magistrado dar início ao processo de ofício. Mesmo com a proclamação da República e promulgação de sua Constituição em 1891, tal codificação continuou em vigor, com algumas alterações legislativas.

Em 30 de outubro de 1941, já sob a vigência da Constituição de 1937, foi promulgado o atual Código de Processo Penal, que, conforme leciona Lago (2016), manteve o mesmo sistema do inquérito do antigo código, mas “estabeleceu a instrução plenamente contraditória

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e separou de vez as funções acusatória e julgadora, eliminando quase por completo o procedimento ex officio, que só permaneceu para as Contravenções”. Tal codificação se aproximou mais do modelo acusatório, trazendo direitos e garantias ao acusado, diferente do que ocorria na anterior, que estava sedimentada nas raízes do sistema inquisitivo.

Com o advento da Constituição de 1988, o rol de direitos e garantias ao acusado aumentou ainda mais, expressamente no seu art. 5º. Assim, o Processo Penal Brasileiro, mais precisamente a sua instrução processual, atualmente, tem como cerne o respeito ao contraditório e à ampla defesa, a publicidade dos atos, a presunção de inocência, entre outras garantias, que têm como corolário o devido processo penal, transformando assim em um processo constitucional e fundado nas raízes do sistema acusatório. A seguir, será melhor analisado o modelo de sistema processual penal que foi adotado pela atual Constituição Brasileira, com uma abordagem às divergências doutrinárias acerca da temática.

1.3 O sistema processual penal e a Constituição Brasileira de 1988

A doutrina brasileira apresenta, ainda, certa dissonância no que tange a qual seria o sistema processual penal pátrio, se misto ou acusatório, ainda que meramente formal. Saliente-se que não há divergência quanto ao modelo acusatório como opção pela Assembleia Constituinte que promulgou a Constituição de1988.

A divergência se dá, em especial, no que se refere ao fato de a legislação infraconstitucional, em especial, o atual Código de Processo Penal, editado em 1941, e o modo de ser da fase investigatória. Isso porque, no que concerne ao inquérito policial, como método mais comum de realização de investigação preliminar no processo penal pátrio, não há necessária observância ao contraditório e ao direito à ampla defesa, e, por tal razão, o sistema processual adotado seria o misto ou acusatório formal.

Já para outros, fazem uma análise, nesse contexto, mais crítica, no sentido de deixar clara a diferença entre o “dever ser” – a prática no processo penal, e o “ser”, referindo-se ao modelo acusatório. Ou seja, para alguns autores, o CPP teve inspiração fascista, como asseveram Renato Brasileiro de Lima (2015) e Gilberto Thums (2006). Bem por verdade, tal codificação antiquada, foi recepcionada pelos constituintes, mas com modificações com o

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passar do tempo, por exemplo, após a entrada em vigor da legislação oriunda da Reforma de Agosto de 2008, houve uma tentativa de fazer uma filtragem constitucional, para adequar o CPP ao texto garantista constitucional.

Nesse aspecto, parte da doutrina vem trabalhando com a ideia de que o sistema processual penal está ainda muito arraigado ao princípio inquisitivo. Há doutrinadores mais extremos, ao referirem que não um sistema propriamente dito, já que fazer alusão a um sistema misto, nos termos acima propostos, seria o mesmo que negar a existência de um sistema, já que não há como coexistir, em um mesmo ordenamento jurídico, dois sistemas com princípios tão antagônicos, como o inquisitivo e o acusatório. (LOPES JR., 2012).

Para Thums (2006, p. 175), o país necessita de uma ideologia processual penal democrática, em que as leis devam ser norteadas pelo princípio acusatório, já que, para o autor, o “Brasil não tem nenhum sistema, porque ser misto corresponde a não existir nada definido, tudo é possível na área processual penal”.

Já Lopes Jr. (2012, p. 188), ao referir-se o modo de gestão da prova no processo penal brasileiro, em que se atribui ao juiz tal poder, muitas vezes se substituindo às partes no que tange à atividade probatória, ao invés de se restringir a um sujeito meramente espectador, preocupado com a posterior valoração dos elementos probatórios, assevera que tal possibilidade aniquila com a imparcialidade do julgador. Nesse contexto, entende que tal “característica essencial do princípio inquisitivo, que leva, por consequência, a fundar um sistema inquisitório”. Para o autor o núcleo do sistema inquisitivo é a gestão probatória e tal, nas mãos do magistrado, destrói a dialética e a imparcialidade, as quais são essenciais para o sistema acusatório e “sacrificadas no sistema inquisitório”.

A fim de explicar sua posição, Lopes Jr. (2012, p. 189) cita que o art. 156 do Código de Processo Penal, “funda o sistema inquisitório” no ordenamento pátrio, por “representar uma quebra de igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. Está desenhando um processo inquisitório”.

Para uma melhor interpretação, transcreveremos o art. 156 do Código de Processo Penal:

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A prova da legação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I- Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II- Determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Outra corrente doutrinária, que se amparada no texto constitucional, afirma que o processo penal brasileiro fez a opção constitucional pelo sistema acusatório de garantias, ao qual toda a legislação infraconstitucional deve se adequar. Ainda assim não deixam de reconhecer, como faz Lima (2015, p. 41), que a legislação infraconstitucional, mais precisamente o Código de Processo Penal, tem resquícios do sistema inquisitivo. Mas, para o autor, é necessário olhar tal legislação a partir do texto constitucional, pois tais leis devem ser interpretadas através da Constituição.

A exemplo, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, inciso I, estabelece a separação da função de acusar e julgar, estabelecendo que a primeira incumbe ao Ministério Público, nos casos de ação penal pública e a vítima nos casos de ação penal privada.

Em contrapartida às críticas de Lopes Jr. antes referidas, Lima (2015, p. 40), refere que embora:

não retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar quanto ao interesse das partes. Deve o magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase investigatória, atribuição esta que dever ficar a cargo das autoridades policiais e do Ministério Público.

Rangel (2012, p. 50) também reconhece a vigência do sistema acusatório dentro do processo penal pátrio. Para o autor, houve a separação de acusar e julgar, inexistindo a “figura do juiz instrutor”, diante do fato que a fase policial é presidida pela autoridade policial, que em que pese seja sigilosa, após a propositura da ação penal, o processo é respaldado por diversas garantias constitucionais.

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No entanto, há que se reconhecer que a fase de investigação policial, que no mais das vezes precede a instauração de um processo criminal, trata-se de um procedimento administrativo, ainda demarcado pelo princípio do inquisitivo, com a finalidade de buscar elementos informativos a fim de ser proposta a ação penal. Tanto é que o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 155, prevê que o juiz não poderá formar a sua convicção apenas pelos elementos colhidos durante a investigação preliminar, devendo ser renovados no curso da instrução criminal, a passar pelo crivo do contraditório judicial, salvo casos de impossibilidade de renovação, seja em razão de sua natureza cautelar quando da obtenção, seja porque de fato não há como serem refeitos em juízo, como o que ocorre com muitas das provas periciais, a exemplo, o exame de corpo de delito, já que, quanto mais tempo decorrer entre a prática do delito e a colheita e análise de eventuais vestígios de fato poderia prejudicar a realização da prova técnica, essencial à comprovação da materialidade do fato.

A nosso ver, o processo penal brasileiro é orientado, essencialmente, pelo sistema acusatório de garantias. As leis infraconstitucionais devem se limitar ao texto constitucional, devendo ser feito um crivo de sua constitucionalidade. A função do processo não é unicamente a de viabilizar a concretização do poder de punir do Estado, mas sim de verificar se tal é plausível, em respeito às garantias constitucionais do acusado.

1.4 A função limitadora dos Princípios Constitucionais e a instrumentalidade constitucional do processo penal

A Constituição Brasileira de 1988 trouxe ao processo penal diversos princípios norteadores de sua atuação. Mas essa não é a sua única função. Tais princípios servem também como forma de limitar o poder estatal do Estado dentro da persecução penal e estabelecem também garantias ao acusado, fazendo assim uma verdadeira constitucionalização do processo penal, ainda mais no caso brasileiro, em que seu Código de Processo Penal foi editado no longínquo ano de 1941.

Nesse sentido, Lopes Jr. (2012, p. 171, grifos do autor), refere que “todo o poder tende a ser autoritário e precisa de limites, controle. Então, as garantias processuais constitucionais são verdadeiros escudos protetores contra o (ab)uso do poder estatal”. Ainda, para o autor, a constitucionalização do processo penal, tem como “fundamento da existência do processo

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penal democrático é sua instrumentalidade constitucional, ou seja, o processo enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia de um sistema de garantias mínimas” (grifos do autor).

Quanto à instrumentalidade constitucional, Lopes Jr. (2010, p. 02) afirma que o processo penal está estritamente ligado à Constituição. Para o autor:

A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário, utilitarista (eficiência antigarantista). Contudo, a uma Constituição democrática, como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático e garantista, até porque a ideia de garantismo brota da Constituição, da noção de garantia substancia que dela emerge.

Em uma visão mais abrangente sobre a função dos princípios dentro do processo penal, Rangel (2012, p. 3), refere que “os princípios que regem o direito processual (penal) constituem o marco inicial de construção de toda a dogmática jurídico-processual (penal), sem desmerecer e reconhecer os princípios gerais do direito que lhe antecedem”.

Destarte, observa-se a amplitude da função principiológica constitucional dentro do processo penal que, além de sua função norteadora, serve também como um instrumento de limitação do arbítrio estatal e de garantias ao acusado. Vencida essa necessária introdução à temática ora abordada, serão a seguir analisados princípios constitucionais, tidos como verdadeiras normas-garantia ao direito à liberdade individual e demais direitos fundamentais, porventura constritos em razão da persecução criminal.

1.4.1 Devido processo legal

O devido processo legal é um dos mais importantes - se não o mais - princípios constitucionais, porque dele se desentranha os demais, na lógica que sem o referido inexiste processo. Está expresso na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu art. 5º, inciso LIV, dispondo que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Além de um princípio norteador do processo penal é uma garantia individual a pessoa do acusado.

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Quanto a amplitude e à importância do princípio do devido processo legal, tanto no direito material como no processual, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2012, p. 600), afirmam que:

Todavia, no âmbito das garantias do processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas. Assim, cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à ampla defesa, de (02) direito ao juiz natural, de (3) direito a não ser processado e condenado com base em prova ilícita, de (4) direito a não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica.

Para o processo penal, o cerne do princípio é a proibição da privação da liberdade, sem o devido processo. Para Rangel (2012, p. 04), o devido processo legal “significa dizer que se devem respeitar todas as formalidades previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade (seja ela qual for)”. A legalidade da tramitação do processo é uma garantia ao cidadão, como também, que a privação de sua liberdade só se dará em casos previstos em lei.

Outra característica do princípio do devido processo legal, nas palavras de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2015, p. 188), é de que além de uma “garantia material de proteção ao direito de liberdade do indivíduo” é também uma proteção a determinado cidadão, a fim de “ser assegurada ao indivíduo paridade de condições em face do Estado, quando este intentar restringir a liberdade”.

Destarte, com o princípio do devido processo legal tem-se a ideia da necessidade de um processo, que siga os rigores e ditames de um procedimento legal, meramente formal, respeitando os princípios constitucionais que são a viga mestra do sistema acusatório de garantias. Transformando-se nesse em um instrumento para o uso do jus puniendi para o Estado e uma garantia ao acusado.

1.4.2 Presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência, também previsto na Constituição Federal de 1988, será estudado de forma mais detalhada no segundo capítulo desse trabalho, em análise à

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possibilidade ou não da execução provisória da pena em um sistema processual de garantias e acusatório. Mas, agora, cabe mencionar a sua função limitadora dentro do processo penal.

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 5º, inciso LVII, que: “Ninguém será considerado culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Consiste assim em um direito do réu em não ter seu nome colocado no rol dos culpados, sem esgotados todos os meios recursais e possibilitado a ele a sua defesa e o contraditório.

Lima citando Cesare Beccaria (2015, p. 43), refere que já em 1764, tal autor lecionava que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.

Para Paulo e Alexandrino (2015, p. 197, grifos dos autores), do princípio da presunção de inocência se deriva o in dubio pro reo. Assim referindo:

Essa garantia processual penal tem por fim tutelar a liberdade do indivíduo, que é presumido inocente, cabendo ao Estado comprovar a sua culpabilidade. Dela decorre, também, o princípio de interpretação das leis penais conhecido como in dubio pro reo, segundo o qual, existindo dúvida na interpretação da lei ou na capitulação do fato, adota-se aquela que for mais favorável ao réu.

O princípio da presunção de inocência vem amparado constitucionalmente, limitando o arbítrio estatal, impossibilitando a prisão do acusado antes do trânsito em julgado da sentença, salvo casos de prisões cautelares, que necessitam ser devidamente fundamentadas, dentro dos requisitos previstos no Código de Processo Penal.

1.4.3 Princípio do Juiz natural

Outro princípio norteador do processo penal, previsto na Constituição Federal de 1988, é o do Juiz natural. O art. 5º, inciso XXXVII, estabelece que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Já o inciso LIII, do mesmo art. preceitua que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Somando esses dois artigos, temos a garantia/princípio do Juiz natural.

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Nas palavras de Lima (2015, p. 69), o processo como forma de resolução de conflitos, necessita de um terceiro imparcial, “sendo inviável conceber a existência de um processo em que a decisão do feito fique a cargo de um terceiro interessado em beneficiar ou prejudicar uma das partes”. Para o autor, o princípio do Juiz natural serve como uma garantia para que as partes sejam “julgadas por um juiz imparcial e independente”. E nesse sentido, a ideia de imparcialidade adentra ao conceito de juiz natural.

Na mesma linha de pensamento, Paulo e Alexandrino (2015, p. 171), referem que:

Esse princípio assegura ao indivíduo a atuação imparcial do Poder Judiciário na apreciação das questões postas em juízo. Obsta que, por arbitrariedade ou casuísmo, seja estabelecido tribunal ou juízo excepcional (tribunais instituídos ad hoc, ou seja, para julgamento de um caso específico, e ex post facto, isto é, criados depois do caso que será julgado), ou que seja conferida competência não prevista constitucionalmente a quaisquer órgãos julgadores.

Assim, o princípio do Juiz natural vem assegurar a inexistência de um juízo de exceção, criado para determinado caso que já tenha acontecido, sem prévia determinação de competência constitucional, além de garantir a imparcialidade do órgão julgador.

1.4.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão juntamente inseridos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, e sendo o primeiro inerente ao segundo, por essas razões será estudado em conjunto. A Carta Magna, no artigo acima citado, estabelece que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a elas inerentes”.

Em um primeiro momento, cumpre frisar que o contraditório e a ampla defesa são assegurados em processos judiciais e administrativos, por tal previsão, as investigações policiais, não são necessariamente resguardadas de tais princípios. Em decorrência de que tais serem procedimentos administrativos que buscam elementos de informações para a propositura da ação penal (LIMA, 2015) e pelas razões já expostas no tópico 1.3 da presente pesquisa.

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Quanto à ampla defesa, Paulo e Alexandrino (2015, p. 190), conceituam como:

o direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo, administrativo ou judicial, todos os elementos de prova licitamente obtidos para provar a verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim entender, para evitar sua autoincriminação.

A ampla defesa se subdivide em defesa técnica e defesa pessoal. Para Lopes Jr. (2012, p. 243), a defesa técnica se dá por um profissional do direito e tem como justificativa de atuação a paridade de armas entre a defesa e acusação. Para o autor, o acusado não tem “conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal, em igualdade de condições técnicas com o acusador”, estando esse em uma relação de hipossuficiência, daí a necessidade de uma defesa técnica, por um advogado ou defensor público.

Nesse sentido, o Código de Processo Penal Brasileiro já estabelece, em seu art. 261, a obrigatoriedade do defensor ao acusado, mesmo que este esteja foragido. A súmula 523 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2016), refere que a falta de defensor “constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

A defesa pessoal se subdivide em positiva e negativa. A primeira se compreende como os atos do acusado dentro do processo, a fim de resistir à pretensão estatal. A segunda tem como fundamento o silêncio do acusado, amparado no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal e do art. 186 do Código de Processo Penal, poderá tal ficar silente quando perguntando, sem prejuízo a defesa, abdicando assim de sua autodefesa positiva (LOPES JR., 2012).

Quanto ao acesso das provas colhidas no Inquérito Policial, mesmo este não assegurando os princípios do contraditório e da ampla defesa, a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2016), pacifica que:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão de competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

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Já o princípio do contraditório, em uma conceituação feita pelos autores Paulo e Alexandre (2015, p. 191, grifos dos autores), é:

o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao processo. É o princípio constitucional do contraditório que impõe a condução dialética do processo (par conditio), significando que, a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se, de apresentar suas contrarrazões, de levar ao juiz do feito uma versão ou uma interpretação diversa daquela apontada inicialmente pelo autor. O contraditório assegura, também, a igualdade das partes no processo, pois equipara, no feito, o direito da acusação com o direito da defesa.

Para Lopes Jr. (2012, p. 241, grifos do autor), o contraditório “deve ser visto basicamente como o direito de participar, de manter uma contraposição” e também de “estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental”.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa trazem ao acusado a possibilidade de poder se defender do poder estatal, com todos os meios de prova no direito admitido, como também ter ciência e poder contradizer cada passo do processo. Tais princípios são muito além de uma limitação do jus puniendi, são verdadeiras garantias de um processo justo a aquele que foi deduziada a pretensão jurisdicional.

1.4.5 Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade vem estabelecido na Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, inciso LX, combinado com o art. 93, inciso IX e no art. 792 do Código de Processo Penal. Tal verbete assegura a publicidade de todos os atos processuais, salvo casos de intimidade ou interesse social.

Para Fernandes (2000, p. 62-63), a publicidade dos atos processuais garante a “transparência da atividade jurisdicional, permitindo ser fiscalizada pelas partes e pela própria comunidade”. Com tal princípio, os excessos e os arbítrios estatais podem ser controlados pela própria população. Para o autor, a publicidade pode ser plena ou restrita. A primeira ocorre quando os atos são abertos ao público em geral, é a regra prevista no ordenamento jurídico. Já a segunda se tem quando os acessos aos atos ficam restritos as partes, podendo ocorrer em casos previsto legalmente, como em defesa da intimidade ou interesse social,

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escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (art. 5º, LX, da CF e art. 792, §1º, do CPP).

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXVIII, alínea b, faz uma exceção a regra da publicidade, quando garante o sigilo das votações do Tribunal do Júri. Conforme leciona Fernandes (2000, p. 65), tal restrição é “justificável pela necessidade de preservar os jurados, que podem, com a presença do réu e de populares, sentirem-se intimidados, afetando-se a imparcialidade do julgamento”. Mas os demais atos do Tribunal do Júri são públicos.

O princípio da publicidade é um dos marcos da democracia. Por ele, os cidadãos têm acesso a todos os atos processuais e nisso, fazem um controle do próprio órgão jurisdicional. Assim, tal princípio é um limitador do arbítrio estatal, podendo qualquer um do povo, salvo casos específicos já referidos, ter acesso a sua atividade.

No presente capítulo foram estudados os três sistemas processuais penais encontrados na doutrina, suas características, críticas e diferenciações. Após essa análise, pode-se afirmar que o processo penal brasileiro tem suas bases no sistema acusatório de garantias, a assegurar sua instrumentalidade, em destaque para a função limitadora dos princípios constitucionais. Já no próximo capítulo, será analisada a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 126.292 - que possibilitou a execução provisória da pena-, numa perspectiva crítica, a partir da repercussão dessa decisão aos processos criminais. Tal reflexão é importante, tendo em vista o modelo de sistema processual penal pelo qual a Constituição Federal de 1988 fez a opção, que reconhece a garantia de que nenhum cidadão poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

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2 A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E O SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS

Cumprido a análise a respeito dos sistemas processuais penais e a inserção do modelo acusatório na Constituição Brasileira de 1988, figurando então na função limitadora dos princípios constitucionais, frente aos poderes do Estado, passará ao estudo da possibilidade a execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 126.292, entendeu pela possibilidade de acórdão condenatório de segundo grau de jurisdição, ser dado início a execução da pena, mesmo passível de recurso aos tribunais superiores, não ferindo a previsão constitucional do princípio da presunção de inocência (art. 5, inciso LVII).

Assim, no presente capítulo se estudará a constitucionalidade do presente julgado, frente ao sistema acusatório inserido pelo constituinte de 1988 e o princípio da presunção de inocência.

2.1 Pena e processo: a crucial diferença

Com o monopólio da justiça e do poder de punir – ius puniendi -, cumpre ao Estado usar o processo como um instrumento de limitação de seu poder de penar e um garante dos direitos fundamentais, como também, absorvendo toda a carga principiológica advinda dos modernos Estados Democráticos de Direito e dentro de um aspecto axiológico, as mutações da sociedade.

No direito privado, o processo serve como um instrumento de meio-fim, devendo, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 177), para ser considerado um processo-instrumental acompanhado:

da indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos

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propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. (grifo do autor)

Para Aury Lopes Jr. (2005, p.1), a ideia de instrumentalidade do processo penal está na “limitação do poder estatal e, ao mesmo tempo, instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais”.

Existe uma linha tênue entre a instrumentalidade processual civil e penal. No primeiro, o processo serve para seus meios-fins, já o segundo é, também, um instrumento-garantidor. Como objeto de nosso estudo, sem delongas, aprofundaremos na relação do processo e a pena, a fim de fazer uma relação com possibilidade de uma execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Especificamente no processo penal, Lopes Jr. (2005, p. 3) afirma que o processo, “é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena”, pois, diferentemente do que ocorre no direito civil, onde as partes têm a liberdade de aplicar as normas na vida cotidiana, recorrendo ao judiciário por eventuais litígios. Já no direito penal, em contrapartida, as partes do fato não possuem o juízo de conveniência, pois, nas palavras do autor “a pena não pode prescindir do processo penal”.

Na análise sobre a relação “pena e processo”, Lopes Jr. (2005, p. 4) refere que “existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são complementares”. Com o cometimento do fato típico, deverá ter a ocorrência de um devido processo penal, servindo como um instrumento garantido os direitos fundamentais e limitando o poder estatal, sendo que este deverá determinar o delito e impor a pena correspondente.

Então o processo – especificamente penal – é a estrutura preestabelecida dentro do Estado que figura como um instrumento para ser usado a fim de averiguar a ocorrência ou não do cometimento do fato previsto em lei, através de atos solenes os quais respeitaram garantias previamente estabelecidas no texto constitucional.

No tópico 1.4, do presente trabalho, ao analisar a função limitadora dos princípios constitucionais aplicáveis ao processo penal, fazendo uma análise detalhada de cada cânone. Na esfera do direito material, nada difere, os princípios constitucionais têm a mesma

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finalidade, a limitação do poder do Estado perante o cidadão, funcionando como uma garantia para este.

Segundo Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 124, 125), os princípios penais, além de terem a função limitadora já exaustivamente referida neste trabalho, funcionam como uma orientação básica para todo o Estado. Já a legislação infraconstitucional visa regulamentar as relações intersubjetivas e a satisfação dos interesses dos indivíduos, direito objetivo e subjetivo, respectivamente. Nesse ponto, incumbe ao Estado, usando o Direito Penal através, segundo os autores, “um conjunto de normas jurídicas que descrevem delitos e estabelecem sanções com o escopo de proteger subsidiariamente os bens jurídico-penais”.

Com o cometimento de uma infração tipicamente prevista no Direito Penal infraconstitucional, “surge para o Estado o direito de aplicar a punição prevista na norma objetiva”. Para fazer a diferenciação entre pena e processo, busca-se entender a finalidade da pena dentro do Estado democrático de Direito. (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 125)

Não poderíamos falar de pena sem citar Beccaria (2011, 47-48), o qual diz que a finalidade da pena não é desfazer o crime ou torturar o infrator, mas sim prevenir delitos. O autor sempre teve um pensamento muito além de seu tempo e suas ideias foram revolucionárias no século XVIII, as quais ainda influenciam pensadores da atualidade.

Após um longo avanço no estudo da teoria da pena, atualmente duas teorias tentam explicar sua finalidade, quais sejam: absoluta ou retributiva e relativa ou preventiva.

A teoria absoluta ou retributiva “atribui a pena um caráter retributivo, ou seja, a sanção penal restaura a ordem atingida pelo delito”. Para os adeptos desta corrente, a pena tem a finalidade de retribuir a lesão, isto é, a aplicação da sanção penal se dará através de outro mal no seu destinatário (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 130).

Para José Antonio Paganella Boschi (2004, p. 110), em uma análise sobre a teoria absolutista, refere que “aceitar a retribuição do mal com o mal implica ‘legitimação’ da vingança pelo Estado, dispensando-se o ofendido de manchar ele próprio as moas com o sangue da vítima”.

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Já a teoria relativa ou preventiva se divide em geral e especial. A primeira destina-se aos cidadãos em geral e a segunda se endereça ao delinquente especificamente, as quais serão melhores abaixo detalhadas.

No que tange à teoria relativa/preventiva geral, pode ser ainda entendida em dois sentidos: negativo e positivo. Na finalidade geral negativa, para Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 131), a “pena deve produzir efeitos de intimidação sobre a generalidade das pessoas, atemorizando os possíveis infratores a fim de que estes não cometam quaisquer delito”.

A teoria preventiva geral no sentido positivo não está ligada à intimidação dos cidadãos, mas sim nas palavras de Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 132), no

resultado de eficaz atuação da justiça e da consciência que a sociedade passará a ter sobre esta realidade. A norma deve ser, pois, estimulada em seu cumprimento, sendo esse um processo de formação, com oportunidade de assimilar os valores básicos da sociedade. (sic)

Jakobs apud Boschi (2004, p. 123) tem o entendimento de que a teoria preventiva geral no sentido positivo, “compreende a pena como uma forma de manifestação de força do Estado sobre os indivíduos (...)”, mas não de uma maneira retributiva como na teoria acima estudada, “mas sim como um instrumento de manutenção das expectativas sociais depositadas sobre a norma”.

A teoria preventiva especial, como mencionado, está ligada à figura do delinquente, tendo a pena como finalidade a ressocialização do indivíduo, para que o mesmo não volte mais a delinquir. Roxin apud Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 133) referem que ocorreria “da seguinte forma: corrigindo o corrigível (ressocialização), intimando o intimidável e neutralizando (prisão) o incorrigível e aquele que não é intimidável”.

Em uma análise do ordenamento jurídico pátrio, Boschi (2004, p, 132) afirma que as teorias da pena estão inseridas na legislação penal e as finalidades “de retribuição, de prevenção e de ressocialização transparecem dos artigos 59 do CP e 1º da Lei de Execuções (...)”.

Referências

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