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As ressonâncias de uma reparação tardia: um estudo sobre as experiências docentes diante do ensino de história e cultura afro e das relações étnico-raciais na comunidade do Curuzú, Salvador (BA)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIO LOPES DOS SANTOS NETO

AS RESSONÂNCIAS DE UMA REPARAÇÃO TARDIA:

UM ESTUDO SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DOCENTES DIANTE DO

ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO E DAS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS NA COMUNIDADE DO CURUZÚ, SALVADOR

(BA).

SALVADOR 2015

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MARIO LOPES DOS SANTOS NETO

AS RESSONÂNCIAS DE UMA REPARAÇÃO TARDIA: UM ESTUDO SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DOCENTES DIANTE DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROE DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA COMUNIDADE

DO CURUZÚ, SALVADOR (BA)

Dissertação apresentada ao programa de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do título de mestre em educação.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Rodolpho Jungers Abib.

Área de Concentração: Educação e Diversidade.

SALVADOR 2015

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SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira

Santos Neto, Mario Lopes dos.

As ressonâncias de uma reparação tardia : um estudo sobre as experiências docentes diante do ensino de história e cultura afro e das relações étnico-raciais na comunidade do Curuzú, Salvador (BA) / Mario Lopes dos Santos Neto. – 2015.

162 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Rodolpho Jungers Abib.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2015.

1. Brasil - [Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008]. 2. Relações raciais. 3. Política e educação. 4. Cultura afro-brasileira – Estudo e ensino. 5. História - Estudo e ensino. 6. Experiência. 7. Educação multicultural. I. Abib, Pedro Rodolpho Jungers. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. III. Título.

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MARIO LOPES DOS SANTOS NETO

AS RESSONÂNCIAS DE UMA REPARAÇÃO TARDIA: UM ESTUDO SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DOCENTES DIANTE DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROE DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA COMUNIDADE

DO CURUZÚ, SALVADOR (BA).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como pré-requisito para obtenção do titulo de mestre. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo indicada.

Aprovada em 30 de setembro de 2015.

Banca Examinadora

Prof. Dr. Pedro Rodolpho Jungers Abib – orientador Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.

Universidade Federal da Bahia.

Prof. Dr. Eduardo David Oliveira

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Universidade Federal da Bahia.

Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

Doutor em Educação pela Universidade de Paris VIII. Universidade Federal da Bahia.

SALVADOR 2015

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"Até que os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça."

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Sara e José, pela dádiva da vida e apoio incondicional. À minha avó, Dilza, por existir e confiar em mim incondicionalmente.

À toda a minha família e amigos, especialmente os mais chegados. À minha companheira, Jana, pelo amor e compreensão.

Ao amigo irmão, Luís, por sempre me escutar e compartilhar de suas experiências comigo.

Agradeço aos professores, Carlos e Filipe, que cederam seu tempo e atenção para a fim de compartilhar as suas experiências e tecer novos saberes.

Agradeço a todo o corpo escolar da escola Celina Pinho pelo acolhimento e contribuição.

Agradeço à comunidade do Curuzú pelo acolhimento e inspiração.

À Pedrão, meu orientador, por compartilhar saberes e experiências sensíveis à vida e as diversas potencialidades dos seres humanos.

Aos mestres, Eduardo e Roberto, pelo incomensurável elo de aprendizado estabelecido e vivenciado, tão significativo para esse trabalho.

Aos colegas que encontrei nessa caminhada, curta, porém rica em sentidos. Ao grupo Griô, pela aprendizagem e novas relações.

Aos mestres de outrora que continuam a me inspirar, formar e transformar, Jacques Depelchin, Juvenal de Carvalho e Lucilene Reginaldo, vocês também fazem parte desse trabalho.

Enfim, agradeço ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFBA, pela oportunidade e suporte prestado.

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SANTOS NETO, M.L. As ressonâncias de uma reparação tardia: Um estudo sobre

as experiências docentes diante do ensino da História e Cultura Afro e das relações étnico-raciais na comunidade Curuzú, Salvador (BA).162.p f. il. 2015.

Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, 2015.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo socializar e compreender experiências docentes de professores de uma escola pública de Salvador a respeito do ensino da história e cultura afro- brasileira e das relações etnico-raciais, a instituição em questão é a escola Celina Pinho, localizada na comunidade do Curuzú. A partir de observações e entrevistas orientadas pelo método de pesquisa etnográfico e também das visões e formas de concepções de mundo e de sujeitos sugeridas pela etnopesquisa, buscamos nos aproximar da comunidade e escola para compreender como dois professores de História concebem as suas experiências docentes em relação aos fenômenos estudados, levando em consideração que tais experiências possuem um caráter formativo a respeito de sua profissão e atribuem sentidos as suas vidas como um todo. O objetivo dessa pesquisa coaduna com a emergência e relevância de propor e discutir temas relacionados as relações étnico-raciais no Brasil que se inserem no quadro das lutas sociais e necessidades em propor um modelo educacional mais equitativo e inclusivo no Brasil. Este estudo nos permitiu conhecer e compreender a partir de uma realidade específica, perspectivas docentes a respeito do ensino da história e cultura afro e das relações etnico-raciais na comunidade do Curuzú, apontando dificuldades e novos caminhos de atuação para professores comprometidos com a consolidação de um modelo educacional mais humano, capaz de garantir a coexistência entre os diversos grupos sociais e culturais que compõem o nosso país, além de garantir as potencialidades dos mesmos.

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SANTOS NETO, M.L. Resonances of late repair: A study on the teaching

experiences on the teaching of history and African Culture and ethnic-racial relations in Curuzú community, Salvador (BA). 162.p f. il. 2015.

Master Dissertation- Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, 2015.

ABSTRACT

This study aims to socialize and understand teaching experiences of teachers of a public school in Salvador about the teaching of history and Afro-Brazilian culture and ethnic-racial relations, the institution concerned is the Celina Pine School, located in the community Curuzú. From observations and interviews oriented by the ethnographic research method and also the visions and forms of world views and subjects suggested by etnopesquisa, we seek to approach the community and school to understand how two history teachers design their teaching experiences in relation to the phenomena studied, taking into account that such experiences have an educational character about his profession and give directions their lives as a whole. The objective of this research is consistent with the emergence and relevance to propose and discuss issues related to ethnic-racial relations in Brazil that fall within the framework of social struggles and needs to propose a more equitable and inclusive educational model in Brazil. This study has allowed us to know and understand from a specific reality, perspectives teachers about the teaching of history and african culture and ethnic-racial relations in Curuzú community, pointing difficulties and new performance paths for committed teachers with consolidation a more humane educational model capable of ensuring the coexistence of different social and cultural groups that make up our country, and ensure the potential thereof.

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9 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS...6 RESUMO...7 ABSTRACT...8 SUMÁRIO...9 INTRODUÇÃO...11

CAPÍTULO 1 - O lugar da Educação Étnico-Racial na legislação educacional brasileira...20

1.1- As Leis de Diretrizes e Bases (1961 e 1971)...20

1.2- Constituição de 1988 e LDB de 1996...23

1.3- LDB de 1996. (PRIMEIRA FASE)...24

1.3.1- A LDB de 1996 e a sua segunda fase...26

1.4- Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o “Currículo Oculto”...29

1.4.1 – A ideia de Pluralidade Cultural nos PCN‟s...29

1.4.2- O lugar do negro no PCN “Pluralidade Cultural”...31

1.5 – O Negro no Currículo...33

1.6 - O Movimento negro e a educação...36

1.6.1 - Negritude e seus sentidos...38

1.6.2 - As ações educacionais dos Movimentos Negros ...45

1.6.3 - Ações na Bahia, Introdução aos Estudos Africanos e .as ações educativas do Ilê Aiyê...50

1.6.4 - Muito antes da lei 10.639/03...54

CAPÍTULO II- Mapeando os espaços: O Bairro/ Comunidade do Curuzú e a Escola Celina Pinho, os campos de atuação do trabalho docente...57

2.1 - A comunidade do Curuzú e suas peculiaridades...58

2.2- OS Caminhos teóricos e metodológicos de uma pesquisa radicalmente contextualizada...63

2.2.1- A Fenomenologia crítica e o mergulho nas coisas mesmas...65

2.2.2- A Etnometodologia e a voz para os atores sociais ...67

2.2.3- Inspirações Teóricas para compreender uma comunidade negra pós- colonial...69

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2.2.4- A inspiração etnográfica e os instrumentos de coleta...71

2.3- Subindo a ladeira do Curuzú : Estórias de uma comunidade negra...73

2.3.1- Caminhando e observando, a realidade que nos salta aos olhos...74

2.3.2- O candomblé como fator de identidade e união...78

2.3.3- Contextos atuais: O Curuzú não é mais aquele...83

2.4- O Curuzú e a Escola Celina Pinho: Um diálogo necessário...85

CAPÍTULO III- A Lei e suas determinações, o professor como principal agente do processo...93

3.1- A lei, seus agentes e determinações extracurriculares...97

3.1.2- Aos professores o maior desafio...101

CAPÍTULO IV- Entre a lei 11.645 e a realidade vivida, os relatos de experiências docentes enquanto fragmentos do real...107

4.1- Os relatos de experiência...109

4.1.2- Relatos de experiências: O professor Carlos...112

4.1.3- Relatos de Experiências: O professor Filipe...125

CONSIDERAÇÕES FINAIS...143

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INTRODUÇÃO

Ao analisar o campo das relações étnico-raciais no Brasil na contemporaneidade podemos constatar um crescente protagonismo da população negra em relação a representatividade política, social e econômica pouco mais de cem anos após a abolição da escravatura. Das muitas frentes de luta empreendidas pela população negra no Brasil contra a discriminação racial e por igualdade de oportunidades e direitos, podemos destacar a Educação como um dos mais representativos campos de atuação, por esse se instituir enquanto lócus privilegiado de formação intelectual e humanístico, tendo um forte potencial no que diz respeito à construção da cidadania e quebra de preconceitos. Seguindo essa perspectiva segundo Nilma Lino Gomes:

Não há como negar que a educação é um processo amplo e complexo de construção de saberes culturais e sociais que fazem parte do acontecer humano. Porém, não é contraditório que tantos educadores concordem com essa afirmação e, ao mesmo tempo, neguem o papel da escola no trato com a diversidade étnico-racial? Como podemos pensar a escola brasileira, principalmente a pública, descolada das questões raciais que fazem parte da construção histórica, cultural e social desse país? E como podemos pensar as relações raciais fora do conjunto das relações sociais? (GOMES, 1999, p.146-147).

Como afirma Gomes, a escola é sem dúvida um campo de relações sociais onde a questão étnico-racial está constantemente explicitada e tensionada, nesse sentido, o espaço escolar, não deve se abster dessas questões, ou simplesmente lidar de forma superficial e banalizada com as mesmas, o espaço escolar deve ser reconhecidamente encarado como um dispositivo em potencial para o tratamento e problematização desse tema.

Reconhecendo tal potencialidade, levando em consideração o espaço escolar e os profissionais da educação, sobretudo os professores, enquanto responsáveis pelo tratamento e problematização das questões étnico-raciais no âmbito educacional em nosso país, torna-se necessário refletir sobre as ações educacionais quem vem sendo tomadas nesse sentido. É justamente nessa perspectiva que o presente trabalho toma forma, temos como objetivo acompanhar e analisar as experiências de professores da rede pública de ensino do bairro do Curuzu/Liberdade diante da Lei 10.6391 de 2003, uma lei sem precedentes na história da educação no Brasil que determina a

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12 obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados no Brasil.

A partir de 2003 tal atribuição foi direcionada principalmente aos professores de História, Artes e na área de linguagens2, que devem transversalizar os temas relacionados a história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos de tais disciplinas durante o ano letivo. Desde então, cursos de aperfeiçoamento vem sendo oferecidos, materiais didáticos específicos distribuídos para os professores, além de reuniões nacionais e estaduais de avaliação de aplicabilidade da lei.

Porém, passados mais dez anos desde a promulgação da lei 10.6393 durante o governo do então presidente da república Luis Inácio Lula da Silva, o que temos ainda hoje, é um campo de incertezas e expectativas acerca dessa iniciativa, que pode ser encarada como uma reparação tardia, uma tentativa, dentre outras promovidas pelo governo federal, de implementar políticas afirmativas no intuito de promover a igualdade racial no Brasil, dialogando com os anseios de anos de luta empreendidos pelos Movimentos Negros no Brasil.

Essa inquietude referente a experiência docente e a lei 11.645 coaduna com a minha própria trajetória enquanto professor de História, sempre indo “contra a maré” quando o assunto é África e afrodescendentes em nossas salas de aulas repletas de alunos e alunas negras. O interesse pela África e a história dos negros da diáspora surgiu ainda durante a minha graduação em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana, quando defendi o meu trabalho de final de curso sobre literatura africana, encarando esse instrumento como uma ponte para se trabalhar África em sala de aula, pois a carência de matérias didáticos que nos permita trabalhar os conteúdos relacionados a esse continente de uma forma mais lúcida e problematizada era e ainda é um grande problema me nossas escolas.

Por muito tempo as lacunas tendenciosas deixadas por boa parte da historiografia utilizada e levadas às nossas escolas criaram verdadeiros abismos entre Brasil e África, pior, abismos entre os brasileiros e suas próprias raízes. Aos africanos e afro-brasileiros relegaram-se espaços subalternos e caricaturados, quando não invisíveis

2 A lei estabelece que os conteúdos relacionados a História e Cultura Afro-Brasileira devem ser

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, porém da ênfase ao tratamento nas disciplinas citadas no texto.

3 Em 2008 a Lei. 10.639 teve suas atribuições ampliadas, abarcando também os conteúdos relacionados a

educação indígena, por meio da 11.645 de 10 de Março de 2008. Na presente pesquisa apesar de nos referirmos a lei 11.645, trabalharemos apenas com a Lei. 10.639 a fim de especificar o nosso objetivo direcionado ao tratamento e experiência docente em relação à história e cultura africana e afro-brasileira.

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13 em nossa histórica intrinsecamente marcada pelo eurocentrismo. O resultado dessa política de exclusão é o não reconhecimento de boa parte da população brasileira na história oficial que lhe é apresentada. A exclusão do negro na história oficial assim como a ocultação de boa parte da sua contribuição na formação da sociedade da brasileira, retirando-lhe assim o seu papel de agente ativo e transformador da história se configura em artifício utilizado por um modelo de história determinista, voltado para atender os interesses dos grupos hegemônicos da sociedade. Sobre esse modelo de história excludente conclui Fonseca

A principal característica dessa história é a exclusão: sujeitos, ações e lutas sociais são excluídos. A exclusão e a simplificação do conhecimento histórico escolar introjetam nos alunos a seguinte idéia. Vocês não fazem história. A história é feita por e para alguns, que não somos nós, são outros e poucos. (FONSECA, 2005, p.90).

Esse longo processo de exclusão e inferiorização foi fomentado por ideologias racistas marcantes em nossa sociedade, que encontraram redutos em alguns espaços em nossa sociedade como a escola. O tratamento inferior dispensado aos negros e suas histórias sempre foi determinante para a criação de estereótipos persistentes disseminados em larga escala nas instituições escolares, nessa perspectiva ressalta Nascimento

E sempre se “inclui” a africanidade nesse hegemônico ocidental de acordo com os termos por ele definidos, ou seja, uma africanidade identificada de forma irredutível com a escravidão, eliminando-se a idéia de povos africanos soberanos, atores no palco da história da civilização humana. Trata-se daquela africanidade lúdica, limitada às esferas da música, da dança, do futebol e da culinária. (NASCIMENTO, 2003, p. 208).

Diante do histórico de esquecimento e inferiorização da história da África e dos afro-brasileiros no Brasil, a lei 10.639 de 2003, pode certamente ser concebida enquanto uma vitória encabeçada pelos Movimentos Negros em nosso pais, porém temos que ter consciência do longo e tortuoso caminho a ser percorrido quando o assunto e lidar com temas historicamente negligenciados e negativizados, preconceitos enraizados em nossa sociedade, onde a escola quase sempre é a porta de entrada para os mesmos por se constituir enquanto um dos primeiros lócus de formação de caráter e concepção de mundo do indivíduo.

Buscando acompanhar o desenvolvimento da lei em seu campo de atuação real, nas escolas, principalmente as públicas, eis que surge a necessidade de pensar a 11.645 para além de suas atribuições legais, mas partir para o campo das experiências reais dos

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14 docentes, principais agentes desse processo, diante da realidade de nossas escolas, de nossas comunidades, o que de fato tem sido feito para que a lei não se torne “letra morta”?

É sabido que no processo de aplicabilidade da lei 11.645, de todos os desafios postos, certamente os mais complexos giram em torno do professor, dentre os quais podemos destacar a formação dos docentes e suas concepções e condutas diante de uma proposta educacional inclusiva, voltada para o reconhecimento e valorização da diversidade étnico-racial em uma sociedade atravessada por preconceitos que ganham força também nas escolas. Estão os profissionais preparados para lidarem com essa “nova”4

velha demanda da educação brasileira? Demanda essa, onde além de suas concepções teórico/metodológicas, serão impelidos a revisitar suas próprias convicções éticas e morais enquanto cidadãos conscientes de nossa história e realidade social.

A minha vivência na comunidade do Curuzu/Liberdade, reconhecida como um dos maiores redutos da população negra fora da África5 me aproximou da escola Celina Pinho, campo de pesquisa desse trabalho,e me fez levantar uma questão: A comunidade do Curuzu, mundialmente reconhecida por suas característica afrodescendentes é um lócus privilegiado e oferece dispositivos favoráveis ao processo educacional de aplicação da lei 11.645? A atenção ao bairro/comunidade é extremamente importante no processo de construção e compreensão desse trabalho, pois penso que para se efetuar uma pesquisa contextualizada e densa nos espaços escolares, não é possível dissociar escola e comunidade, assim como não é possível pensar o fazer docente dissociado da comunidade na qual está inserida a escola.

Diante do que foi aqui exposto, essa pesquisa tem como problema central analisar a experiência de professores em relação a lei11.645 e as relações étnico-raciais em sala de aula, levando em consideração todos os desafios pedagógicos, ideológicos, políticos e sociais que transversalisam a lei e a educação para as relações étnico-raciais como um todo. O que tem sido feito para além das determinações legais atribuídas pela

4 Relaciono-me a emergente preocupação do Estado brasileiro em relação a políticas educacionais

voltadas para grupos historicamente discriminados, concebidos como “minorias” no que diz respeito à representatividade social, econômica e política no país. Apesar de emergente para o Estado, essa demanda é uma antiga luta dos movimentos sociais, como o movimento negro no Brasil.

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Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, em 2012, e divulgada às vésperas do aniversário de 463 da capital baiana, o bairro da Liberdade figura na lista dos mais habitados pela população negra da cidade. A escolha pela Liberdade/Curuzu também se deu no intuito de analisar questões de identidade e pertencimento, buscamos analisar os limites entre essa negritude populacional e a identificação com a História, tradição e cultura afro-brasileira.

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15 lei, para que as temáticas relacionadas a história e cultura africana e afro-brasileira sejam incorporadas nas salas de aulas brasileiras, contemplando milhares de estudantes carentes de uma formação adequada em relação as suas próprias origens e realidades?

Aliado ao problema descrito, procuro ainda trazer perguntas relacionadas a formação dos professores, materiais utilizados na prática docente e subsídios da escola e comunidade que viabilizem e potencializem o trabalho do professor em relação a aplicação da lei 11.645. O professor é o principal sujeito dessa pesquisa, os sujeitos sociais cujas práticas enquanto profissionais e enquanto cidadãos serão relatadas e analisadas a luz da questão da emergência e importância da lei, retratando um fragmento da realidade, perspectivas de experiências diante da lei 11.645 mais de dez anos após a sua promulgação.

Avilta-se assim interesses generalizantes a partir dos resultados obtidos nesse trabalho, que possui recorte espacial bem delimitado, a escola Celina Pinho e a comunidade do Curuzú/ Liberdade. Tendo consciência que estamos diante de uma realidade específica, procuramos relatar, analisar e socializar experiências peculiares de docentes em relação ao lei 10.639, e com isso abrir espaço para troca de experiências e ideias que nos levem a um quadro panorâmico mais amplo a respeito da situação da aplicabilidade da lei.

Nesse sentido temos como objetivos principais nesse trabalho primeiramente identificar as condições de aplicabilidade da Lei 11.645 a partir da experiência docente na escola Celina Pinho situada no bairro do Curuzú/ Liberdade, contextualizar a emergência da lei na comunidade do Curuzú/ Liberdade, organizar um painel de informações concedidas por professores visando identificar suas propostas e iniciativas e os principais desafios diante da aplicação da lei, levando em consideração dados referentes à sua formação, instrumentos utilizados na prática docente e principalmente, sua concepção sobre a importância da aplicabilidade da lei e como isso reflete em sua prática docente.

Além dos objetivos descritos acima, esse trabalho traz ainda a proposta de produzir também enquanto trabalho final um material audiovisual no intuito de divulgar as experiências relatadas e propor novas perspectivas de incentivo ao trabalho docente diante da lei 11.645. Por entender que os vídeos/ documentários possuem hoje uma linguagem muito acessível e universal, buscamos extrapolar o campo da escrita e levar essas experiências a público, através da disponibilização desse material para o público interessado.

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16 Todos esses objetivos coadunam enfim para avaliar a partir da perspectiva docente os desafios a serem suplantados e perspectivas a serem alcançadas em mais dez anos após a promulgação da lei, partindo de experiências e realidades específicas e concretas, que possam juntamente a outras contribuir para a compreensão da nossa realidade escolar em relação a lei 11.645.

Para alcançar tais objetivos, o presente trabalho preza pelo seu caráter radicalmente contextualizado em seu campo de pesquisa e voltado para a interpretação de sentidos e significados oriundos dos professores (atores sociais) envolvidos e do campo de pesquisa. Essa pesquisa de natureza qualitativa, tem na etnografia o seu principal método e na etnometodologia suas bases epistemológicas de compreensão da realidade. Acrescentamos ainda a perspectiva dos estudos culturais, sociais e históricos pós-coloniais que nos permitam tratar do fenômeno estudado mediante as circunstâncias conjunturais que também o delinearam.6

Por meio da inspiração etnográfica, onde a inserção no campo, e contato com os atores sociais são princípios caros, ressaltamos uma das características básicas da pesquisa qualitativa segundo Lüdke e André (1986), que é conceber ao processo uma maior importância em relação aos resultados.

Tomamos base também alguns princípios básicos da chamada crítico-fenomenológica, que tem como um dos seus principais pilares o rigor que conclama uma proposta de desvencilhamento dos preconceitos por parte do pesquisador, no intuito de se abrir ao fenômeno, ou “mergulhar nas coisas mesmas”, nos remetendo a ideia do époche (MACEDO, 2010). Longe de negar as subjetividades dos sujeitos, o rigor fenomenológico se justifica no sentido de descrever e compreender os fenômenos da forma mais autêntica possível.

Os dispositivos de coletas utilizados nessa pesquisa são principalmente as entrevistas abertas e semi-estruturadas. A observação participante e analise da documentação escolar também fazem parte dos procedimentos metodológicos que constituem esse trabalho.

Vale ressaltar que o material áudio-visual, será um produto dessa pesquisa. A sua produção estará dentro do universo metodológico, teórico e conceitual que regem

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Essa perspectiva se faz ainda mais necessária se pensarmos nas características sociais e culturais qu foram se formando na comunidade do Curuzú, no que tange a formação e condição social, percebemos que faz parte de uma política quase generalizada de exclusão do negro na sociedade brasileira, a identidade cultural surge nesse sentido como uma ferramenta de autoafirmação e resistência.

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17 esse trabalho, visando contribuir com os nossos objetivos aqui propostos e ampliar o campo de debates sobre a temática trabalhada.

No mais gostaria de ressaltar que essa pesquisa deve ser concebida enquanto um produto social, uma construção coletiva onde os professores (atores sociais) terão voz ativa no sentido de co-participação. Esperamos através de nossos resultados, incitar e contribuir com novos debates, trazer a tona informações que contribuam para um maior entendimento sobre o papel do professor nesse processo educacional tão desafiador e importante.

O presente trabalho está estruturado em três capítulos que se completam no sentido de apresentar informações resultantes do trabalho de pesquisa junto os professores, mas também realizar análises conjunturais que nos permitam compreender melhor a emergência e dinâmica do fenômeno estudado. Para tal, organizamos essa dissertação da seguinte maneira:

No capítulo inicial procuramos apresentar como a temática étnico-racial foi historicamente concebida na educação brasileira afim de compreender os antecedentes históricos da lei 11.645. Nesse sentido trabalhamos sob duas perspectivas distintas, uma partindo do campo educacional formal brasileiro com suas leis e parâmetros, e outra partindo de modelos educacionais “não formais” propostos pelos Movimentos Negros atuantes no Brasil desde o início do século passado. Por defender a ideia de que a lei indiscutivelmente foi fruto de anos de luta desses movimentos que tinham na educação um dos seus principais campos de atuação, procuramos analisar, como em oposição, o Estado brasileiro foi historicamente negligente em relação a educação dos negros no pós abolição. Negligencia constatada também através do esquecimento voluntarioso da nossa ligação com o continente africano e suas influencias no Brasil.

Nesse mesmo capítulo, analisamos as principais leis e diretrizes que regem a nossa educação como a LDB e os PCN‟s e currículos, buscando identificar minuciosamente qual/ e se há atenção dispensada à questão étnico-racial, assim como à questões referentes a história e cultura da África e dos afro-brasileiros. Passando adiante, descrevemos algumas ações educativas encabeçadas por Movimentos Negros em escala nacional dando ênfase especial a Bahia. Nesse trabalho, optamos também por transitar pelos principais arcabouços políticos e ideológicos que norteiam as ações desses movimentos ao longo dos anos.

No capítulo que se segue temos como principal objetivo mapear e contextualizar o campo de pesquisa, a comunidade do Curuzu/Liberdade e o espaço escolar. O objetivo

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18 inicial do capítulo é contextualizar a emergência da lei 11.645 no Curuzú, bairro reconhecido pelos seus traços demográficos e culturais negros, buscamos compreender que espaço é esse que a escola está alocada, quais são as dinâmicas sociais e culturais que estão em jogo nessa comunidade tão pulsante. Ademais, é importante também frisar que buscamos analisar como hoje está configurada a pertença étnico-racial dessa população marjotariamente negra aos signos da negritude e africanidades. A partir daí analisar em que medida a comunidade pode influenciar ou não no processo educacional de aplicabilidade da lei 11.645.

Com intuito de compreender em que medida se estabelece o dialogo entre escola e comunidade, finalizamos o capítulo mapeando as formas de integração entre esses dois espaços. Seja através de políticas, projetos ou outras formas de relação forjadas pela escola ou comunidade, acreditamos na potencialidade dessa integração, por entender escola e comunidade como dois espaços de produção de sentidos e saberes a serem valorizados.

Em nosso terceiro e ultimo capítulo procuramos realizar as nossas conclusões a respeito das nossas observações e experiências junto ao espaço escolar e aos professores de História em relação a aplicabilidade e significado histórico, social e político da lei 11.645. É importante ressaltar que não procuramos conceber nossas conclusões como desfecho, mas sim como novas impressões acerca da realidade, passíveis de resignificações. Além das entrevistas e observações junto aos professores em sua atividade docente, procuramos também colher informações pertinentes por meio da documentação escolar e dos materiais didáticos que direcionam e organizam o trabalho desses professores.

Gostaríamos de ressaltar que a ordem dos capítulos segue uma organização e lógica estrutural de pensamento, onde, por exemplo, a lei 11.645 deve ser evidenciada e discutida enquanto um produto social, demanda histórica dos movimentos negros no Brasil, por isso o primeiro capítulo de contextualização. Os capítulos que se seguem são voltados para o trabalho de campo, onde passamos pela comunidade, escola e finalmente o trabalho docente, essa ordem foi estabelecida por entendermos que é extramente importante analisar o trabalho do professor ( principal sujeito dessa pesquisa) a luz dos contextos históricos, sociais e culturais das comunidades que abrigam o seu trabalho, portanto fator importante em suas pratica docente.Por fim evidencio a importância das escolhas e caminhos adotados nessa pesquisa, sejam eles

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19 ideológicos ou metodológicos, fazem parte de uma compreensão de mundo e mais especificamente do fenômeno estudado.

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CAPÍTULO 1- O lugar da Educação Étnico-Racial na legislação educacional brasileira

Pretendemos contextualizar e analisar a seguir as principais leis e diretrizes educacionais que regem a educação básica7 brasileira, a LDB e PCN‟s, com fins de avaliar o lugar e tratamento que a questão da educação étnico-racial8 vem ocupando nesses documentos oficiais. Esse estudo se faz importante na perspectiva de analisar quais iniciativas já foram e ainda estão sendo tomadas pelo Estado brasileiro na esfera educacional referente a história da educação dos negros no Brasil, e até para compreender de forma satisfatória a necessidade e emergência da Lei. 10.639 sancionada em 2003 que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino público e privado do Brasil.

Cabe aqui analisar o que foi feito até o momento para modificar o status da invisibilidade, do esquecimento dos negros, suas histórias, valores culturais e ancestrais na educação brasileira, pois ainda hoje podemos afirmar que “[...] o universo escolar parece estranho e alheio aos negros, porque repete, reforça, prolonga, e valoriza as condições de existência do mundo branco”. (PATROCÍNIO, 1989, p. 44).

Diante dessa realidade é relevante acompanhar e compreender quais foram os passos dados pela educação brasileira para o restabelecimento do diálogo cultural e civilizatório entre os povos que constituem a nossa nação, rompendo com a ideia preconceituosa e etnocêntrica de valorizar e propagar em nossos currículos e ambientes escolares apenas alguns valores civilizatórios em detrimento de outros.

1.1- As Leis de Diretrizes e Bases (1961 e 1971)

A primeira LDB no Brasil surgiu no ano de 1961 durante o governo de João Goulart, é o documento máximo no que diz respeito à regulamentação da educação brasileira, tem por objetivo estabelecer as leis e diretrizes que devem orientar todas as modalidades de educação no Brasil, seguindo as prerrogativas da constituição federal vigente.

A LDB como documento oficial federal sempre foi um produto do seu contexto histórico de produção, sua produção sempre esteve alinhada ao projeto político

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De acordo com o MEC, a educação básica corresponde à educação infantil e aos níveis fundamentais e médios de ensino.

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Embora o termo seja mais abrangente captando outros grupos étnicos, vou usar essa denominação me referindo especificamente a população negra no Brasil.

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21 predominante vigente no momento. Podemos perceber essas inclinações ideológicas quando analisamos, por exemplo, o lugar que a educação étnico-racial ocupa nesse documento, lugar esse que veio ganhar destaque considerável apenas na segunda fase9 da última versão da LDB, quando os Movimentos Negros10 já haviam consolidado a luta pela inclusão da população negra na sociedade brasileira como uma das principais demandas sociais do país.

Ao analisar cuidadosamente a primeira versão da LDB de 1961 nota-se a a ausência significativa de tópicos relativos a questões étnico-raciais no Brasil, a menção ao termo “raça” aparece apenas de forma transversal e genérica através de um tópico situado no primeiro artigo da legislação educacional oficial vigente no período, a Lei Nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961

Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política, ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça.(BRASIL,1961).

O discurso contra o preconceito racial, assim como contra o preconceito de classe estava presente na legislação educacional promulgada durante o governo do então presidente João Goulart, porém segundo Lucimar Rosa Dias (2005, p.54) essa presença se dava de forma incipiente e sem maiores problematizações. Ainda segundo a autora, a inclusão racial fazia parte das preocupações dos educadores do período e como discurso foi incorporada ao texto da lei da LDB de 1961, mas o tema não foi tensionado pela legislação e nem pelos educadores, que tinham no debate sobre o destino da escola pública, a pauta mais significativa de discussão no período.

Apesar dessa invisibilidade no campo político e educacional oficial, várias ações de combate ao racismo e inclusão social do negro na sociedade brasileira já haviam sido tomadas ou estavam em curso pelos Movimentos Negros que já atuavam de forma organizada no Brasil desde 1907 com a Imprensa Negra, FNB ( Frente Negra Brasileira) 1931 o Teatro Experimental do Negro (1944) e outros movimentos existentes no Brasil, inclusive na Bahia. Silva, 1997).

No ano de 1971 durante o governo militar no Brasil, período reconhecidamente marcado pela falta de liberdade de expressão e opressão política e civil, foi promulgada

9

Optei por trabalhar a LDB de 1996 em duas fases, haja vista a significativa transformação no documento em relação as questões étnico-raciais antes e depois d a LEI 10.639.

10 Usarei o termo “Movimentos Negros” para representar a multiplicidade dos movimentos que atuaram e

atuam em prol dos interesses da população negra no Brasil e combatendo a discriminação racial em todas as esferas da sociedade.

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22 a segunda versão da LDB durante o governo do então presidente Emílio Garrastazu Médici. Analisando o documento de 1971 podemos notar um retrocesso no que diz respeito às questões étnico-raciais no âmbito legislativo da educação brasileira, pois não existe ao menos menção dessa temática, mesmo que de forma incipiente como consta no documento de 1961.

Em 1971, além da característica de estimular os princípios cívicos e morais, principais pontos do documento, nota-se também a tendência em estimular o ensino voltado para a profissionalização e mercado de trabalho no Brasil. O discurso voltado para o fortalecimento da profissionalização na educação pode ser visto em diversos pontos do documento, em contrapartida, aspectos de natureza ética e moral como tolerância, respeito, coexistência e solidariedade são deixados de lado.

Paralelamente a esse descompromisso do Estado brasileiro em relação a políticas educacionais voltadas para a população negra no Brasil, na década de 1970 os Movimentos Negros no Brasil estavam em plena atividade na luta por uma educação de qualidade, inclusiva e que valorizasse a população negra no Brasil. Na Bahia surgiram células importantíssimas do movimento negro com a fundação do grupo NEGÔ que mais tarde se tornaria o MNU (Movimento Negro Unificado), além da fundação dos primeiros blocos afros como o Malê de Balê, Olodum, o Ilê Aiyê e um pouco mais tarde em 1981 o bloco Muzenza. (CRUZ, 2008).

Esse quadro de esquecimento por parte das políticas educacionais só viria a sofrer alterações consideráveis na LDB de 1996, que ancorada na constituição federal de 1988 gestada após o fim da ditadura militar, confere mudanças consideráveis na legislação educacional brasileira no que diz respeito à abertura do diálogo sobre a diversidade e tensões étnico-raciais indiscutivelmente existentes na realidade do nosso país.

A mudança na conjuntura política e civil do país após os anos de ditadura, e sua influencia na LDB de 1996 foi um marco para possibilitar uma nova fase para o debate sobre as questões étnico-raciais na educação brasileira, esse quadro é apresentado por Dias

Processo bem diferente ocorre durante a discussão para a formulação da Lei 9.394/96, gestada após a constituição de 1988, pós-abertura política e com intensa movimentação da sociedade civil. O movimento pró-nova LDB começa em 1986, quando a IV Conferência Brasileira de Educação aprova a “Carta de Goiânia”, com proposições para o Congresso Nacional Constituinte. E em 1987 deflagra-se movimento intenso de discussão das propostas de uma nova LDB. A discussão da LDB cruza-se com outros movimentos e, no caso em análise, a questão de raça nas LDB‟s tem dois

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23 importantes marcos impulsionadores: o Centenário da Abolição, em 1988, e os 300 Anos da Morte de Zumbi dos Palmares, em 1995. (DIAS, 2005, p.54).

É nesse contexto de transformações políticas e sociais no Brasil pós ditadura que o Movimento Negro tem suas maiores vitórias após anos de luta de combate ao racismo e pela inclusão do negro na sociedade Brasileira, tendo na educação sempre um campo privilegiado de atuação. A LDB de 1996 enquanto legislação oficial do Estado brasileiro começou a dialogar, mesmo que vagarosamente, com a realidade do negro no Brasil, ouvindo as vozes de anos de luta dos Movimentos Negros do nosso país.

1.2- Constituição de 1988 e LDB de 1996

No artigo 5 da legislação de 1988, inciso XLII, temos talvez a maior reação contra a desigualdade racial no Brasil em termos de lei na história do país, “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito á pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1988). Tal lei que foi regulamentada em 1989 pela Lei. 7.716 conhecida como Lei Caó tornou o racismo crime inafiançável e não mais passível de multa como instituía a Lei Afonso Arinos que data o ano de 1951.

Dialogando com os anseios sociais e civis pós ditadura, o movimento de reparação e inclusão iniciado pelo Movimento Negro acabou se expandindo para outras esferas da sociedade alcançando amplitude, as esferas da lei e das políticas públicas educacionais do Estado brasileiro, esse fenômeno é destacado por Dias, tendo como referência acontecimentos no ano de 1988

O movimento social negro atua intensamente no Centenário da Abolição da Escravatura. Ocorrem eventos no Brasil inteiro, são publicadas pesquisas com indicadores sociais e econômicos demonstrando que a população negra está em piores condições que a população branca, comparando-se qualquer indicador: saúde, educação, mercado de trabalho, entre outros. Constroem-se com isso novos argumentos para romper com a ideia de que todos são tratados do mesmo modo no Brasil, Muitas matérias nos maiores jornais do Brasil denunciam essa situação, e a educação recebe atenção especial. ( DIAS, 2005, p. 54).

Esse avanço no tratamento e discussão de questões étnico-raciais no campo da educação brasileira presente na constituição de 1988 é destacada também por Hédio Silva Junior, advogado, diretor de pós-graduação da Faculdade Zumbi dos Palmares e estudioso das questões étnicos-raciais na legislação educacional brasileira com diversos trabalhos publicados sobre o tema

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24 O tema da educação pluriétnica ou da educação para a igualdade racial mereceu relevo especial na Constituição de 05 de outubro de 1988. Refletindo antigas reivindicações do Movimento Negro, aquele texto constitucional estabeleceu – ao menos formalmente – uma revolucionária configuração para a escola, no sentido não apenas de assegurar igualdade de condições para o acesso e permanência dos vários grupos étnicos no espaço escolar, mas também em termos de redefinir o tratamento dispensado pelo sistema de ensino à pluralidade racial que caracteriza a sociedade brasileira. (SILVA Jr, 2002, p. 59).

Após a promulgação da legislação de 1988, a luta de resistência do povo negro por igualdade, cidadania ganha grande visibilidade na década de 1990, mais especificamente em 1995, ano em que os Movimentos Negros no Brasil comemoraram 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, ícone na luta da resistência negra durante o regime escravagista brasileiro. A Marcha Zumbi dos Palmares: contra o Racismo, pela

Cidadania e a Vida ocorreu no mês de novembro de 1995, e segundo Dias (2005), levou

para as ruas de Brasília cerca de dez mil negras e negros que apresentaram suas reivindicações ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Tal evento teve grande repercussão e importância no histórico de lutas dos Movimentos Negros no Brasil, pois deu visibilidade a questão étnico-racial no país e tornou pública uma série de proposições anti-racistas, inclusive no campo da Educação. É nesse contexto de reivindicações e transformações que é pensada e gestada uma nova LDB.

1.3 - LDB de 1996 (PRIMEIRA FASE)

A terceira versão da Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira foi promulgada em 1996 durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar de muitas alterações, essa versão da LDB ainda é a vigente no Brasil. No que diz respeito ao tratamento das questões étnico-raciais, podemos dividir a história da LDB promulgada em 1996 em dois momentos estabelecidos por um marco determinante, a promulgação da Lei. 10.639 de 2003.

Ao analisar a primeira versão da LDB de 1996 podemos constatar campos de progressos, mas também de retrocessos. O texto de tal documento está explicitamente implicado com questões que dialogam com a conjuntura política e com a constituição vigente como por exemplo: respeito, tolerância, igualdade, unidade nacional, democracia, dentre outras questões. Apesar de citar esses preceitos em seu texto, a LDB

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25 não problematizou essas questões, ficando assim com um caráter, ambíguo, vago e inconsistente.

Pela falta de especificações e ampla margem de generalizações, podemos afirmar que questões envolvendo a educação étnico-racial não foram inseridas de forma satisfatória, se paradoxalmente levarmos em consideração a conjuntura histórica democrática propícia, e também as lutas incisivas dos Movimentos Negros, que por meio de problematizações e tensionamentos da realidade, levaram a questão étnico-racial para a “ágora” da sociedade brasileira.

Comparada a LDB de 1961 a versão de 1996 regride ao não reiterar o repúdio ao preconceito de raça que estava previsto na Lei 4.024/61 no título II. De forma ambígua e inconsistente a LDB de 1996 em sua primeira versão trata a questão da tolerância da seguinte forma no Título II intitulado Dos Princípios e Fins da Educação Nacional, Art. 3º, inciso IV, “respeito à liberdade e tolerância” (BRASIL, 1996). Nesse caso, podemos reiterar que a falta de problematização e especificação do inciso citado acima pode incidir facilmente em simplificações e banalizações.

A despeito dos problemas apontados em relação à primeira versão da LDB de 1996, de avanços mesmo que incipientes, temos que reconhecer que o enaltecimento do respeito às diferenças e a igualdade entre os povos no texto da LDB representa um avanço na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Devemos destacar também outro ponto positivo nessa legislação que foi o reconhecimento e incentivo da contribuição da população negra na constituição de nossa história.

No artigo 26, parágrafo 4º da Lei 9.395 da LDB de 1996 determina-se que “ O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e europeia”(BRASIL, 1996)

Se considerarmos que a nossa história foi durante muito tempo contada a partir de um único valor civilizatório, o europeu, em detrimento das contribuições de outros grupos étnico-raciais historicamente discriminados como os indígenas e os africanos e seus descendentes, essa determinação pode ser reconhecida como um importante marco na história de luta por um currículo mais justo, onde se contemple a diversidade e valorize a histórica contribuição de diferentes grupos e sujeitos à nossa história. A lei 9.395 pode ainda ser encarada como um incentivo a valorização da identidade étnico-cultural dos sujeitos pertencentes a esses grupos, tendo em vista que a valorização de

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26 suas histórias e ancestralidades podem fomentar os sentimentos de pertencimento e resistência.

No que chamo de “primeira fase” da LDB de 1996, podemos constatar apenas um avanço direto na luta dos Movimentos Negros no campo da educação no Brasil que foi a determinação da inclusão das contribuições africanas e afro-brasileiras, assim como de outros grupos étnicos, na constituição da história do Brasil. Tivemos também avanços circunstanciais como a ênfase dada pelo documento a princípios como respeito à diversidade e igualdade, princípios esses, que de alguma maneira, se aliam a luta dos Movimentos Negros contra as várias formas de discriminação sofridas pela população negra no Brasil.

1.3.1- A LDB de 1996 e a sua segunda fase

Oito anos após a promulgação da LDB de 1996, durante o governo do ex-presidente Lula, foi sancionado um projeto de lei apresentado pelos deputados Ester Grossi (RS) e Bem-Hur Ferreira (MTS), ambos do PT e ligados a área educacional e esse último ligado ao Movimento Negro, que determinava obrigatório a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos do ensino básico dos estabelecimentos públicos e privados no Brasil. A lei 10.639 foi promulgada em 9 de janeiro de 2013 foi incluída no corpo da LDB, proporcionando mudanças significativas no que diz respeito a políticas educacionais voltadas diretamente a população negra no Brasil.

O que nas outras versões da LDB aparecia de forma difusa com margem de simplificações e ambiguidades, com a lei 10.639 ganha corpo e definição, trazendo em forma de lei o que durante muito tempo foi objeto de luta dos Movimentos Negros engajados na luta pelo reconhecimento das contribuições da população negra na formação do Brasil. As determinações se configuram da seguinte forma no Art. 26-A:

§ 1º - O conteúdo programático a que se refere o caput este artigo incluirá o

estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil; (Brasil, 2003)

§ 2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. ( Brasil, 2003).

Mais tarde com a lei 11.645, de 10 de março de 2008, acrescenta-se também a esse artigo com muita justiça, a obrigatoriedade do estudo referente às contribuições dos

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27 povos indígenas na formação do povo brasileiro. Numa medida louvável, contempla-se assim dois grupos étnico-raciais historicamente excluídos da História do Brasil, nesse sentido podemos conceber tais determinações legais como verdadeiros marcos na legislação educacionais no que diz respeito à educação étnico-racial em nosso país.

A lei 10.639 ainda estipulou nos calendários oficiais das escolas brasileiras o dia 20 de Novembro, data que faz alusão à morte do líder da resistência negra Zumbi dos Palmares, como o Dia Nacional da Consciência Negra, incluída na LDB no Art. 79-B.

Essa série de medidas adotadas durante o governo petista de acordo com Dias (2005, p.58-59) são desfechos de reivindicações históricas provocadas pelos Movimentos Negros atuantes no Brasil, que encontraram no governo Lula uma conjuntura política favorável as suas consolidações, principalmente devido a dois fatores importantes “[...] O então candidato havia assumido compromissos públicos de apoio à luta da população negra; e o segundo é que, anunciadas as pastas, não havia inicialmente nenhuma que tratasse especificamente desta população- uma Secretária sobre o assunto foi criada mais tarde” (DIAS,2005, p.59).

A secretária que se refere Dias foi criada em março de 2013, a (SEPPIR) Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, é o órgão estatal federal criado e articulado para coordenar e defender os interesses da população negra no Brasil, visando implementar as diretrizes e leis conquistadas por esse segmento da sociedade.

Além das alterações explicitadas aqui, a segunda fase da LDB em seu estágio mais atual, em 2013, ganhou novas modificações no que diz respeitos ao tema da educação étnico-racial, a lei 12.796/201311 sancionada durante o governo de Dilma Roussef trouxe alterações consideráveis no corpo da LDB quando acrescentou em seu Art. 3º que determina os princípios e fins da educação nacional, o inciso XII - “ consideração com a diversidade étnico-racial” ( Brasil, 2013).

A partir da lei 12.796 estima-se que o ensino no Brasil deva considerar obrigatoriamente a diversidade étnico-racial que compõem o nosso povo como princípio elementar na para a prática educativa em todos os níveis de ensino, permeando desde a formação de professores, veiculação de conteúdos, até ao tratamento dispensado aos alunos em sala de aula das escolas brasileiras.

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28 Como podemos constatar através dos dados expostos aqui, o avanço das questões étnico-raciais presentes na LDB após lei 10.639 é evidente, podemos atribuir essa transformações significantes, principalmente aos Movimentos Negros e toda a luta empreendida a favor de uma sociedade, uma educação mais justa e igualitária, que consiga captar, conviver e potencializar as diversidades, que ofereça condições iguais para o desenvolvimento humano e intelectual, assim como para a permanência da população negra nos ambientes escolares.

A LDB enquanto documento oficial corresponde aos anseios e tendências políticas vigentes, e esse alinhamento foi demonstrado aqui. É portanto, assertivo afirmar que durante o governo do PT, reconhecido por seu alinhamento político com movimentos sociais e culturais, a questão étnico-racial teve a maior visibilidade na história do país, com grande demanda de ações afirmativas, e a educação foi um dos campos mais contemplados nesse bojo de transformações.

É imprescindível conceber as leis, assim como as políticas publicas criadas para efetivá-las enquanto instrumentos importantes de solidificação de demandas oriundas da sociedade. No caso aqui estudado, a LDB, documento organizador da educação nacional só veio dialogar com as demandas direcionadas a população negra no Brasil em um período muito recente. Ademais não podemos negar a força da representatividade que esse documento pode ter no combate as discriminações e intolerância nos ambientes escolares trazendo em seus discursos a positivação da diversidade como elemento chave para a valorização dos grupos étnicos que compõem o Brasil

Apesar dessa potencialidade de representação ,segundo Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, qualquer lei por si mesma não se constitui em um elemento de prevenção ao racismo e intolerância sem que haja “deliberado empenho em recriar as relações sociais com que vamos construindo nossa identidade e nação [...]” . ( SILVA, 2001, p.105). As leis quando não dialogam com uma efetiva resposta da sociedade se tornam meras “letras mortas”, é preciso, portanto extrapolar as determinações educacionais legais no que diz respeito ao combate ao racismo e a promoção da igualdade étnico-racial no Brasil, ampliando esse debate para todos os níveis da sociedade de forma aberta e consciente, tendo a escola enquanto espaço privilegiado de formação da cidadania, de coexistência, respeito e valorização da diversidade.

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29

1.4- Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o “Currículo Oculto”

Segundo o INEP “Os Parâmetros Currículares Nacionais (PCN‟s) foram elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de novas abordagens e metodologias”12

. Sendo assim os parâmetros atuam como documento complementar a LDB , e se constituem como as principais referências para a elaboração dos currículos de todas as disciplinas e modalidades do ensino brasileiro, tendo importância desde de a elaboração do quadro de conteúdos a serem abordados, a indicações de temáticas transversais que devem perpassar o currículo e o trabalho docente.

Uma das propostas dos PCN‟s é o combate as desigualdades e discriminação seja de qualquer natureza nos ambientes escolares, com isso traz em seu corpo algumas propostas de temas transversais, que devem ser trabalhados pelos docentes, um desses temas diz respeito a Pluralidade Cultural da população brasileira, que traz em seu bojo a questão étnico-racial como temática a ser trabalhada, incentivando o debate que trata a diversidade étnica e cultural do Brasil como traços positivos na constituição do povo brasileiro.

1.4.1 –A ideia de Pluralidade Cultural nos PCN’s

O caderno sobre Pluralidade Cultural, que corresponde ao volume 10-2 direcionado principalmente ao ensino fundamental II, tem entre outros, os seguintes objetivos: possibilitar o conhecimento do patrimônio étnico-cultural brasileiro; reconhecer as qualidades da própria cultura, valorizando-a criticamente e enriquecendo a vivência da cidadania ; repudiar toda e qualquer forma de discriminação baseada em diferenças de raça, gênero, etnia, classe social, crença religiosa, orientação sexual e outras especificidades individuais ou sociais.

Apesar das determinações éticas e morais contidas no texto dos PCN‟s que visam combater o preconceito racial por meio do reconhecimento e valorização da diversidade, é nítida a falta de problematização da questão da diversidade cultural no documento, onde não se percebe uma preocupação em discutir e contextualizar as dinâmicas históricas específicas e em comum, que foram construídas e estão inseridas

12

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30 as culturas existentes em nosso país. Culturas perpassadas por intermináveis processos de conflitos, negociações e submissões históricas que geraram um hibridismo ou „terceiras culturas‟ como aponta Stuart Hall (1997). São esses choques e transformações que garantiram e garantem a sobrevivência da diversidade cultural em uma sociedade.

Essa falta de “historização” crítica de nossa diversidade cultural, ou pelo menos, a concepção de diversidade cultural – onde se tem uma ideia de culturas locais puras e estáticas- que os PCN‟s tendem a transmitir, nos leva segundo Silveira (Silveira,2000) a ideia de um “culturalismo acrítico”, ou seja,

(...) baseado em considerações essencialistas acerca de valores e práticas supostamente característicos de cada cultura (,...) sem perguntar em que medida os conflitos, as lutas e as desigualdades sociais atuam como determinantes, tanto nas características que vão assumindo as sociedades como na construção da diversidade cultural (Silveira, apud Silva, 2002, p.51-56).

Essa ideia de diversidade cultural “simplificada” promovida pelos PCN‟s pode ser entendida como uma estratégia discursiva proposta pelo governo federal onde apesar de valorizar e enaltecer as diferenças, tem-se como objetivo principal fortalecer a coletividade. A proposta dos PCN‟s em valorizar em igual medida e potencializar as diversidades étnicas e culturais é entendida por Tomaz Tadeu da Silva como uma forma relativista de conceber as diferenças culturais, segundo o mesmo “ No relativismo proclama-se o valor igual de todas as culturas, privilegiando a discrição de sua coerência interna e de seu dinamismo criativo autônomo” ( SILVA, 1996, p.150).

Nessa perspectiva podemos conceber no PCN que trata do tema da Pluralidade Cultural, um projeto na tentativa de fortalecer a identidade nacional em meio a diversidade e especificidades das culturas aqui existentes. A identidade nacional teoricamente deve comportar toda a diversidade étnico-racial e cultural brasileira. Toma-se um projeto político/ideológico e aplica-se através da Educação, meio eficiente de formação de opiniões e consciência.

Outra recorrente discussão em relação ao PCN correspondente a Pluralidade Cultural assim como em outras versões que tratam de questões éticas, é o fato desses temas serem tratados como transversais , e não como sugere Silva ( SILVA, 2002, p. 33) como eixos condutores de todas as atividades educacionais. Nessa condição, valores e princípios humanos de suma importância na formação da cidadania e respeito às diferenças são secundarizados, correndo-se o risco de se tornarem, como bem observa Canen e Moreira “ [...] meros “imperativos morais” consensualmente aceito no currículo

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31 formal, porém, não efetivamente implementado nas práticas curriculares vivenciadas. (CANEN, MOREIRA, 2001).

Podemos nos questionar também sobre a responsabilidade profissional e principalmente ética e moral dos profissionais da educação em lidar com o tema da diversidade étnico-racial e cultural em meio a realidade da educação brasileira. Os desafios impostos começam pela falta de formação adequada dos profissionais em relação ao trato com assuntos caros, mais ao mesmo tempo “delicados” que envolvam questões étnico-raciais, socais e culturais; falta de estrutura física e de material de apoio satisfatório nas escolas, dentre outros fatores que desafiam sobretudo, os professores de escolas públicas em nosso país quando se trata de um trabalho docente qualificado e voltado para as demandas éticas e sociais do nosso país.

1.4.2- O lugar do negro no PCN “Pluralidade Cultural”.

Voltando para uma discussão mais específica no que se refere à orientações voltadas para a educação étnico-racial, podemos destacar alguns pontos encontrados no PCN que versa sobre a Pluralidade Cultural que faz referência direta a história e cultura afro-brasileira, assim como a questões conceituais a respeito de raça e etnia.

O primeiro ponto a se destacar são as observações encontradas no documento que fazem referência ao “mito da democracia racial” brasileira, que no texto do PCN aparece enquanto estratégia oficial e dissimulada, utilizada durante muito tempo para encobrir “ [...] um racismo difuso, porém efetivo, com repercussões diretas na vida cotidiana da população discriminada” ( BRASIL, 1998, p.125). O documento trabalha na perspectiva de contestação e desconstrução de um discurso que tentou transmitir a ideia de um Brasil homogêneo e igualitário, onde a miscigenação se deu através de um processo pacífico e positivo.

Ao reconhecer esses status de “mito”, o PCN faz alusão a falsidade, simplificação e banalização que o discurso relacionado ao “mito da democracia racial” tratou durante muito tempo o problema relacionado as desigualdade históricas entre grupo étnicos no Brasil. A escola é apontada como um dos maiores veículos reprodutores do “mito da democracia racial”, promovendo a ideia de um Brasil sem diferenças e harmônico.

Outro ponto a se destacar no PCN em questão é o discurso que conclama um revisionismo histórico a respeito dos grupos étnico-raciais que compõem a história

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32 brasileira, visando rever velhos paradigmas e preconceitos reproduzidos durante muito tempo e em larga escala em nosso país. No caso dos estudos históricos sobre continente africano, o documento propõe análises - que são caracterizadas como “complexas” - sobre processos históricos ocorridos na África pré-colonial, com fins de se obter informações que levem a valorização dos povos africanos, assim como dos seus descendentes. Para o PCN “O conhecimento desse processo pode significar o dimensionamento correto do absurdo, do ponto de vista ético, da escravidão, de sua mercantilização e das repercussões que os povos africanos enfrentam por isso” ( BRASIL, 1998, p.130)

Por fim destaco o debate trazido pelo PCN em relação a categorias como “raça e “etnia” dentro do tópico nomeado como “conhecimentos antropológicos”“. Nesse tópico se discute o uso desses conceitos e o papel político-ideológico que pode ser conferido a cada um. Segundo o PCN, o termo “raça”, classificado como “corriqueiro” e “banal”, apesar de ainda ser muito utilizado no senso comum ou por movimentos sociais no contexto de reafirmação étnica, é cada vez mais evitado pelas ciências sociais devido aos maus usos que se prestou, em contextos pejorativos que alimentam o racismo e a discriminação. (BRASIL, 1998, p.132)

O PCN nitidamente adere o proponente científico sociológico de condenação ao uso do termo “raça”, no trato aos grupos humanos. Defendendo por outro lado, o uso da categoria “etnia”, pois “[...] Por sua vez, o conceito de etnia substitui com vantagens o termo “raça”, já que tem base social e cultural. “Etnia” ou grupo “étnico” designa um grupo social que se diferencia de outros por sua especificidade cultural” ( BRASIL, 1998, p. 132)

No bojo dessa discussão conceitual, política e ideológica o PCN se posiciona adotando o conceito de etnia como adequado, por sua legitimação científica de base social e cultural. Condena qualquer tipo de discriminação e atribui a escola um papel atuante e incisivo nesse processo, “A escola deve posicionar-se criticamente em relação a esses fatos, mediante informações corretas, cooperando no esforço histórico de superação do racismo e da discriminação” (BRASIL, 1998, p.133).

Apesar das limitações e algumas incoerências, o volume 10.3 dos PCN‟s, que tem como tema transversal a Pluralidade Cultural, deve ser encarado como uma louvável iniciativa, um avanço em relação a novas propostas curriculares diante de temas tão caros como a pluralidade e respeito as diversidades sejam elas de qualquer natureza. A proposta de trazer esses debates para o âmbito educacional – mesmo em

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