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Mapeando a qualidade de vida em Minas Gerais utilizando dados de 1991 e 2000

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(1)

UNESP-UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS

CAMPUS DE RIO CLARO

MAPEANDO A QUALIDADE DE VIDA EM MINAS GERAIS

UTILIZANDO DADOS DE 1991 E 2000

José Eustáquio Machado de Paiva

Orientador: Prof. Dr. João Francisco de Abreu

Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de

Pós-Graduação em Geografia – Área de Concentração

em Análise da Informação Espacial, como requisito

para obtenção do Título de Doutor em Geografia.

Rio Claro (SP)

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Paiva, José Eustáquio Machado de

P149m Mapeando a qualidade de vida em Minas Gerais, utilizando dados de 1991 a 2000 / José Eustáquio Machado de Paiva. – 2003.

157 fls.: 21 il.

Orientador: Prof. Dr. João Francisco de Abreu Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista,

Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro.

Acompanhado de CD-ROM - Apêndices

1. Qualidade de vida - Minas Gerais – Teses 2. Qualidade de vida - Teses I. Abreu, João Francisco de II. Universidade Estadual Paulista. Instituto de Geociências e Ciências Exatas III. Título.

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O que me moveu neste trabalho foi a esperança de que possamos algum dia superar os graves e urgentes problemas que afligem a tanta gente, em todos os cantos do mundo. E também a convicção de que a humanidade está muito além daquilo que as estruturas e a própria sociedade determinam que ela seja. Por isso dedico o trabalho que aqui realizei a todos aqueles que buscam aprimorar a humanidade em si próprios e naquilo que fazem.

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A G R A D E C I M E N T O S

Pelas inúmeras contribuições que recebi durante a

realização deste trabalho e, de maneira especial

ao prof. João Francisco de Abreu, orientador, amigo e mestre, pela acolhida generosa e por todo o apoio que recebi durante todo esse tempo; a Miriam Andrada, minha companheira em todos estes

momentos;

a Maria Helena Rocha, pelo grande apoio e incentivo nesse período tão rico de minha vida;

a José Hilário e Célia, meus pais, com quem sempre pude contar;

a Izabella Carvalho e Danny Zahadinne, pelo apoio competente quando da composição do banco de dados e da cartografia;

a Olinto Nogueira e FJP/Fundação João Pinheiro, pelos dados em tempo do IDH-M;

ao prof. José Irineu Rigotti, pelos dados do IBGE;

ao prof. José Flávio Morais Castro, pelos sempre oportunos ensinamentos;

à profa. Inês Gariglio, pela ajuda entusiasmada;

ao Programa de Pós-Graduação em Geografia/Tratamento da Informação Espacial/PUC-MINAS, pela cessão dos dados e por todo o suporte operacional e técnico que utilizei neste trabalho;

ao Departamento TAU/Escola de Arquitetura/UFMG, pelo constante apoio a mim dispensado;

à UNESP/IGCE/Campus de Rio Claro (SP), pela acolhida e formação valorosa que recebi.

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Comissão Examinadora

_________________________________________

Prof. Dr. João Francisco de Abreu

__________________________________________

Profa. Dra. Lúcia Helena de Oliveira Gerardi

__________________________________________

Prof. Dr. José Flávio Morais Castro

__________________________________________

Prof. Dr. José Irineu Rangel Rigotti

__________________________________________

Prof. Dr. Leônidas Conceição Barroso

__________________________________________

José Eustáquio Machado de Paiva

Rio Claro, ______ de ______________________ de _________

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S U M Á R I O

LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS LISTA DE APÊNDICES RESUMO ABSTRACT 1. INTRODUÇÃO ... 14 2. MARCO TEÓRICO ... 27

2.1. Qualidade de vida na temática ecológica ... 29

2.2. Qualidade de vida na perspectiva do desenvolvimento ... 37 2.1.2. Qualidade de vida como satisfação das necessidades humanas ... 37 2.2.2. Qualidade de vida como exercício das capacidades ... 43

2.2.2.1. A abordagem da capacidade e os objetos-de-valor ... 48

2.2.2.2. A consideração das capacidades pelo desenvolvimento humano ... 55

2.2.2.3. A pobreza na perspectiva do desenvolvimento humano ... 57

2.2.2.3.1. Pobreza e desenvolvimento ... 57

2.2.2.3.2. Pobreza humana ... 60

2.2.2.3.3. Pobreza no Brasil ... 66

2.3. Quadro resumo dos conceitos trabalhados ... 71

(7)

3. MÉTODOS E TÉCNICAS ... 73

3.1. Etapas do trabalho ... 74

3.2. Seleção das variáveis ... 76

3.3. Descrição e tratamento dos dados ... 81

3.4. Classificação, Estatística Multivariada, Superfícies Geo-Estatísticas e GIS-Sistemas de Informações Geográficas .. 86

3.4.1. Análise de Componentes Principais (ACP) ... 88 3.4.2. Superfícies Geoestatísticas ... 90

3.4.3. GIS-Sistemas de Informações Geográficas ... 91

3.5. O Índice do Desenvolvimento Humano-IDH ... 93

4. RESULTADOS E ANÁLISES ... 96

4.1 Análises dos resultados de 1991 ... 97

4.1.1.Componente 01/1991 ... 101

4.1.2. Componente 02/1991 ... 107

4.1.3. IDH-M/1991 e correlações ... 114

4.2 Análises dos resultados de 2000 ... 120

4.2.1.Componente 01/2000 ... 123

4.2.2. Componente 02/2000 ... 129

4.2.3 IDH-M/2000 e correlações ... 135

4.3 Situação da qualidade de vida no período 1991-2000 ... 140

5. CONCLUSÕES ... 145

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L I S T A D E F I G U R A S

FIGURA 01 MINAS GERAIS: LOCALIZAÇÃO ... 20 FIGURA 02 ESQUEMA METODOLÓGICO ... 74 FIGURA 03 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/1991:

COMPONENTE 01 ... 103 FIGURA 04 MINAS GERAIS: COMPONENTE 01/1991:

TOPOGRAFIA DA INFRA-ESTRUTURA

(SANEAMENTO E RENDA) ... 105 FIGURA 05 MINAS GERAIS/1991: COMPONENTE 01 E

IDH-M ... 106 FIGURA 06 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/1991:

COMPONENTE 02 ... 109 FIGURA 07 MINAS GERAIS: COMPONENTE 02/1991:

TOPOGRAFIA DAS CAPACIDADES INDIVIDUAIS

(EDUCAÇÃO E SAÚDE) ... 111 FIGURA 08 MINAS GERAIS/1991: COMPONENTE 02 E

IDH-M ... 113 FIGURA 09 MINAS GERAIS/1991: IDH-M ... 116 FIGURA 10 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/1991: CORRELAÇÃO

(9)

FIGURA 11 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/1991: CORRELAÇÃO

ENTRE A COMPONENTE 02 E O IDH-M ... 119 FIGURA 12 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/2000:

COMPONENTE 01 ... 125 FIGURA 13 MINAS GERAIS: COMPONENTE 01/2000:

TOPOGRAFIA DA INFRA-ESTRUTURA

(SANEAMENTO E RENDA) ... 127 FIGURA 14 MINAS GERAIS/2000: COMPONENTE 01 E

IDH-M ... 128 FIGURA 15 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/2000:

COMPONENTE 02/2000 ... 131 FIGURA 16 MINAS GERAIS: COMPONENTE 02/2000:

TOPOGRAFIA DAS CAPACIDADES INDIVIDUAIS

(EDUCAÇÃO E SAÚDE) ... 133 FIGURA 17 MINAS GERAIS/2000: COMPONENTE 02 E

IDH-M ... 134 FIGURA 18 MINAS GERAIS/2000: IDH-M ... 136 FIGURA 19 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/2000: CORRELAÇÃO

ENTRE A COMPONENTE 01 E O IDH-M ... 138 FIGURA 20 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS/2000: CORRELAÇÃO

ENTRE A COMPONENTE 02 E O IDH-M ... 139 FIGURA 21 MINAS GERAIS/MUNICÍPIOS: IDH-M EVOLUÇÃO

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L I S T A D E T A B E L A S

TABELA 01 ESCOLHAS HUMANAS: CLASSES E VARIÁVEIS ... 79 TABELA 02 BANCO DE DADOS: ORGANIZAÇÃO E

COMPOSIÇÃO ... 83 TABELA 03 COMPONENTE 01/1991: VARIÁVEIS DE MAIOR

RELEVÂNCIA ... 98 TABELA 04 COMPONENTE 02/1991: VARIÁVEIS DE MAIOR

RELEVÂNCIA ... 99 TABELA 05 MINAS GERAIS: COMPONENTE 01/1991: CLASSES

E ABRANGÊNCIA ... 102 TABELA 06 MINAS GERAIS: COMPONENTE 02/1991: CLASSES

E ABRANGÊNCIA ... 108 TABELA 07 MINAS GERAIS: IDH-M/1991: CLASSES E

ABRANGÊNCIA ... 115 TABELA 08 COMPONENTE 01/2000: VARIÁVEIS DE MAIOR

RELEVÂNCIA ... 120 TABELA 09 COMPONENTE 02/2000: VARIÁVEIS DE MAIOR

RELEVÂNCIA ... 122 TABELA 10 MINAS GERAIS: COMPONENTE 01/2000: CLASSES

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TABELA 11 MINAS GERAIS: COMPONENTE 02/2000: CLASSES

E ABRANGÊNCIA ... 130 TABELA 12 MINAS GERAIS: IDH-M/2000: CLASSES E

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L I S T A D E A P Ê N D I C E S

1

APÊNDICE A COMPOSIÇÃO DO BANCO DE DADOS

APÊNDICE B BASE CARTOGRÁFICA E RELAÇÃO DOS MUNICÍPIOS APÊNDICE C BASE DE DADOS/1991

APÊNDICE D BASE DE DADOS/2000

APÊNDICE E ACP/1991: MATRIZ DE CORRELAÇÃO APÊNDICE F ACP/1991: FACTOR LOADINGS

APÊNDICE G ACP/1991: COMPONENTE 01: RANKING DOS MUNICÍPIOS APÊNDICE H ACP/1991: COMPONENTE 01: RANKING DOS MUNICÍPIOS

COM POPULAÇÃO, POR CLASSE

APÊNDICE I ACP/1991: COMPONENTE 02: RANKING DOS MUNICÍPIOS APÊNDICE J ACP/1991: COMPONENTE 02: RANKING DOS MUNICÍPIOS

COM POPULAÇÃO, POR CLASSE APÊNDICE L ACP/2000: MATRIZ DE CORRELAÇÃO APÊNDICE M ACP/2000: FACTOR LOADINGS.

APÊNDICE N ACP/2000: COMPONENTE 01: RANKING DOS MUNICÍPIOS APÊNDICE O ACP/2000: COMPONENTE 01: RANKING DOS MUNICÍPIOS

COM POPULAÇÃO, POR CLASSE

APÊNDICE P ACP/2000: COMPONENTE 02: RANKING DOS MUNICÍPIOS

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APÊNDICE Q ACP/2000: COMPONENTE 02: RANKING DOS MUNICÍPIOS COM POPULAÇÃO, POR CLASSE

APÊNDICE R IDH-M/1991: RANKING DOS MUNICÍPIOS APÊNDICE S IDH-M/2000: RANKING DOS MUNICÍPIOS APÊNDICE T IDH-M: EVOLUÇÃO NO PERÍODO 1991/2000

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R E S U M O

Este trabalho busca caracterizar a situação da qualidade de vida em Minas Gerais na perspectiva do desenvolvimento humano sustentável nos anos de 1991 e 2000 e sua evolução nesse período. Inicialmente é trabalhada a parte conceitual, enfatizando-se os aspectos que constituem o conceito e que norteiam a composição do banco de dados usado no trabalho. Para a caracterização da situação estadual, procedeu-se às classificações utilizando a ACP/Análise das Componentes Principais, resultando num conjunto de componentes explicativas das situações nos dois momentos, seguindo-se a geração cartográfica e as caracterizações e análises procedentes. Assim, foram identificados os aspectos de “infra-estrutura” e “capacidades individuais”, trabalhados com base em cartogramas, balizando-se os resultados obtidos com o IDH-M/Índice Municipal do Desenvolvimento Humano, verificando-se uma alta correlação entre eles. As análises ressaltam a não homogeneidade das situações, com o Estado geograficamente dividido em duas realidades distintas, o norte englobando os níveis mais baixos de qualidade de vida e o sul as situações melhores, com o município de Belo Horizonte grandemente diferenciado do restante do Estado, sendo analisada a evolução da situação no período em termos dos aspectos relevantes que caracterizam a qualidade de vida no Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Análise Espacial, Qualidade de Vida, Desenvolvimento Humano Sustentável, Classificação, Minas Gerais.

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A B S T R A C T

This work characterized the status of quality of life in Minas Gerais State, guided by the manageable human development perspective, in 1991 and 2000 and its evolution in the period. Initially, the conceptual background was established by emphasizing the aspects that constitute the mentioned perspective and that constrained the database formulation embraced in this work. To characterize the state’s situation, the classification through Principal Component Analysis – PCA was carried out, which resulted in a set of components that explain the situation in both moments. The cartographical generation, characterization and analysis followed this. Thus, the infrastructure and individual capabilities aspects were identified and were analyzed through cartograms. The obtained results were confronted with the Municipal Human Development Index – M-HDI, and it was possible to verify a high correlation between them. The analysis emphasized a non-homogeneous situation, being the Minas Gerais State geographically divided into two distinct realities – the north presented the lowest levels of quality of life and the south, better conditions. In this set, Belo Horizonte deeply differs from the rest of the state. At the end, the situation evolution in the period was analyzed in terms of the relevant aspects that constitute the quality of life in the State

Key-words: Spatial Analysis, Quality of Life, Sustainable Human Development, Classification, Minas Gerais.

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1. INTRODUÇÃO

Qualidade de vida e desenvolvimento são temas que emergem nesta transição de século e milênio como questões fundamentais a serem tratadas por todas as nações do mundo, e não mais apenas como uma abordagem econômica, mas incorporando em seus objetivos e ações a preocupação com as pessoas e os limites da base de recursos. Tal perspectiva implica a necessidade premente de mudanças estruturais da sociedade, como forma de se alcançarem situações de mais justiça e dignidade para as pessoas, numa forma de desenvolvimento mais duradouro e em consonância com os recursos do planeta. A crise ambiental que ora atravessamos, longe de ser uma crise apenas das relações humanas com a natureza, é essencialmente uma crise da sociedade humana, resultante das próprias ações de desenvolvimento nestes últimos séculos, à medida que ela, ao apropriar-se dos recursos (materiais e humanos) para a produção, desconheceu em si sua própria natureza humana (MORIN, 1988) como também o caráter ecológico das suas relações. Também é ressaltado nessa situação o papel crítico que a pobreza e seus vínculos com a desigualdade e a deterioração ambiental exercem na sociedade e nas próprias pessoas, colocando ambas em situação de vulnerabilidade (COMISSÃO MUNDIAL PARA O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO-CMMAD, 1988).

O desenvolvimento, no século XX, desempenhou um importante papel na construção das sociedades modernas, tendo sido exatamente nesse século que os desequilíbrios ambientais atingiram uma situação mais crítica e uma escala mais abrangente. Longe de erradicar a pobreza, muitas das tendências atuais de desenvolvimento resultaram “[...] em um número cada vez maior de pessoas pobres e vulneráveis, além de causarem danos no meio ambiente” (CMMAD, 1988, p. 4), o que tornou imperativa a revisão do conceito de desenvolvimento para poder-se superar tal situação. O reconhecimento da indissociabilidade dos conceitos de desenvolvimento e meio ambiente constituiu um passo decisivo para a construção de uma nova perspectiva para o desenvolvimento, pela agregação do conceito de sustentabilidade. Nesse ínterim, também a reconsideração do conceito de “qualidade de vida”, agregando a consideração do “bem humano” como a instância primordial dos objetivos do desenvolvimento, constituiu um aporte definitivo para a compreensão do desenvolvimento

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como um processo focado nas pessoas, reconhecendo-as no seu cotidianos e valorizando aquilo de que elas precisam para o florescimento de suas vidas.

A idéia da qualidade de vida, por sua vez, vem tomando corpo como parte central das ações de desenvolvimento, estando de alguma forma presente e objetivada nas políticas e metas dos governos e das sociedades (CAIDÉN; CARAVANTES, 1988). Devido à complexidade de sua caracterização, requer o aporte de diversas áreas do conhecimento e, mais ainda, de competência técnica e gerencial, para que os conceitos, idéias e práticas se tornem efetivos e eficazes, para isso requerendo prioritariamente uma abordagem interdisciplinar (CMMAD, 1988). Emergindo no século XIX em meio aos complexos problemas sanitários da sociedade industrial urbana (CARMO, 1993), o conceito amplia-se para a consideração do meio ambiente como uma parte fundamental da vida humana, passando assim a abranger desde os objetivos tradicionalmente considerados de ampliação de renda e comodidades até - e principalmente - à construção de situações propícias para que as pessoas possam florescer e realizar o bem humano na perspectiva da sustentabilidade (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAM-UNDP, 1990; PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESAROLLO-PNUD, 1992).

Tais esforços incluem a necessidade, tanto de reformas estruturais das organizações como do empenho das pessoas, para que se constituam sujeitos de suas próprias vidas, ou seja, a própria noção de cidadania passa a envolver um aspecto emancipatório (DEMO, 1995). Dessa forma, “economia” e “ecologia” adquirem uma nova dimensão, passando a ser compreendidas como indissociadas, onde a conduta de uma interfere nos resultados da outra e vice-versa - em ambos os termos a raiz grega οικοσ - “casa” - remete à idéia de onde se vive, e sua corruptela ετηοσ - “projeto de mundo” - remete às razões fundamentais das escolhas humanas. Tal perspectiva vem, nas duas últimas décadas, norteando um enorme esforço mundial para a reorientação das políticas globais e nacionais de desenvolvimento, bem como a reorganização das instituições internacionais e nacionais, com vistas à superação da situação atual e à construção de um mundo mais equilibrado (CMMAD, 1988; UNDP, 1990).

Tais considerações são reforçadas por Sen (1994), ao demonstrar a importância das “capacidades” (capabilities) e das “funcionalidades” (functionings) humanas para a construção de condições mais favoráveis para melhoria dos níveis de bem-estar e da

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ampliação das capacidades para lidar com as oportunidades. O desenvolvimento humano, atual paradigma do desenvolvimento, assenta-se sobre o conceito e a consideração das capacidades e reconhece as pessoas na complexidade de seus cotidianos, buscando criar um ambiente favorável para que elas realizem ações válidas e valiosas em termos daquilo que intentam para suas vidas.

Qualidade de vida, assim caracterizada, liga-se à noção de prosperidade (thriving) evocada no sentido do florescimento humano (UNDP, 1990). Prosperar significa cada vez mais saber lidar com as oportunidades, ou, melhor dizendo, fazer-se competente frente a elas; ressalta-se que o termo “oportunidade”, na perspectiva do desenvolvimento humano é, sobretudo, questão de competência construída (DEMO, 1993), sendo possível, portanto, ser gerida para as finalidades necessárias à melhoria da vida das pessoas. A pobreza, em contrapartida, significa a negação dessas oportunidades, representada pela deficiência das capacidades necessárias à construção de vidas florescentes (PNUD, 1997), ou seja, qualidade de vida e pobreza constituem, ambas, aspectos diferentes de um mesmo problema. Assim, um conjunto de condições propícias torna-se necessário para as pessoas qualificarem seus cotidianos, não somente tendo em vista o acesso às comodidades, mas, sobretudo, como condição de florescimento do bem humano em si mesmas (UNDP, 1990; NUSSBAUM; SEN, 1994). Na abordagem do desenvolvimento humano as pessoas ganham realce ao serem reconhecidas na complexidade de suas vidas, incluindo, além do seu nível de bem-estar, os aspectos relacionados à expansão e uso das suas capacidades. Qualidade de vida passa então a ser compreendida em termos das oportunidades constituídas para as pessoas realizarem escolhas válidas para fazerem de suas vidas “[...] vidas longas, saudáveis e criativas” (UNDP, 1990, p. 9).

A perspectiva da sustentabilidade reconhece a pobreza como um desperdício de recursos, tanto materiais quanto humanos – e principalmente destes, bem como efeito e causa da degradação ambiental (CMMAD, 1988). O Relatório do Desenvolvimento Humano/1992 (PNUD, 1992) desenvolve a perspectiva da sustentabilidade no desenvolvimento humano, reconhecendo a eliminação da pobreza como um dos requisitos mínimos para obter-se um desenvolvimento sustentável; busca também identificar as principais razões da persistência e acentuação das enormes disparidades do ingresso e da não abrangência dos benefícios dos mercados mundiais aos mais pobres.

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Para o PNUD1, a pobreza é caracterizada não somente como pobreza de ingresso ou de necessidades básicas, mas como “[...] a ausência de certas capacidades básicas para funcionar uma pessoa que carece da oportunidade para obter alguns níveis minimamente aceitáveis dessas funcionalidades” (PNUD, 1997, p. 18), ou seja, reconhece que pobreza é, sobretudo, “pobreza humana” e que se caracteriza como a negação das oportunidades para as pessoas prosperarem (PNUD, 1997). A carência dessas condições constitui uma negação do direito das pessoas ao desenvolvimento humano e a reafirmação do ciclo vicioso da pobreza e da degradação ambiental (CMMAD, 1988; PNUD, 1997). Dessa forma, o problema da pobreza requer, por um lado, o seu próprio reconhecimento e, por outro, a elaboração de estratégias e o desenvolvimento de ações voltadas para a eqüalização de oportunidades e a criação e expansão das capacidades das pessoas e das organizações.

Em termos da realidade brasileira, esta vem exigindo enormes esforços para a construção de um ambiente mais favorável ao desenvolvimento humano, tanto pelas suas finalidades primeiras, quanto como condição para superar seus graves problemas sociais. Tais esforços fazem-se ainda mais necessários em face das novas configurações que o mundo vem tomando nas últimas décadas, com ressalto para as questões ambientais, a globalização e as tendências hegemônicas da política internacional (PORTO et al., 2001).

A situação da pobreza coloca o Brasil numa posição crítica, pois sendo ela um de seus principais problemas, é também resultante da própria estrutura nacional (LIMA JR.; ZETTERSTRÖM, 2002), de modo que reconhecê-la e atuar para superá-la implica um esforço de reconstrução nacional. Se isso constitui, por si só, um desafio ímpar, somam-se a ele as características de escala e diversidade com que a pobreza se manifesta por todo o País, representado pelas grandes disparidades regionais e intra-regionais, pelo alto percentual de pobres, miseráveis e excluídos socialmente, somando-se, ainda, a presença de uma das situações de maior concentração de renda do mundo, o que implica uma enorme carência em grandes parcelas da população em face das condições necessárias para sua sobrevivência (UNDP, 1990).

Em muitos aspectos o Brasil apresentou uma evolução favorável nos indicadores sociais na

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última década, neles incluindo-se a redução dos níveis de pobreza. Tais cifras apontam para melhorias na educação (ampliação da cobertura escolar e elevação da taxa de escolarização), na saúde (ampliação dos serviços de atendimento básico à saúde da mulher e do recém-nascido, com repercussões positivas sobre a taxa de mortalidade infantil), na infância (queda do trabalho infantil) e na infra-estrutura de saneamento (PORTO et al., 2001). No que se refere à pobreza e indigência, apesar da melhora verificada a partir do Plano Real, verificou-se também uma deterioração da situação de vida dos brasileiros, apesar de ainda apreverificou-sentar algum ganho em relação ao início da década de 1990. Ainda assim os estudos sugerem que em 1999 cerca de 33,4% da população brasileira vivia na pobreza, o que equivale a um universo de 54,4 milhões de pessoas. Apesar da ligeira redução dos níveis de pobreza, o Brasil não conseguiu reduzir as desigualdades: mesmo apresentando uma pequena desconcentração de renda quando se comparam os indicadores de 1989 e 1999 (coeficiente de Gini de 0,567 para 1999 contra 0,630 para 1989), no período 1992 a 1999 não houve alteração na participação sobre o rendimento no trabalho, de modo que “os 50% mais pobres continuaram recebendo apenas 14% do rendimento e o 1% correspondente aos trabalhadores mais ricos ainda obteve 13,1% do total recebido por quem tem emprego” (PORTO et al., 2001, p. 46). Nesse quadro geral da pobreza destacam-se os cerca de 24,4 milhões de pessoas (15% da população) vivendo em situação de extrema pobreza, sobrevivendo com menos de US$ 1,00/dia, conforme cálculos do IPEA em 2000 (PORTO et al., 2001, p. 47), ou seja, os avanços da área social não foram suficientes para fazer frente às enormes carências do quadro brasileiro.

Tratando-se de Minas Gerais, o Estado representa uma situação singular, tanto pela posição que ocupa no cenário econômico e político brasileiro quanto pela sua diversidade física e regional, com uma escala territorial, demográfica e econômica bastante significativa em termos da realidade brasileira. Somando-se à posição

geográfica, na qual forma um verdadeiro elo entre as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste meridional, o Estado engloba áreas de influências geoeconômicas diversas, além de um enorme déficit social, de modo a poder ser visto como objeto privilegiado para os estudos aqui propostos. A FIG. 01 mostra a localização do Estado.

Minas Gerais compõe a parte norte da Região Sudeste do Brasil, ocupando uma área de 588.383,6 Km2, o que representa 6,9% do território brasileiro e o 4º lugar em área entre os

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estados da federação. Em 2000, englobava 853 municípios, sendo que 130 deles foram criados na última década, correspondendo ao estado brasileiro com o maior número de municípios, com 15,5% do total. Segundo o Censo Demográfico do IBGE2, a população estadual naquele ano era de 17.891.494 habitantes, correspondendo a 10,5% da população do Brasil, situando o Estado em 2º lugar no ranking nacional, em seguida a São Paulo.

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FIGURA 01

MINAS GERAIS: LOCALIZAÇÃO Fonte: TIE - PUCMINAS.

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No tocante à economia, Minas Gerais situa-se na 3ª posição nacional, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro, tendo apresentado em 2000 um PIB a preços de mercado estimado em R$ 108 milhões, o que corresponde a 10% do PIB brasileiro (CASTRO, 2002). Mesmo assim, é ressaltada a perda do dinamismo da economia mineira, principalmente no que se refere à atração de novos investimentos e à posição subordinada com relação às decisões futuras de investimentos estratégicos (SANTOS, 2002).

Apesar de destacado no conjunto da federação, o Estado é marcado por profundas desigualdades regionais e carências sociais, quando considerados os aspectos econômicos (GOMES et al., 2002), demográficos (RIGOTTI; AMORIM, 2002) e de infra-estrutura (ABREU et al., 2002), como também as condições de vida (PRATES, 2002).

Com relação ao primeiro, Gomes et al. (2002), baseando-se em dados de 1999, ressalta a distribuição desigual da riqueza e as “altíssimas concentrações” verificadas principalmente na indústria e nos serviços, com a RMBH respondendo pela geração de 35,2% do PIB do Estado, enquanto abriga 24,1% de sua população. Tomando-se ainda naquele ano as 66 microrregiões geográficas do Estado (GOMES et al., 2002, p. 136-137), observa-se que apenas quatro delas (0,06%) responderam por 48,05% do PIB estadual, de modo que, enquanto o PIB per capita estadual correspondia a R$ 4.904,58, em quatro microrregiões seu valor ultrapassava em 50% ou mais a média estadual (com o maior valor atingindo 191,55%, correspondendo a R$ 9.394,63), sendo que em outras 16 microrregiões (24%) o PIB per capita não atingia 50% do valor estadual (com o menor valor chegando a 24,70%, correspondendo a R$ 1.211,24).

Quanto aos aspectos demográficos (PRATES, 2002), Minas Gerais caracteriza-se como um estado predominantemente urbano, com uma das mais altas taxas de urbanização do País (82%), encontrando-se a população estadual distribuída de forma heterogênea entre seus municípios: em 2000, 60,3% dos municípios mineiros apresentavam população inferior a 10.000 habitantes e apenas 2,7% deles (23 municípios) possuíam população superior a 100.000 habitantes, de modo que 15,3% da população estadual reside em municípios de até 10.000 habitantes, 45,4% em municípios de 10.000 a 100.000 habitantes e 39,3% em municípios com mais de 100.000 habitantes. No conjunto dos municípios é destacada a Região Metropolitana de Belo Horizonte-RMBH, que engloba 34 municípios e responde por 24,4% da população estadual.

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Em 2000, Minas Gerais apresentou uma estrutura etária (PRATES, 2002) em que 28,4% da população era composta por pessoas com até 15 anos, 62,6% por pessoas entre 15 e 60 anos e 9,1% acima de 60 anos. Importante também ressaltar o fluxo migratório (PRATES, 2002, p. 141), o qual, apesar de apresentar um ligeiro saldo líquido positivo no período de 1993/98 (16.393), apresentou nas décadas anteriores altos índices negativos, com o Estado caracterizado pela expulsão de parte significativa de sua população (taxa líquida migratória correspondendo a -13,8% no período de 1960/70, -10,7% no período de 1970/80 e -5,6% no período de 1981/91, correspondendo a um total de 3.890.491 habitantes entre 1960 e 1991) para áreas com maiores oportunidades de emprego.

Com relação à infra-estrutura (ABREU et al., 2002a), observa-se que há uma maior concentração das redes de transporte nas áreas de maior dinamismo econômico, com grandes carências nas áreas menos desenvolvidas, refletindo também a falta de uma visão integrada e multimodal, o que gera dificuldades de conexão interna e externa. Quanto ao setor energético, o Estado encontra-se fortemente apoiado na geração de energia hidrelétrica e com cobertura e atendimento abrangendo todo o seu território. Já no âmbito das telecomunicações, apesar dos esforços efetivos da última década, Minas Gerais ainda registra grandes déficits de atendimento e também grandes desequilíbrios regionais, com as melhores condições centradas na RMBH e dificuldades de acesso nas demais regiões.

O saneamento (HELLER; NASCIMENTO; PAIVA, 2002), apesar dos avanços verificados na década de 1990, ainda apresenta grandes carências de cobertura para os serviços, sendo que em 2000 tais déficits, em relação aos domicílios estaduais, correspondiam a 17% (811.862) para abastecimento de água, 31,8% (1.515.945) para esgotamento sanitário e 21,6% (1.031.593) para coleta de lixo, além de grandes deficiências com relação à drenagem urbana, refletindo o setor, como um todo, a falta de uma abordagem integrada do problema. Também neste caso são verificadas grandes disparidades regionais, com os menores índices de cobertura correspondendo às áreas mais pobres e com os maiores níveis de carências correspondendo às áreas mais dinâmicas. Destaca-se também aqui o problema da poluição e do comprometimento dos recursos hídricos, relacionados à falta de tratamento do lixo e efluentes, bem como os seus impactos negativos, e das carências de saneamento na saúde da população.

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No conjunto dos indicadores sociais e de condições de vida (PRATES, 2002), tem-se observado um declínio gradual das taxas de mortalidade desde meados do século XX, de modo que, em 1999, o Estado apresentava uma taxa de 26,3 para mortalidade infantil - mas esta ainda correspondia à mais alta taxa entre os estados do Sudeste e Sul - e de 70,1 para esperança de vida ao nascer, em melhor situação que a média nacional e somente inferior aos estados do Rio Grande do sul e Santa Catarina. Com relação à educação (PRATES, 2002) o Estado apresentou na última década uma queda expressiva nos índices de analfabetismo da população acima de 15 anos, situando-se em 1999 em 12,2%, ainda assim em posição inferior a todos os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Também foram verificadas melhorias nesse período quanto à taxa de escolarização, com o aumento da proporção de adolescentes e adultos na escola, sendo que, em 1999, freqüentavam a escola três quartos dos adolescentes entre 15 e 17 anos, metade dos adolescentes de 18 e 19 anos e um quarto dos adultos entre 20 e 24 anos, o que ainda se configura como um resultado deficiente.

Outro aspecto importante diz respeito à distribuição de renda e à pobreza (PRATES, 2002), nas quais se constatou em 1999 um ligeiro decréscimo, tanto na desigualdade de renda entre as famílias (ao contrário do verificado para o Brasil), quanto no número de famílias pobres. Com relação à desigualdade de renda, a renda familiar per capita média dos 10% mais ricos correspondia a 18,7 vezes mais do que a dos 40% mais pobres, representando uma das maiores desigualdades entre os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste (PRATES, 2002, p. 154). No que se refere à pobreza, também não houve reversão da gravidade do quadro, uma vez que 20% das famílias mineiras continuam apresentando uma renda familiar per capita menor que meio salário mínimo, e 47% delas ainda vivem com uma renda familiar per capita inferior a um salário mínimo. Considerando-se a linha de pobreza como a renda familiar per capita menor de meio salário mínimo, Minas Gerais apresentava em 1999 perto de um milhão de famílias pobres, sendo que a RMBH concentrava cerca de 15% desse total (PRATES, 2002). De modo geral o quadro regional mostra a pobreza disseminada por grandes áreas do Estado e com grandes contingentes nas áreas mais populosas. Comparativamente aos demais estados brasileiros, Minas Gerais apresenta-se com a maior proporção de famílias pobres entre os Estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, sendo que a RMBH isoladamente só se apresenta melhor do que as metrópoles nordestinas (PRATES, 2002).

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Quanto ao Índice do Desenvolvimento Humano-IDH (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO-FJP; INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA-IPEA; PNUD, 2003), o valor estadual obtido para 2002 correspondeu a 0,766, caracterizando o Estado como de médio desenvolvimento humano e representando uma evolução positiva de quase 10% em relação a 1991. No ranking brasileiro, Minas Gerais situa-se em 11º lugar, em posição inferior a todos os demais estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e com valores igualando-se aos dos estados do Espírito Santo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Na consideração dos diversos aspectos relacionados às condições de vida das pessoas assenta-se o objetivo principal deste trabalho. Especificamente, pretende-assenta-se compreender melhor a situação da qualidade de vida em Minas Gerais, considerando-se suas principais características e ocorrência, mapeando-se a situação estadual nos anos de 1991 e 2000 e verificando-se a situação no período. O trabalho reporta-se aos indicadores sociais, utilizando um conjunto amplo de variáveis relacionadas às condições de vida no Estado, a partir das quais procura-se identificar os principais aspectos que compõem a qualidade de vida em Minas Gerais, os níveis em que se encontram constituídos em cada município e sua distribuição espacial, de modo a se obter uma visão do Estado como um todo e a se poder identificar as principais características de sua ocorrência.

Tais objetivos implicam inicialmente a construção do marco teórico, referencial para a constituição de um banco de dados temático, composto por um conjunto de variáveis relacionadas aos diversos aspectos caracterizadores da qualidade de vida, com função de suporte ao desenvolvimento técnico do trabalho, baseando-se este nos procedimentos de classificação, hierarquização e geração cartográfica, de modo a poder-se caracterizar as situações nos dois momentos escolhidos. Em seguida, pretende-se proceder à análise das situações obtidas relativas aos anos de 1991 e 2000, bem como a evolução do período, de modo a poder-se formar uma visão geral da situação da qualidade de vida no Estado, como verificar a pertinência do método adotado com base nas correlações entre os resultados obtidos e o cálculo do Índice Municipal do Desenvolvimento Humano-IDH-M, pelos níveis de compatibilidade verificados entre ambos.

Ao marco teórico soma-se o núcleo técnico do trabalho, que envolve a utilização de um conjunto de variáveis (indicadores sociais) relacionados à qualidade de vida e associados à

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base espacial dos municípios mineiros, os quais são comparados e correlacionados, possibilitando uma visão mais sintética da qualidade de vida no Estado, de modo a permitir uma avaliação geral e caracterizações com base na relevância dos seus principais aspectos constituidores. Além do mais, o problema da interdependência entre a parte conceitual e a correspondente base tecnológica representa também um desafio a ser ultrapassado, tanto no que se refere às questões de natureza epistemológica, quanto àquelas de ordem metodológica e técnica.

Para as classificações, a Estatística Multivariada, e, especificamente a Análise das Componentes Principais/ACP, representa um aporte extremamente rico, por possibilitar a manipulação de uma grande massa de dados e a identificação de aspectos estruturadores da situação estudada, bem como os seus correspondentes graus de importância (ABREU, 1980). Os GIS/Sistemas de Informações Geográficas, por sua vez, possibilitam os modelamentos necessários a esse tipo de tarefa. Pelas suas características estruturais, permite a conformação e operacionalização de dados georreferenciados para geração de informações mais complexas e espacializadas. Por operar com “camadas” de dados e permitir a interseção desses vários layers em outras variadas conformações, constituem um ambiente propício para caracterização de situações que permitam compreender melhor a realidade a ser trabalhada (ABREU, 1995).

Tendo em vista que a qualidade de vida sempre constituiu um tema preponderante das abordagens de planejamento e desenvolvimento, torna-se maior a importância da capacidade de planejamento, notadamente o planejamento estratégico, como capacidade do Estado de lidar com os problemas da sociedade - e das pessoas - na perspectiva do desenvolvimento (PORTO et al., 2001), considerando-se o problema institucional como de fundamental importância para se promover o desenvolvimento humano (UNDP, 1990; DEMO, 1993). Em vista disso, é ressaltada a necessidade de um suporte de informações compatível com a complexidade que impõe tal tarefa, de modo que o conhecimento de sua realidade torna-se fundamental para o estabelecimento de políticas e ações de planejamento e para a própria eficácia das ações dos governos (DEMO, 1993).

O conhecimento do Estado de Minas Gerais sobre a situação da qualidade de vida de seu povo é bastante insipiente, apesar da importância crucial de que se reveste tal problema. No

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que diz respeito aos estudos geográficos sobre o tema percebe-se também uma insuficiência de trabalhos, apesar da relevância e qualidade dos que se encontram disponíveis. Essa lacuna pode-se creditar à novidade do tema e sua complexidade, como também às dificuldades inerentes à sua quantificação e análise, o que exige capacitação técnica especializada e apoio institucional mais amplo, para o que se vem caracterizando como um campo de pesquisa extremamente necessário e profícuo. Pode-se assim resumir a justificativa deste trabalho, em termos da atualidade e importância do tema, da necessidade do estudo para o Estado de Minas Gerais e, finalmente, da verificação da pertinência de uma nova abordagem do problema, mediante uma metodologia que realce os aspectos multidimensionais da qualidade de vida.

A edição deste trabalho é composta por um volume contendo o corpo da tese e por um CD-ROM, anexo, contendo os apêndices, onde se encontram as informações complementares ao texto, como também um arquivo de texto contendo o corpo da tese.

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2. MARCO TEÓRICO

A qualidade de vida vem sendo tratada como tema relevante em uma quantidade cada vez maior de trabalhos em várias áreas do conhecimento, de modo que a compreensão do conceito inclui múltiplas caracterizações. Em vista de tal diversidade, a noção de “qualidade de vida” apresenta contornos diferenciados, nos quais, muitas vezes, determinados aspectos ganham relevância em função do momento histórico e das condições sociais, bem como dos fatores ideológicos e dos objetivos adotados em cada trabalho, podendo-se mesmo dizer que há, em um momento dado, “[...] tantos ideais de qualidade de vida quantos seres humanos, sociedades e habitats existem” (MANFREDI; VELASQUEZ, 1994, p. 19).

Na maioria dos casos a caracterização da qualidade de vida tem avançado no sentido de abarcar os seres humanos nos seus cotidianos, em que uma quantidade maior de aspectos relevantes de suas vidas é considerada. Uma boa parte dos trabalhos tem seu eixo preponderante na análise das condições sociais e econômicas abrangidas, de modo que as abordagens não tratam, na maioria das vezes, de aspectos puramente ideais ou dogmáticos mas, principalmente, do reconhecimento de que a qualidade de vida emerge do modo como a vida humana tem-se constituído social e individualmente, incluindo também nisso os próprios arranjos sociais (CARMO, 1993; CMMAD, 1988; NUSSBAUM; SEN, 1994).

Um outro aspecto importante das abordagens da qualidade de vida é o tratamento do conceito pelo “movimento dos indicadores sociais” (CARLEY, 1985), sendo esse aporte utilizado para medir o desenvolvimento das “condições de vida” e “bem-estar”, considerando um número maior de indicadores e aliados a um suporte estatístico vigoroso e equipamentos cada vez mais avançados (NACIONES UNIDAS, 1978). Nesse sentido, os aportes informacionais e tecnológicos vêm possibilitando grandes avanços na abordagem do problema, ressaltando cada vez mais a indissociabilidade entre a caracterização e o modelamento da idéia com vistas a ações de planejamento e políticas públicas (HICKS; STREETEN, 1988; NUSSBAUM; SEN, 1993).

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De modo geral, as diferentes maneiras de conceituar a qualidade de vida consideram “[...] de uma parte, a sensação ou percepção que cada indivíduo tem do grau de satisfação que lhe proporciona sua vida, e de outra, a análise real de um conjunto de fatores que condicionam de forma positiva ou negativa” (MANFREDI; VELASQUEZ, 1994, p. 13), ou seja, implica tanto aspectos objetivos quanto subjetivos. Também nesse nível é possível caracterizar alguns modos de considerar a qualidade de vida, na temática ecológica, nos aspectos de suprimento (geralmente na forma de bens e necessidades) ou considerando o “bem humano” como o objetivo maior a ser alcançado pelas pessoas.

Se no primeiro caso a qualidade de vida é abordada por meio de um esforço de isolar e discutir os impactos que as estruturas sociais e econômicas provocam no meio ambiente e nos seres humanos e nas suas vidas (CARMO, 1993), no segundo o problema está relacionado àquilo que as pessoas têm ou podem vir a adquirir ou acessar (MANFREDI; VELASQUEZ, 1994), centrando-se, portanto, na produção de bens e comodidades (abordagem utilitarista); já no terceiro caso (NUSSBAUM; SEN, 1993), a qualidade de vida é considerada em termos do “florescimento humano” e centra-se nas condições constituídas social e individualmente para tal realização (abordagem não-utilitarista).

O presente trabalho adota esta última orientação, cujos aportes teóricos, proporcionados pela “abordagem da capacidade”, permitem considerar objetivamente a qualidade de vida em termos das realizações válidas e valiosas das pessoas no seu cotidiano, compreendendo os principais mecanismos com que elas atuam na orientação do bem-estar (NUSSBAUM; SEN, 1993). Esta posição também caracteriza o corpo teórico do desenvolvimento humano, de modo a realçar a atualidade do tema e sua relação mais imediata com as ações ligadas ao desenvolvimento (UNDP, 1990).

Por utilizar focos informacionais, a abordagem permite a avaliação da qualidade de vida por meio de um conjunto de índices de validade universal que podem ser aplicados em diversos níveis de agregação, como também a constituição de outras medidas em função de outras metodologias e objetos de valor (NUSSBAUM; SEN, 1993; PNUD, 1999). Do mesmo modo, por constituir-se numa teoria de desenvolvimento – na verdade a teoria adotada atualmente -, seu caráter universal representa uma nova perspectiva para a superação dos graves problemas que afligem a humanidade como um todo (UNDP, 1990), permitindo ações globais, mas, ao

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mesmo tempo, considerando a especificidade de cada situação e as formas mais adequadas de interveniência nas diversas escalas (NUSSBAUM; SEN, 1993). Nesse ponto também, a abordagem da pobreza torna-se relevante, em termos da reconsideração do conceito e dos indicativos de ações tendo em vista aspectos mais abrangentes da vida humana, uma vez que a pobreza constitui um aspecto fundamental da consideração da qualidade de vida (SEN, 1993; PNUD, 1997).

Para melhor compreensão do conjunto das caracterizações abordadas é apresentado ao final deste capítulo um quadro geral com os conceitos organizados segundo a estrutura temática adotada.

2.1. Qualidade de vida na temática ecológica

Nesta perspectiva, Carmo (1993) trata preliminarmente da vinculação da qualidade de vida à questão ecológica, observando nessa temática a questão recorrente da deterioração da qualidade de vida e ressaltando o valor que tal discussão representa na atualidade, podendo, por um lado, levar à formação de uma “consciência ecológica” ou então à saturação do assunto junto à opinião pública.

Nessa linha de abordagem surgem questões relevantes que realçam o problema da qualidade de vida, uma vez que a ecologia ultrapassou a (mera) circunscrição da natureza, passando a incluir as relações humanas e a apresentar questões que vão da economia à política e da sociologia à ética social.

O problema poria em destaque a organização da própria sociedade, “[...] com seus aspectos gritantes de desigualdade social e crescimento econômico a qualquer custo” (CARMO, 1993, p. 11), de modo tal que a única maneira de discutir amplamente a ecologia só se daria caso fossem ameaçados os interesses da classe economicamente dominante, por um lado, e por outro, devido às inquietações e dúvidas relacionadas aos níveis alarmantes de poluição e de degradação ambiental, incluindo as grandes concentrações urbanas e os efeitos decorrentes para a própria sobrevivência da espécie humana e de outras formas de vida. Com base em tal premissa, Carmo (1993) desenvolve o tema pelo ângulo da urbanização e da saúde, em face

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das relações “quase imediatas” possíveis de estabelecer entre aquelas e o conceito de qualidade de vida, apoiando-se na Sociologia Urbana - incluindo considerações de alguns autores da Escola de Chicago -, e na Ecologia Humana, para tanto caracterizando os fundamentos em que estas disciplinas se organizaram.

Com relação à Sociologia Urbana, é ressaltada sua fundamentação teórica assentada

[...] na necessidade de enfrentar certos problemas ‘práticos’ urgentes [...] ligados ao expressivo crescimento das grandes cidades que acompanhou a industrialização e o desenvolvimento capitalista, especialmente nos Estados Unidos, num momento marcado pela imigração em massa de europeus, nos fins do séc. XIX e início do séc. XX (CARMO, 1993, p. 17).

Assim, para a Escola de Chicago (CARMO, 1993), a metrópole é entendida como o melhor local para estudar a humanidade, pois é onde fica demonstrado que os seus problemas, como marginalidade, criminalidade, corrupção, etc., resultam da sua organização específica e não da incapacidade individual dos migrantes. Park, considerado o maior expoente da Escola de Chicago, considerava a cidade não apenas nos seus aspectos físicos e mecânicos, mas, sobretudo, como “[...] um produto da natureza e particularmente da natureza humana” (CARMO, 1993, p. 18), de modo que a cidade apresenta-se envolvida pelos processos vitais das pessoas que aí vivem, de modo que a melhor forma de compreender sua organização levaria em conta seus aspectos geográficos, ecológicos e econômicos. Assim a cidade, entendida de modo orgânico, poderia ser conceituada pelo “[...] fenômeno da multiplicação de ocupações e profissões em sua relação com o meio físico” (CARMO, 1993, p. 18), devendo seu estudo derivar da análise da organização física do meio, complementada pelo estudo das suas ocupações e da sua cultura.

Por outro lado Park (CARMO, 1993) define a Ecologia Humana como “[...] a ciência que estuda as forças que atuam dentro dos limites de uma área qualquer de habitação humana (que pode ser uma área urbana), forças estas que tendem a ocasionar um agrupamento típico e ordenado da população e suas instituições” (CARMO, 1993, p. 19), cabendo-lhe caracterizar esses fatores e descrever os agrupamentos típicos de pessoas e instituições resultantes da ação conjunta de tais forças.

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espaciais e temporais dos seres humanos e as influências que sofrem pelas forças seletivas, distribuidoras e acomodativas do meio. Nesse caso a “posição” (entendida como a relação de lugar entre uma determinada comunidade e outras, como também a localização dos componentes internos de uma comunidade) no tempo e no espaço constitui o interesse fundamental da disciplina. Desse modo, a concepção de ecologia, apesar de conservar seu sentido original, passou a ampliar seu campo de atuação, incluindo o homem e considerando a cidade como componente ambiental.

A partir dessa linha, são apresentadas as caracterizações da qualidade de vida com base em diversos autores, encontrando-se as várias abordagens muitas vezes entrelaçadas, dada a sua complexidade. Optou-se neste caso por uma seleção dessas abordagens em termos de sua relevância para os objetivos aqui propostos, de modo a destacar os trabalhos citados por (CARMO, 1993): Georg Simmel, com sua crítica à “filosofia do dinheiro”; René Dubos, baseado na crítica da utilização da tecnologia; Andrews e Withey, com a consideração da percepção do bem-estar (well-being) como um componente central da qualidade de vida; Michel Foucault, tratando da “medicina urbana” e dos aspectos de dominação das camadas dominantes sobre os pobres; Dupuy, tratando dos acomodamentos do capitalismo e da possibilidade da construção de uma nova lógica social; e, finalmente, Roche, tratando das relações entre meio ambiente e desenvolvimento e enfatizando a dimensão cultural da qualidade de vida.

Georg Simmel (CARMO, 1993) foi um pensador de grande influência na Escola de Chicago, desenvolvendo seus trabalhos com base na crítica à “filosofia do dinheiro”, ou seja, na valorização excessiva dos aspectos materiais da vida e apoiando-se na psicologia de massa para investigar o “significado íntimo” da vida moderna e seus produtos, buscando compreender a maneira “[...] como a personalidade se acomoda nos ajustamentos às forças externas” (SIMMEL, 1973, apud CARMO, 1993, p. 20), por influência da atuação da metrópole. Ele compreende que a metrópole apresenta uma infinidade de estímulos que atuam na pessoa conduzindo-a como numa corrente, em que a pessoa é deixada levar, sendo que tal atitude “blasé” constitui uma reação psíquica dos seus moradores aos constantes estímulos a que são expostos, os quais agitam “[...] os nervos até seu ponto de mais forte reatividade, e faz, com que os nervos cessem completamente de reagir” (CARMO, 1993, p. 21).

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Também Dubos (CARMO, 1993), no final dos anos 60 e início dos 70, desenvolve uma abordagem em que considera a qualidade de vida entrelaçada a um conjunto de estímulos, neste caso provenientes da própria Terra e da vida que ela abriga, uma vez que a natureza humana é “[...] plasmada biológica e mentalmente pela natureza exterior” (DUBOS, 1972, apud CARMO, 1993, p. 22), de modo que as relações de exploração econômica da biosfera apenas para o enriquecimento acarretarão não somente a sua degradação, mas também a desvalorização da vida humana, apontando, nesse sentido, para a necessidade de correção de tal situação.

A crítica de Dubos não é voltada para tecnologia em si, mas para a sua apropriação e para a qualidade dos resultados que ela gera. Nesse sentido é colocada a compreensão de que a prosperidade e o conforto não asseguram necessariamente a saúde e a felicidade, e também que alguns aspectos do progresso material, como poluição, aumento de estímulos sensoriais, erosão dos serviços públicos, perda da intimidade pessoal ou aumento da arregimentação social, prejudicam a qualidade de vida. A qualidade de vida passa, então, a ser tratada em contraponto à materialidade, sendo usada para denominar aqueles fatores (ou componentes) de caráter imaterial, como a felicidade ou a saúde. Coloca-se ainda a necessidade de melhorar a relação do homem com a “Terra” (compreendida como conjunto de todos os seres vivos) para modificar a “[...] situação de apatia, de ‘desencantamento’, pela qual atravessa a humanidade” (CARMO, 1993, p. 23).

Já nos anos 70, pesquisadores como Andrews e Withey (CARMO, 1993), trabalharam com a percepção do bem-estar (well-being) como um componente fundamental para a experiência pessoal da qualidade de vida, investigando as diferentes percepções do bem-estar e desenvolvendo esforços para medir essas percepções, sugerindo que tais métodos se traduzissem em indicadores sociais. Para eles, a noção da qualidade de vida apresenta um duplo sentido: o mais usual deles referindo-se aos diversos aspectos do meio em que vive um indivíduo, como a habitação, poluição, criminalidade, etc...). Os autores porém consideraram que as pressões sociais por melhoria daqueles aspectos poderiam ocorrer devido a fatores como senso de realização, amor e afeição, percepção de liberdade, etc., de modo que a qualidade de vida poderia ser considerada também como uma experiência individual. Como decorrência surgiu a questão fundamental da medição da qualidade de vida que, para os autores, poderia ser solucionada com o uso dos indicadores sociais, uma vez que “[...] a

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qualidade de vida pode incluir a medição de praticamente tudo que interesse a alguém” (CARMO, 1993, p. 24). Além de desenvolver diversas e importantes considerações de natureza metodológica, é também sugerida a conveniência de considerar, na avaliação do bem-estar, um rol de indicadores tanto perceptíveis quanto não-perceptíveis num mesmo nível de relevância.

O aspecto da saúde é desenvolvido por Foucault (CARMO, 1993), que trata do surgimento da medicina social. No seu trabalho aparece a denominação “medicina urbana”, enfatizando a relação entre saúde e urbanização, e demonstrando também que a medicina moderna é uma “medicina social” – na qual ressaltam aspectos de dominação política com o objetivo de estabelecer ou manter a saúde.

A medicina urbana inicia-se na França, no final do século XVIII (CARMO, 1993) e caracteriza-se por tratar das “coisas” relacionadas à cidade, principalmente o ar e a água, destacando a importância dada na época às condições do meio sobre a saúde, daí vindo a noção de salubridade e, juntamente com ela, a noção de higiene pública. Tais noções evocam, a primeira, as condições do meio e dos seus elementos constitutivos atuando de maneira a permitir a melhor saúde possível aos indivíduos, e a segunda, à técnica de manipulação e controle dos elementos materiais do meio com vistas a favorecer (ou prejudicar) a saúde, de modo a subsidiar o urbanismo francês e as mudanças urbanas efetivadas em Paris à época.

Na medicina urbana, Foucault (CARMO, 1993) identifica o “medo urbano”, uma série de medos associados ao crescimento descontrolado das cidades, onde a angústia gerada nas pessoas leva-as a desenvolverem uma atitude de desconfiança e insegurança em face de sua nova situação, com tal atitude traduzindo-se em medo de fábricas, de aglomeração populacional, de edifícios altos, de epidemias urbanas, de esgotos e, principalmente, de cemitérios.

É citada ainda uma terceira etapa da medicina (CARMO, 1993), denominada “[...] medicina dos pobres, da força de trabalho, do operariado”, localizada na Inglaterra em meados do século XIX, responsável pela criação de um “cordão sanitário” entre ricos e pobres, pois, devido à devido às moléstias e epidemias que atingiram a Europa no período, a coabitação entre ricos e pobres num mesmo ambiente urbano tornara-se impossível. Fazem parte da

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terceira fase a criação do Health Service – com o qual o governo inglês implantou o controle da vacinação em massa –, o registro e monitoramento de doenças potencialmente endêmicas, incluindo a extirpação dos locais considerados insalubres, a assistência controlada, entre outros, sendo que desdobramentos desta terceira fase tiveram profunda influência nos atuais sistemas médicos, principalmente os dos países mais avançados.

Foucault reconhece na medicina contemporânea três sistemas superpostos e coexistentes, quais sejam, a “medicina assistencial”, destinada aos pobres, a “medicina administrativa”, voltada para os problemas gerais, como vacinação, controle de epidemias, etc., e a “medicina privada”, voltada para os que têm como pagá-la. Também procurou demonstrar o caráter social da medicina contemporânea, ou seja, que a medicina moderna possui um caráter principalmente social, de modo a não ser nem individual, nem determinada exclusivamente pela relação mercantil, mas apresentando um componente de dominação e controle pelas instituições de saúde sobre os indivíduos, tendo como ponto de partida o domínio social sobre o seu corpo biológico.

No que se refere ao sistema econômico e à produção, Carmo (1993) ressalta a contribuição de Dupuy, que coloca o “problema” da qualidade de vida perante a lógica da produção capitalista, apresentando como conseqüência duas opções fundamentais sob o ponto-de-vista da ecologia, quais sejam, “[...] a aceitação do capitalismo ecológico que vem se instaurando ou a possível escolha pela construção de uma nova lógica social, na qual” (CARMO, 1993, P.30) “[...] o livre desenvolvimento de todos seria ao mesmo tempo o fim e a condição do livre desenvolvimento de cada um”1.

Ao tratar do “capitalismo ecológico”, Dupuy (CARMO, 1993) usa como ponto de partida a questão do “desaquecimento” da economia de crescimento capitalista – uma das suas maiores ameaças constatadas por Adam Smith, Ricardo, Marx e Keynes –, e argumenta que “[...] tal ameaça teria sido afastada através da transformação quanto à natureza dos bens produzidos” (CARMO, 1993, p. 30). Neste caso por meio do surgimento, por um lado, de “bens distintivos”, denotadores de elevado status social e, por outro, da constatação de que a duração dos bens de consumo diminuiu, levando ao que o autor aponta como uma “contradição” básica do capitalismo, em que “[...] as condições que permitem o crescimento

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da demanda e a ‘realização’ [...] do valor de troca produzido são exatamente as que provocam a perda de eficácia da economia” (CARMO, 1993, p. 31).

O problema proposto por Dupuy destaca, de um lado, a lógica da economia de crescimento ameaçando a base do sistema produtivo, afetando o custo de reprodução da força de trabalho por conta da geração de desperdícios, da degradação do meio ambiente, ampliando a crise ecológica e influindo em outros fatores como congestionamento dos solos e expansão do urbanismo industrial, que trariam implicações diretas na vida dos trabalhadores, como deslocamentos mais longos e custosos e degradação das condições de vida em geral. Por outro lado, há também a questão da possibilidade de escassez de matérias-primas e de recursos naturais fundamentais, como a água e o ar, acarretando para as indústrias o imperativo de ter de proteger cada vez mais o meio ambiente, simplesmente por ter de continuar a funcionar e não por qualquer tipo de ação filantrópica relacionada a preocupação com qualidade de vida. Nesse sentido, a qualidade de vida constitui um freio ao sistema capitalista e tem a capacidade de fazer com que ele se redirecione, uma vez que, transformada em mercadoria, algo vendável, a produção voltar-se-ia então para produzir “bens imateriais” (saúde, cultura, meio ambiente equilibrado, etc..., ou seja, os fatores relacionados a “felicidade”), o que seria possível mediante uma “[...] nova divisão internacional do trabalho” (DUPUY, 1980 apud CARMO, 1993, p. 32), promovendo o redesdobramento da industria na escala mundial, com o envio das industrias pesadas para o Terceiro Mundo.

Dessa forma, o capitalismo ecológico seria resultante tanto da necessidade da reorientação do crescimento dos países desenvolvidos para produções menos destruidoras, quanto da relocação das indústrias em nível internacional, ou seja, teria não como finalidade a promoção da qualidade de vida, mas seria fruto de uma necessidade de caráter técnico. Esta situação, para manter-se estável,

[...] exigiria uma caracterização geral, uma programação planetária da repartição e da utilização dos recursos minerais e energéticos, uma planificação das técnicas e dos preços, em resumo, todos os elementos de um capitalismo não concorrencial de não-crescimento (CARMO, 1993, p. 33)

o que se constitui em argumento “ecofacismo” ou “tecnofacismo”, que são sistemas voltados para criar “[...] um mundo limitado por técnicos e tecnocratas, um Gulag na escala planetária” (DUPUY, 1980 apud CARMO, 1993, p. 33. ).

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destacando quatro temas da contestação ecológica: trata-se, no primeiro tema, da sobrevivência da humanidade na escala planetária, no segundo, da crítica do fetichismo das forças produtivas e da crítica da economia, no terceiro, da crítica das ferramentas e do modo de produção industrial, e no quarto, da crítica do Estado e da heteronomia política.

Já a dimensão cultural da qualidade de vida é enfatizada por Roche (CARMO, 1993), considerando a relação entre meio ambiente e desenvolvimento e situando a qualidade de vida em termos da busca, consciente e inconsciente, do cidadão no seu cotidiano, na procura da felicidade pessoal e coletiva, incluindo as correspondências entre as expectativas do grupo social e o nível de satisfação dessas expectativas.

O autor analisa a situação contemporânea em termos da predominância de uma racionalidade “prática” ou “utilitarista”, o que faz com que a qualidade de vida esteja determinada pela “[...] capacidade social ou individual de incrementar os seus benefícios potenciais, independentemente de suas conseqüências reais para a comunidade dos seres humanos” (CARMO, 1993, p. 39), para o que os governos também contribuem com a avaliação de seu desempenho tendo em vista elementos objetivos e quantificáveis e não em função da realização humana e da “felicidade” dos povos.

Roche (CARMO, 1993) ressalta a importância de se incluirem diversas considerações de natureza simbólica no tratamento da questão, “[...] sem perder de vista que as condições objetivas de sobrevivência podem determinar um certo comportamento em relação à realidade ambiental” (CARMO, 1993, p. 40). Para a aferição da qualidade de vida, Roche propõe o emprego de indicadores para avaliar as dimensões cultural, ambiental e tecnológica. Na dimensão cultural, os indicadores visam aferir a felicidade, e, mesmo reconhecendo as dificuldades de uma valorização empírica, são apontados como possíveis indicadores

[...] conceitos de terra, propriedade e pátria, “arraigo territorial”; o sentido dominante das relações humanas, privilegio da família e amizade sobre a produção e a competência: a forte diferenciação dos atributos por sexo; o consenso como instrumento de relação, etc... (CARMO, 1993, p. 40).

Já para a dimensão ambiental, os indicadores permitiriam avaliar as condições existenciais do homem em sociedade, sendo os indicadores classificados como “duros” (verificáveis estatisticamente) e “brandos” (percebidos e valorizados pelo indivíduo). Dentre os

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indicadores apontados podem ser citados a

[...] educação e o trabalho como meios para a mobilidade social; as condições do habitat (serviços, espaço, clima, etc.), como níveis de qualificação do meio ambiente ecológico; as condições econômicas (acesso ao consumo e a um nível relativo de conforto); o acesso à instituições intermediárias (partidos políticos, sindicatos, clubes, etc.) como instrumentos de participação social; acesso aos meios de comunicação social como mecanismo de avaliação do “entorno” e instrumento para a tomada de decisões aconômicas e políticas; etc. (CARMO, 1993, p. 40-41).

Ao final, vêm os indicadores de dimensão tecnológica, para medir “[...] o desenvolvimento relativo sob uma ótica utilitarista, a qual com freqüência se transforma em mecanismos de submissão e dominação” (CARMO, 1993, p. 41).

2.2. Qualidade de vida na perspectiva do desenvolvimento

Duas linhas principais compõem as abordagens da qualidade de vida na perspectiva do desenvolvimento. A primeira delas, correspondendo às abordagens mais tradicionais, é centrada nas necessidades humanas, com diversas caracterizações e desdobramentos, de modo que o problema da qualidade de vida apresenta-se em termos da satisfação dessas necessidades. No segundo caso a qualidade de vida é tratada não somente como comodidades que as pessoas buscam ou venham a adquirir, mas principalmente como capacidade das pessoas dirigirem sua vida para realizações proveitosas tendo em vista o florescimento humano, ou seja, a realização do bem humano, sendo que o problema da qualidade de vida passa a focar as pessoas e as condições constituídas nelas e no meio em que vivem.

É de destacar-se que tais abordagens constituem uma parte fundamental da discussão do desenvolvimento, de suas finalidades, estrutura, políticas e ações, muitas vezes coincidindo com a própria idéia do que seja o desenvolvimento.

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Por apresentar uma relação estreita com os diversos modos como o desenvolvimento vem sendo compreendido historicamente (CAIDÉN; CARAVANTES, 1988), buscou-se aqui trabalhar com as abordagens relacionadas às necessidades humanas nas quais se consideram o desenvolvimento e o meio ambiente como aspectos indissociáveis, por se constituirem na ótica em que o desenvolvimento é atualmente considerado (CMMAD, 1989). Devido à grande quantidade de trabalhos nessa linha, escolheu-se como base o trabalho de Manfredi e Velásquez (1994), pois, além de desenvolvem suas idéias a respeito da qualidade de vida, apresentam também um conjunto de diversas outras abordagens significativas para a compreensão aqui pretendida.

Para esses autores, entretanto, o desenvolvimento é somente a expressão da qualidade de vida de uma comunidade, sendo atingido somente quando se melhora a qualidade de vida. Nesse sentido os autores distinguem os diversos aspectos do desenvolvimento (como o econômico e o industrial) do “verdadeiro Desenvolvimento”, para o qual “[...] a qualidade de vida representa e deve representar a forma mais real e válida de avaliar o verdadeiro desenvolvimento” (MANFREDI; VELÁSQUEZ, 1994, p. 41).

Com relação ao conjunto das abordagens, observa-se que praticamente todas elas assentam-se na pressuposto da qualidade de vida como “satisfação de necessidades”, sendo trabalhadas de maneiras diferenciadas conforme o autor e o modo com que o problema é considerado; tais abordagens são classificadas em “gerais”, como “qualidade de vida objetiva” e “satisfação das necessidades do homem”, e “setoriais”, como nas considerações da saúde e da qualidade do meio ambiente (MANFREDI; VELÁSQUEZ, 1994). De todo modo, observa-se que, além de procurar determinar o que se entende por “necessidade”, também é feito um esforço para classificá-las e sistematizá-las conforme as considerações de prioridade requeridas.

Dentre as diversas abordagens apresentadas, foram escolhidos para o presente trabalho as mais significativas e que permitem uma noção mais ampla do problema das necessidades humanas.

As considerações iniciais reportam a Maslow em 1954 (MANFREDI; VELÁSQUEZ, 1994), com o que se tem denominado de “pirâmide de necessidades”, na qual as necessidades

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encontram-se sistematizadas em cinco níveis: na base da pirâmide estão as necessidades fisiológicas de satisfação da fome, sede, sexo, vestuário e habitação; no segundo nível as necessidades de segurança, tranqüilidade, ordem e estabilidade; no terceiro nível o sentido de permanência e a necessidade de amor; no quarto nível a necessidade de estima, aí incluindo o respeito a si mesmo e o sentimento de êxito; e no quinto nível, correspondendo ao vértice, Maslow colocou a “auto-realização”, condição para obter-se um pleno desenvolvimento, compreendido como perfeição e criatividade.

Jarret (MANFREDI; VELÁSQUEZ, 1994), por sua vez, identificou vinte e cinco necessidades mais importantes para o ser humano, agrupando-as segundo as situações em que se apresentam e considerando sua amplitude e significado.

Outro investigador, Atchia, em 1985 (MANFREDI; VELÁSQUEZ, 1994), com base em estudos incluindo vários países, identificou vinte e quatro necessidades que denominou de essenciais, elaborando com elas um quadro composto de dezoito “necessidades periféricas” e seis “centrais”. Como necessidades centrais considerou a educação, o ambiente, a saúde, as relações sociais, o trabalho e o dinheiro; como periféricas considerou a vida familiar, os elementos para uma vida confortável, suprimento adequado de alimentos sadios, tempo para ócio e para jogos, a liberdade, paz e entretenimento, as qualidades pessoais, paz no mundo, desenvolvimento pessoal e êxito, conhecimento, governo bom e estável, segurança e provisão adequada na velhice, capacidade e criatividade, vida simples e formal, justiça e igualdade, música, amor, além de valores morais e espirituais.

Outra proposta sistematizada foi desenvolvida por Max-Neef et al. (MANFREDI; VELÁSQUEZ, 1994), na qual as necessidades foram agrupadas segundo categorias existenciais relacionadas aos verbos ser, ter, fazer e estar. Com base nelas são listadas nove classes, representadas pelas necessidades de subsistência, proteção, afeto, entendimento, participação, ócio, recreação, identidade e liberdade. As necessidades são caracterizadas como sendo expressões de carências humanas individuais e coletivas, as quais, uma vez satisfeitas, constituem também “potencialidades humanas”.

As necessidades são também consideradas à luz das diferentes culturas e dos estilos de desenvolvimento, observando-se ainda que as necessidades nem sempre são reais, podendo

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