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Iê, capoeira na gestão, camará!: um estudo sobre as práticas organizacionais de uma associação em expansão internacional

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UFBA – UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

EA – ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO

PDGS – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO E GESTÃO SOCIAL

CAROLINA GUSMÃO MAGALHÃES

IÊ, CAPOEIRA NA GESTÃO, CAMARÁ!:

Um estudo sobre as práticas organizacionais de uma associação em

expansão internacional

Salvador - BA 2014

(2)

IÊ, CAPOEIRA NA GESTÃO, CAMARÁ!:

Um estudo sobre as práticas organizacionais de uma associação em

expansão internacional

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Multidisciplinar e Profissional em Desenvolvimento e Gestão Social do Programa de Desenvolvimento e Gestão Social da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social.

Orientador(a): Profa. Dra. Claudiani Waiandt (Doutora em Administração pela UFBA)

Salvador - BA 2014

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Escola de Administração - UFBA

M188 Magalhães, Carolina Gusmão.

Iê, capoeira na gestão, camará!: um estudo sobre as práticas

organizacionais de uma associação em expansão internacional / Carolina Gusmão Magalhães. – 2014.

120 f.

Orientadora: Profa. Dra. Claudiani Waiandt.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Salvador, 2014.

1. Associação Cultural GUETO - Cultura organizacional – Estudo de casos. 2. Capoeira – História – Brasil. 3. Modelos em organização. 4. Capoeira - Associações, instituições etc. 5. Danças folclóricas brasileiras. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administração. II. Título.

CDD – 394.3

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IÊ, CAPOEIRA NA GESTÃO, CAMARÁ!:

Um estudo sobre as práticas organizacionais de uma associação em

expansão internacional

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca

examinadora:

Banca Examinadora

Prof. ª Dr.ª Claudiani Waiandt________________________________________ Doutora em Administração (BAHIA)

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Prof. Dr. Jair Nascimento Santos ____________________________________ Doutor em Administração (MINAS GERAIS)

Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Universidade Salvador (UNIFACS)

Prof. Dr. Fábio Ferreira__________________________________________ PhD em Comunicação (BAHIA)

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Prof. Ms. Jean Adriano Barros da Silva ________________________________________ Vice-presidente da Associação Cultural GUETO

Mestre de Capoeira (BAHIA)

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

(5)

Aos meus pais, Celso e Dalva,

pelo incentivo à educação, os

valores que trago e o respeito às

minhas escolhas. Aos meus filhos,

Brisa, Théo e Luiza Adriano, por

serem minha mola propulsora. Ao

meu companheiro Jean por me

fazer acreditar que sempre posso e

ao meu sogro, vovô José Adriano,

em memória póstuma, homem

justo

e

perfeito,

trabalhador

incansável,

sempre

duro

nas

palavras que me levavam ao

crescimento.

(6)

À Deus e ao nosso mestre Jesus, pela oportunidade de ser e estar nessa

caminhada atual, junto às pessoas certas e as oportunidades que preciso.

À Capoeira, por me dar o sentido da luta.

Aos meus filhos, Brisa, Théo e Luiza, por me ensinarem a ser muito mais.

Aos meus pais, pelo amor, incansável e incondicional.

Ao meu companheiro Jean Adriano, por ser um vencedor na vida e por sempre

ter desejado o meu sucesso.

À vovó Lalá, minha sogra e conselheira de muitas horas.

Ao GUETO e seus dirigentes, pelo acolhimento e abertura na edificação de um

grupo para TODOS.

Ao Dr. e Mestre Ângelo Augusto Decânio Filho, pelo seu brilhantismo na leitura

da arte da capoeira, nos motivando e demonstrando o quão importante e especial

é a possibilidade de fazer tal leitura.

À minha orientadora Professora Dra. Claudiani Waiandt, lindamente sensível,

por todo incentivo e direcionamento na pesquisa e por já ser minha referência na

arte da vida acadêmica.

Á Professora Dra. Tânia Fischer pelo exemplo de mulher e cientista, grande e

incansável referência mundial na Gestão Social.

Ao Professor Dr. Eduardo Davel pela irreverência e sensibilidade com que

conseguiu nos encantar e motivar para a pesquisa no mestrado.

Ao CIAGS | EA | UFBA pela oportunidade dada através do Mestrado

Profissionalizante de fazer valer toda a nossa experiência na Gestão Social

dentro da academia.

Aos amigos, frutos colhidos nesta caminhada que sinalizam a maturidade no

caminho.

(7)

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

(8)

MAGALHÃES, C. G. “Iê, capoeira na gestão, camará!”: um estudo das práticas

organizacionais de uma associação em expansão internacional. (Dissertação) Mestrado em

Desenvolvimento e Gestão Social da Universidade Federal da Bahia. 120f. Salvador, BA, 2014.

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo central reconhecer e analisar a influência da cultura da capoeira sobre as práticas organizacionais de uma associação, pautada por princípios não-econômicos e em fase de expansão internacional, a fim de reconhecer os limites e as possibilidades do seu modelo de gestão. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com orientação analítico-descritiva, mediante observação participante. Os sujeitos são os dirigentes e membros da Associação Cultural GUETO, organização sem fins lucrativos que tem cinco sedes internacionais. A interpretação do material coletado seguiu os ensinamentos da "análise de conteúdo". Foi constatada uma grande influência da capoeira frente às práticas organizativas, sobretudo pelo viés do sistema iniciático de formação, o aprender fazendo, a oralidade, a expansão dos laços de participação. Independente de avançarmos identificando tais influências, muito há de ser feito na busca pelo desenvolvimento institucional de tais instituições que nem sempre dialogam de maneira harmônica com essa aproximação da cultura organizacional empresarial.

(9)

practices of an association in international expansion. (Dissertation) Master’s in Social

Development and Management. Universidade Federal da Bahia - UFBA. 120f. Salvador, 2014.

ABSTRACT

This research mainly aimed at recognizing and analyzing Capoeira’s culture influence on an association’s organizational practices, guided by non-economic principles and on an international expansion phase, in order to recognize the limits and possibilities of its management model. Therefore, a qualitative research was carried on, with an exploratory characteristic, also with an analytical-descriptive orientation, through participant observation. The research subjects are the leaders and members of the GUETO Cultural Association, a non-profit organization that has five international offices. The interpretation of the collected data followed the teachings of "Content Analysis". A great influence stemming from Capoeira’s culture was observed towards organizational practices, especially from the perspective of the initiatory graduation system, regarding some of its characteristics, such as learning by doing, teaching and learning by oral means, the expansion of participation bonds. Regardless of our advancement on identifying such influences, much has to be done in the search for institutional development of such institutions that not always dialogue harmoniously with this approach based on business organizational culture.

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Figura 1. Objetivo Geral da pesquisa ... 18

Figura 2. Objetivos específicos da pesquisa ... 19

Figura 3. Roda de Capoeira ... 26

Figura 4. Níveis de Cultura ... 47

Figura 5. Caminhos metodológicos da pesquisa ... 76

Figura 6. Estudo de Caso Associação Cultural G.U.E.T.O. ... 86

Figura 7. Estrutura Associação Cultural G.U.E.T.O. ... 97

Figura 8. Ambiente da G.U.E.T.O. ... 99

Figura 9. Graduações da fase de Iniciação - GUETO ... 103

Figura 10. Graduações da fase de Licenciatura - GUETO ... 104

Figura 11. Graduações da Fase de Professor - GUETO ... 104

Figura 12. Graduações da Fase de Contramestre - GUETO ... 104

Figura 13. Graduações de contramestre GUETO ... 105

Figura 14. Graduações da Fase de Mestre - GUETO ... 105

(11)

Quadro 1. Valores da Cultura da Capoeira ... 27

Quadro 2. Sistema Oficial de Graduação da Confederação Brasileira de Capoeira - CBC .... 42

Quadro 3. Classificação organizacional quanto à orientação / papel. ... 54

Quadro 4. Classificação Internacional das Organizações Não-Lucrativas (INCPO) ... 54

Quadro 5. Classificação organizacional quanto ao nível de Operações ... 55

Quadro 6. Classificação organizacional quanto à prestação de contas. ... 55

Quadro 7. Classificação organizacional quanto ao ciclo de vida ... 56

Quadro 8. Mecanismos envolvidos no processo de estruturação da organização ... 66

Quadro 9. Tipos de estrutura organizacional ... 70

Quadro 10. Ambiente organizacional... 72

Quadro 11. Tipologia dos ritos através das suas manifestações e consequências sociais expressivas. ... 73

(12)

BAHIATURSA Empresa Baiana de Turismo

CBC Confederação Nacional de Capoeira

CIAGS Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social

EA Escola de Administração

EO Estudos Organizacionais

GUETO Grupo Unido para Educação e Trabalhos de Orientação

ONG Organizações Não Governamental

PDGS Programa de Desenvolvimento e Gestão Social PETROBRÁS Petróleo Brasileiro

SECULT Secretaria Estadual de Cultura

SETRE Secretaria Estadual de Trabalho, Renda e Emprego SETUR Secretaria Estadual de Turismo

SUDESB Superintendência de Desenvolvimento de Esporte da Bahia UFBA Universidade Federal da Bahia

UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UNEB Universidade do Estado da Bahia

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNIFACS Universidade Salvador

(13)

1

INTRODUÇÃO ... 15

2

CAPOEIRA: UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICO-CULTURAL ... 21

2.1 PROCEDIMENTOS RITUALÍSTICOS ... 27

2.2 PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS ... 34

2.3 MUSICALIDADE E ORALIDADE ... 36

2.4 O JOGO DA CAPOEIRA ... 37

2.5 SISTEMA INICIÁTICO DE FORMAÇÃO ... 38

3

CULTURA DA ORGANIZAÇÃO E PRÁTICAS

ORGANIZACIONAIS ... 44

3.1 CONCEITO DE CULTURA ... 44

3.2 CULTURA ORGANIZACIONAL ... 46

3.3 COMPREENDENDO AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS, A GESTÃO SOCIAL E AS PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS ... 50

4

CAMINHOS METODOLÓGICOS PERCORRIDOS ... 75

4.1 CONTEXTO DA PESQUISA ... 75

4.2 PESQUISA QUALITATIVA ... 76

4.3 ESTUDO DE CASO ... 79

4.4 OS SUJEITOS DA PESQUISA ... 82

4.5 TÉCNICAS DE ANÁLISE DE INFORMAÇÕES ... 84

5

ASSOCIAÇÃO CULTURAL GRUPO UNIDO PARA EDUCAÇÃO E

TRABALHOS DE ORIENTAÇÃO – GUETO CAPOEIRA ... 86

5.1 TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL ... 87

5.2 ANALISANDO AS PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS À LUZ DA CULTURA DA CAPOEIRA ... 90

5.2.1 Estrutura ... 90 5.2.2 Ambiente ... 97 5.2.3 Ritual ... 100

6

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 107

REFERÊNCIAS ... 113

APÊNDICES ... 119

(14)

A capoeira, ao longo de seus quase quinhentos anos de Brasil, projetou-se de luta marginal `a jogo de inclusão, ganhando no século XX um grande impulso institucional, adentrando espaços de formação humana como instituições de ensino formal (escolas, creches, universidades). Esta trajetória provocou, no campo científico, questionamentos em direção ao estudo da capoeira e de suas potencialidades educacionais.

A capoeira então é transformada de jogo exótico e performático à uma arte de inclusão, que respeita as diversidades, promove o autoconhecimento e as relações interpessoais, utilizando-se da dialogicidade dos movimentos corporais na promoção do ¨jogar com¨, signo de parceria, companherismo e solidariedade. Esses valores seguem na contramão dos valores amplamente estimulados em nossa sociedade moderna capitalista que valora a competição em detrimento das relações harmônicas e de parceria.

Enquanto reflexo do empoderamento e engajamento social desencadeados no século XX, evidenciam-se às Organizações Não-Governamentais, movimentos organizados que se valem do voluntariado para atuar junto às populações em vulnerabilidade social, desprovidas economicamente, realizando desde ações assistencialistas até ações no campo da formação humana – educação, saúde, meio ambiente, dentre outros. Em consonância com tais transformações sociais, a capoeira acompanha esse processo de engajamento social em prol do desenvolvimento do país, na consolidação do terceiro setor, inserindo-se nas organizações sociais que trabalham com a população em vulnerabilidade social.

A capoeira esteve como aliada nas intervenções propostas por essas entidades, agregando conhecimento histórico, cultural, técnico-performático, de autoconhecimento, dentre outros. Por se tratar de uma manifestação cultural que tem no seu arcabouço ideológico-formativo

(15)

peculiariaridades características dos sistemas iniciáticos1, com o passar do tempo o núcleo de capoeira passa a apresentar novas demandas a serem atendidas pela organização, demandas que versam sobre a expansão de seus núcleos e a gestão da internacionalização.

Essas demandas de internacionalização nascem com o advento da expansão mundial da capoeira proporcionada pelas viagens internacionais dos grupos folclóricos brasileiros que levavam alunos oriundos do trabalho de capoeira das ONGs para se apresentar no exterior, bem como, pelos inúmeros praticantes que passaram a residir fora do país.

Estes capoeiristas, que carregavam na sua trajetória formativa a contribuição do seu mestre e que por isso firmava com ele ligação de respeito e lealdade, levavam sua arte para o mundo afora, atraindo e encantando os públicos inicialmente pelas suas ferramentas performáticas e exóticas, e posteriormente, pelo seu importante potencial educativo, terapêutico. Muitos desses capoeiristas acabavam por residir por anos nestes países e passavam a ter no ensino da capoeira o seu maior aliado enquanto fonte de subsistência.

Não obstante, os estrangeiros que se encantavam com a capoeira, a partir desse contato, passavam a nutrir como meta principal de seu aprendizado e formação, a ida ao Brasil, em especial a Bahia - Meca da Capoeira -, onde por esta ocasião poderiam estreitar seus contatos com os antigos mestres dessa arte. Estes estrangeiros muitas vezes decidiam, por questões de custo-benefício, passar mais do que uma a duas semanas nestes destinos, estabelecendo-se no país por mais de um ano, período pelo qual aproveitavam para fazer especialização em capoeira.

Quando seguiam na capoeira, estes estrangeiros fundavam seus núcleos de trabalho no exterior, passando a representar os centros culturais ou grupos de capoeira que o formaram, passando a estabelecer vínculo institucional e formativo pelo tempo em que tiver inserido no universo da capoeira, pois a sua formação tal como nas manifestações de matriz afrodescendete, a exemplo do candomblé, é do tipo familiar, vinculando-o a vida inteira ao responsável pelo seu ingresso nesta atividade, salvo raras excessões.

Estes novos núcleos de ação internacional, representantes dos grupos de capoeira brasileiros,

1 Sistemas de conhecimento baseado na experiência vivida, que confere ao participante conhecimento a partir de

(16)

passam a utilizar-se deste know-how, logomarca, visitas anuais do mestre do grupo em seus novos núcleos, numa relação não permeada por princípios econômicos, e sim filosóficos, ideológicos, de formação continuada e difusão cultural e institucional.

Este contexto traz a tona um grande desafio, pois as ONGs que emprestam todo o seu expertise na formação em capoeira, por não ter sua lógica de relação interinstitucional baseada em princípios lucrativos, teme ou não compreende de que forma pode estabelecer uma relação mínima econômica para a sua sustentabilidade.

O presente estudo questiona, portanto: Como entender e gerenciar organizações sociais, em

fase de expansão internacional, consolidadas a partir da cultura da capoeira?

A realização deste trabalho traz contribuições ao campo das Organizações não-governamentais que trabalham com a Capoeira e que estão em processo de expansão internacional, promovendo uma visão da cultura organizacional deste tipo de organização e favorecendo a compreensão de seus limites e possibilidades de atuação que aporte novos rumos institucionais.

A dissertação tem como finalidade pesquisar e produzir conhecimento em torno do processo de gestão de ONGs de capoeira em fase de expansão internacional, com vistas em seu desenvolvimento organizacional, analisando as características particulares que permeiam sua cultura organizacional influenciada pela cultura da capoeira, validando-a e adequando-a às necessidades de sustentabilidade econômica institucional.

O objetivo geral desta pesquisa é analisar a influência da cultura da capoeira sobre as práticas organizacionais em uma associação, pautada em princípios não-econômicos e em fase de expansão internacional, a fim de reconhecer os limites e as possibilidades do seu modelo de gestão, conforme sintetiza a figura 1.

(17)

Fonte: Elaborada pela autora

A fim de resolver este objetivo geral, foram propostos os seguintes objetivos específicos (figura 2):

 Descrever a trajetória da capoeira destacando suas dimensões constitutivas e sua cultura organizacional;

 Entender a capoeira como prática organizativa;

 Sistematizar dimensões de análise organizacional, a partir da abordagem da cultura organizacional;

 Descrever as práticas de gestão social a partir do desenvolvimento organizacional. A pesquisa foi realizada por meio de um estudo de caso, numa perspectiva qualitativa. A experiência da pesquisadora facilitou a pesquisa, pois permitiu a observação participante. Além disso, foram realizadas análise documental, questionários e entrevista com gestores e mestres de capoeira.

Figura 1. Objetivo Geral da pesquisa

PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS ONG EM EXPANSÃO INTERNACIONAL CULTURA DA CAPOEIRA GESTÃO ORGANIZACIONAL

(18)

Fonte: Elaborado pela autora

O estudo pretende contribuir na reflexão sobre os aspectos interseccionais entre a cultura da capoeira e a cultura organizacional de ONGs de Capoeira, com atenção especial às práticas organizativas. Buscamos preencher uma lacuna na área de estudos organizacionais e fornecer informações e reflexões sobre a cultura da capoeira e a cultura organizacional. Oferece aportes sobre outra maneira de entender a lógica da cultura organizacional, sobretudo quando vinculadas à organizações que tem como mote de ação as manifestações culturais de matriz africana, com suas peculiaridades ritualísticas e valorativas, lógicas que podem ser aproveitadas e transferidas às demais organizações congêneres, auxiliando-as no seu desenvolvimento institucional.

Após a Introdução, o Capítulo 2 descreve a trajetória histórica e cultural da capoeira, suas dimensões constitutivas, a fim de compreender a capoeira enquanto manifestação cultural popular brasileira, que anuncia em seu ritual códigos e valores civilizatórios africanos que por sua vez conferem características peculiares à dinâmica das práticas organizativas institucio-nais.

Capoeira como prática

organizativa Influências da cultu-ra da capoeicultu-ra na gestão Capoeira: dimensões constitutivas e cultura organizacional Dimensões de análise (cultura organizacional) Práticas de gestão social

(19)

O Capítulo 3 trata sobre a cultura organizacional, as organizações sociais, a gestão social e suas práticas organizativas no esforço de compreender os nexos e correlações estabelecidas entre esta área e o processo de institucionalização da capoeira com suas práticas organizacionais.

O Capítulo 4 apresenta e descreve a abordagem metodológica de pesquisa, os instrumentos e os procedimentos utilizados para na coleta e análise dos dados, justificando o uso de tais ins-trumentos e procedimentos com base na fundamentação teórica apresentada no Capítulo 2 e nas questões de pesquisa que embasam este trabalho.

O Capítulo 5 apresenta a organização em estudo – Associação Cultural GUETO, sua trajetória institucional e uma análise das suas práticas organizativas à luz da cultura da capoeira. Para tal análise elegemos três categorias, estrutura, ambiente e ritual organizacionais, onde funda-mentaremos nossas reflexões e comparação possíveis.

O Capítulo 6 tem como objetivo central trazer as críticas pertinentes à gestão da organização alvo de nossos estudos, bem como ao processo de construção de suas práticas organizacionais. Os nossos esforços se concentram no levantamento dos pontos de interseção entre a cultura da capoeira e a gestão organizacional, especificamente as suas práticas organizacionais, ou seja, como esse processo se deu e quais influências surgiram desta relação?

Por fim levantamos as Considerações Finais ao presente trabalho, descrevendo sob a ótica da autora quais sugestões são indicadas ao processo de desenvolvimento organizacional de insti-tuições congêneres à estudada.

(20)

2

CAPOEIRA: UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICO-CULTURAL

Este capítulo descreve a trajetória histórica e cultural da capoeira, suas dimensões constituti-vas, a fim de compreender a capoeira enquanto manifestação cultural popular brasileira, que anuncia em seu ritual códigos e valores civilizatórios africanos que por sua vez conferem ca-racterísticas peculiares à dinâmica das práticas organizativas institucionais.

A capoeira, manifestação cultural afrobrasileira, forjada ideologicamente para contrapor os ditames da ordem escravagista vigente nos séculos em que perdurou o tráfico e a utilização da mão de obra escrava africana no país, era um misto de dança, anunciando e consolidando a versatilidade e flexibilidade enquanto signos da cultura africana, e de luta, resultante inevitá-vel da condição de opressão vivida pela população africana traficada nos consecutivos anos de diáspora africana para as Américas (REGO, 1968, p.34).

Inventada por negros africanos no Brasil (REGO, 1968) e desenvolvida por seus descendentes afrobrasileiros como estratégia para rebelar-se aos ditames da sociedade escravocrata, a capoeira, mais do que um jogo de entretenimento serviu como uma arte marcial, uma luta, um instrumento de resistência e combate. Como não possuíam armas suficientes para fazer frente à opressão de seus opositores, feitores, capitães do mato, dentre outros, os escravizados utilizavam os movimentos fruto da cultura corporal africana como recursos instintivos e naturais de preservação da vida, por intermédio do próprio corpo. Foram quando surgiram os “floreios” manhosos, ágeis, espertos e traiçoeiramente defensivos que conferiam a esta luta o seu caráter lúdico, caráter este intrinsecamente envolvido na estrutura da capoeira na Bahia (MAGALHÃES; MOREIRA, 2014, p.14).

A capoeira nasce, portanto, em território brasileiro da necessidade de africanos escravizados de rebelar-se e manter viva sua cultura, ideais, seus valores e crenças. Era uma alternativa frente a opressão a qual estavam subordinados diante de tal sociedade escravagista, e reunia

(21)

povos de diferentes etnias africanas que se encontravam em situação semelhante de submissão e trabalho escravo.

Conforme aponta Rego (1968, p.35) “a capoeira foi inventada com a finalidade de divertimento, mas na realidade funcionava como uma faca de dois gumes. Ao lado do normal e do quotidiano, que era divertir, era luta também no momento oportuno.”. Este trecho aborda com propriedade uma das características marcantes das sociedades africanas que vivenciam os diversos planos e momentos da vida de maneira mesclada, misturada, não-dissociada, onde o lazer, o trabalho, os estudos e os afetos podem estar sendo vividos em um único instante. Nes-sa perspectiva a capoeira tanto podia estar sendo feita com caráter lúdico, quanto bélico, quanto religioso.

Sua origem deu-se, provavelmente, no grupo Bantú-Angolense, uma das divisões de povos mais fortes oriundas da África. Os negros desta região eram considerados altos, ágeis e fortes, com grande capacidade de adaptação cultural e, portanto, adequados ao trabalho e às exigências que se faziam presentes (MAGALHÃES; MOREIRA, 2014, p.14).

Provavelmente esta seja a origem da condição de negociação inerente ao jogo da capoeira, princípio fundamental sem o qual a mesma poderia resistir vigorosamente há tantos séculos, se reelaborando para permanecer viva e dando vida aos tantos ideais desse povo oprimido.

Porém, independente da condição de negociação nata desta arte, sua participação em diversas insurreições no período escravagista levou-a a desenvolver seu potencial bélico e de luta de

revide. Os milhões de negros sequestrados no continente africano colaboraram também para o

desenvolvimento e aperfeiçoamento de seu viés marcial e, utilizando-na para enfrentar os ataques e desmandos de seus opressores (MAGALHÃES; MOREIRA, 2014).

Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia, três regiões que mais receberam negros africanos demonstravam consenso no objetivo em torno da prática da capoeira: o de extinguir a dominação e a exploração das elites com intuito de alcançarem a tão fragilizada e negligenciada liberdade. A capoeira, em virtude da dominação, da perseguição e da discriminação para com os negros africanos, com o decorrer do tempo ganha cada vez mais força no Brasil (MAGALHÃES; MOREIRA, 2014, p. 14).

(22)

Ou seja, por ter a capoeira objetivos que corroboravam com o movimento abolicionista, a mesma encontra rapidamente adeptos e simpatizantes, aliando-se ao mesmo em busca da “abolição”, que, por fim, é proclamada e deixa uma difícil herança para os então “libertos”, pois, não tendo os mesmos acesso aos meios de produção e à educação, ou mesmo por não receber indenização ou algo semelhante, eram destituídos de condições mínimas para enfrentar o mercado de trabalho, restando-lhes o convívio e a condição marginal.

Estes foram períodos de sofrimento e confusão para a população negra e suas lideranças, afinal de contas, estava posta uma contradição, para que a conquista da tão sonhada liberdade se não havia lugar para onde ir, onde trabalhar, alimento para comer e nem o que vestir? Nesta hora as elites aproveitaram a conjuntura e deram uma significativa “contribuição”: associaram à imagem do negro, o perfil de um “agente criminoso”, vadio, malandro e capadócio. A perseguição e a exploração continuavam, nada foi feito na prática para promover a integração social do cidadão negro “liberto” após a lei de 13 de maio de 1888.

A República, que sucedeu o Império, por sua vez manteve esta conformação, perpetuando os velhos grilhões e seus preconceitos. A capoeira, se já era perseguida no século XIX, nesta nova conjuntura política recebeu um aval de continuidade, recebendo oficialmente tratamento criminal em todo o território brasileiro a partir do Código Penal da República que discorre em seus artigos toda a sua intenção e estratégia de manutenção de status quo:

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas, exercícios de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação capoeiragem (...) Pena: de prisão celular por dois a seis meses.

Parágrafo Único: É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta.

Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpretar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o poder público e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.(REGO, 1968, p.292).

E em conformidade ao caráter repressor exposto nestes instrumentos legais, assim mesmo se deu a aplicação dos mesmos. José Murilo de Carvalho (1987) revela em sua obra que “Talvez o único setor da população a ter sua atuação comprimida pela República tenha sido o dos capoeiras. Logo no início do governo provisório, foram perseguidos pelo chefe de polícia,

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presos e deportados em grandes números para Fernando de Noronha” (CARVALHO apud VIEIRA, 1998, p. 94). O autor ainda traz um ponto interessante desta época quando descreve a atuação das “maltas” de capoeira, em pesquisa sobre a formação de grupos sociais marginais na Primeira República, como organismos fundamentais para a compreensão da dinâmica da sociedade civil brasileira na passagem do século.

Segundo Carvalho (apud VIEIRA, 1998, p. 94) as “maltas” de capoeiras do Rio de Janeiro, no século XIX, ganharam fama e eram, ironicamente, revestidas pela impunidade por serem organizações com grande respaldo junto aos líderes políticos da época. Sua atuação na política foi importantíssima, dissolvendo os comícios, fazendo a segurança de políticos importantes, “emprenhando urnas” e coagindo eleitores. Ou seja, esses grupos revelavam o controverso pensamento brasileiro que bania do convívio social o capoeira que lutava por liberdade e direitos, mas usava seus serviços quando lhes era conveniente para servirem como escudo bélico em comícios políticos.

Por fazer parte de um grande contingente sem ocupação delimitada e fixa, o capoeira circula-va meio a legalidade e a ilegalidade, a ordem e a desordem, e era associado à figura de um marginal, vadio, transgressor das normas de convívio social, trazendo instabilidade e baderna aos lugares onde se expunha com seus dotes bélicos corporais.

Neste período, a maior parte dos registros: policiais, bibliográficos, dentre outros, levantados nas principais capitais brasileiras se referiam à capoeira ora descrevendo a atuação dos capoeiras, citados e reconhecidos como desordeiros, vadios, etc, ora de suas “maltas”, associando a capoeira a uma atividade de caráter marcial, bélica, política, despojada de associação com o ritual, a circularidade e a ludicidade, características presentes na formação concebida na Bahia (MAGALHÃES; MOREIRA, 2014).

Com isso não podemos afirmar que na Bahia o capoeira não tivesse o perfil marginal, de malandro, vadio ou desordeiro, muito menos que neste lugar os mesmo não prestassem servi-ços à grupos políticos, conforme as maltas encontradas no Rio de Janeiro, impugnando urnas, por exemplo. Só é preciso considerar que isso acontecia de forma significativamente reduzida, não estigmatizando a ação do capoeira na Bahia à das maltas de capoeira do Rio de Janeiro. Em verdade, segundo alguns jornais da época, na grande maioria dos casos os capoeiras baianos se envolviam em confusões ocorridas nos locais frequentemente visitados por

(24)

bandidos e outros delinquentes, tais como: Cais do Porto, Cais Dourado, Estrada da Liberdade, rua dos Capitães, dentre outros, o que lhes conferiam o perfil marginal associado nesta época.

Quanto à marginalidade vinculada a capoeira, aponta Rego que “O Cais Dourado, no final do século passado, se tornou famosíssimo pelo excesso de desordens e crimes que ali se praticavam, sobretudo por ser zona de meretrício e para lá convergirem, além dos capoeiras, marinheiros, soldados de policia e delinqüentes” (REGO, 1968, p. 37). Isso se afirma nas cantigas entoadas por antigos mestres onde o Cais é lembrado como ponto de encontro e de grandes desafios entre os capoeiras do passado. Podemos verificar esse contexto na cantiga do Mestre Ezequiel:

Eu aprendi capoeira/ Lá na rampa no Cais da Bahia/ Vim de Ilha de Maré/ No Saveiro do Mestre João/ Fui morar lá n Preguiça/ Me criei na Conceição/ Eu subi o Pelourinho/ Eu desci a Gameleira/ Eu passava o dia a dia nas rodas de capoeira/ Eu aprendi Capoeira/ Lá na Rampa e no Cais da Bahia/ Camafeu e Traira tocava/ Waldemar jogava com seu Zacarias...(In cd Mestre Ezequiel, 1989)

Independente de o capoeirista baiano estar associado à figura do malandro, marginal e desordeiro, assim como em outras capitais brasileiras, pode-se constatar através de depoimentos dos mais antigos mestres da Bahia, quando se referem ao ritual das antigas rodas praticada no começo do século passado, que desde esta época a capoeira na Bahia vem sendo realizada de forma diferente às das outras capitais brasileiras, vinculadas às maltas.

É interessante observarmos que, embora existam registros que identificam a prática da capoeira entre os estratos marginalizados nas principais cidades brasileiras a partir de meados do século passado, apenas na Bahia, conforme demonstraram nossas pesquisas, há uma continuidade entre a forma antiga e o jogo atualmente praticado nas academias.(VIEIRA, 1998, p.97)

Ainda sobre a capoeira que se desenvolveu na Bahia e suas particularidades

A capoeira baiana é um processo dinâmico, coreográfico, desenvolvido por 2 (dois) parceiros, caracterizado pela associação de movimentos rituais, executados em sintonia com ritmo ijexá2, regido pelo toque do berimbau, simulando intenções de

2 a)Ramo da nação nagô, formado por mulheres dissidentes, com rituais religiosos específicos. b) Ritmo musical

de candomblé, usado no culto de Oxum, Oxalá, Nana Borokô, Nhançan, Yemanjá, Logunedé, Ogun, Oxosse, etc; lento, suave, calmo e magestoso.

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ataque, defesa e esquiva, ao tempo em que exibe habilidade, força e autoconfiança, em colaboração com o parceiro do jogo, pretendendo cada qual demonstrar sua superioridade sobre o companheiro. O complexo coreográfico se desenvolve a partir dum movimento básico denominado de gingado3 do qual surgem os demais num

desenrolar aparentemente espontâneo e natural, porém com um objetivo dissimulado de obrigar o seu parceiro a admitir a própria inferioridade. (DECÂNIO FILHO, 2007, p.1).

Figura 3. Roda de Capoeira

4

Fonte: Blog Capoeiragem na UFAL

Esta manifestação reúne, em seu arcabouço ideológico e ritualístico, diversos valores civilizatórios da cultura africana tais como: circularidade, religiosidade, corporeidade, musicalidade, memória, ancestralidade, cooperativismo, oralidade, energia vital e ludicidade, que orientam as ações e as relações dentro de sua cultura organizacional (Figura 1).

3 Movimento ritmado de todo o corpo acompanhando o toque do berimbau, com a finalidade precípua de manter

o corpo relaxado e o centro de gravidade do corpo em permanente deslocamento, pronto para esquiva, ataque, contra-ataque ou fuga É o fulcro da capoeira, donde partem todos os seus movimentos! Durante o gingado o praticante deve manter-se em movimento permanente, simulando tentativas de ataque, contra-ataque, sempre atento às intenções do parceiro, em contínua postura mental de esquiva e proteção dos alvos potenciais de ataques.

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2.1 PROCEDIMENTOS RITUALÍSTICOS

A roda de capoeira enquanto ritual reuni diversos procedimentos desde sua abertura ao encerramento, dando-lhe sentido e encaminhamento, conhecimentos fundamentais e que identificam um grande conhecedor de capoeira. Aliás, um grande conhecedor deste ritual é considerado no meio capoeirístico como “fundamentado”, uma pessoa que conhece os “fundamentos” da capoeira, sua razão de ser, suas estruturas internas e que por isso pode gozar de reconhecimento público.

Quadro 1. Valores da Cultura da Capoeira

Valores Descrição

Aliança Estabelecimento de um parentesco comunitário, semelhante à recriação das linhagens e da família extensiva africana.

Participação Participação na comunidade, de acordo com a antiguidade, as obrigações e a linhagem iniciática.

Ancestralidade/Antiguidade Unidos por laços de iniciação à capoeira, aos demais iniciados, aos mais antigos, aos mestres, aos antepassados e ancestrais da comunidade.

Sistema de conhecimento Iniciático, só pode ser apreendido na medida em que é vivido pela experiência, só tendo significado quando incorporado de maneira ativa

Transmissão de valores Forma dinâmica, em relações interpessoais concretas, oralidade.

Relações Interpessoais Marcantes, determinam a forma pela qual os integrantes de um determinado grupo de capoeira irão gerir o espaço de formação e convívio social e estabelecer suas relações hierárquicas

Nota: Fonte: elaborado pela autora (MAGALHÃES; MOREIRA, 2014).

Não se pode deixar de pensar que sendo a oralidade a estratégia de transmissão e perpetuação dos conhecimentos produzidos pela sociedade africana e, portanto, pela capoeira também, é a partir destes conhecedores, detentores destes fundamentos, que se consegue manter vivos tantos procedimentos ritualísticos encontrados nesta arte.

Tudo inicia com a formação de uma roda, um círculo humano, onde todos se encontram equidistante anunciando o princípio democrático inerente práxis capoeirana. Esta formação geométrica predispõe seus praticantes a horizontalização nas relações independente da diferença de níveis hierárquicos na capoeira, reunindo-os em torno do mesmo propósito e construindo um ambiente harmônico para que se desenrole a capoeira.

Em sua extensão e delimitando-a, encontram-se os capoeiras investidos de seus apelidos, co-dinomes que tiveram origem no período em que a Capoeira no Brasil estava proibida, incluída inclusive nos artigos do código penal, período que vai de 1890 até 1937. Os capoeiristas utili-zavam-se de nomes fictícios a fim de despistar a investida policial quando procurados.

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Esta roda é também constituída por uma bateria de instrumentos, de corda e de percussão, que vão conferir ritmo e harmonia, bem como definir o tipo de jogo que será executado a cada tempo. Dentre os instrumentos que compõem esta bateria ou orquestra temos o berimbau, que “é um arco musical que tem procedência de arcos musicais egípcios, com aproximadamente 4.000 anos de existência, possuidor do título de criador de todos os instrumentos de corda, e que para surpresa de muitos, nem sempre esteve associado às rodas de capoeira” (CASCUDO, 1993, p.27).

A hipótese mais aceita por historiadores é a de que o contato do berimbau com a capoeira se dá nas regiões portuárias onde havia ambulantes tocando berimbau para chamar a atenção da freguesia para as suas mercadorias, bem como, diversos trabalhadores jogando capoeira no período ocioso entre o atracamento de um navio e outro.

Daí, possivelmente, nasce a relação perfeita e dolente entre berimbau e capoeira, inclusive este é o fato que explicaria a sobrevivência deste instrumento musical de origem centro-africano no Brasil, já que outros instrumentos de origem africana, como alaúde de arcos, acabaram por desaparecer.

No entanto, se por um lado à junção foi por acaso, atualmente não se pode pensar em capoeira sem berimbau, o mesmo é parte condicionante da roda, é uma das marcas da capoeira mundialmente conhecidas, que dita o ritmo e o tipo de jogo na roda.

Em se tratando dos toques de berimbau, peça musical executada pelo mesmo, e do tipo de jogo desenvolvido podemos afirmar que eles são inseparáveis uma vez que é o primeiro quem determina a ação do segundo, ou seja, seu estilo (Angola, Regional, Contemporâneo, etc), seu andamento (se mais lento ou mais rápido), dentre outras características.

Como exemplo, se tem o toque de Angola, característico da Capoeira Angola, que pressupõe um jogo mais “manhoso”, com movimentos rasteiros e maior proximidade entre os jogadores; o toque de São Bento Grande de Regional, que como o nome revela é utilizado na Capoeira Regional, melodicamente mais rápido e mais cadenciado e que desenrola um jogo em nível mais “alto”, mais objetivo do ponto de vista bélico, onde um dos parceiros de jogo tenta a todo custo aplicar movimentos de queda (rasteiras, vingativas) no outro.

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É possível encontrar a depender do estilo de capoeira que se pratique, um ou três berimbaus, sendo que quando da formação de três berimbaus, eles se diferenciarão através do tamanho da cabaça - caixa de ressonância encontrada preza à madeira do berimbau - sendo: uma grande, denominando o berimbau enquanto gunga ou berra-boi; uma média, denominando o berimbau enquanto médio) e uma pequena, denominando o berimbau enquanto viola.

Nesta formação instrumental de três berimbaus cada um terá sua função específica na execução da roda. Esta formação é semelhante a dos atabaques do candomblé que, apesar de invertida, encontra o “Lê” (atabaque pequeno) tem a função de marcar o ritmo, o “rumpi” (atabaque médio) a função de inverter a marcação do “Lê” e o “rum” (atabaque grande) a fun-ção de fazer variações (repiques, improvisos). (DECÂNIO FILHO, 1997)

O maior berimbau, chamado de Gunga, com o som mais grave tem a função de iniciar a bateria de instrumentos e ditar o ritmo, o toque e, consequentemente, o tipo de jogo; já o berimbau Médio, com o som intermediário, nem grave nem agudo, terá que inverter o toque do Gunga; resta o Viola, com o som mais agudo, que terá a função de fazer variações, comprometido somente com o ritmo.

Além dos berimbaus são encontrados nesta orquestra o pandeiro, e ocasionalmente a depender do estilo de capoeira, o agogô, o reco-reco e o atabaque, sendo este último incorporado à capoeira em meados do século XX, segundo alguns mestres mais antigos. Um velho Mestre da Cidade de Santo Amaro, próxima a Salvador, observa que:

Capoeira antigamente era dois pandeiros, dois berimbaus e um agogô. Hoje em dia é que tem timbau em capoeira. Um timbau, para quem não conhece, já parece com candomblé. Dois timbaus, o que não parece? Tem academia que tem dois timbaus. O timbau esconde o instrumento.(VIEIRA, 1998, p. 106)

Mestre Waldemar do Pero Vaz informa que sobre a composição da instrumentação musical da roda de capoeira: “A bateria da capoeira tem três berimbaus: um berra-boi, uma viola e um gunga. Agora com essa moda nova apareceu o atabaque. Mas eram três pandeiros, três berimbaus e um reco-reco. Tinha também agogô”. (VIEIRA, 1998, p. 106).

Mestre Canjiquinha, renomado mestre de capoeira de Salvador, diz ainda que “Capoeira autêntica mesmo é dois berimbaus e dois pandeiros. Aí, pra atrapalhar, pra fazer zoada

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colocaram o atabaque. Eu tenho um aqui na academia mas é para ensinar maculelê”. (VIEIRA, 1998, p.107). Apesar da diferença entre o número certo de instrumentos, há unanimidade na inexistência ou pouco uso do atabaque, talvez pela resistência criada diante dos seus vínculos com o sentido religioso (onde tem a função de fazer a ligação entre o ayê-terra e o olorum-céu).

Seguindo o percurso dos procedimentos que iniciam a roda de capoeira, encontra-se um elemento importantíssimo na consolidação do sistema de transmissão oral que são as suas cantigas. Elas representam uma riquíssima ferramenta de comunicação responsável por garantir a transmissão dos conhecimentos construídos historicamente na capoeira. O exemplo do teor das informações contidas e transmitidas nestas cantigas se encontra: descrição ou exaltação das terras africanas; saudações à deuses africanos; impressões sobre o tráfico negreiro; o período escravocrata e a “libertação” dos escravos; situações cotidianas; lições de vida; enfim, são verdadeiras aulas de história e cultura brasileira, religião, ciências sociais, tudo melodicamente entoado.

As cantigas encontradas na capoeira são classificadas em ladainhas, quadras, chulas e corridos. As ladainhas, que segundo Câmara Cascudo (1993), eram “tiradas (declamadas) ou cantadas durante o terço ou a novena, etc”. são incorporadas à capoeira com essa conotação de oração, bem como para contar alguma história acontecida, homenagem a algum velho mestre, dentre outros sentidos. Nesta, as cantigas sempre terminam em uma louvação com o vocábulo “iê” cujo significado encontra-se na cultura africana com o sentido de “atenção”.

É interessante citar que estas ladainhas também se iniciam com este pequeno vocábulo para alertar os capoeiristas quanto ao que será cantado. Estes tipos de cantigas geralmente abrem a roda de Capoeira Angola.

Iê/ Eu não sei como é que eu vivo/ Nesse mundo enganador/ Se sou feio sou desprezado/ Se sou bom perco o valor/ Meu pai sempre me dizia/ Meu filho não se engane/ Se no rosto o dente aberto/ No coração há traição/ Faça como eu faço/ Pra de mim não ter inveja/ É por isso que Caim/ Matou seu irmão Abel/ Quem tem fé em Deus não cai/ Se cair ele levanta/ Ele é o nosso protetor/ Ele é quem nos dá mão/ Iê ... Viva a meu Deus/ Iê viva a meu Deus, camará(coro)(In cd Mestre Felipe de Santo Amaro)

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As quadras são cantigas semelhantes à ladainha, porém, são próprias da Capoeira Regional, logo, são cantadas em melodias ritmicamente cadenciadas, rápidas, que incitam o jogador a luta, uma vez que foram idealizadas para compor um estilo de capoeira voltado a eficiência bélica. Em sua estrutura elas são compostas por estrofes de quatro a seis versos terminando com uma louvação que será respondida pelos capoeiristas da roda.

Menino quem foi teu mestre/ Meu mestre foi Salomão/ Sou discípulo que aprende/ Sou mestre que dou lição/ O mestre que me ensinou/ Tá no Engenho da Conceição/ A ele devo dinheiro, saúde e obrigação/ Segredo de São Cosme/ Só quem sabe é São Damião/ Ê, ê, água de beber/ Ê, ê, água de beber, camará (coro) (In cd Mestre Bimba)

As chulas são críticas pouco decorosas, irrespeitosas e zombeteiras, que se dizia de forma solada, e não cantada, porém na capoeira estas são cantigas que variam no tamanho e que nos contam uma história: sotaque, mal dizer, fatos do cotidiano, costumes, episódios históricos, o negro livre, a escravidão, mestres de capoeira, mitos, religião, etc. (CASCUDO, 1993). Elas não findam com uma louvação, tal como as ladainhas, mas com um canto corrido, repetido quantas vezes quiser.

Era um capoeira/ Era um capoeira/ Que agora eu vou contar/ Quando chegava na roda / Todos paravam pra olhar/ Sua voz fazia vibrar/ Seu canto chamava atenção/ Cantando tão alto e forte/ Que falava de libertação/ Era um capoeira/ Tão valente e respeitado/ Mas um dia ele foi respeitado/ Por um sorriso de mulher/ Ele não pode acreditar/ Quando uma moça bonita/ Fez o capoeira chorar/ Cruz credo Ave Maria (refrão)/ Quanto mais eu chorava ela sorria (DP)

Já o canto corrido é uma cantiga estruturada entre o verso sugerido pelo cantador e uma resposta curta em forma de coro dos capoeiristas da roda. Esta é uma das cantigas mais utilizadas quando da necessidade de construção das cantigas de improviso, corriqueiramente utilizadas pelos capoeiristas mais “fundamentados” que aplicam-nas para se fazer superior ao parceiro de jogo, discorrendo na mesma sobre assunto da ordem do dia ou da hora. A exemplo tem-se a seguinte cantiga de domínio público: “Nem tudo que reluz é ouro/ Nem tudo que balança cai/ Cai, cai, cai, cai... capoeira balança mais não cai (refrão)” (DP)

Os cantadores da roda ao entoar suas cantigas contam necessariamente com a ajuda dos capoeiristas que as respondem ininterruptamente. São eles que juntos, e somados à orquestra

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de instrumentos, reúnem vozes e “presença de espírito”, compondo e construindo um ambiente favorável ao desenvolvimento das interlocuções corporais, ou seja, o jogo.

Logo à frente dos berimbaus, dentro da roda, existe um lugar investido de mística, onde os capoeiristas se encontram para jogar, partindo um de cada lado da roda. Este lugar é denominado “pé do berimbau”. Místico, pois, acredita-se ser um espaço onde os praticantes: fazem suas preces pedindo proteção a partir de suas crenças religiosas, percebem de forma intuitiva e sensorial (olhar, aperto de mão, outros sentidos) quais as intenções de seus futuros parceiros de jogo, cumprimentam-se e saem para jogar.

Acredita-se que o jogo inicia neste espaço e que um capoeirista “fundamentado” sabe reconhecer, valorizar e aproveitar a sua passagem por ele. É nele que os jogadores se encontram, trocam olhares (como primeira janela de percepção das energias), apertam as mãos cumprimentando-se, e se reconhecem para poderem investir no passo seguinte - o jogo propriamente dito. Este deverá ser repleto de dramaturgia e dissimulação, uma vez que um bom capoeira não se deixa perceber em suas reais intenções, enquanto condição de sobrevivência e invencibilidade. Ele deve ainda tentar descobrir as intenções do outro, bem como simular intenções a fim de que o parceiro se deixe enredar.

A partir desta estrutura, a iniciativa de começar a roda vem do mais antigo na seguinte ordem: os instrumentos tocam (berimbaus, pandeiros, reco-reco, agogô e o atabaque), seguidos da cantiga de entrada, para daí os parceiros poderem se cumprimentar como sinal de respeito, fazerem reverência ao berimbau - pedindo e agradecendo pela proteção divina, e, assim, adentrarem a roda pra jogar.

Esta entrada acontece geralmente com um movimento corporal de inversão denominado de “aú”, na capoeira regional, ou com uma queda de rim, na capoeira angola. Em ambos os mo-vimentos o jogador tem que momentaneamente inverter a hierarquia corporal, sustentando as pernas e o tronco sobre os braços apoiados no chão, enquanto movimento de autorização à inserção neste novo e diferente mundo.

A seguir inicia-se o diálogo de corpos, estabelecido entre dois jogadores, num movimento contínuo, um jogo harmonicamente estruturado de perguntas e respostas, sendo que as

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perguntas se configuram por movimentos de ataque, restando os movimentos de defesa enquanto respostas.

O jogo será harmonicamente estruturado quando houver uma disputa equilibrada de forças, onde perguntas e respostas são deferidas por ambos os jogadores não configurando supremacia de nenhum dos lados. Há também episódios de jogos onde o diálogo torna-se tenso pelo fato de um dos jogadores demonstrar maior habilidade funcional, “perguntando” mais que o outro, deixando o mesmo sem muitas opções de saída, ou melhor, de respostas.

Intercalado aos movimentos de perguntas e resposta poderemos encontrar, a depender da habilidade e compreensão do capoeirista, movimentos denominados “floreios”, que, como o nome já diz, enfeitam o jogo, enriquecendo o bailado corporal geralmente com a intencionalidade de iludibriar o outro a cerca de suas intenções.

A roda segue formada pelos participantes que tocam instrumentos, cantam, a depender do estilo também batem palmas, enquanto dois participantes jogam. Todos os componentes devem estar atentos às cantigas entoadas, pois em meio ao seu potencial comunicativo as mesmas podem informar sobre questões imediatas, tais como desavenças; mudanças de ritmo; questões subliminares da roda; a presença de uma pessoa ilustre ou indesejada que acaba de chegar e etc.

A gestão deste ritual é de responsabilidade do mais velho capoeirista presente na roda, o mestre, que antigamente era facilmente encontrado tocando o berimbau Gunga, e que ao contrário da lógica afirmada na nossa sociedade capitalista, não subjuga o mais novo, não abusa do poder a ele investido e a sua “patente” lhe é dada pela sabedoria e capacidade adquirida de administrar tantas autonomias a partir da divisão de responsabilidades.

Estes são os procedimentos ritualísticos encontrados em torno do processo de construção da roda de capoeira, a seguir serão discutidos os aspectos filosóficos que permeiam a roda de capoeira.

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2.2 PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS

Inúmeros são os princípios filosóficos que permeiam a prática da capoeira; alguns destes serão evidenciados neste trabalho a fim de demonstrar sua influência na dinâmica de consolidação da capoeira. São eles: a circularidade, negaça, esquiva, criatividade, ludicidade, mandinga e malícia.

A princípio e sempre em evidência encontra-se a roda e sua simbologia, apresentada por um círculo que talvez seja o mais universal dentre os símbolos sacros de todos os povos. Isso se deve, por um lado, ao fato de que este símbolo aparece unanimemente, direta ou indiretamente, em todas as tradições primitivas, e parece ser consubstancial ao homem. Por outro lado, a própria universalidade dos significados da roda, e sua conexão direta ou indireta com os demais símbolos sagrados, em especial, números e figuras geométricas, fazem dela uma espécie de modelo simbólico, uma imagem do cosmos.

A roda no plano é um círculo, e a circularidade é uma manifestação espontânea de todo o cosmos; tal qual o caso de uma roda, símbolo do movimento e também da imobilidade, onde todos os pontos da circunferência estão a igual distância do centro, lhes são equidistantes, motivo pelo qual as inumeráveis energias do cosmos se neutralizam em seu seio.

Dentro dessa lógica todos os participantes da roda estão equidistantes, comungando e contribuindo para a implantação da mesma energia circundante. A roda de capoeira se transforma numa microrrepresentação de cosmos, um mundo de relações interpessoais onde tudo se passa a partir da contribuição de cada pessoa que a compõe.

Visto desta forma, a roda passa a ser um universo onde se pode manipular intenções, onde se deve ponderar atitudes, desenvolvendo um campo de relações interpessoais harmônicas. “A capoeira está associada à calma, a prudência, a tolerância e a esperteza, e tem por fundamento a esquiva, a negaça, a malícia, a simulação e a dissimulação de intenção e objetivo, indispensáveis à sobrevivência, às dificuldades e a alegria do viver bem”. (DECÂNIO, 1999, p.5). Vale a pena ressaltar que, como na vida, nem sempre são harmônicas e amistosas essas rodas, podendo, na mesma, serem deflagradas as antipatias existentes entre os participantes, criando um campo de batalha com consequência indesejável do ponto de vista do bem estar de todos.

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A esquiva se constitui por um movimento de defesa que incorpora a rede de princípios filosóficos instituídas na capoeira, pois, em sua essência, atua proporcionando ao capoeirista que ele se desvencilhe dos golpes garantindo a manutenção da integridade física sem sair dos preceitos da capoeira. Ou seja, o jogador passa pelo movimento do outro, saindo da situação com uma esquiva, fuga que aumenta as chances de sair ileso do diálogo corporal.

Esse tipo de movimentação tem sua origem ideológica nos tempos de escravidão quando o negro cativo, responsável pelo invento da capoeira, se via na situação de constantes ataques a sua integridade física e moral, e por estar momentaneamente fragilizado sua opção mais acertada era a de esquivar-se de tais investidas para ao menos manter-se vivo. Essa atitude de esquiva diante dos ataques denomina-se negaça na capoeira. Quanto maior a habilidade do capoeirista de negar o movimento esquivando-se, maior sua negaça.

A criatividade é outra condição sine qua non para a prática da capoeira que confere ao jogador uma maior capacidade de improvisação. É percebida mais veemente quando o jogador se encontra em uma situação de difícil resolução, “sem saída”, e cria ou tira do bolso uma nova chance de dar continuidade ao jogo.

A ludicidade é um fator intrínseco ao ritual da capoeira, que a torna prazerosa e terapêutica, contribuindo para o exercício constante da criatividade e do improviso. É o que faz a pessoa se sentir feliz, solto, leve, desestressado, após uma roda de capoeira. O processo de desportivização da mesma, iniciado na década de 80, tem contribuído muito para que este importante princípio seja dissociado do ritual da capoeira, pois não há espaço para ludicidade diante da sobrecarga de competitividade e rivalidade estimulada nessas últimas décadas.

Outro princípio encontrado no jogo da capoeira, muito citado como característica inerente aos malandros de rua é a mandinga. O capoeirista é mandingueiro quando possui trejeitos e expressões corporais que simulam desde gestos religiosos até expressões de outras manifestações culturais como frevo, samba duro, etc.

Mandinga é um jogo de corpo enganoso, marcado pela ambiguidade da movimentação, onde se anuncia algo e realiza-se o contrário, exatamente para ludibriar a expectativa do parceiro. Nessas interações, as expressões faciais e, sobretudo, o sorriso (se comportando como uma espécie de máscara capaz de dissimular a real intenção do jogador), são elementos essenciais estando ligados a sedução, ao encanto que leva o outro a entrar e a se arriscar no jogo. (CRUZ, 1996, P.45)

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Associado a mandinga está a malícia, que confere ao jogador a habilidade para negociar e para deduzir do outro suas segundas intenções, a fim de salvaguardar sua integridade física de possíveis ataques sorrateiros e em surpresa. É evidente que apesar desse princípio aguçar a ação reflexa do capoeirista, no tocante a intencionalidade do parceiro de jogo, poderá também desenvolver constante e demasiado estado de vigília, simulando inclusive uma desconfiança exarcebada para com os mesmos.

Enfim estes são princípios encontrados no ritual da roda de capoeira, os quais serão discutidos no próximo capítulo quanto as suas contribuições na formação de pessoas praticantes desta arte.

2.3 MUSICALIDADE E ORALIDADE

A musicalidade na capoeira tem papel fundamental, pois dela se desencadeia boa parte do processo ritualístico da capoeira, ou seja, é a partir da musicalidade que os movimentos são executados, os instrumentos são tocados e as cantigas entoadas. Portanto, toda a contribuição da musicalidade no processo pedagógico poderá facilmente ser transportado para a intervenção da capoeira neste contexto, haja vista que a mesma é condição fundamental para a prática da capoeira.

Um aspecto importante sobre a musicalidade é que a capoeira tem, tradicionalmente, sua difusão pautada na oralidade, e tem nas cantigas um mecanismo importante de desenvolvimento fisiológico da fala, bem como de transmissão da cultura de geração para geração, desse modo, as letras das cantigas são carregadas de ditos populares e parábolas que traduzem posturas morais, cívicas e afetivas, que podem servir de estratégia na construção de uma sociedade mais justa e humana.

A capoeira, como herdeira de uma cultura oral, apresenta nas cantigas dos antigos mestres a exibição da sua sabedoria através desafios, referências históricas, aconselhamento ao modo africano, constituindo um fundo cultural litero-filosófico característico do grupo social e da região em que se insere.

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Atualmente na roda de capoeira as cantigas são uma das formas de comunicação entre os praticantes, sendo as mesmas utilizadas sob algumas formas estruturais: Ladainhas, Chulas e Corridos. As ladainhas eram “tiradas” (declamadas) ou cantadas durante o terço na novena, etc”. (CASCUDO, 1993), que a capoeira incorpora com essa conotação de oração, mas também se utiliza para contar alguma história acontecida, homenagem a algum velho mestre, dentre outros sentidos.

Nesta, as cantigas sempre terminam em uma louvação com o vocábulo iê cujo significado é encontrado na cultura africana com o sentido de “atenção”. É interessante citar que estas ladainhas também se iniciam com este pequeno vocábulo para deixar atentos os capoeiristas ao que vai ser cantado. Estes tipos de cantiga geralmente abrem a roda de capoeira angola.

Já a chula entenda-se enquanto,

[...] críticas pouco decorosas, irrespeitosas e zombeteiras, que se dizia de forma solada, e não cantada, porém na capoeira estas são cantigas que variam no tamanho e que nos contam uma história: sotaque, mal dizer, fatos do cotidiano, costumes, episódios históricos, o negro livre, a escravidão, mestres de capoeira, mitos, religião, etc, e que findam com um canto corrido, repetido quantas vezes quiser (CASCUDO, 1993, p.56).

No canto da capoeira ainda encontra-se o corrido enquanto cantiga que apresenta um constante trocadilho entre o verso sugerido pelo cantador e uma resposta curta em forma de coro dos capoeiristas da roda.

2.4 O JOGO DA CAPOEIRA

O jogo dentro da roda de capoeira é sustentado pela musicalidade. Palmas, canto e coro dão forma à melodia necessária, que por sua vez influencia o tipo e a forma na qual ele será desenvolvido.

O Pé do Berimbau é um espaço sagrado que pode ser utilizado com inúmeros propósitos. Ao se agachar neste local, o capoeirista saúda o grande mestre da roda, o berimbau, logo faz seus preceitos religiosos a fim de salvaguardar sua integridade física, mental e espiritual, e tem a possibilidade também de neste momento fazer, de forma sutil, uma análise do seu parceiro de jogo estudando sua postura corporal (rígida, tensa, descontraída, dispersa, maliciosa), seu

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olhar (raivoso, alegre, tendencioso), seus sotaques, caso ele chegue a se utilizar das cantigas de improviso (diálogo) destinadas também à comunicação dos capoeiristas e etc.

No jogo da capoeira os jogadores devem se atentar para inúmeras características pertencentes, tais como: proximidade, que confere a chance de se criar inúmeras possibilidades de ataque e defesa; a pouca cobrança pela plasticidade, podendo o jogador deferir golpes sem a amplitude total muscular como forma de assegurar a integridade física e de mostrar que não é a presença dessa valência que assegura a eficiência do jogo, fundamentando o princípio citado pelo mestre Moraes da “forma disforme”; flexibilidade e a destreza corporal, para que se possa criar mais possibilidades de desvencilhar-se do ataque, dentre outros.

Na capoeira Angola por exemplo, existem as “chamadas ou pedidas que são movimentos que articulam dimensões relativas à luta, ao jogo e a brincadeira, trazendo consigo um aumento da tensão destacada por uma certa teatralidade” (CRUZ, 1996, p. 25) e são utilizadas na roda para reverter situações de desvantagens; para amenizar e acalmar um jogador nervoso por ter levado ou não desvantagem; por cansaço físico; por esgotamento mental no sentido da criação de novas possibilidades de ataque; para veicular possíveis ataque, dentre outras motivações. Estes são movimentos que ao serem realizados implicam na aceitação e resposta do parceiro de jogo, com certos gestos específicos que visam o bloqueio de qualquer possibilidade de ataque e que são dependentes de qual chamada se utilize inicialmente.

Analisando então o jogo da capoeira enquanto diálogo corporal é possível afirmar que o mesmo permite aos praticantes estabelecerem uma infinidade de tipos de relação, tal qual queiram os envolvidos, jogos amistosos, belicosos, traiçoeiros, de animação, lúdicos, de

faz-de-conta.

2.5 SISTEMA INICIÁTICO DE FORMAÇÃO

Para compreendermos a dinâmica formativa, comportamental e relacional dentro do universo da capoeira, bem como, de que forma isto impacta nas práticas de gestão vivenciadas nas instituições de capoeira, é preciso entender como estes valores influenciaram e influenciam a vida das comunidades que tem a capoeira como prática iniciática, formadora e diretiva.

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Em uma possível comparação com as comunidades de terreiro, por se tratar de manifestações de matriz africana que nasceram da resistência cultural do negro africano e seus descendentes no Brasil. Diz-se que as comunidades de capoeira também se constituem em um verdadeiro sistema de alianças, desde a simples condição de aluno-iniciante até a mais complexa organização hierárquica, existe o estabelecimento de um parentesco comunitário, semelhante à recriação das linhagens e da família extensiva africana.

Entenda-se a família extensiva na concepção de Todd (1985), inserida em um sistema ideológico mais amplo, ao mesmo tempo em que desenvolve e reproduz um sistema de valores próprios. No caso das manifestações de origem africana, os laços consanguíneos são substituídos pelos laços da participação na comunidade, de acordo com a antiguidade, as obrigações e a linhagem iniciática. Todos estão unidos por laços de iniciação à capoeira, aos demais iniciados, aos mais antigos, aos mestres, aos antepassados e ancestrais da comunidade.

Ainda em comparação as comunidades de terreiro, a seguir são estabelecidos caminhos percorridos no sistema iniciático de uma das religiões brasileiras de origem africana.

Em todo caso, todos percorrem um caminho espiritual hierárquico, que vai desde Abiã até Ebomi. Nesse caminho, o Abiã torna-se Iaô quando é “feito” ou iniciado no Santo. Ele deverá ainda, antes de atingir o grau máximo de Ebomi, passar por mais três cerimônias ritualísticas, chamadas de obrigação: uma cerimônia depois de um ano de feitura, outra depois de três anos e outra aos sete anos depois de iniciado. Ca-da etapa o transfere para um nível hierárquico imediatamente superior. Nesse itine-rário, o tempo não é contado de forma cronológica e sim ritualística. Mesmo que uma pessoa já tenha sido iniciada há mais de sete anos, mas somente agora está dan-do sua obrigação de um ano, ela está hierarquicamente abaixo de uma pessoa que tem cinco anos de feito e que já deu obrigação de três anos. (LODY, 1987, p.24-25). As semelhanças ocorrem por conta do processo iniciático, onde o que impera é o tempo de imersão na capoeiragem (efetiva prática, contato com a comunidade e o conhecimento dos fundamentos do ritual da capoeira), ao invés do tempo cronológico. O aluno é iniciante até que seja batizado pelas mãos do mais antigo mestre presente no ritual de Batismo. Este ritual de passagem permite ao capoeirista o encontro com a geração mais antiga, e por consequência sua chancela nesta passagem. Esse ritual independe do estilo de capoeira (Angola, Regional, de Rua, contemporânea e outras) que se esteja ligado. As diferenças ficam apenas por conta do incremento do rito, a exemplo da Capoeira Regional que incorpora elementos utilizados na formatura universitária (paraninfos, oradores, nomenclaturas, etc.) enquanto a capoeira angola permanece com rito simples, o aluno apenas jogando com a geração mais antiga.

Referências

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