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2.2. Qualidade de vida na perspectiva do desenvolvimento

2.2.2.2. A consideração das capacidades pelo

2.2.2.3.2. Pobreza humana

Para o desenvolvimento humano, a pobreza se manifesta na “[...] privação da vida que as pessoas podem viver” (PNUD, 1997, p. 17), sendo por isso vista não só como a carência de artigos para o bem-estar material, mas, sobretudo, como a “[...] negação de opções e oportunidades para viver uma vida tolerável” (PNUD, 1997, p. 17).

Essa forma de ver a pobreza é fundamentada nos princípios do desenvolvimento humano, que considera os aspectos relativos às privações das pessoas em termos da extensão e da qualidade das suas vidas, ressaltando situações em que a vida pode abreviar-se prematuramente ou fazer-se difícil, dolorosa ou arriscada, ou mesmo privada de conhecimentos e comunicação, e também outras onde faltam “[...] a dignidade, a confiança e o respeito por si mesmo, assim como o respeito dos demais” (PNUD, 1997, p. 17).

Nessa perspectiva, a pobreza contrasta com o desenvolvimento humano, ao negar “[...] as oportunidades e as opções mais fundamentais do desenvolvimento humano: viver uma vida longa, saudável e criativa e desfrutar de um nível decente de vida, liberdade, dignidade, respeito por si mesmo e dos demais” (PNUD, 1997, p. 17), assentando-se nesse contraste a reconsideração do conceito de pobreza, tratada desde então como pobreza humana. Superar esse contraste representa o desafio fundamental do desenvolvimento humano para os primeiros decênios do século XXI (PNUD, 1997, p. 13) apoiada em uma estratégia global (PNUD, 1997, p. 7).

O reconhecimento da pobreza no desenvolvimento humano se faz na perspectiva da capacidade, sem entretanto desconsiderar os critérios historicamente reconhecidos da pobreza, nas perspectivas do ingresso e das necessidades básicas (PNUD, 1997, p. 18). Dessa forma a pobreza é reconhecida primordialmente como a “pobreza de uma vida”, e considerada não somente com base na situação empobrecida que de fato a pessoa vive, mas também “[...] na carência de oportunidade real, determinada por limitações sociais e por circunstâncias pessoais, para viver uma vida valiosa e valorizada” (PNUD, 1997, p. 18). Assim, pobreza humana é, sobretudo, pobreza de capacidade, ou seja, reporta-se a um conjunto de

deficiências sociais e individuais que impedem a realização de escolhas adequadas com vistas ao bem-estar, e é representada pela “[...] ausência de certas capacidades básicas para funcionar” (SEN, 1993, p. 42), de modo que uma pessoa (pobre) apresenta-se carente da oportunidade para obter alguns níveis minimamente aceitáveis de funcionalidades relacionadas àquelas capacidades (PNUD, 1997; SEN, 1993). As funcionalidades, neste caso, variam desde aquelas relacionadas aos aspectos físicos, como estar bem nutrido, estar vestido e viver de forma adequada ou evitar a morbidade previsível, até os ganhos sociais mais complexos, como a participação na vida da comunidade (PNUD, 1997, p. 18).

De modo geral, a abordagem do desenvolvimento humano reconhece que a privação pode ser entendida de maneira distinta pelas diversas comunidades e sociedades, de modo que “[...] cada pessoa e cada comunidade tem sua própria definição da privação e das desvantagens que afetam suas vidas” (PNUD, 1997, p. 18). Nesse sentido, apesar de considerar que há aspectos centrais, universais e relevantes na caracterização da pobreza humana, é também realçado que ela tem um caráter multidimensional e diverso muito mais que um conteúdo uniforme (PNUD, 1997).

Dessa maneira, a participação é apresentada como uma questão central nos estudos sobre a pobreza, tendo sido reforçado pelos diversos Relatórios sobre o Desenvolvimento Humano/ PNUD e pela literatura pertinente. Em particular, o aspecto da sustentabilidade apresentado pelo Relatório Brundtland (CMMAD, 1988), ou seja, “[...] o ‘critério do modo sustentável de ganhar a vida’ aplicado ao estudo da pobreza” (PNUD, 1997, p. 19), destaca tal necessidade, de modo que “[...] cada comunidade pode definir os critérios de bem-estar e os elementos fundamentais da privação segundo apareçam no contexto local” (PNUD, 1997, p. 19). Esta diretriz emerge na afirmação de que o reconhecimento da pobreza se faz necessário num espaço avaliativo à luz da discussão pública, em que as normas e procedimentos, bem como as seleções e ponderações, não resultem de decisões de cima para baixo, mas que estejam abertas “[...] a um processo participativo e democrático e, no possível, que sejam o resultado de um processo deste tipo” (PNUD, 1997, p. 19).

A análise e avaliação do desenvolvimento humano assentam-se no contraste entre as condições necessárias para o desenvolvimento humano e as privações por que as pessoas

passam (PNUD, 1997), refletindo esse déficit duas maneiras diferentes de considerar o progresso humano.

A primeira delas, a “perspectiva conglomerativa”, concentra-se nos avanços de todos os grupos de cada comunidade, desde os ricos até os pobres, e a segunda, a “perspectiva da privação”, considera a maneira como vivem os pobres e as pessoas privadas de recursos em cada comunidade. Esta segunda perspectiva proporciona ressaltar a situação em que vivem os pobres, evitando que ela seja camuflada pelos avanços obtidos pelas pessoas que vivem melhor (PNUD, 1997).

Ambas as perspectivas são consideradas no desenvolvimento humano, uma vez que o interesse do processo de desenvolvimento volta-se para todas pessoas, incluindo tanto aquelas que estão em melhor posição quanto as que se encontram em desvantagem, de modo que os avanços e os retrocessos devem ser considerados universalmente na avaliação (PNUD, 1997). Entretanto, o desenvolvimento humano realça a importância da consideração das pessoas em desvantagem, cuja situação deve constituir-se numa parte significativa dos interesses de progresso de uma nação (PNUD, 1997).

Sen (1993) reconhece ser possível tratar de situações de pobreza extrema em países em desenvolvimento com um número “[...] razoavelmente pequeno de importantes funcionalidades centrais e as correspondentes capacidades básicas” (SEN, 1993, p. 31), como, por exemplo, “[...] a habilidade de estar bem nutrido e bem abrigado, a capacidade de escapar de morbidade evitável e mortalidade prematura, e assim por diante” (SEN, 1993, p. 31).

Para outras situações, nas quais podem ser incluídos os mais diversos problemas de desenvolvimento econômico, é recomendado considerar uma lista “[...] muito mais longa e muito mais diversa” (SEN, 1993, p. 31). A pobreza, nessa perspectiva, é compreendida como o fracasso das capacidades e não meramente como um problema de inadequação de renda (SEN, 1993).

No entanto, Sen (1993) admite que a renda é um meio para atingir determinados objetivos básicos, sendo assim possível relacionar a renda com as capacidades, de modo a poder com isso reconhecer “[...] o nível de renda minimamente adequado para alcançar os mesmos níveis

de capacidade minimamente aceitáveis” (SEN, 1993, p. 31). Considerando que tal relação varia entre as comunidades e ainda entre as pessoas de uma mesma comunidade, ela se constituirá numa variável, que dependerá das características pessoais e sociais (SEN, 1993).

Essa relação entre capacidades e renda (SEN, 1993, p. 42) pode ser trabalhada de modo a que capacidades mínimas relacionadas à melhoria do nível de renda possam ser alcançadas, e então, sendo estabelecida essa correspondência, a pobreza possa ser considerada tanto como o fracasso das capacidades básicas como também pode ser vista pelo formato mais tradicional da inadequação de renda, porém sem perder de vista “[...] as variações interpessoais e intersociais na relação entre a renda e as capacidades” (SEN, 1993, p. 42). Nessa discussão é ressaltada a importância de se considerarem as funcionalidades de um modo mais refinado, com vistas a um entendimento mais acurado dos diversos aspectos concernentes à pobreza (SEN, 1993, p. 40; PNUD, 1997, p. 18).

Com relação à medição da pobreza humana, o Relatório do Desenvolvimento Humano/1996 (PNUD, 1996) apresentou a Medida de Privação de Capacidade (MCP) como instrumento de aferição da pobreza. A MCP considera a falta de três capacidades básicas, que são “estar bem alimentado e saudável”, representada pela proporção de crianças com menos de cinco anos com peso deficiente, a “capacidade para a reprodução saudável”, representada pela proporção de nascimentos não acompanhados por pessoal de saúde formado e a “capacidade de ser educado e instruído”, representada pelo analfabetismo feminino (PNUD, 1996, p. 27).

No ano seguinte, o Relatório do Desenvolvimento Humano/1997 (PNUD, 1997), voltado à erradicação da pobreza extrema, caracteriza a MPC como uma versão particular do Índice de Pobreza de Capacidade, e apresenta o Índice de Pobreza Humana (IPH) – um índice composto, também se baseando nas deficiências das capacidades, mas abrangendo um conjunto mais amplo de variáveis e numa “relação coerente” com o Índice do Desenvolvimento Humano (IDH). Com o IPH pretendeu-se obter uma visão mais abrangente da pobreza humana, reunindo as diferentes características de privação da qualidade de vida de modo a possibilitar “[...] um juízo agregado sobre o grau de pobreza de uma comunidade” (PNUD, 1997, p. 19).

reconhecida nos países pobres, para os quais foi elaborado. Os indicadores representam a privação de três elementos essenciais da vida humana (PNUD, 1997, p. 19) e que já estão refletidos no Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), que são: a longevidade, os conhecimentos e um nível de vida decente. Assim, a primeira privação está relacionada com a sobrevivência: a “vulnerabilidade à morte em uma idade relativamente prematura”, representada pela “porcentagem de pessoas que se estima que morrerá antes dos 40 anos de idade”. A segunda privação, relacionada com os conhecimentos, refere-se a “ficar excluído do mundo da leitura e das comunicações”, e está representada “pela porcentagem de adultos analfabetos”. A terceira privação relaciona-se “ao nível decente de vida”, particularmente o aprisionamento econômico geral, e está representado por uma composição de três variáveis: o “acesso a serviços de saúde”, o “acesso à água potável” e a “porcentagem de crianças desnutridas menores de cinco anos” (PNUD, 1997. p. 19).

Conforme sua apropriação, o IPH apresenta uma gama de possibilidades, podendo ser utilizado como um “instrumento de publicidade e defesa”, no caso de mobilização da opinião pública em favor da “causa” da erradicação da pobreza, como um “instrumento de planejamento”, no caso da determinação das áreas de concentração da pobreza e suas características específicas, e ainda como um “instrumento de investigação”, podendo neste caso ser utilizado como uma medição composta de desenvolvimento (PNUD, 1997, p. 21).

Com relação à situação da pobreza, são reconhecidos os resultados impressionantes em sua redução por todo o mundo (PNUD, 1997), levados a cabo principalmente durante o século XX, porém esses convivendo com situações de atrasos consideráveis, principalmente nos países em desenvolvimento (PNUD, 1997, p. 29).

Quanto à localização, também é reconhecida a persistência da privação humana principalmente nos países em desenvolvimento, onde atinge quase um terço de sua população (PNUD, 1997, p. 28), apesar de também persistir no mundo industrializado (PNUD, 1997, p. 29). Também internamente os países em desenvolvimento apresentam grandes disparidades, notadamente entre pobres e ricos, mulheres e homens, zonas rurais e urbanas, como também entre grupos étnicos (PNUD, 1997).

Em 1990, o PNUD (UNDP, 1990) listava tais disparidades, destacando aquelas entre áreas urbanas e rurais, entre gêneros e entre ricos e pobres (UNDP, 1990, p. 29). No primeiro caso, ressaltava as deficiências de distribuição de serviços sociais nas áreas rurais dos países em desenvolvimento, principalmente naqueles referentes à educação, saúde, água e saneamento, muito menos que os avanços nas áreas urbanas, sendo que os impactos dessas deficiências deram-se sobretudo com relação à mortalidade infantil, expectativa de vida, nutrição, alfabetismo, saúde, água e saneamento, renda deficiente (UNDP, 1990). As deficiências relativas às disparidades de gênero centraram-se nas restrições às mulheres, em termos do acesso à educação, alimentação e cuidados com a saúde, com relação a trabalharem mais tempo e perceberem rendimentos menores, e também com relação à discriminação que sofrem (UNDP, 1990, p. 31). A inadequação de gênero é relacionada à educação insuficiente, sendo ressaltada sua importância para a promoção da igualdade de oportunidades entre gêneros e os altos dividendos sociais advindos da promoção da instrução feminina (UNDP, 1990), destacando-se nesta os avanços obtidos “[...] em termos da redução da fertilidade, baixo crescimento populacional, redução da mortalidade infantil, redução das taxas de exclusão escolar e melhoria da nutrição da família” (PNUD, 1996, p. 26).

O terceiro aspecto, relativo às disparidades entre ricos e pobres (UNDP, 1990), assenta-se no reconhecimento de que há uma relação próxima entre o aumento da renda e os avanços no desenvolvimento humano na maioria dos países em desenvolvimento, devido à renda representar “[...] um importante determinante do acesso das pessoas aos serviços sociais” (UNDP, 1990, p. 32), principalmente àqueles relacionados às escolhas básicas para o desenvolvimento humano.

Na discussão que se segue sobre subsídios governamentais e seu resultados na redução dos efeitos das disparidades, reconhece-se que nem todo o gasto governamental com subsídios tem representado o interesse do pobre, sendo que os “[...] maiores cuidados devem ser tomados na estruturação do gasto social para assegurar que os benefícios fluam até eles” (UNDP, 1990, p. 33).

No Relatório do Desenvolvimento Humano/1997 (PNUD, 1997) é apresentada uma análise geral dos progressos e retrocessos do combate à pobreza no mundo, envolvendo anos de vida, saúde, moradia, conhecimentos, participação, segurança pessoal, meio ambiente e renda, com

as disparidades sendo analisadas em termos de ingresso, gênero e rural-urbano, como também apresentadas as prioridades para as ações estratégicas de redução da pobreza.