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Atualmente, o fenômeno da pobreza é estudado dentro da perspectiva de privação das capacidades básicas dos indivíduos, distanciando-se do baixo nível de renda que sempre foi o critério tradicional de identificação da pobreza. Contudo, não se pode negar que o baixo nível de renda continua sendo uma das principais causas caracterizadoras da pobreza, bem como o critério tradicional para identificá-la. Para Rangel (2018a, p. 57), “[...] uma renda baixa possa ser a primeira razão da privação de capacidades de uma pessoa”. Já Hirai (2011, p. 51) aponta que “[...] existem outras influências particularmente importantes, tais como a ação pública destinada a reduzir a pobreza e a desigualdade de forma mais pontual: elaboração prática de políticas”.

Por capacidades, Nogueira (2013, p. 17), ao discorrer sobre a perspectiva apresentada por Sen, explicita que,

Segundo esse filósofo-economista, as capacidades humanas constituem, simultaneamente, finalidades e condições-chave do desenvolvimento, importando na necessidade de que as políticas públicas valorizem o modo como as condições [...] fazem parte não apenas dos meios, mas, sobretudo,

dos fins almejados pelo desenvolvimento nacional. Boas condições de saúde, de educação e de envolvimento do cidadão nas discussões públicas constituem objetivos em si mesmos, pois favorecem a ampliação do escopo de liberdade das pessoas, para que elas possam escolher como querem viver. Mas, igualmente, representam habilidades favorecedoras da produtividade e da criatividade, sendo, portanto, fatores indutores do desenvolvimento.

A capacidade, para Sen, é igual à liberdade, tendo como pressuposto a igualdade básica de capacidade, que é a capacidade de um indivíduo realizar algumas coisas básicas. A privação de capacidades passa a ser a perda dessa liberdade. E por privações de capacidades básicas, nesse viés, pode-se destacar a fome, o analfabetismo, as doenças crônicas, dentre outros. Para Daisy Rafaela da Silva, as privações impedem a pessoa humana de uma vida digna. (SILVA, 2014, p. 45).

Nesse contexto, a pobreza é considerada como uma privação de algumas capacidades básicas que se exige minimamente de um indivíduo. Desta feita, se o indivíduo possui uma renda alta, mas lhe falta acesso à escola, hospitais, médicos, essa renda não lhe será útil. Igualmente, se o indivíduo possui uma renda baixa e não tem acesso a esses mesmos serviços, tem-se claramente a privação de algumas capacidades básicas que são mínimas exigidas à sobrevivência dos indivíduos.

O investigador da teoria da pobreza como privação de capacidades na contemporaneidade tem sido Amartya Sen. Indiano nascido em 3 de novembro de 1933, é filósofo de grande reputação, economista agraciado com o prêmio Nobel de

Ciências Econômicas em 1998, intelectual com interesse particular pelos temas de

justiça social, desenvolvimento e desigualdade econômica e combate à pobreza. (SEN, 1998).

A contribuição de Sen (2010) tem sido mostrar que o desenvolvimento de um Estado está essencialmente ligado às oportunidades que oferece à população de fazer escolhas e exercer sua cidadania, capacitando-os econômica e socialmente e libertando-os das amarras impostas pela pobreza.

É certo que Sen jamais iria desprezar a importância das rendas e recursos para o desenvolvimento das vidas dos indivíduos, como também para a prosperidade de uma nação, como economista que é. O autor ressalta a importância dos avanços econômicos para o desenvolvimento das nações. Para ele, “[...] é tão importante reconhecer o papel crucial da riqueza na determinação de nossas condições e qualidade de vida quanto entender a natureza restrita e dependente dessa relação”. (SEN, 2010, p. 28). E acrescenta mais: “[...] uma concepção adequada de

desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda”. (SEN, 2010, p. 28). Para Sen, é necessário enxergar muito além do crescimento econômico. É preciso enxergar além do acúmulo de riqueza e balanças comerciais.

Ainda sobre a questão de desenvolvimento, Cougo (2016, p. 165) nos orienta que

Uma abordagem que só toma como base as rendas e recursos de que uma pessoa dispõe para avaliar seu nível de vida, e que não leva em conta informações relevantes sobre a relação entre a renda que se tem e o que realmente se pode realizar a partir dela, é tão útil quanto ineficiente.

O desenvolvimento tem que estar relacionado com a melhoria de vida dos indivíduos, e das liberdades que ele (indivíduo) possa desfrutar. Necessário que o desenvolvimento privilegie o crescimento acompanhado da distribuição de renda, que possa influir na construção social, permitindo a capacidade de escolha dos indivíduos, pois não há dúvidas que a falta de alimentos e a desnutrição está ligada à privação de capacidades. Há necessidade de um desenvolvimento calcado na justiça social.

No que tange à sociedade brasileira, Estenssoro (2003, p. 185) esclarece que “O desenvolvimento com justiça social implica uma ruptura com duas tendências históricas da sociedade brasileira: a excessiva dependência externa e a aguda concentração de renda, que gera forte exclusão social”. O eixo do desenvolvimento tem que ser a dimensão social e não apenas o crescimento econômico. O desenvolvimento tem que se voltar para o fortalecimento da economia por meio da redução da vulnerabilidade com o fortalecimento da justiça social.

Na década de 1970 (ALVES, 2014, p. 12), Sen começou a trabalhar na causa e na prevenção da fome, seus estudos foram inicialmente elaborados para o Programa Mundial de Emprego da Organização Internacional do Trabalho, por meio do qual foi possível escrever, em 1981, seu livro Poverty and Famines, quando Sen passou a ver a fome como um grande problema econômico, concentrando-se na capacidade de comprar comida ou obter-se direito a ela.

Sen, ao lecionar economia e filosofia em Harvard, passa a trabalhar com a ideia de que os problemas sociais estão relacionados à capacidade de escolha e à liberdade de cada indivíduo. Para Alves (2014, p. 13),

[...] suas ideias relacionadas aos problemas sociais de escolha passaram a serem mais analisadas e compreendidas, para tanto era necessário prosseguir numa busca de caracterização mais adequada de vantagens

individuais. Na perspectiva da abordagem das capacidades, Sen busca explorar a vantagem individual não baseada no nível de opulência ou na utilidade, mas principalmente em termos do estilo de vida que as pessoas possuem, isto é, a liberdade que eles têm de escolher o tipo de vida que têm razão para valorizar. Nessa abordagem, portanto, procura-se dar ênfase às capacidades [capabilities] reais que as pessoas acabam tendo que são influenciados e dependem das características físicas e mentais, bem como oportunidades sociais, políticas e econômicas.

É necessário expandir o conjunto capacitório do indivíduo. Se ele tem oportunidades, será capaz de fazer escolhas e se tornar um indivíduo livre, mas essa capacidade estará atrelada às oportunidades sociais, políticas e econômicas.

Crespo (2002, p. 5), ao discorrer sobre capacidades, orienta-nos que “[...] a capacidade é um tipo de liberdade: a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos ou a liberdade para ter estilos de vida diversos”. Logo, por capacidade se entende “[...] como combinações alternativas de funcionamento de possível realização, os funcionamentos são definidos como o que o indivíduo pode ter ou fazer”. (RANGEL, 2018a, p. 56). De forma mais objetiva, funcionamentos vão desde as questões básicas como estar bem nutrido, ter boa saúde e estar livre de doenças até coisas mais complexas como ser feliz, ter respeito próprio e participar da

vida comunitária (COMIN et al., 2006, p. 12). Logo, se os funcionamentos consistem

em ações passíveis de serem realizadas no que o indivíduo possa ter ou fazer com a sua vida, então a privação das capacidades pode resultar em morte decorrente da subnutrição. Exemplificando: a morte, a subnutrição e o analfabetismo são características de privação das capacidades básicas do indivíduo, capacidades para realizar funcionamentos, ou seja, capacidades de escolha.

Por capacidades básicas (COMIN et al., 2006, p. 18), pode-se entender como “[...] um subconjunto de capacitações, representando a liberdade de fazer algumas coisas básicas que são necessárias para sobreviver e evitar ou escapar da pobreza”. Sen (1987, p. 109) coloca que a importância das capacitações básicas seria “[...] nem tanto em classificar padrões de vida, mas em decidir-se por um ponto de corte com a finalidade de avaliar pobreza e privação”. Além do mais, o conjunto capacitório é relevante para a análise do bem-estar, pois existe uma conexão entre bem-estar e funcionamentos.

Quanto à liberdade, Sen elucida que o principal meio para o desenvolvimento é a expansão da liberdade, e por intermédio da liberdade de escolha é que nos vêm as oportunidades e, em consequência, a importância da escolha. Para ele,

A liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos – tudo aquilo que valorizamos. Ela ajuda, por exemplo, em nossa aptidão para decidir viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer avançar. Esse aspecto da liberdade está relacionado com a nossa destreza para realizar o que valorizamos, não importando qual é o processo através do qual essa realização acontece. Em segundo lugar, podemos atribuir importância próprio processo de escolha. (SEN, 2010, p. 262).

Quando se tem a oportunidade de escolher livremente, as possibilidades e oportunidades são mais abrangentes, diferente da oportunidade com impossibilidade de escolha que não parte de um processo livre, não bastando apenas a oportunidade, mas coadunando essa oportunidade com a liberdade, incluindo aí a desistência, liberdades de oportunidades por meio de um processo livre. Desta feita, a garantia do desenvolvimento, sem dúvida, perpassa pela ampliação das liberdades – dentre elas, a de escolha.

Pansieri (2016), ao discorrer sobre a obra de Sen (2010), traz uma interessante reflexão no que tange à garantia da liberdade como desenvolvimento social, político e humano. Segundo ele,

Em toda a sua obra o principal elemento do debate é a busca pelo aprimoramento do bem-estar humano a partir da constatação da importância das liberdades, que se complementam e se reforçam mutuamente. Tal bem- estar não precisa ser conquistado exclusivamente a partir de políticas assistencialistas, correndo-se o risco de constituir os seus interessados em beneficiários passivos. Ao contrário, “com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros” (SEN, 2000, p. 26). Novamente se conclama a importância das políticas públicas e a participação do Estado no combate às celeumas mais elementares. (PANSIERI, 2016, p. 478).

A constatação da liberdade como um instrumento de importância para aprimorar o bem-estar arrebata os indivíduos do seu estado de beneficiários passivos, transportando-os para a busca de seus objetivos. Pansieri (2016, p. 461) chama a atenção para o fato de que a privação de liberdade “[...] na forma de pobreza extrema, pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade”, como também “[...] pode gerar a privação da liberdade social, assim como a privação de liberdade social ou política pode, da mesma forma, gerar a privação de liberdade econômica”. Desta feita, a liberdade é imprescindível no combate à privação das capacidades que geram a pobreza.

Por sua vez, a pobreza gera, como restrições à fome e à desnutrição, carência de medicamentos e vacinas, déficit habitacional, inexistência de acesso à água tratada e saneamento básico.

A pobreza é um fenômeno complexo, não sendo fácil de ser conceituado, podendo ser apreciada por vários prismas, entre outros, o biológico, médico, político, sociólogo e econômico. Considera-se a situação de que, para a maioria das pessoas, a pobreza está relacionada diretamente ao fator econômico, sendo, pois, medida, com base nos rendimentos, a partir de fundamentos que levam em conta, unicamente, análises econômicas.

Na visão de Sonia Rocha (2003, p. 11), a pobreza pode ser vista de duas maneiras: a pobreza absoluta intimamente ligada às questões de sobrevivência física do ser humano, quando não se atende as suas necessidades básicas (mínimas) da vida e a pobreza relativa definida por ela como “[...] necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida predominante na sociedade [...]”. Assim, na pobreza relativa, o mínimo vital para a sobrevivência do ser humano já lhe é assegurado.

Ainda, analisando-se o fenômeno pobreza, tem-se a concepção de Tauã Lima Verdan Rangel (2018a, p. 79-80), que a conceitua unindo o campo econômico e social, e sob o prisma da dignidade da pessoa humana, assim afirmando:

[...] a pobreza baseia-se na acepção de necessidades fundamentais, estando em debate várias dimensões inerentes à noção de recursos, abarcando rendimentos, bens de capital, benefícios em espécie associados ao trabalho. Nesta perspectiva, pode-se considerar como pobre aquele que não tem o que comer, é analfabeto, não tem moradia, vive em condição precária de higiene, ou seja, não tem acesso a condições mínimas de uma existência digna.

De maneira geral, tem-se a pobreza como uma situação econômica e social caracterizada pela falta de condições minimamente dignas que é necessário à subsistência de um ser humano, encontrando-se muitos conceitos de pobreza, ao qual se une a fome.

O interesse é na pobreza, com a visão de violação dos direitos humanos e a partir de uma vida digna. Não se pode falar em dignidade da pessoa humana quando milhões de pessoas vivem em condições indignas por causa da pobreza. A definição de pobreza ora esperada é aquela que está em desacordo com os direitos sociais e, principalmente, aquela que ofende aos direitos humanos e não unicamente aos que estão relacionados aos padrões econômicos.

No sentido de violação dos direitos da pessoa humana, Grove (2006, p. 52) destaca que

[...] a pobreza é uma privação ou violação dos direitos humanos econômicos, juntamente com violações associadas de direitos humanos sociais, culturais, civis e políticos interdependentes e inter-relacionados. Esta definição de

pobreza baseada nos direitos humanos implica reconhecer a dignidade e o valor de cada ser humano e o direito igual de todas as pessoas de gozar de seus direitos humanos inerentes e indivisíveis. Aceitar a não discriminação e a igualdade, que são o centro dos direitos humanos, inclui o compromisso com a igualdade substantiva ou de facto (igualdade das circunstâncias básicas, bem como os resultados), bem como a igualdade formal ou legal (igualdade perante a lei, potencialmente, apesar das enormes desigualdades estruturais). Os direitos humanos surgem em face da questão de quais são os requisitos para levar uma vida digna. (Tradução nossa). 1

Amartya Sen (2010) analisa a influência da situação da pobreza como um fator de desnivelamento social e de redução do potencial de capacidades básicas dos indivíduos, e não somente como expressão de baixa renda, ou ainda, de renda inferior ao patamar preestabelecido, fontes que são vinculadas à situação de pobreza, esta considerada em razão das questões econômicas, sociais e ambientais. Para ele,

[...] pessoas diferentes podem ter oportunidades completamente diferentes para converter a renda em outros bens primários... a relação entre os recursos e a pobreza é variável e profundamente dependente das características das respectivas pessoas e do ambiente em que vivem – tanto natural como social. [...] vários tipos de contingências que resultam em variações na conversão da renda. (SEN, 2010, p. 289).

Quando se afirma ser a pobreza uma violação dos direitos humanos, constata- se que os direitos dos mais pobres estão limitados, ficando eles privados dos bens necessários à sobrevivência, entre os quais se encontra, notadamente, a alimentação. Esta deveria ser assegurada a todos, resguardando a dignidade de cada um (VILLAS BÔAS; SOARES, 2017, p. 81).

A ausência de alimentação retira a dignidade do ser, promove a pobreza e a degradação do ser humano, motivando conflitos sociais, razões pelas quais ela deve ser combatida, sempre. A erradicação da pobreza é dever do Estado e direito assegurado a todo cidadão.

Para Fernandes (2017, p. 237), “[...] por muitos séculos a pobreza foi utilizada como meio de submissão das pessoas participantes em determinados ambientes

1 [...] la pobreza es una privación o violación de los derechos humanos económicos, junto con

violaciones asociadas de derechos humanos sociales, culturales, civiles y políticos interdependientes e nterrelacionados. Esta definición de la pobreza basada en los derechos humanos implica reconocer la dignidad y el valor de cada ser humano y el derecho por igual de todas las personas a gozar de sus derechos humanos inherentes e indivisibles. El aceptar la no discriminación y la igualdad, que son el centro de los derechos humanos, incluye el compromiso con la igualdad sustantiva o de hecho (igualdad de circunstancias básicas, así como de los resultados) además de una igualdad formal o de derecho (igualdad ante la ley, en potencia, a pesar de las enormes desigualdades estructurales). Los derechos humanos surgen ante la interrogante de cuáles son los requisitos para llevar una vida digna.

sociais [...]”. Esse indivíduo compelido a viver de forma submissa em virtude da pobreza não é capaz de participar de forma igualitária no seu ambiente social, e consequentemente deixa de compartilhar não somente da riqueza, mas também de todos os benefícios, impedido pela pobreza como saúde, educação, alimentação, dentre outros.

Na perspectiva de Amartya Sen (2010, p. 120), a pobreza é descrita como a privação de capacidades básicas do indivíduo, em vez de baixo nível de renda, não estando ligada apenas ao fator renda inferior a um patamar preestabelecido, que é o critério tradicional de definição de pobreza.

A pobreza deve ser analisada com um fenômeno impeditivo de capacitar os indivíduos e não apenas como uma questão econômica, como observam Crespo e Gurovitz (2002, p. 5): “Assim, a privação de capacidades elementares pode refletir-se em morte prematura, subnutrição considerável (especialmente de crianças), morbidez persistente, analfabetismo e outras deficiências”.

Na I Conferência Mundial da Alimentação, promovida pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em 1974, a ideia da segurança alimentar e nutricional estava quase que exclusivamente atrelada à produção e preços agrícolas (NASCIMENTO, 2009, p. 206). Tentava-se convencer que o flagelo da fome iria desaparecer se houvesse um aumento significativo da produção agrícola. Na década de 1970, como salienta Maluf e Menezes (2006), houve uma recuperação da produção mundial; contudo a fome no mundo não acabou. Havia alimentos estocados em grande quantidade, mas também havia a subnutrição. Desta feita, “[...] o debate se voltou para a garantia da capacidade de acesso da população aos alimentos, especialmente nos países em desenvolvimento”. (NASCIMENTO, 2009, p. 206). Não adianta ter alimentação disponível se a população não tem capacidade para adquirir esse bem único e essencial para saciar a fome.

Sen (2010, p. 120) ressalta que a pobreza é o fenômeno limitador da capacidade dos indivíduos, “[...] pois a falta de renda pode ser uma razão primordial da privação de capacidades de uma pessoa”, diferenciando a noção da pobreza de renda da pobreza de capacidades. Prossegue, ainda, o autor, explicando que,

Embora seja importante distinguir conceitualmente a noção de pobreza como inadequação de capacidade da noção de pobreza como baixo nível de renda, essas duas perspectivas não podem deixar de estar vinculadas, uma vez que é um meio importantíssimo de obter capacidades. E, como maiores capacidades para viver sua vida tenderiam, em geral, a aumentar

o potencial de uma pessoa para ser mais produtiva e auferir renda mais elevada, também esperaríamos uma relação na qual um aumento de capacidade conduzisse a um maior poder de auferir renda, e não o inverso. (SEN, 2010, p. 123-124).

O investimento em melhor educação básica e em serviços de saúde pode ser importante para a eliminação da pobreza de renda, mas é necessário eliminar a pobreza de capacidade, elevando a qualidade de vida. Sen (2010, p. 125) esclarece que alguns estados reduzem a pobreza investindo forte na economia, enquanto outros investem na expansão da educação básica, serviços de saúde e distribuição de terras para redução da miséria. E mais, “[...] o aumento das capacidades humanas também tende a andar junto com a expansão das produtividades e do poder de auferir renda”. (SEN, 2010, p. 126). O aumento da capacidade enriquece a vida humana em um todo, tornando as privações mais raras.

Beurlen (2009, p. 29) ressalta que todo e qualquer ser humano mal alimentado, “[...] seja por inacessibilidade ao alimento, seja em razão de hábitos alimentares inadequados [...]”, é considerado faminto. O ser humano tem que ser capacitado para ter acesso aos alimentos, à saúde, à educação, etc., e com isso se vê afastado das privações que gera a fome e que o incapacita a adquirir o alimento. “Há a privação de capacidades elementares que pode causar analfabetismo, morte prematura, morbidez persistente, e outras deficiências”. (SILVA, 2014, p. 47). É certo que a pobreza é o maior mal acometido no mundo e está diretamente ligada à falta de oportunidades. Oportunidade de escolher livremente seus objetivos e alcançá-los e não a oportunidade apenas.

Sen defende a importância do Estado no processo de formação de políticas públicas voltadas à expansão das oportunidades, sendo o investimento público, por exemplo, em educação e saúde, desde que sejam inclusivos, e o crescimento econômico aliados no desenvolvimento da população de baixa renda (ALVES, 2014, p. 29); não apenas políticas públicas de combate à pobreza, mas, sim, políticas públicas de expansão das oportunidades.

Hoje, a perda de renda acarretada pelo desemprego tem sido um dos grandes vilões no que diz respeito à privação de capacidades, já que o desemprego, além da perda de renda, traz a perda da capacidade, causando várias outras privações, além da renda. Nesse sentido, Sen (2010, p. 129-130) nos orienta:

Há provas abundantes de que o desemprego tem efeitos abrangentes além