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Josué de Castro, na Conferência de Alimentação de Hot Springs, em 1948, apontou as “manchas” da fome mundial, alertando que seria necessário quebrar a “conspiração de silêncio em torno da fome”, terminologia essa utilizada pelo autor. Nessa ocasião,

[...] quarenta e quatro nações, através dos depoimentos de eminentes técnicos no assunto, confessaram, sem constrangimento, quais as condições reais de alimentação dos seus respectivos povos e planejaram as medidas conjuntas a serem levadas a efeito para que sejam apagadas ou pelo menos clareadas, nos mapas mundi da demografia qualitativa, estas manchas negras, que representam núcleos de populações subnutridas e famintas, populações que exteriorizam, em suas características de inferioridade antropológica, em seus alarmantes índices de mortalidade e em seus quadros nosológicos de carências alimentares [...] a penúria orgânica, a fome global ou específica de um, de vários e, às vezes, de todos os elementos indispensáveis à nutrição humana. (CASTRO, 2003, p. 53).

A fome é um fenômeno que desde muito já era preocupação da pauta política internacional, ocupando espaço dentre as preocupações governamentais, tanto é que Castro (2003, p. 12), ao prefaciar a primeira edição de Geografia da fome, já afirmara que “[...] para cada mil publicações tratando dos problemas da guerra, pode-se contar com um trabalho acerca da fome”, e ainda sustentava ser o estrago feito pela fome muito maior do que os estragos feitos pelas guerras e pelas epidemias juntas. Contudo, a partir do século XXI, a agenda internacional passou a ganhar conotações bem mais definidas quanto à temática alimentar. É certo que, no campo das relações internacionais, sempre se buscou a paz no plano político e econômico. Mas para se chegar a essa paz passou a ser necessário levar os debates quanto aos direitos humanos e à justiça social para o âmbito internacional; com isso, a questão da fome mundial passou a ter conotações na pauta internacional.

A FAO tem trabalhado com afinco para que os governos dos países no Mundo inteiro assumam compromissos internacionais com o intuito de erradicar a fome no mundo; tanto é que, no encontro da I Cúpula Mundial da Alimentação em 1996, os líderes mundiais se comprometeram na realização de esforços permanentes para erradicar a fome em todos os países, tendo como objetivo imediato daquele encontro a redução pela metade, até o ano de 2015, do número de pessoas subalimentadas. (Declaração de Roma, 1996).

Na segunda Cimeira Mundial sobre Alimentação em Roma, no ano de 2002, os chefes de Estado e de Governo reafirmaram o direito de todos terem acesso a alimentos seguros e nutritivos, consoante ao direito fundamental de todos de estar ao abrigo da fome, buscando estabelecer diretrizes voluntárias para se alcançar a segurança alimentar a todos, ou seja, em nível mundial (FAO, 1996). O tema segurança alimentar ainda é um desafio, precisando ser superado. Contudo, as comunidades internacionais não têm medido esforços para a erradicação da fome no planeta, e por meio da cooperação internacional os países têm se convencido a participarem dessa discussão sobre a erradicação da fome. Nesse sentido, Mota (2015, p. 58) afirma:

[...] a despeito de ter mudado o padrão de implementação dos programas de cooperação internacional para a superação da fome, o tema tem convencido outros países a participarem das discussões, onde o tema é prioritário; como é o caso das chamadas nações emergentes, entre elas, Brasil, a Índia e a China, e do restante do mundo em desenvolvimento.

Apesar de vários países estarem sensibilizados para a questão da erradicação da fome no mundo ainda se tem muito a ser discutido sobre esse assunto. Ziegler é categórico ao questionar como ser possível, diante da atual capacidade de produção de alimentos, ainda ter pessoas que morrem pela falta desse mesmo alimento. Salienta que “[...] um grande número das crianças morre logo após o nascimento, como consequência da subalimentação fetal ou porque suas mães, subalimentadas, não podem aleitá-las”. (ZIEGLER, 2013a, p. 79). São crianças cuja sina é vir ao mundo apenas para morrer e morrer de fome.

Certo é que o direito humano à alimentação adequada é reconhecido em vários documentos das leis internacionais; dentre eles, chama-se a atenção para o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que trata, de forma mais abrangente que qualquer outro documento, a temática alimentação. O Pacto reconhece, no seu artigo 11, o “[...] direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência”. (ONU, 1966).

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) trouxe, no seu preâmbulo e em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a idealização de um mundo livre da miséria e reconhecendo o direito fundamental de todas as pessoas estarem livre da fome.

E tratando especificamente do direito à alimentação adequada, no ano de 1999, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (CESCR) elaborou um documento denominado Comentário Geral 12, que passou a fixar uma série de parâmetros importantes para assegurar a todos mundialmente o direito humano à alimentação adequada. O Comentário concebe que o direito à alimentação adequada deve ser interpretado como um itinerário a ser realizado progressivamente, desde um patamar mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes necessários, sendo que os Estados têm obrigação de tomar as medidas necessárias para mitigar e aliviar o

sofrimento causado por esse drama (BRASIL, 2013, p. 18).

Com o intuito de avançar na efetivação do direito humano à alimentação adequada (DHAA) e ampliar o debate, o Comentário Geral nº 12 assim o define:

O direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. O direito à alimentação adequada não deverá, portanto, ser interpretado num sentido estrito ou restritivo, que equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. O direito à alimentação adequada deverá ser resolvido de maneira progressiva. No entanto, os estados têm a obrigação precípua de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome, como estipulado no parágrafo 2 do artigo 11, mesmo em épocas de desastres, naturais ou não. (ONU, 1999, p. 2).

Cabe, então, ao Estado, de acordo com Podestá (2011, p. 26), “[...] respeitar, proteger e facilitar a ação de indivíduos e comunidades em busca da capacidade de alimentar-se de forma digna, colaborando para que todos possam ter uma vida saudável, ativa, participativa e de qualidade”. Além do que o Comentário Geral nº 12 define que os Estados membros devem assumir as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover o DHAA. A atuação do Estado deve estar vinculada a medidas que objetivem prover as condições para que os indivíduos tenham a capacidade de produzir e adquirir sua própria alimentação, deixando de experimentar a fome.

Contudo, essa alimentação, para que se entenda ser adequada, deve ser adequada ao contexto e às condições culturais, sociais e econômicas da pessoa que irá consumir, relacionadas à adequação nutricional e cultural da dieta, necessitando estar livre de substâncias nocivas, tendo o cuidado de não estar contaminada e contendo as especificações nutricionais do alimento a ser consumido. A noção de alimentação adequada deve estar relacionada à nutrição, pois não é só ter acesso à alimentação, mas importa que essa alimentação seja diária e em quantidade e

qualidade suficiente para atender às necessidades básicas nutricionais do indivíduo que a vá ingerir para a manutenção de sua saúde; contudo, há de se ter também o cuidado para não reduzir essa alimentação à ingestão de algo que vá simplesmente matar ou mitigar a fome (RANGEL, 2018a, p. 82).

Na contemporaneidade, a definição de fome busca captar a dimensão do sofrimento humano que está ausente em muitas descrições oficiais da insegurança alimentar, a saber: a angústia intolerável, que tortura a todo ser faminto desde o momento que desperta. A angústia é talvez a mais terrível manifestação do sofrimento psicológico e as múltiplas dores e enfermidades que padece um corpo desnutrido. Jean Ziegler (2013a, p. 32) já destacou que “[...] dolorosa é a morte pela fome. A agonia é longa e provoca sofrimentos insuportáveis. Ela destrói lentamente o corpo, mas também o psiquismo”.

De acordo com o relatório da FAO (2018, p. 3-4), houve, pelo terceiro ano consecutivo, um aumento da fome em nível mundial, e o número de pessoas subnutridas no mundo em 2017 chegou a 821 milhões. De acordo com o relatório, a proporção de pessoas subnutridas na população mundial pode ter atingido 10,9% em 2017, sendo que em 2016 atingiu 10,8% e no ano de 2015 atingiu 10,6%. Isto significa dizer que o mundo não alcançará a meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de erradicar a pobreza e a fome de maneira sustentável até o ano de 2030, o que pode ser constatado pela ilustração 4. A erradicação da pobreza, em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.

Ilustração 4 – Número de pessoas subnutridas no mundo em 2017

Fonte: FAO, 2019.

Todos os 193 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) assinaram um compromisso global, em setembro de 2015, contendo 17 objetivos para transformação do mundo, por meio da agenda 2030, onde o segundo objetivo consiste em acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável até o ano de 2030. A adoção desses objetivos assegura a aceitação de um caminho voltado para o desenvolvimento de todos os países do mundo, e somente através do desenvolvimento se poderá alcançar a meta de erradicação da pobreza e da fome.

A agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável (ONUBR, 2018b) busca, por meio da meta da ODS libertar a raça humana da tirania da pobreza e da penúria com a erradicação da fome no mundo. São medidas ousadas, transformadoras e necessárias. Não restam dúvidas em se tratar de uma agenda universal ambiciosa, contudo necessária. Esses objetivos buscam a concretização dos direitos humanos de todos, alcançando a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas, acabar com a pobreza em todas as suas formas e lugares e acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.

Contudo, o fenômeno fome está longe de ser erradicado. Castro já denunciara anteriormente “[...] a fome como flagelo fabricado pelos homens contra outros homens”. (MELLO; NEVES, 2007, p. 8). Como sustenta Ziegler, o problema da fome hoje não consiste em falta de alimentos. Hoje em dia, a fome está, de acordo com os estudos formulados por Sen, consistindo na falta de capacidade do homem em adquirir seu próprio sustento, necessitando o Estado de capacitar os indivíduos, assegurando-lhes o direito humano a uma alimentação adequada, afastando-os da pobreza extrema.

Quando se afirma ser a pobreza uma violação dos direitos humanos, constata- se que os direitos dos mais pobres estão limitados, ficando eles privados dos bens necessários à sobrevivência, entre os quais se encontra, notadamente, a alimentação. Esta deveria ser assegurada a todos, resguardando a dignidade de cada um.

A ausência de alimentação retira a dignidade do ser, promove a pobreza e a degradação do ser humano, motivando conflitos sociais, razões pelas quais ela deve ser combatida, sempre. A erradicação da pobreza é dever do Estado e direito assegurado a todo cidadão.

Não há dúvidas de que, em qualquer parte do mundo, a pobreza é entendida como a ausência ou a privação de uma necessidade básica do ser humano, oscilando, muitas vezes, quanto à intensidade desta privação. A falta de rendimentos impede que o indivíduo se alimente e, sendo a alimentação a primeira condição básica à sua sobrevivência, caso não efetivada, poderá ocasionar o seu estado de indigência e, também, a sua morte (VILLAS BÔAS e SOARES, 2017, p.80).

O direito de se ter, todos os dias, o alimento adequado sobre a mesa, é de todo ser humano. E, veja-se, é um direito do homem, e não, somente, um ato de caridade

esperado por ele. Nesse sentido, Villas Bôas e Soares (2017, p. 82)discorrem:

O Estado e qualquer ser humano deve sempre prestar a caridade, ofertando alimentos a quem estiver deles desprovido, porém, cada homem, antes de se dizer satisfeito com a alimentação recebida, de maneira caridosa, deve sim, cobrar do Estado a efetividade desta prestação, porque a alimentação adequada é dever do Estado perante os homens do seu povo.

Alimentar-se de maneira adequada propicia o enfrentamento do estado da fome, corrobora a realização da dignidade de cada ser, pois a alimentação reduz as desigualdades sociais, caminhando sempre na direção da concretização do princípio da solidariedade.

Mundialmente, deseja-se que o fenômeno “fome” seja encarado de maneira franca, aberta e de frente, afastando-se tabus antigos que, no lugar de auxiliar no combate à fome, de um lado, propicia um afastamento de todos da problemática, um sentimento de repulsa e de distanciamento e, de outro lado, corrobora a vergonha, a baixa-estima e a indignidade daquele que sente o mal da fome. O combate à fome é uma luta de toda a sociedade mundial, que busca a concretização da igualdade social, razão pela qual ela deve ser denunciada, sempre.

Nos ensinamentos de Helene, Marcondes e Nunes (1997, p. 7), “[...] a fome não é consequência da falta de alimento, mas da falta de democracia, de um tipo de democracia que diga que todos nós temos direito a uma alimentação compatível com nossa idade, nossas necessidades e dignidade”.

Ao analisar o fenômeno fome na atualidade não se pode confundir apenas com o apetite ou vontade de comer, mas a fome está relacionada à subnutrição, ou seja, ingestão calórica inferior às calorias gastas por um ser humano normal para funcionamento normal do organismo, que é chamada de “[...] global, energética ou calórica [...]”. (ABRAMOVAY, 1983, p. 14).

Sabe-se que, mesmo havendo consumo de alimentos, ainda assim poderá existir a fome parcial, quando falta na alimentação uma das substâncias vitais (vitaminas, minerais ou proteínas), ou quando a ingestão dessa substancia é insuficiente.

Ziegler apresenta dois conceitos de fome utilizados pela ONU e suas agências especializadas: a fome estrutural e a conjuntural. Note-se que

A fome estrutural é própria das estruturas de produção insuficientemente desenvolvidas dos países do Sul. Ela é permanente, pouco espetacular e se reproduz biologicamente: a cada ano, milhões de mães subalimentadas dão à luz milhões de crianças deficientes [enquanto que] A fome conjuntural, em troca, é altamente visível. (ZIEGLER, 2013a, p. 37).

Ressalta, ainda, que a fome conjuntural

[...] se produz quando, repentinamente, [há] uma catástrofe natural [...], [ou se produz uma] guerra e destrói o tecido social, arruína a economia, empurra centenas de milhares de vítimas aos acampamentos de pessoas deslocadas no interior do país ou de refugiados para além-fronteiras. (ZIEGLER, 2013a, p. 37-38).

Por sua vez, Abramovay (1983, p. 15) apresenta o conceito de “fome parcial ou específica”, que se dá quando há ausência de proteínas, vitaminas ou minerais, ou quando estão todos esses componentes presentes, mas em quantidade inadequada.

Ressalta que a ausência constante de qualquer uma dessas substâncias ou a “monotonia alimentar” determinará, “cedo ou tarde, lesões orgânicas”.

Já para Castro (1968, p. 81), “fome parcial” é o mesmo que fome oculta e conceitua monotonia alimentar como “[...] hábito do homem civilizado de nutrir-se à base de um número restrito de substâncias alimentares”. E chama a atenção para algumas fomes específicas: a) A “fome da proteína”, que ele acredita ser “[...] uma das formas mais graves e generalizadas de carências”. (CASTRO, 1968, p. 85); b) A “fome de minerais”, pois “[...] uma dieta completa sob os vários aspectos da alimentação, não contendo, porém, certa dose de cálcio ou ferro, por exemplo, acarreta perturbações graves ao ser vivo que a consome”. (CASTRO, 1968, p. 91); c) A “fome de vitaminas”, extremamente preocupante, pois

[...] a falta de vitaminas ocasiona não só doenças típicas, características, como é o caso da xeroftalmia, do beribéri, da pelagra, do escorbuto, mas também estados infinitos de mal-estar, perturbações obscuras que traduzem a fome oculta ou latente. (CASTRO, 1968, p. 101).

Certo é que a fome atua no ser humano marcando não só o seu corpo como

também a sua alma. Para Castro (1968, p. 118), “[...] nenhum fator do meio ambiente

atua sobre o homem de maneira tão despótica, tão marcante, como o fator da alimentação”. Há de se procurar capacitar o ser humano com o objetivo de políticas de combate à fome, sendo que tais políticas não podem ser apenas direcionadas à erradicação da fome, mas capacitar os indivíduos investindo em educação, serviços de saúde etc., e mantendo o debate sobre a relação nutrida entre fome, pobreza e desigualdade. O capítulo subsequente abordará o direito humano à alimentação

3 O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO: INTERDIMENSIONALIDADE, DESENVOLVIMENTO HUMANO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A história pela busca da efetivação dos direitos humanos sempre esteve vinculada às lutas pela liberdade construídas durante séculos pelas vítimas da opressão, sendo os direitos humanos realizados a partir de um processo histórico. “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”. (MARX; ENGELS, 2005, p. 40). Habermas (2012, p. 11) afirma que o direito humano surge após a constatação da opressão, da humilhação, da violação da dignidade humana, que é considerada fonte moral dos direitos humanos.

A evolução dos direitos humanos originou os direitos e garantias fundamentais, “A evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a própria experiência da vida humana em sociedade”. (SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, [n.p.]). A construção dos direitos humanos não está finalizada, mas continua em evolução, de forma paulatina, sendo reconhecidos aos poucos, conforme o clamor da própria sociedade na busca pelo alargamento dos direitos decorrentes das lutas libertárias. Cavalcante Filho (2017, p. 6) afirma que os direitos humanos “[...] são uma construção histórica, isto é, a concepção sobre quais são os direitos considerados fundamentais varia de época para época e de lugar para lugar”.

A história das lutas pelos direitos humanos encontra-se na afirmação de Bobbio (2004, p. 5):

Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

Portanto, os direitos são construções históricas e surgem das lutas sociais presentes na sociedade, resultante de ações efetivadas por atores sociais históricos que, condicionados à determinantes econômicos, políticos e sociais e por configurar- se como inacabados, trazem a possibilidade de “[...] enfrentamento das mazelas produzidas pelo capitalismo”. (COUTO, 2004, p. 52), visto que compõem o sistema de proteção social. Ainda complementa Celso Lafer (1988, p. 124): “[...] do século XVIII até os nossos dias, o elenco de direitos do homem contemplados nas constituições e

nos instrumentos internacionais foram‐se alterando com a mudança das condições históricas”.

Os direitos sociais surgem, então, como conquistas dos movimentos sociais ao longo dos séculos, sendo, atualmente, reconhecidos no âmbito internacional, em documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e as Diretrizes Voluntárias da FAO/ONU, dentre outros.

Com o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nela os direitos do ser humano eram vistos como direitos inatos. Bonavides (2011, p. 578) sustenta que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o estatuto da liberdade de todos os povos, a Constituição das Nações Unidas, a carta magna das minorias oprimidas, o código das nacionalidades, a esperança, enfim, de promover, sem distinção de raça, sexo e religião, o respeito à dignidade do ser humano. Os direitos humanos conscientizam e declaram o que vai sendo adquirido nas lutas sociais e dentro da história, para transformar-se em opção jurídica indeclinável (POZZOLI; ANTICO, 2011, p. 7).

No mesmo sentido, Piovesan, Gotti e Martins (2010) sustentam que os direitos humanos refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. Trata-se de uma concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. A marca do direito humano é a luta pela liberdade e pela dignidade humana dos povos. O requisito único para a titularidade desses direitos é ser humano.

Na concepção de Pablo Jiménez Serrano (2017, p. 179), “[...] direitos humanos – direitos dos homens – podem ser definidos como o conjunto de direitos ligados à subsistência do ser humano, acrescentando que referida definição é complexa pela falta de uma definição unívoca”.

Quanto aos direitos humanos, Rangel (2018b, p. 61) sustenta que,

Em uma perspectiva essencialmente histórica, os direitos humanos são afirmados a partir das lutas permanentes contra a exploração, o domínio, a vitimização, a exclusão e todas as formas de “apequenamento” do humano. Materializa, pois, a base das lutas pela emancipação e pela construção das relações solidárias e justas.

Se a história mostra as lutas dos atores sociais pela liberdade, essa luta está atrelada às conquistas dos direitos dos homens. Guerra (2015, p. 45) afirma que os