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PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO (UNISAL) CAMPUS LORENA

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM DIREITO DO

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO (UNISAL)

CAMPUS LORENA

DURCELANIA DA SILVA SOARES

DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: (in) efetividade em razão da extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA

Lorena 2019

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DURCELANIA DA SILVA SOARES

DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: (in) efetividade em razão da extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção o título de Mestre em Direito pelo programa de mestrado

acadêmico do Centro Universitário

Salesiano de São Paulo – UNISAL,

Campus Lorena.

Área de concentração: Concretização dos Direitos Sociais, Difusos e Coletivos. Orientadora: Profa. Dra. Regina Vera Villas Bôas.

Lorena 2019

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DURCELANIA DA SILVA SOARES

DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: (in) efetividade em razão da extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção o título de Mestre em Direito pelo programa de mestrado

acadêmico do Centro Universitário

Salesiano de São Paulo – UNISAL,

Campus Lorena.

Área de concentração: Concretização dos Direitos Sociais, Difusos e Coletivos. Orientadora: Profa. Dra. Regina Vera Villas Bôas.

Dissertação defendida e aprovada em 14 de Junho de 2019, pela comissão julgadora:

_______________________________________________________________________ Profa. Dra. Regina Vera Villas Bôas - Orientadora

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Tiago Cappi Janini (UNISAL)

________________________________________________________________ Profa. Dr. Ivan Martins Motta (PUC/SP)

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, por todas as grandes coisas que tem realizado em minha vida, dentre elas, capacitando-me; por uma única razão: para me mostrar que ELE é infinitamente maior, ele é DEUS!

Ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), aos professores, alunos e funcionários, com quem aprendi que se deve trabalhar sorrindo.

Especialmente à minha orientadora, professora doutora Regina Vera Villas Bôas, de quem recebi, sempre de forma elegante e sincera, as melhores orientações para este trabalho e para a vida. Mais que uma professora, assumiu a condição de amiga ao longo desta jornada.

Ao amigo e professor doutor Tauã Lima Verdan Rangel, por se firmar como referencial de conduta acadêmica para mim e para toda uma geração, pela grandeza com que trata a política de segurança alimentar e nutricional, pela generosidade e parceria; sem o seu cuidar eu não teria chegado aqui.

A todos os amigos e amigas com os quais compartilho as lutas, os saberes e os sonhos, em especial a Fábia Maruco.

E a todos aqueles que, nesse caminho, sempre me abraçaram. Obrigada!

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“Porque tive fome, e vocês me deram comida; tive sede, e me deram algo para beber” [...]. Então as pessoas que realizaram a vontade de Deus responderão: “Senhor, quando o vimos com fome e o alimentamos, ou com sede e lhe demos algo para beber?” [...] O Rei lhes responderá: “Eu lhes digo que todas as vezes que vocês fizeram essas coisas a algum destes meus irmãos menos destacados, o fizeram a mim”.

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RESUMO

O objeto do presente estudo busca analisar a atuação do CONSEA na materialização do Direito Humano à Alimentação Adequado para o enfrentamento da fome, bem como, se de fato, persistirá a concreção desse direito após a extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional e, para atingir o objetivo proposto, a dissertação foi dividida em três seções, por meio das quais se pretende responder as seguintes indagações: A política de segurança alimentar e nutricional tem efetivamente assegurado o acesso dos indivíduos à alimentação adequada asseverando a todos o direito de não experimentar a fome? Como será conduzida a concretização do direito humano à alimentação adequada (DHAA) após a extinção do CONSEA, e o tratamento dispensado à política de segurança alimentar e nutricional (SAN), seguirá as disposições legais e constitucionais acerca do assunto, bem como, se o Brasil está cumprindo os compromissos assumidos em tratados internacionais de direitos humanos? Este trabalho coaduna com a área de concentração de estudos referentes à concretização dos direitos sociais, difusos e coletivos, no âmbito da linha de pesquisa relacionada aos direitos sociais, econômicos e culturais, sendo utilizado na sua elaboração o método de investigação dialético, desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, documental e eletrônica. Os dados coletados foram provenientes de diversas fontes, tais como livros, revistas especializadas que tratam do tema e organizações internacionais. Do ponto de vista teórico, foram utilizados conceitos de base jusfilosófica sobre o direito humano à alimentação adequada e a dignidade da pessoa humana, tendo como pano de fundo os ensinamentos de Amartya Sen, Hannah Arendt, Jean Ziegler e Josué de Castro, e ao discorrer sobre o direito à alimentação, o marco teórico de sustentação do estudo apoiou-se em autores nacionais consagrados no assunto, como Irio Conti, Ingo Sarlet, Renato Maluf, dentre outros. Ao se examinar a construção histórica da SAN, no território nacional, resultou na verificação do fortalecimento da temática, alcançando a condição de política pública, a partir do ano de 2003, reclamando maior atenção à promoção de tal direito, em especial no contingente populacional em situação de vulnerabilidade social (insegurança alimentar e nutricional), com vistas a reduzir os alarmantes índices até então existentes. O fortalecimento desse direito fundamental foi possível após a inserção da sociedade civil na construção das políticas públicas, por intermédio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, discutindo as formas de segurança alimentar como direito humano. A discussão além de atual, é instigante, principalmente após a extinção do CONSEA, quando claramente se acena para o sufocamento da participação da sociedade civil em políticas públicas na promoção da SAN e do DHAA. Como resultado, consta-se a atuação dos governos no combate a erradicação da pobreza e da fome, mas, ainda há um grande número de pessoas vivendo em insegurança alimentar no Brasil. Aponta-se a necessidade de fortalecimento e retorno urgente do CONSEA para prosseguir na garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.

Palavras-chave: Fome. Direito Humano à Alimentação Adequada. Segurança Alimentar e Nutricional. Políticas públicas. Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional.

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RESUMEN

El objeto del presente estudio busca analizar la actuación del CONSEA en la materialización del Derecho Humano a la Alimentación Adecuado para el enfrentamiento del hambre, así como, si de hecho, persistirá la concreción de ese derecho después de la extinción del Consejo de Seguridad Alimentaria y Nutricional y, para el objetivo propuesto, la disertación fue dividida en tres secciones, por medio de las cuales se pretende responder a las siguientes indagaciones: ¿La política de seguridad alimentaria y nutricional ha asegurado efectivamente el acceso de los individuos a la alimentación adecuada aseverando a todos el derecho de no experimentar el hambre? ¿Como se llevará a cabo la concreción del derecho humano a la alimentación adecuada (DHAA) tras la extinción del CONSEA, y el tratamiento dispensado a la política de seguridad alimentaria y nutricional (SAN), seguirá las disposiciones legales y constitucionales sobre el asunto, así como, Brasil está cumpliendo los compromisos asumidos en tratados internacionales de derechos humanos? Este trabajo coincide con el área de concentración de estudios referentes a la concreción de los derechos sociales, difusos y colectivos, en el ámbito de la línea de investigación relacionada a los derechos sociales, económicos y culturales, siendo utilizado en su elaboración el método de investigación dialéctico, desarrollado por medio de investigación bibliográfica, documental y electrónica. Los datos recolectados provenían de diversas fuentes, tales como libros, revistas especializadas que tratan del tema y organizaciones internacionales. Desde el punto de vista teórico, se utilizaron conceptos de base jusfilosófica sobre el derecho humano a la alimentación adecuada y la dignidad de la persona humana, teniendo como telón de fondo las enseñanzas de Amartya Sen, Hannah Arendt, Jean Ziegler y Josué de Castro, y al discurrir sobre el derecho a la alimentación, el marco teórico de sustentación del estudio se apoyó en autores nacionales consagrados en el asunto, como Irio Conti, Ingo Sarlet, Renato Maluf, entre otros. Al examinar la construcción histórica de la SAN, en el territorio nacional, resultó en la verificación del fortalecimiento de la temática, alcanzando la condición de política pública, a partir del año 2003, reclamando mayor atención a la promoción de tal derecho, en especial en el contingente poblacional en situación de vulnerabilidad social (inseguridad alimentaria y nutricional), con miras a reducir los alarmantes índices hasta entonces existentes. El fortalecimiento de ese derecho fundamental fue posible tras la inserción de la sociedad civil en la construcción de las políticas públicas, a través del Consejo Nacional de Seguridad Alimentaria y Nutricional, discutiendo las formas de seguridad alimentaria como derecho humano. La discusión además de actual, es instigadora, principalmente tras la extinción del CONSEA, cuando claramente se acentúa para el sofocamiento de la participación de la sociedad civil en políticas públicas en la promoción de la SAN y del DHAA. Como resultado, se constató la actuación de los gobiernos en el combate a la erradicación de la pobreza y el hambre, pero todavía hay un gran número de personas viviendo en inseguridad alimentaria en Brasil. Se señala la necesidad de fortalecimiento y retorno urgente del CONSEA para proseguir en la garantía de la SAN y del DHAA.

Palabras clave: Hambre. Derecho humano a la alimentación adecuada. Seguridad alimentaria y nutricional. Política pública. Consejo nacional de seguridad alimentaria y nutricional.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELA

Ilustração 1 – Mapa da fome (Josué de Castro) ... 27

Ilustração 2 – Retirantes (1944), de Cândido Portinari ... 31

Ilustração 3 – Criança morta (Série Retirantes, 1944), de Cândido Portinari ... 31

Ilustração 4 – Número de pessoas subnutridas no mundo em 2017 ... 48

Ilustração 5 – Elementos constitutivos do conteúdo essencial do direito humano à alimentação adequada ... 73

Ilustração 6 – Composição do Consea, de acordo com o artigo 4º do Decreto nº 807/1993... 93

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIA Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos

ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva

ASBRAN Associação Brasileira de Nutrição

ASCOFAM Associação Mundial de Luta Contra a Fome

CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional

CANN Conselho Nacional de Segurança Alimentar

CDESC Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

CF Constituição Federal

CNAN Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição

CNSAN Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

DHA Direito Humano à Água

DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

EC Emenda Constitucional

FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FBSSAN Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar

FIAN BRASILFoodFirst Information & Action Network

GT ANSC Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva

IA Insegurança Alimentar

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOSAN Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MESA Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome

MP Medida Provisória

MPF Ministério Público Federal

ODS Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

OMS Organização Mundial da Saúde

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

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PAA Programa de Aquisição de Alimentos

PCFM Plano de Combate à Fome e à Miséria

PENSSAN Rede Brasileira de Pesquisadores em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

PFDC Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil

SA Segurança Alimentar

SAN Segurança Alimentar e Nutricional

SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SUS Sistema Único de Saúde

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 FOME E ALIMENTAÇÃO EM UMA PERSPECTIVA DELIMITADORA ... 16

2.1 A FOME COMO UM FENÔMENO GEOGRÁFICO E GEOPOLÍTICO ... 21

2.2 A POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES ... 34

2.3 A PERCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DA FOME COMO FENÔMENO MUNDIAL ... 44

3 O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: INTERDIMENSIONALIDADE, DESENVOLVIMENTO HUMANO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 52

3.1 O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ... 60

3.2 O COMENTÁRIO GERAL DA ONU Nº 12: O CONTEÚDO JUSFILOSÓFICO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ... 66

3.3 O COMENTÁRIO GERAL DA ONU Nº 15: O RECONHECIMENTO DO DIREITO HUMANO À ÁGUA E O ALARGAMENTO DA ACEPÇÃO DE ALIMENTAÇÃO ... 76

4 A EXTINÇÃO DO CONSEA E AS INCERTEZAS PARA A CONCREÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 82

4.1 A EXPERIÊNCIA DO CONSEA NA DÉCADA DE 1990 ... 88

4.2 O CONSEA COMO DESDOBRAMENTO DA POLÍTICA DE ESTADO ... 94

4.3 A EXTINÇÃO DO CONSEA: INCERTEZAS E INCOERÊNCIAS SOBRE A EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ... 101

5 CONCLUSÃO ... 108

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1 INTRODUÇÃO

Desde os tempos remotos a pessoa humana vive empenhada em uma luta contra a fome e a pobreza. Essa luta está inscrita na própria trajetória humana. Luta-se pelo direito humano à alimentação adequada, que tem sido brutalmente violado pelo próprio Estado garantidor, que há tempos tem se transformado em um Estado violador. E nos dias atuais a fome ainda continua presente em alguns lares e, em consequência, a morte carrega em seus braços as vítimas da fome, independentemente de sua idade.

Nessa seara, a segurança alimentar (SA) deve representar o acesso de todos a uma alimentação diária suficiente que atenda às necessidades nutricionais de cada indivíduo, visando a garantir uma vida saudável e ativa. Mas nos últimos tempos a segurança alimentar tem sido vista, pelos Estados nacionais e internacionais, como um problema e estes, por sua vez, passam a tratar a questão do direito humano à alimentação adequada, não como uma questão de política de Estado, mas como uma questão de política de governo. Em contrapartida, os indivíduos que sofrem com a fome contribuem para aumentar a parcela da população em situação de vulnerabilidade social, todas as vezes que se viola o seu direito à alimentação.

Há de se destacar que a SA se assenta em três aspectos distintos, a saber: quantidade, qualidade e regularidade. Desta feita não basta oferecer alimentos, mas esses têm que ser em quantidade, qualidade e regularidade, atendendo as necessidades de quem deles necessitam para a sua sobrevivência, necessário ainda que além de disponível é essencial que esses alimentos estejam acessíveis para as populações mais pobres.

Os movimentos sociais têm lutado de forma contínua em busca da efetivação do direito humano à alimentação adequada a todos os humanos, e essa efetivação necessariamente passa pelo acesso aos alimentos, pois quando não se tem ao alcance os alimentos automaticamente se tem a presença da fome.

Neste contexto, esta pesquisa tem por objetivo geral verificar se a política de segurança alimentar e nutricional, no enfrentamento à fome, tem efetivado a concreção do direito humano à alimentação adequada, e se, após a extinção do CONSEA, o tratamento dispensado à política de segurança alimentar e nutricional (SAN) seguirá as disposições legais e constitucionais acerca do assunto; e ainda, se o Brasil está cumprindo os compromissos assumidos em tratados internacionais de

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direitos humanos. Este trabalho está em consonância com a área de concentração de estudos referentes à concretização dos direitos sociais, difusos e coletivos, no âmbito da linha de pesquisa relacionada aos direitos sociais, econômicos e culturais, sendo utilizado na sua elaboração o método de investigação dialético, desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, documental e eletrônica.

Para atingir o objetivo proposto, a dissertação foi dividida em três seções, por meio das quais se pretende responder as seguintes indagações: A política de segurança alimentar e nutricional tem efetivamente assegurado o acesso dos indivíduos à alimentação adequada asseverando a todos o direito de não experimentar a fome? Como será conduzida a concretização do direito humano à alimentação adequada (DHAA) após a extinção do CONSEA, e se o tratamento dispensado à política de segurança alimentar e nutricional (SAN), seguirá as disposições legais e constitucionais acerca do assunto, bem como, se o Brasil está cumprindo os compromissos assumidos em tratados internacionais de direitos humanos?

Na segunda seção, denominada de “Fome e alimentação em uma perspectiva delimitadora”, versa, em um primeiro momento, sobre o conceito da fome, utilizando,

para tanto, a construção de Josué de Castro nos anos de 1940 até o cenário atual.

Ainda na primeira seção, em um segundo momento, examinar-se-á a fome como problemática social, gerada pela desigualdade social que é a matéria-prima para o agravamento da pobreza e da fome. Nesse momento, destaca-se a pobreza como privação das capacidades e das liberdades, assentado nas estruturas apresentadas por Amartya Sen, onde se analisa a pobreza como problemática da fome. Por fim, a primeira seção, está fundamentado na estrutura de Jean Ziegler e traz a problemática da fome na percepção contemporânea como um fenômeno mundial, destruindo anualmente dezenas de milhões de pessoas. Essas mortes por fome são consideradas por Ziegler como o escândalo deste século.

A terceira seção, intitulado “O Direito Humano à Alimentação Adequada: interdimensionalidade, desenvolvimento humano e dignidade da pessoa humana”, busca, em um primeiro momento, a partir da construção filosófica das locuções direito humano e dignidade da pessoa humana, reconhecendo-as como elementos indissociáveis para o próprio desenvolvimento da pessoa humana, o alargamento dos direitos fundamentais oportunizados pelos cenários contemporâneos, a partir de uma construção histórica internacional do direito humano à alimentação adequada e da

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segurança alimentar e nutricional, levando em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948, até a cimeira de Roma, em 1994. Em um segundo estágio, a seção aborda, à luz do Comentário Geral nº 12 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, a partir de um conteúdo jusfilosófico, o exame a respeito das dimensões do direito humano à alimentação adequada. Por fim, analisa o alargamento do direito humano à alimentação adequada (DHAA), à luz do Comentário Geral nº 15 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, estabelecendo uma reflexão acerca dos componentes pensados para a concretização e o reconhecimento do direito à água potável como elemento indissociável da própria realização do DHAA.

Por seu turno, a quarta seção e última, denominada de “A extinção do CONSEA

e as incertezas para a concreção do direito humano à alimentação adequada”, objetiva

apresentar um pequeno histórico do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, propondo, em um primeiro momento, a estruturação da segurança alimentar como política pública, valendo-se, para tanto, da primeira experiência do CONSEA em 1993, e sua extinção posteriormente. Em um segundo momento, a seção em destaque traz a reestruturação do CONSEA, compreenderá a estrutura organizacional do CONSEA e a relação entre a Proposta do Fome Zero e a Segurança Alimentar e Nutricional finalmente tendo a SAN alçado o status de política de Estado, estabelecendo, ainda, uma abordagem acerca das diretrizes Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Por fim, em um derradeiro momento, volta a discussão a respeito da extinção do CONSEA nos dias atuais, e com isso retorna-se ao retrocesso com o engessamento da sociedade civil no que tange às políticas relacionadas à SAN, alertando para o fato de que o resultado alcançado com o alargamento dos direitos fundamentais, em decorrência da Emenda Constitucional nº 67/2010, onde o direito humano à alimentação adequada (DHAA) foi alçado ao status de direito fundamental, motivado, sobretudo, pela alteração da redação do capítulo 6º da Constituição Federal de 1988, só foi possível com a ingerência dos movimentos sociais por meio do CONSEA.

A relevância da pesquisa pode ser justificada pela atualidade e especificidade do tema proposto no estudo, assim como o fato de existirem poucos trabalhos anteriores sobre o assunto, o qual se constitui um grande problema a ser enfrentado, precisando suscitar um intenso debate no mundo acadêmico. Para a solução dos problemas oriundos da insegurança alimentar, é essencial a implementação das

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políticas públicas para o enfrentamento da fome, não apenas com o intuito de servir a alimentação, pois a fase de caridade já está ultrapassada, sendo essencial que se capacitem as pessoas para que elas possam ter acesso à alimentação adequada e nutritiva.

Para tanto, necessário o cumprimento do disposto no artigo 3º III, da CF/88, onde estabelece como objetivos fundamentais da República brasileira a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais. Busca-se a consolidação de tal dispositivo constitucional, pois somente com a erradicação da pobreza, da fome e à proteção dos direitos sociais, entre outros, selecionado para a presente pesquisa, o direito humano à alimentação adequada, haverá a diminuição das desigualdades sociais e uma sociedade mais justa. A erradicação da pobreza é dever do Estado e direito assegurado a todo cidadão.

Ademais a participação da sociedade civil, por intermédio dos movimentos sociais, é indispensável, pois somente por meio das lutas dos movimentos sociais se efetivará de fato a concretização do direito humano à alimentação adequada daquela parcela da sociedade vulnerável econômica e socialmente.

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2 FOME E ALIMENTAÇÃO EM UMA PERSPECTIVA DELIMITADORA

No cenário atual, cabe destacar a necessidade de se abordar a temática fome, não obstante o crescimento da produção alimentícia no Brasil e no mundo. De acordo com a OMC, o Brasil é o 3º maior exportador de produtos agropecuários do mundo. Só fica atrás dos EUA e da União Europeia. O país ocupa o 1º lugar na exportação de diversos grupos de alimentos. Só no ano de 2008, as exportações de alimentos produzidos no Brasil chegaram a US$ 61,4 bilhões, e em 2016 o Brasil terminou o ano com uma fatia de 5,7% do mercado global, abaixo apenas dos Estados Unidos, com 11%, e Europa, com 41% (CHADE, 2018). Mesmo diante desse avanço na exportação dos setores ligados à produção alimentícia, o Brasil vive em um quadro de insegurança alimentar e nutricional. Conforme pesquisa do IBGE (2013), em cada quatro lares brasileiros, um vive em algum grau de insegurança alimentar, significando que, no ano de 2013, 52 milhões de pessoas residentes em 14,7 milhões de domicílios apresentavam alguma restrição alimentar ou, pelo menos, alguma preocupação com a possibilidade de ocorrer restrição, devido à falta de recursos para adquirir alimentos.

Em nível mundial, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou um alerta, no ano de 2017, indicando que um milhão e quatrocentas mil crianças, enfrentariam o risco de morrer de fome, em quatro países: Iêmen, Nigéria, Somália e Sudão do Sul, este último declarando, oficialmente, ter sido atingido por um “surto de fome” (GARCIA, 2017, p. 1).

E sobre a fome, André Mayer ao prefaciar a nona edição do livro Geografia da fome, de Josué de Castro, destaca: “A fome – eis um problema tão velho quanto a própria vida”. (CASTRO, 1984, p. 6). Esse problema tão antigo coloca em risco a vida, a própria sobrevivência da espécie humana até os dias atuais. Há tempos se vem buscando alternativas para solucionar esse “problema tão velho”, mas que está tão presente nos novos dias.

No afã de se encontrar alguma solução viável para a redução da fome, houve o aumento da produção agrícola e agropecuária. Em contrapartida, a fome continua a existirnos dias atuais, o que leva a crer que a problemática da fome não está adstrita apenas à produção de alimentos. Para Jean Ziegler (2013b), “[...] não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação”. A especulação financeira dos alimentos, como commodities, nas bolsas de valores, é um dos principais fatores

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para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos anos. Esta é uma das principais causas para a falta de acesso aos alimentos, causando, por conseguinte, a fome (RIBAS, 2011, p. 2).

A produção capitalista aumentou ao ponto de chegar a dobrar, no ano de 2002. Essa produção seguiu um processo de monopolização de riquezas. Hoje, 52,8% do PIB mundial está nas mãos de empresas multinacionais. A concentração de 85% dos alimentos negociados no mundo, nas mãos de apenas 10 empresas, faz com que esses agentes tenham grande força política. O poder político dessas empresas foge ao controle social. Elas decidem cada dia quem vai comer e quem vai morrer de fome. (ZIEGLER, 2013b).

“A história da humanidade é, em grande parte, a história da luta contra a fome”. (MARANHÃO, 1962, p. 75). O fenômeno fome é antigo e universal, atingindo com a morte, até os dias atuais, milhões de pessoas. Por mais absurdo que possa parecer, a fome não pode ser erradicada, pois integra o sistema econômico, e “[...] vale a regra de que quem tem dinheiro tem bens e serviços, a alimentação agora, ou é bem ou é serviço; não é mais sobrevivência”. (MARANHÃO, 1962, p. 5). Como já visto, a cadeia alimentar humana está nas mãos de um pequeno grupo de grandes produtores.

A definição de fome é um tanto controversa. A discussão acerca desse fenômeno baseia-se nas denúncias apresentadas por Josué de Castro, quando investigou a temática, nos anos de 1940, tendo como principal causa para a fome a falta de alimentos, principalmente nos países que haviam perdido a Segunda Guerra Mundial (CASTRO, 1984, p. 48). “Na realidade, a fome coletiva é um fenômeno social bem mais generalizado. É um fenômeno geograficamente universal, não havendo nenhum continente que escape à sua ação nefasta”. (PODESTÁ, 2011, p. 72).

Rangel (2018a, p. 42) nos orienta que o problema da fome se concentra nas

escolhas políticas:

No território nacional, admitia-se a fome como um problema do meio ambiente, da raça, da indolência da população. [...] a fome é fruto das escolhas de desenvolvimento às quais está subordinada a sociedade brasileira, tendo como causa as escolhas políticas, é o resultado das macrodecisões sociais e econômicas que compreendem o destino alimentar de milhões de brasileiros.

A fome necessariamente está ligada à questão sociopolítica, não só no Brasil como no mundo. Governantes que se preocupam com o seu povo buscam alimentá-los; do contrário, o escravizam para que sirvam de massa de manobra. As escolhas

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sociopolíticas se transformam em políticas públicas que podem se voltar para as desigualdades sociais e não para o bem-estar da sociedade.

Para Tânia Elias Magno da Silva (2009, p. 52), a fome é um dos retratos mais cruéis de intolerância, principalmente aquela que se perpetua em tempos de abundância proveniente do desperdício e da ganância, que mata lentamente, pois engana os famintos, já que apenas enche o estômago, ao invés de se alimentar.

Sobre a fome, Maria do Carmo Soares de Freitas (2003, p. 38) nos esclarece que

A sensação de fome de um é distinta da de um outro também faminto, mesmo que haja “algo” comum entre eles, porque as coisas do mundo não se impõem ao homem de uma forma linear, causal e impositiva. O que é percebido num momento, pode ser alterado e percebido de outra maneira, num momento seguinte. Sendo assim o significado da fome perpassa a imagem corpórea da carência de comida, indo ao encontro de outras concepções sustentadas por um sistema de símbolos gerados pela insegurança concreta de alimentar-se.

Dentre as diversas facetas da fome, é preciso atentar para o faminto e não apenas para o fenômeno fome, pois esse faminto apresenta característica diversa de um para o outro. Basta atentar para a percepção de fome entre pessoas com características diferenciadas, como o fato da idade, do sexo, dos hábitos alimentares. O sentimento de fome de um adolescente é diferente do sentimento de fome de um homem adulto, porém tudo é fome e deve ser combatido, devendo ser preservado o direito de todos a não suportar tal mal.

Ainda nessa temática, Nascimento (2012, p. 51-52) destaca que o fenômeno fome é uma trágica expressão de desenvolvimento dos países ricos, que se sustentam na exploração de países mais pobres, e provoca uma fome quantitativa, aguda, mas também qualitativa ou oculta.

Há uma distinção entre a fome aguda, que é a urgência de se alimentar e a fome crônica, que é a deficiência energética, a desnutrição.

Quanto à distinção entre fome aguda e a crônica, Rangel (2018a, p. 44)orienta

que

A fome aguda, também denominada de total, global ou quantitativa, seria aquela menos comum e mais fácil de ser verificada. Com efeito, faz referência à verdadeira inanição, limitado a áreas de extrema miséria e a contingências excepcionais. Já a outra espécie de fome, denominada de fome crônica, também nomeada de parcial, qualitativa ou latente, materializa um fenômeno mais frequente e mais grave. A falta contínua de determinados elementos nutritivos, nos regimes alimentares habituais dos povos subdesenvolvidos, e

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até de uma pequena parcela dos desenvolvidos, provoca a morte lenta de vários grupos humanos no planeta, apesar de comerem todos os dias.

A fome aguda é aquela fome que incomoda a todos, pois é vista a olho nu, caracterizando-se pela falta de alimentação, normalmente encontrada junto à extrema miséria, associada à pobreza extrema, pois o faminto não tem como se alimentar. Para aplacar essa fome, é necessário que o Estado dê a alimentação a essas pessoas para retirá-las desse estado extremista. Neste momento, segundo Castro (2003, p. 79-80), o homem se apresenta como um animal de rapina, possuindo um único desejo: comer.

Para Rangel (2018a, p. 45),

A fome crônica é mais perversa que a forma global, determinada pela incapacidade de alimentação diária em fornecer um total calórico correspondente ao gasto energético realizado pelo trabalho do organismo, porquanto atua de maneira sorrateira, sem que a população afetada perceba seu malefício. Ela é caracterizada pela ausência ou presença em quantidades exageradas de certas substâncias alimentares, a exemplo de sais minerais, vitaminas, proteínas e gorduras. Essa fome decorre de uma má alimentação, representando o aspecto qualitativo da questão, justamente nesse aspecto das fomes parciais, em sua infinita variedade.

Nascimento (2012, p. 52) descreve que, o ser humano, “[...] através dos tempos, sacrificou pouco a pouco a variedade pela quantidade, restringindo o abastecimento regular das coletividades às substâncias de maior rendimento alimentar e de produção e conservação relativamente mais fáceis”.

A fome crônica é considerada como “fruto de nossa própria civilização”. (NASCIMENTO, 2012, p. 52). É aquela que se caracteriza pela qualidade de alimentos ingeridos, decorrente de uma má alimentação, desprovida dos nutrientes necessários para o desenvolvimento sadio do ser humano. É a fome fabricada, pois quando se tem os alimentos, esses não são de qualidade para atender as necessidades nutricionais do ser humano que os consome, sendo privado dos nutrientes, que resulta na desnutrição, e que por sua vez decorre da inadequação alimentar nos aspectos quantitativos tanto quanto qualitativos.

Necessário esclarecer que a Organização Mundial de Saúde (OMS) fixa em 2.200 calorias diárias o mínimo vital para um adulto. Certo é que as necessidades calóricas irão variar de acordo com a idade da pessoa, sendo 700 calorias diárias para um lactente, 1.000 calorias para um bebê entre um e dois anos, 1.600 calorias para uma criança de cinco anos e entre 2.000 a 2.700 calorias para um adulto, dependendo do clima em que vive e do trabalho desempenhado por esse adulto (ZIEGLER, 2013a,

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p. 32). Uma pessoa adulta que ingere menos de 2.000 calorias diárias certamente não irá reproduzir de forma satisfatória a sua força vital. Ficará comprometido o desenvolvimento de suas tarefas diárias, como a desenvolvida para a sua própria subsistência. Sem ingerir tais calorias, um adulto não conseguirá desempenhar suas tarefas de forma satisfatória.

No que tange à subalimentação, Jean Ziegler (2013a, p. 32)assevera que

A subalimentação severa e permanente provoca um sofrimento agudo e lancinante do corpo. Produz letargia e debilita gradualmente as capacidades mentais e motoras. Implica marginalização social, perda de autonomia econômica e, evidentemente, desemprego crônico pela incapacidade de executar um trabalho regular. Conduz inevitavelmente à morte.

Certamente a subalimentação provocará no ser humano a destruição de seu corpo e de seu psiquismo, o que vai levar necessariamente à decadência física, já que não haverá possibilidade de empregar um ser subalimentado. E, sem condições de se manter física e psiquicamente, estará à margem da sociedade, enfrentando o risco de morrer de fome. A subalimentação leva à morte silenciosa.

Além da subalimentação, vale mencionar a subnutrição, que também pode levar à morte. Em geral, a subnutrição pode ser causada pela alimentação deficiente ou pela falta de alimentos. Quanto à alimentação deficiente, é aquela alimentação que mata a fome, mas não fornece os elementos essenciais para o bom funcionamento do organismo. Na subnutrição, a ingestão alimentar regular não chega a cobrir as necessidades energéticas mínimas da pessoa, e, de acordo com o relatório sobre o estado da insegurança alimentar no mundo 2012, quase 870 milhões de pessoas sofrem subnutrição crônica no mundo (ONUBR, 2012).

Sen (2010) ensina que a pobreza e, em consequência, a fome privam o indivíduo de suas capacidades básicas e, sobretudo, de sua liberdade. E acrescenta: “O que faz dessa fome disseminada uma tragédia ainda maior é o modo como acabamos por aceitá-la e tolerá-la como parte integrante do mundo moderno”. (SEN, 2010, p. 264). A fome não pode ser um fato essencialmente inevitável. Tem que ser combatida, enfraquecida e banida. É preciso capacitar os indivíduos para que se possa enfrentar a fome, assegurando a liberdade e o direito a todos de viver sem experimentar a fome.

É necessário o enfraquecimento da fome, enfraquecendo as desigualdades sociais, e para isso o Estado deve desenvolver e efetivar políticas públicas voltadas à satisfação das necessidades dos mais carentes. O Estado deve facilitar, nesse

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sentido, uma melhor distribuição de rendas e um maior acesso de todos aos bens e serviços públicos, dando celeridade às inclusões sociais, combate às desigualdades sociais e efetivamente capacitando os famintos e não os privando de sua liberdade de sobreviver livre da fome.

2.1 A FOME COMO UM FENÔMENO GEOGRÁFICO E GEOPOLÍTICO

Por volta dos anos de 1940, surge no cenário brasileiro um médico disposto a despertar a consciência dos povos para a questão da fome, não só no Brasil, mas no mundo. Josué Apolônio de Castro, mais conhecido como Josué de Castro, era um médico brasileiro com um destino brilhante, mas também trágico. Com uma ação militante, marcou profundamente sua época, demonstrando que a fome era proveniente da política conduzida pelos homens, e sem dúvida mostrou, de forma profética, que sim, seria possível vencer, eliminar a fome. Josué de Castro não só mapeou a fome no Brasil e no Mundo como também ofereceu as alternativas para se vencer a fome. Apesar de seu brilhantismo como pesquisador e médico, poucos conhecem a trajetória desse cientista brasileiro (FRAZÃO, 2016).

Josué de Castro nasceu em 5 de setembro de 1908, em Recife, capital do Estado de Pernambuco, no Brasil. No período de seu nascimento, Recife era considerada a terceira cidade brasileira em número de habitantes. Filho de Manoel Apolônio de Castro, proprietário de terras, e de Josepha Carneiro de Castro, professora, de família de classe média vinda do sertão do Estado. Seus primeiros estudos foram feitos em casa, com sua mãe. Mais tarde, frequentou o Colégio Carneiro Leão, e posteriormente ingressou no Ginásio Pernambuco. Foi para o Rio de Janeiro estudar Medicina na Faculdade Nacional de Medicina do Brasil, atual UFRJ, onde ficou por seis anos (FRAZÃO, 2016).

Aos trinta e oito anos de idade, Josué de Castro publicou um de seus maiores

clássicos, Geografia da fome, obra de um cidadão pernambucano,que denunciou a

fome como um flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens, que veio a ser traduzida em mais de 25 idiomas (MELO; NEVES, 2007, p. 19). Este livro, de 1946, veio a ser referência no estudo da fome, juntamente com outro clássico, Geopolítica da forme, e foi reconhecido com premiação. Essa obra consolida a pesquisa do autor sobre alimentação brasileira (FRAZÃO, 2016). A partir de então, inicia-se no Brasil uma luta diária para enfrentamento da fome, que perdura até os dias de hoje.

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Castro (1984), por meio de suas investigações, constata a existência de um grande número de pessoas sofrendo de fome no Brasil e no mundo. Por força disso, naquela época, desenhou o mapa da fome no Brasil e a geografia da fome no mundo. Quase oitenta anos depois, o mundo continua sofrendo do mesmo mal, a fome. O direito à alimentação é o primeiro dos direitos humanos e, talvez, o mais essencial deles, pois sem os nutrientes vitais básicos, o ser humano não pode, literalmente, ser humano.

Com uma percepção voltada para o combate político e científico às injustiças sociais, o autor dedicou sua vida em pesquisar e propor soluções para o combate à fome e, em retribuição, recebeu a ira da ditadura militar. Após o golpe de 1964, teve os seus direitos políticos cassados, sendo destituído do cargo de Embaixador e proibido de voltar ao Brasil, ficando exilado na França, onde fundou e dirigiu o Centro Internacional para o Desenvolvimento, e exerceu o cargo de Presidente da Associação Médica Internacional para o Estudo das Condições de Vida e Saúde (CASTRO, 2004). Josué de Castro não conseguiu voltar vivo ao Brasil. Vitimado por um dos maiores crimes cometidos pela ditadura militar, faleceu em Paris no dia 24 de setembro de 1973, quando aguardava o passaporte que o traria de volta. Ao reclamar da vida depressiva em uma terra que não era a sua, afirmou que as pessoas não morriam somente de doenças, morriam também de saudade (ABRÃO, 2009, p. 21).

Na sua obra Geografia da fome, o dilema brasileiro: pão ou aço, Castro (1984) investiga o fenômeno fome retratando um Brasil subdesenvolvido, onde a economia se sustentava basicamente na exploração do café. Para o autor, subdesenvolvimento e fome, na realidade, seriam a mesma coisa.

Discutir a fome é uma tarefa bastante difícil. Para tentar explicar esse fenômeno, busca-se um pesquisador brasileiro que escreveu diversos livros sobre o tema, antes mesmo de ser debatido, não só no Brasil, mas mundialmente.

Castro trabalhou o conceito de fome de uma forma ampla, onde a analisava não apenas como um fenômeno médico, já que como médico que era se dedicou a estudar as doenças graves provocadas pela fome, mas também como um fenômeno histórico, social, político e também na sua visão de sociólogo, atribuindo à fome uma crítica resultante do sistema capitalista.

A ação da fome, no homem, não se manifesta como uma sensação contínua, mas como um fenômeno intermitente, com acessos e melhorias periódicas. No começo, a fome provoca uma excitação nervosa anormal, uma extrema irritabilidade e, principalmente, uma exaltação dos sentidos que se animam

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num elã de sensibilidade ao serviço quase exclusivo das atividades que permitem obter alimentos e, portanto, satisfazer o instinto mortificado da fome. Entre os sentidos, os que sofrem o máximo de excitação são o da visão e do olfato, os que podem melhor orientar o faminto na procura de alimentos. Neste momento, o homem se apresenta, mais do que nunca, como um verdadeiro animal de rapina, obstinado na procura de uma presa qualquer para acalmar sua fome. [...] É a obsessão do espírito polarizado para um único desejo, concentrado em uma única aspiração: comer. (CASTRO, 2003, p. 79-80).

A fome não atua unicamente sobre os corpos de sua vítima, mas também sobre a estrutura mental, destruindo lentamente o corpo e a alma, transformando esses seres humanos em humanos desesperados por um bocado de comida. E neste contexto impera a fome aguda, desdobrando-se na urgência de se alimentar. Consequentemente, pela falta de alimentos, chega-se ao patamar da fome crônica, aquela permanente e que provoca um grande sofrimento em suas vítimas, causando os efeitos mais nocivos, atingindo populações no mundo inteiro decorrente da miséria econômica (CASTRO, 2003, passim). Aqui nos deparamos com a fome em caso extremo, a penúria.

Tânia Elias Magno da Silva (2009, p. 52), em seu artigo sobre a atualidade dos pensamentos de Castro sobre os estudos da fome no Brasil, acrescenta que

A fome emoldura um dos retratos mais cruéis da intolerância, sobretudo aquela que perdura nos tempos de abundância e decorre do desperdício, da ganância que grassa nos nichos de riqueza, aquela que mata lentamente, que age em surdina resultante da subalimentação. É uma fome matreira que engana os famintos, os quais pensam que estão se alimentando porque comem, ou melhor, enchem os estômagos, conduzindo, inadvertidamente, a uma morte lenta, perversa, silenciosa, incapaz de incomodar, porquanto passa despercebida, mascarada por outra questão.

Nesse cenário tem-se a morte provocada pela fome latente, aquela em que se pensa que se está alimentando, contudo, apenas se enche o estômago, aplacando por hora a necessidade do faminto. Não há qualidade na alimentação. Há a ingestão de algum alimento, contudo esse alimento é deficiente, o que leva à subalimentação e lentamente o faminto caminha para a morte. Esse fenômeno é mais grave pois falta elementos nutritivos na alimentação que se ingere diariamente. Desta feita, caminha-se para uma morte lenta e silenciosa.

Historicamente pode-se constatar diversas crises da fome. Na década de 1880, o nordeste brasileiro suportou uma dessas crises. A grande seca, de 1877 a 1879 (BRITO, 2013, p. 111) impressionou toda uma geração de escritores cearenses com o aparecimento de várias literaturas das secas, todas elas trazendo a visão do nordestino faminto como um homem forte.

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Tem-se notícias da mais longa seca nordestina entre os anos de 1877-1879. Diante desse mal que assolara o Nordeste, Rodolfo Teófilo apresenta um clássico do naturalismo brasileiro intitulado A fome, publicado originalmente em 1890. Essa obra foi considerada o primeiro romance formal da seca a tematizar o assunto fome. Foi na década de 1880, onde vivenciou-se uma das mais cruéis crises da fome, com o desaparecimento de 4% da população na região Nordeste, particularmente no Ceará. A seca matou mais de cento e quarenta mil pessoas (BRITO, 2013, p.111).

Teófilo era professor de história natural, cientista, disseminador da vacina pela persuasão e sem obrigatoriedade, membro de agremiações literárias, autor de estudos científicos históricos, romances e poesias, sendo considerado um dos maiores representantes da literatura cearense do ciclo da seca. Contudo seu nome foi esquecido, sequer sendo mencionado nos Manuais de História da Literatura Brasileira. Um dos escritores brasileiros a escrever utilizando termos científicos, como no livro A fome (BRITO, 2013, p. 114).

O efeito da seca retratada por Teófilo em seu romance e, consequentemente, a morte por fome foi resumidamente descrito, em 1877, por Tomás Pompeu Filho (1893, p. 33), quando traz não só o efeito da seca, mas retrata a chegada dela:

Em março o sertão já acusava falta de chuvas, em abril, perdidas as esperanças de inverno, começou o êxodo dos habitantes do interior para o litoral. Os gados morriam à falta d’aguadas, as lavouras extinguiram-se e a ligeira provisão de víveres, conservadas como reserva por muitos, pouco a pouco esgotou-se. De setembro em diante a fome era geral, os socorros públicos, mal administrados, não chegavam regularmente aos lugares mais afectados (sic); quem possuía algum bem ou valor desfazia-se dele a troco de farinha ou de outro gênero de primeira necessidade. As poucas e afetadas aguadas, como açudes e poços deixados no leito dos rios depois das cheias, evaporaram-se, rara ficando em um outro ponto da província. Mesmo as pessoas que eram reputadas abastadas, receosas de ficarem bloqueadas e sem comunicação com o litoral, longe de qualquer auxílio, fugiram, desampararam suas asas e fazendas. O sertão tornou-se quase deserto. Pompeu Filho resumidamente descreveu os horrores com a chegada da seca no final do século XIX, seca que devorou várias pessoas pela fome. A água, um dos alimentos essenciais à sobrevivência, cedeu lugar à seca. O caos se instala. Os recursos públicos, sempre mal administrados, agravam mais a situação. Sem água não se tem alimentos, morrem os gados, as plantações e o homem, morre a estabilidade econômica e social. Mas, ainda assim, o Nordeste continua de pé, como está até hoje. O nordestino continua um homem forte.

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A cidade de Fortaleza, de acordo com Teófilo (1997, p. 6), é tomada por um surto de morte e de doentes: “[...] nunca em parte alguma do mundo um morbus encontrou terreno mais apto para sua geminação e desenvolvimento”. O surto de doença e morte se deu em virtude da seca, mas o agravamento por falta de gerenciamento do poder público, pois um dos personagens do romance é um funcionário público sem qualquer escrúpulo, que só pensava em seu interesse pessoal. Certo é que as chuvas só chegaram por volta de 1880. Segundo Pompeu Filho (1893, p. 34), “[...] a província ficou arruinada; sua principal indústria, a criação de gado, quase extinta; a população dispersa e reduzida; a flora em parte morta”. Não se trata apenas de um romance, mas da realidade vivida pelos retirantes nordestinos na década de 1880.

As ações do governo para atender às necessidades dos famintos não eram satisfatórias. A crise não era só climática, mas também da inadimplência dos governantes. De acordo com Teófilo (2002, p. 50), “[...] os famintos resignavam-se com a demora, porque não tinham forças para reagir. Gemiam, suspiravam, porém, não blasfemavam”. A inadimplência do governo gerava a má distribuição das rações aos famintos. Por sua vez, a fome que os devorava sequer lhes permitia reivindicar os alimentos. Não possuíam mais forças. Estavam sendo consumidos pelo mal da fome, sem condições de reivindicar a própria sobrevivência.

Ainda sobre as desigualdades e a fome no Nordeste, tem-se a obra Os Sertões, publicada em 1902, onde Euclides da Cunha materializou um marco do processo de construção da sociologia no Brasil, delineando um painel sobre os efeitos da miserabilidade e da violência na formação do homem brasileiro.

Euclides da Cunha traz a descrição do sertanejo, atentando para a flagrante desigualdade social existente, com o achatamento das classes sociais mais pobres. Para ele,

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a translação dos membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (CUNHA, 2002, p. 77).

A ideia de Euclides da Cunha nunca foi de defesa do sertanejo, mas chamar a atenção para o abandono social em que vivia essa parcela da população brasileira, achatada pelas classes dominantes e com a única perspectiva de ser explorado, pois

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há uma desigualdade e uma exclusão latente rechaçada por parte do Estado. Mais uma vez, o romance surge dando voz à realidade vivida por um povo.

Alinhado ao discurso euclidiano, as singularidades da formação brasileira teriam constituído uma espécie de brasileiro forte, a saber: os sertanejos, que seriam capazes de resistir a adversidades, opressões e pobrezas (RANGEL, 2018a, p. 52). Mesmo muitas vezes abatidos pela fome e pelas desigualdades sociais, os sertanejos são considerados como povo forte, resistente e essa resistência às opressões os impulsiona a lutar contra as desigualdades e contra a violência. Em Os Sertões, Euclides da Cunha descreve que, mesmo diante de todos os reveses produzidos pela guerra e pelo massacre, os sertanejos permaneciam calados, estoicos, inquebráveis. Tratava-se de uma resistência ímpar fundada na singularidade de um tipo de existência social (RANGEL, 2018a, p. 55).

As obras de Teófilo e Cunha primam pela abordagem da questão social voltada para a população nordestina, os sertanejos. Castro (1984, p. 79-80) trabalha a questão da fome nesta região, o sertão nordestino. A fome atua sobre a carne e o espírito de suas vítimas. A fome é nociva, levando o indivíduo ao limite da inanição, e, como animal que é, o seu instinto é saciar, aplacar a fome independente de sua conduta mental.

Castro, autor da obra Geografia da fome, ao tratar do regime alimentar do sertão do Nordeste, faz menção às epidemias da fome, frequentes nessa região, provenientes do flagelo da seca.

São epidemias de fome global quantitativa e qualitativa, alcançando com incrível violência os limites extremos da desnutrição e da inanição aguda e atingindo indistintamente a todos, ricos e pobres, fazendeiros abastados e trabalhadores do eito, homens, mulheres e crianças. (CASTRO, 1984, p. 165).

De acordo com Josué de Castro, o regime alimentar da população do sertão é baseado no milho. Este, no período da seca, é energia e vigor. “Do milho associado a outros produtos regionais, em combinação as mais das vezes felizes, permitindo que, fora das quadras dolorosas das secas, viva esta gente em perfeito equilíbrio alimentar, num estado de nutrição bastante satisfatório”. (CASTRO, 1984, p. 165). A seca reduz o sertão a uma paisagem deserta, destruindo as lavouras, os gados e seus habitantes, morrem por lhe faltarem a água e a alimentação. “Morrendo de fome aguda ou escapando esfomeados, aos magotes, para outras zonas, fugindo atemorizados à morte que os dizimaria de vez na terra devastada”. (CASTRO, 1984, p. 166-167).

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Castro, em seu livro Geografia da fome, faz uma análise das regiões do Brasil. Percebe-se a multiplicidade da fome em decorrência do seu território. Dividiu o país em: Amazônia, Nordeste açucareiro, Sertão do Nordeste, Centro-Oeste e Extremo Sul, conforme mapa da fome abaixo, elaborado por Castro. Classificava as três primeiras como áreas de fome e as duas restantes como áreas de subnutrição, em virtude de a fome não se manifestar na maioria da população (CAMPOS, 2012, p. 34). Para Castro, a fome no Brasil era em virtude de os homens viverem em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais. “Luta [...] provocada [...] quase sempre, por inabilidade do elemento colonizador, indiferente a tudo o que não significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de aventura mercantil”. (CASTRO, 1984, p. 255-256).

Ilustração 1 – Mapa da fome (Josué de Castro)

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A primeira região a ser analisada no mapa da fome por Castro foi a região Amazônica, tendo como alimentação básica a farinha de mandioca (farinha d’água). A abundância frutífera não passava de uma lenda e a população amazônica era qualificada como em estado de anorexia crônica, consequência da falta de vitaminas e de determinados aminoácidos em sua alimentação. Sobre a alimentação na Amazônia, Castro (1984, p. 53) escreve:

A análise biológica e química da dieta amazônica revela um regime alimentar com inúmeras deficiências nutritivas. [...] É uma alimentação parca, escassa, de uma sobriedade impressionante. O que um homem come durante um dia inteiro não daria para uma só refeição dos habitantes de outras áreas climáticas, condicionadoras de hábitos diferentes. No entanto, este homem parece satisfeito da sorte, conseguindo com um pouco de farinha e café e com um gole de cachaça matar a gosto a sua fome. Mas a verdade é que se trata de populações de apetite embotado, em estado de anorexia crônica, consequência natural da falta de vitaminas e de determinados aminoácidos no seu regime alimentar.

A segunda região examinada foi a do Nordeste Açucareiro, na faixa litorânea do Maranhão à Bahia. Boa para o cultivo de produtos alimentares, foi devastada, fazendo desaparecer frutas e fauna. Trata-se de um caso de abundância e descaso que, poeticamente, Castro (1984, p. 97) descreve:

Tudo brotava com tamanho ímpeto e produzia com tanta exuberância nessas manchas de terra gorda do Nordeste que não se pode acusar de descabido exagero a famosa frase do verboso escritor Pero Vaz de Caminha – de que “a terra é em tal maneira dadivosa que em se querendo aproveitar dar-se-á nela tudo”. Infelizmente não se quis... não o quis o colonizador português. De nada valeram as grandes possibilidades naturais que foram malbaratadas e inteiramente desaproveitadas em sua capacidade de fornecer alimentos às populações regionais.

Um solo rico, onde se podia cultivar uma diversidade de alimentação, foi restringido pelos colonizadores ao cultivo apenas da cana-de-açúcar, mesmo com a convicção de que tudo o que se plantasse se daria. Mais uma vez a população regional sofre por serem impedidos de cultivar outros produtos alimentícios que não a cana-de-açúcar.

Quanto ao Sertão do Nordeste, essa região é acometida pela fome epidêmica, em decorrência da seca que castiga a região.

São epidemias de fome global quantitativa e qualitativa, alcançando com incrível violência os limites extremos da desnutrição e da inanição aguda e atingindo indistintamente a todos, ricos e pobres, fazendeiros abastados e trabalhadores do eito, homens, mulheres e crianças, todos açoitados de maneira impiedosa pelo terrível flagelo das secas. (CASTRO, 1984, p. 157).

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Esse flagelo da seca, por diversas vezes, foi tema dos romancistas até como uma forma de denunciar a situação dos que vivem no sertão. A fome é tanto na qualidade quanto na quantidade de alimentos ingeridos por essa população. Trata-se de uma população desnutrida vivendo em insegurança alimentar, econômica e social. A falta de chuva maltrata o solo, tornando-o empobrecido; da “[...] irregularidade das chuvas resultam desde o empobrecimento progressivo do solo pela erosão até as crises calamitosas de fome na região”. (CASTRO, 1984, p. 159).

Ainda sobre o sertão, Estanislau Tallon Bózi (2005, p. 37) esclarece que “A região é pobre em caça e pesca, à exceção do Rio São Francisco, que é perene. O produto animal usado em relativa abundância é o mel de abelhas, substituindo o açúcar e a rapadura”. Do ponto de vista alimentar essa área se caracteriza pelo plantio de milho, sendo este o alimento básico do sertanejo. O milho é quase sempre consumido em associação com o leite, “[...] numa combinação muito feliz, completando a caseína do leite as deficiências em aminoácidos da zeína do milho”. (CASTRO, 1984, p. 77).

Porém, com a seca assolando o sertão, o milho e o demais alimentos desaparecem. Os sertanejos se veem em um regime alimentar que os leva à subalimentação. No desespero por aplacar a fome, enchem o estômago com o que encontram pela frente e com o prolongamento da estiagem só resta ao sertanejo, antes de se tornar mais um retirante, fazer uso de substâncias bem pouco propícias à alimentação. Amadeu Fialho (1936, [n.p.]) descreve assim a situação: “Esgotados os recursos naturais de alimentação, tangidos pela fome, estes infelizes se atiram aos últimos recursos vegetais, em geral impróprios à alimentação, ricos apenas de celulose, por vezes mesmo tóxicos”.

É certo que, com essa dieta, o organismo não resiste, deficitário de toda a sorte de nutrientes, não sendo possível manter-se por muito tempo. Castro (1984, p. 203) descreve assim esse quadro desolador:

Quando o sertanejo lança mão destes alimentos exóticos é que o martírio da seca já vai longe e que sua miséria já atingiu os limites de sua resistência orgânica. É a última etapa de sua permanência na terra desolada, antes de se fazer retirante.

É nesse instante que se vai toda a esperança do sertanejo permanecer em sua terra. Torna-se um retirante, começa o terrível êxodo, sem água, sem alimentos, sem alternativas e na maioria das vezes sem volta, pois o que lhe aguarda é a morte provocada pela seca e a fome.

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São as sombrias caravanas de espectros caminhando centenas de léguas em busca das serras e dos brejos, das terras da promissão. Com os seus alforjes quase vazios, contendo quando muito um punhado de farinha, um pedaço de rapadura [...], o sertanejo dispara através da vastidão dos tabuleiros e chapadões descampados, disposto a todos os martírios. Sem recursos de nenhuma espécie, atravessando zonas de penúria absoluta, gastando na áspera caminhada o resto de suas energias comburidas, os retirantes acentuam no seu êxodo as consequências funestas desta fome. Vê-los é ver, em todas as suas pungentes manifestações, o drama fisiológico da inanição. [São] retirantes em todos os graus e formas da penúria orgânica, caindo de fome à beira das estradas. (CASTRO, 1984, p. 209-210).

São caravanas de pessoas humanas que insistem em sobreviver mesmo estando fadados à morte, e, diga-se de passagem, uma das piores, por lhes faltar o de comer e beber, esses sertanejos são seres humanos castigados, mas, sobretudo, resistentes e esperançosos, como todos os retirantes são pessoas fortes pois só lhes restam acreditar na sobrevivência e sobretudo em um milagre, comida. Narra Afrânio Peixoto (1938, p. 279-280):

Se o gado morre à míngua, não há mais a esperar, a retirada... Uma troixa, do que se pode salvar, e levar [...]. O homem esgota tudo em volta para nutrir-se [...]. Que extrair desta parca e até, às vezes, nociva alimentação? Nem alento, nem esperança... Fugir, se não se cai vencido antes dessa resolução, que tanto custa... Deixar a terra onde se sofre tanto.

No sertão castigado pela seca e pela falta de alimentos, não resta esperar por mais nada, a única saída é abandonar o nada à procura de um punhado de comida. Povo marcado pela seca, pelo sofrimento e sobretudo pela fome, com uma aparência física peculiar dos retirantes esfomeados. Sobre essa aparência Castro (1984, p. 211-212) descreve:

A fome qualitativa se traduz de logo pela magreza aterradora, exibindo todos facies chupados, secos, mirrados, com os olhos embutidos dentro de órbitas fundas, as bochechas sumidas e as ossaturas desenhadas em alto-relevo por baixo da pele adelgaçada e enegrecida. Indivíduos que mesmo no tempo de abundância – nas épocas do verde – nunca foram de muita gordura, apresentando-se sempre com sua carne um tanto enxuta, chegam a perder, nas épocas secas, até 50% de seu peso.

Candido Portinari já retratara, em sua obra Retirantes, a aparência física do sertanejo maltratado pela seca e que insiste em viver, apenas ossos cobertos por peles envelhecidas. É uma aparência que impressiona, difícil de ser imaginado (Ilustração 2).

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Ilustração 2 – Retirantes (1944), de Cândido Portinari

Fonte: Museu de arte de São Paulo. Disponível em http:// masp.art.br.

Recorrendo às pinturas de Portinari, depara-se com ilustrativos exemplos do arquétipo da fome e da desigualdade social. Na Ilustração 3, é retratada uma criança morta pela fome.

Ilustração 3 – Criança Morta (Série Retirantes, 1944), de Cândido Portinari

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Por fim, Castro (1984) analisou as áreas Central e Sul, onde as deficiências alimentares eram mais discretas. Não se falava em fome, mas em deficiência alimentar, que ocasionava a subnutrição. As regiões de Minas Gerais, sul de Goiás e Mato Grosso, considerada a região do milho, diferenciava-se do Sertão Nordestino, pois o regime alimentar combinava o milho com carne suína e bovina, feijão, couve e frutas. No Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, esse regime alimentar ainda era acrescido de verduras e frutas. Era um regime alimentar mais variado.

Castro (1984, p. 262) conclui, então, “[...] que o Sul é realmente uma zona de subnutrição crônica, cujas populações, embora libertadas em sua maioria das formas mais graves da fome, estão, no entanto, longe de gozar dos benefícios de um metabolismo perfeitamente equilibrado”. E que “[...] ainda somos um país de fome, ainda somos uma das grandes áreas da geografia universal da fome”. (CASTRO, 1984, p. 274).

Após os estudos regionais da fome no Brasil, Castro se dedica à obra Geopolítica da Fome, publicada em 1951, onde o autor verifica que a fome não teria apenas o contorno biológico, mas estaria atrelado ao fenômeno econômico e político. Nesse sentido, Campos (2012, p. 40, grifo do autor) nos esclarece que,

A partir deste livro, a apreensão, pelo autor, do fenômeno da fome foi, cada vez mais, perdendo seus contornos biológicos e se transformando em um fenômeno econômico; fome e subdesenvolvimento foram se convertendo em sinônimos e, estudar um, era aprender o outro. Atando o problema da fome ao do desenvolvimento, contribuiu, de algum modo, para a ruptura da visão de que era possível resolvê-lo ou contorná-lo somente com medidas assistencialistas ou educativas, pois a causa era estrutural. Mais tarde, suas críticas à desestruturação da perspectiva de um desenvolvimento autônomo possuiriam relação com o fato de enxergar, neste processo, a via para a solução do problema alimentar do país.

Em 1952 foi eleito para presidir o Conselho da FAO, o que fez até 1956. Durante os quatro anos de exercício na presidência deste Conselho, procurou implantar princípios que defendia e dar um caráter mais prático à organização. ― Todavia, o que se verificou foi que os interesses dos países ricos e grupos econômicos impediram a proposição de políticas públicas como a reforma agrária, a criação de reservas alimentares de emergência, bem como programas de segurança alimentar [...].

A partir desta obra, Castro consolida o seu prestígio internacional, tratando o fenômeno fome como uma questão de subdesenvolvimento e de estrutura socioeconômica, e não mais puramente biológico. Se uma região padecia da fome, todo o mundo sofria as consequências. O fenômeno fome passou a ter uma conotação

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política, integrando a agenda brasileira, já que a fome não poderia mais ser vista como uma fatalidade climática ou religiosa, mas como uma questão política.

Em 1954, Castro se candidata a Deputado Federal e é eleito com 14 mil votos (MELO; NEVES, 2007, p. 57) assumindo compromisso com as causas operárias, apoiado por 51 sindicatos de trabalhadores de Pernambuco. Seus mandatos foram marcados pela atuação a favor dos interesses populares e sindicatos operários, mantendo na vida política a mesma coerência de suas obras escritas, denunciando interesses contrários ao coletivo, nas suas propostas de políticas públicas e de reformas, sem obter aprovação de seu projeto de reforma agrária ampla. Em virtude do grande prestígio internacional e de suas posições políticas, em 1962, Castro foi “[...] designado pelo governo brasileiro embaixador junto à Conferência Internacional de Desenvolvimento, com sede em Genebra, na Suíça e, em seguida, na reunião da FAO, em Roma”. (ANDRADE, 1997, p. 183), renunciando, nesse momento, ao mandato de deputado federal. Em 1964, com o golpe militar, Castro teve os seus direitos políticos cassados. Mesmo exilado em Paris, continuou “[...] a sua luta contra a fome e o subdesenvolvimento e em favor da paz”. (ANDRADE, 1997, p. 183).

Como político, não há dúvidas de que Castro veio com a missão de denunciar o fenômeno da fome e com proposta para implementação de políticas públicas voltadas para a população que sofria o mal da fome. Nas palavras de Arendt (1993, p. 117), “[...] nossa questão atual surge a partir das experiências muito reais que tivemos na política; ela é despertada pelo desastre que a política já provocou em nosso século e pelo desastre ainda maior que dela ameaça resultar”. Este pensamento de Arendt se coaduna perfeitamente com o que foi a vida política de Castro, pois conhecia muito bem a fome já que vivera sua infância com privações e na fase adulta trabalhou diretamente com os famintos, quando retornou a Recife como médico clinicando em uma fábrica. Teve pautada sua vida pessoal e política na luta contra a fome, a desigualdade social e a favor da reforma agrária. Para ele, era necessário conhecer o problema alimentar, para então cuidar dos famintos. Para Castro (1933, p. 10), “[...] nos governos científicos onde a política se consorcia com a ciência para maior benefício social, o problema da alimentação recebe os cuidados imediatos do estado como capítulo preponderante da higiene geral”.

As políticas públicas, hoje voltadas para o combate à fome, tiveram seu início sem sombra de dúvidas com a atuação de Josué de Castro, por meio de seus

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