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Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais como elementos operativos-constitutivos do estado democrático de direito no Brasil

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Academic year: 2021

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PERSPECTIVAS HERMENÊUTICAS DOS DIREITOS

HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO ELEMENTOS

OPERATIVOS-CONSTITUTIVOS DO ESTADO DEMO­

CRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL

ILHA DE SANTA CATARINA

(2)

PERSPECTIVAS HERMENÊUTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E FUN­ DAMENTAIS COMO ELEMENTOS OPERATIVOS-CONSTITUTIVOS DO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL

Tese apresentada como requisito par­ cial à obtenção do grau de Doutor. Programa de Pós-Graduação em Di­ reito, Doutorado. Centro de Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Prof. Dr. José Alcebíades de Oliveira Jr.

ILHA DE SANTA CATARINA FEVEREIRO DE 2000

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PERSPECTIVAS HERMENEUTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E FUN­ DAMENTAIS COMO ELEMENTOS OPERATIVOS-CONSTITUTIVOS DO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL

Tese aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor no Programa de Pós-Graduação em Direito, Doutorado, da Universidade

Federal de Santa Catarina, pela Comissão formada pelos professores:

Baltazar.

Coordenador do CPGD-UFSC: Prof. l UDãimMtezar ..

Prof. Df/urnSoUsar B althaiar COOWEHADOR - CPGO/CCJ/UFSC

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AGRADECIMENTOS:

A despeito de toda a responsabilidade e seriedade que demanda um trabalho como o de doutoramento, trata-se de uma grande aventura, necessariamente coletiva, ao menos em termos de interlocutores.

Muito se construiu neste caminho, de sonhos a afetos, formando um plexo de cumplicidade e solidariedade saborosas. Dar nome para este fenômeno é algo temeroso e, por certo, falho. Todavia, merecem destaque alguns fragmentos desta memória.

Quero agradecer a especial atenção de meu Orientador, Prof. Dr. José Alcebíades de Oliveira Jr., por ser artífice deste caminho.

À UFSC, UNISC, Dentinho, Leonel, Discentes (decentes e indecentes deste Brasil), Lenio, Grande Rose, incansável Michelle, CEPE- JUR, Colegas do Doutorado, obrigado.

À Mônia, o amor indizível partilhado nas ausências e si­ lêncios eloqüentes da jornada.

A Dario e Rita, minha gratidão por tudo. Aos meus pais, pela fé professada.

A Matheus e Bruno, filhos, amigos e reveladores da pos­ sibilidade de amar incondicionadamente.

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RESUMO:

O objeto que pretendemos abordar e demonstrar nesta pesquisa é (1) qual o tratamento dispensado à questão dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais pelos ditos Estados Democráticos modernos, em geral, e, em especial, pelo Brasil, a partir da edição da Carta Política de 1988, (2) identificando como a Hermenêutica (cultura/comportamento) jurídica foi se (de)formando sobre esta matéria. Ao lado disto, (3) é nosso intento explicitar o que significa afirmar que o Brasil busca a proteção desses direitos, uma vez que seu próprio Estatuto Constitucional prevê tal mister, (4) bem como quais e que tipos de implicações, notadamente hermenêuticas, decorrem e deveriam decorrer dessa previsão constitucional no ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional.

Para alcançarmos tal mister, ordenamos a pesquisa da seguinte forma: (1) desenvolvemos uma recuperação histórico-filosófico- política do tema Direitos Humanos, no intento de estabelecer contratastes com as diversas formas de tratamento dadas à questão, situando a matéria da pesquisa no tempo e espaço; (2) identificamos como os Direitos Humanos foram e são tratados a partir da perspectiva do Estado e de sua evolução; (3) avaliamos como os Direitos Humanos e Fundamentais foram tratados no âm­ bito do ordenamento jurídico internacional e nacional, aferindo a forma com que a produção teórica jurídica moderna tem se comportado quanto a estes aspectos; (4) elegemos alguns marcos teóricos referenciais no campo da hermenêutica que servem para nos aproximarmos dos significados e sentidos

(6)

do constitucionalismo contemporâneo; por fim (5) propomos algumas alterna­ tivas necessárias e urgentes para tomar frente às deficiências e problemas jurídicos e políticos anteriormente detectados no âmbito dos Direitos Huma­

nos e Fundamentais, principalmente nos aspectos de interpretação e aplica­ ção de suas normativas, ao mesmo tempo que justificamos nossa crença em uma nova concepção de Estado Democrático de Direito e na função social do Direito e dos juristas em face das transformações estruturais que nossa So­ ciedade, de um lado, se vê imersa, e, de outro, necessita.

(7)

El objeto que pretendemos abordar y dem ostrar con Ia presente investigación es (1) cuál el tratam iento dado a Ia cuestión de los Derechos Hum anos y Fundamentales por los así dichos Estados Dem ocráticos modernos en general y especialmente por Brasil desde Ia prom ulgación de Ia Carta Política de 1988, (2) de manera a identificar cóm o Ia Herm enêutica (cultura/com portam iento) jurídica fue sufriendo deform aciones en Ia matéria. Al lado de esto (3) pretendem os explicitar el que significa afirm ar que Brasil está en Ia búsqueda de protección a esos derechos, puesto que el propio Estatuto Constitucional Io preve, (4) así como cuáles y qué tipos de consecuencias, marcadamente hermenêuticas, resultan y deberían resultar de este dispositivo constitucional en el âm bito dei ordenam iento jurídico constitucional e infraconstitucional.

Para alcanzar a este objetivo Ia investigación fue así ordenada: (1) desarrollam os una recuperación histórico-filosófico-política acerca dei tem a de los Derechos Humanos intentando establecer los contrastes existentes en los diferentes tratam ientos con relación a Ia matéria, situando Ia cuestión en el tiem po y en el espacio; (2) identificamos com o los Derechos Hum anos fueron y aún son tratados desde Ia perspectiva dei Estado y de su evolución; (3) evaluam os com o los Derechos Humanos y Fundam entales han sido considerados en el âmbito dei ordenam iento jurídico interno y externo, exam inando Ia form a con que Ia producción teórica jurídica m oderna se ha portado con relación a estos aspectos; (4) eligimos algunos referenciales teóricos en el cam po de Ia Hermenêutica que sirven de aporte para una aproxim ación a los significados y sentidos de los Derechos Humanos y de su proceso de positivación jurídica hacia su transform ación en Derechos Fundam entales en cuanto elementos jurídico-políticos caracterizadores dei constitucionalism o contemporâneo; por fin (5) presentam os algunas

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Ias fallas y problem as jurídicos y políticos ya anteriorm ente senalados en el âm bito de los Derechos Humanos y Fundam entales, máxime en el que se refiere a los aspectos de su interpretación y aplicación, al mismo tiem po en que justificam os Ia creencia en Ias posibilidades de una nueva concepción de Estado Dem ocrático de Derecho y de Ia función social a ser ejercida por el Derecho y por los juristas frente a Ias transform aciones estructurales que, por un lado, se viven y, por otro, se hacen necesarias en nuestra sociedad.

(9)

We intend to discuss and demonstrate, in this research, (1) the treatment given by the modern Democratic States to the question of the Human and Fundamental Rights, specially in Brazil, since the edition of the 1988's Constitution, (2) identifying how the juridical Hermeneutics (its culture and behaviour) has suffered deformations in this point. Beside this, (3) its our intention to explicitate what it means to assure that Brazil looks for the protec- tion of these rights, once that the own Constitution displays this purpose, (4) as well as determine wich and what kind of implications, notoriously herme- neutical, result (or should result) from this constitutional dispositive in the am- bit ofthe constitucional and infraconstitucional juridical ordainment.

To reach this purpose, the research was ordered in the following way: (1) was developped an historical-filosofical-political recuperation about the theme of the Human Rights, intending to establish the differences between the various interpretations given to it throughout the time and throu- ghout the space; (2) was identified how the Human Rights were and now are treated in the perspective ofthe State and its evolution; (3) was evaluated how the Human and Fundamental Rights were treated in the ambit of the internati- onal and national juridical ordainment, testing the behaviour of the modern juridical theory in face of these aspects; (4) were chosen some referential the- oric points in the ambit of the hermeneutics that allow us to approach the

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me-ming Fundamental Rights while juridical and political elements of the contem- poraneous constitucionalism; at last, (5) were proposed some necessary and urgent alternatives to revanche the juridical and political defaults and problems previously detected in the ambit of the Human and Fundamental Rights, mainly in the aspect of interpretation and application of their normatives, as the same time that justified our trust in a new concept of Democratic State of Law and in the social function played by the Law and by the jurists in the structural transformations that our Society, by one side, lives, and, by the other side, needs.

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CAPÍTULO PRIMEIRO... ...22

ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E FILOSÓFICOS DOS DIREI­ TOS HUMANOS... ... 22

1.1.Os Direitos Humanos como produto da história... ... ... 22

1.2.Direitos Humanos e Direito Natural... ...43

1.3.Direitos Humanos e Direitos Subjetivos... ... 50

CAPÍTULO SEGUNDO... ... 62

OS DIREITOS HUMANOS NA PERSPECTIVA DA EVOLUÇÃO DO ES­ TADO... ...62

2.1. O Estado Liberal de Direito... 62

2.2. Estado Social de Direito e Direitos Humanos... 76

2.3. O Estado de Direito x Direitos Fundamentais: novos desafios...91

2.3.a. O Estado de Direito para Elias Díaz... 95

2.3.b. O Estado de Direito e os Direitos Humanos em Antonio E. Pérez Luno 100 2.3.c. A contribuição de Norberto Bobbio para os temas dos Direitos Humanos e o Estado de Direito...105

2.4. A perspectiva garantista dos Direitos Humanos e do Estado de Direito... ... 109

(12)

CAPÍTULO TERCEIRO... ... 122 ASPECTOS DESTACADOS DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM JURÍ­ DICA INTERNACIONAL E NO BRASIL... 122 3.1. A proteção internacional dos Direitos Humanos no âmbito

histórico... 122 3.2. Os Tratados Internacionais sobre os Direitos Humanos: temas

e abrangências... ...130 3.2.a. A Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH...135 3.2.b. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - PIDCP... 140 3.2.c. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais - PIDESC... ... . 143 3.2.d. Os Instrumentos específicos no âmbito internacional... 147 3.3. O Estado brasileiro e os Tratados Internacionais de proteção

dos Direitos Humanos... ... ... 151

CAPÍTULO QUARTO... 162 CONSTITUIÇÃO E HERMENÊUTICA: demarcações teórico-

aproximativas aos Direitos Humanos e Fundamentais... 162 4.1. A natureza da Constituição do Estado Moderno: legitimidade

e legalidade... ...162 4.2. Hermenêutica e Constituição... 176 4.3. A interpretação concretizante da Constituição de Konrad

Hesse... 184 4.4.A contribuição de Friedrich Müller... . 191

(13)

4.5.Os espaços abertos da hermenêutica constitucional em Peter

Hãberle... 198

4.6.Interpretação e Metódica Constitucional... 202

4.7.Hermenêutica e Constituição no Brasil...215

CAPÍTULO QUINTO...224

OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO ELEMENTOS OPERATIVOS-CONSTITUTIVOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL... 224

5.1. O Estado de Direito no Brasil: aspectos controvertidos.;...224

5.2. Os princípios constitucionais: natureza e significados... 229

5.3. O Poder Judiciário no Brasil e os Direitos Humanos e Fundamentais... 243

5.4. Os Poderes/Deveres do Estado Democrático brasileiro na proteção e implementação dos Direitos Humanos e Fundamentais... 258

CONCLUSÕES... 274

(14)

O objeto de preocupação teórica que desenvolvemos, no curso de doutorado, pretende enfrentar temas que envolvem a idéia - a ser devidamente justificada no corpo do trabalho - de Estado Democrático de Direito no Brasil em face dos Direitos Humanos e Fundamentais, numa perspectiva hermenêutica, multi- disciplinar, histórica ( enquanto resgate de informações de fatos ocorridos no tempo demarcado pelo trabalho) e crítica. Para tanto, mister é que se recuperem algumas informações e elementos teóricos lançados no tempo e que dizem respeito a essas questões, principalmente no plano de abordagem discursiva da filosofia, teoria políti­ ca e jurídica, a partir da Idade Moderna.

Considerando que a Teoria do Estado na Idade Moderna - ao menos na cultura jurídica ocidental - está toda centrada na figura da Lei1 como prin­ cipal fonte de padronização das relações de convivência, lugar onde o princípio de legitimação das sociedades políticas vindouras se assenta, a Constituição (en­ quanto instrumento jurídico e político) tem uma função de justificação do novo poder que se instaura, delimitando a estrutura, organização e competências estatais que

1 Como bem adverte TARELLO, Giovanni. Cultura jurídica y política dei derecho. Trad. de Isidro Ro­ sas Alvarado. México: Fondo de Cultura econômica, 1998, p.32.

(15)

são responsáveis pelo asseguramento das regras do desenvolvimento social e eco­ nômico da Sociedade, bem como, é claro, substitutas das instâncias arbitrárias de governo até então existentes.

O Direito, enquanto veículo de ordem e segurança, como Lei, e esta, em última instância, como produto do Estado, é exaltado como instrumento de exercício de poder. Dessa forma, concluímos, com facilidade, que a Lei e sua repre­ sentação maior, a Constituição, se diz ao Estado qual o seu lugar, ao mesmo tempo é a expressão de interesses das classes socialmente dominantes, e, assim, pode­ mos concluir que a forma da construção do jurídico está inserta em ambientes políti­ cos e econômicos que se imbricam e se instituem reciprocamente2.

Como prolongamento do Estado Moderno e a partir de seus pressupostos, consolida-se a visão liberal do Estado burguês, presente por uma democracia representativa, com o poder residindo em um pequeno grupo de cida­ dãos. O Estado ideal, aqui, é aquele no qual o poder político de efetiva deliberação é estendido a um pequeno grupo, deixando que o mercado livre cuide da distribui­ ção da riqueza e da renda 3.

Assim, vamos demonstrar no capítulo quarto do trabalho, que a Lei, inclusive a Constituição, veiculada pelo Estado, é imposta à comunidade, em nome de um pacto ou consenso meramente formal; a Constituição se apresenta

2 Neste sentido a bibliografia especializada, como: LEFORT, Claude. Ulnvention Démocratique- Les

limites de Ia domination totalitaire. Paris: Librairie Arthème Fayard. 1981; BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1980; NETO, Pedro Vidal. Estado de Direito. São Paulo: LTr.

1979; FARIA, José Eduardo. Retórica Política e Ideologia Democrática. Rio de Janeiro: Graal. 1984; HAURIOU, André. Derecho Constitucional e Instituciones Politicas. Trad. de José Antonio Gonzalez Casanova. Barcelona: Ariel. 1971.

(16)

como sendo a expressão verbal da normatividade de uma dominação que, em ver­ dade, é exercida para manter ou colocar no poder uma determinada elite4.

Com o advento das democracias no final do século XVIII, há uma significativa alteração na concepção de poder do Estado e no exercício de go­ verno dos países ocidentais, estando estes vinculados a um ordenamento jurídico que, paulatinamente, vai alcançando um contingente cada vez maior de pessoas. Um dos resultados deste período é o desenvolvimento do debate sobre os Direitos Humanos e Fundamentais.

Tais direitos dão à idéia de Democracia um novo referencial, e, queremos demonstrar, ao Estado, novas funções e deveres, surgindo, daí, a figura retórica e política do Estado Democrático de Direito na condição de princípio infor­ mativo da significação, validade/vigência e eficácia das normas constitucionais e infraconstitucionais, ora podendo ser utilizado de forma emancipadora e popular, oportunizando, entre outras coisas, a efetiva proteção e implementação dos direitos humanos, ou, simplesmente, podendo figurar como enunciado meramente formal, sem preocupação alguma com sua possível materialidade5.

É de se ver que a Constituição Brasileira de 1988, em seu Tí­ tulo I, tratando dos princípios fundamentais que a informam, assevera, no art.1°, que:

3 TELLES, Vera. Sociedade Civil e a construção de espaços públicos, in Anos 90 - Sociedade e Política no Brasil. São Paulo: Brasiiiense. 1994, p.97.

4 Conforme GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

5 Excelente trabalho neste sentido é apresentado por POGGI, Gianfranco. A Evolução do Estado

(17)

A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolú­ vel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III-a dignidade da pessoa humana;

No art.3°, a Carta Política esclarece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre outros, o de erradicar a po­ breza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ou­ tras formas de discriminação, inscrevendo ainda como princípio de relações interna­ cionais a prevalência dos direitos dos humanos.

No restante do corpo da Constituição não se observa ou per­ cebe qual ou quais o(s) significado(s) ou sentido(s) manifestos da expressão Estado Democrático de Direito, a despeito de tal categoria ser colocada como princípio re- gedor de toda a regulamentação constitucional do país, bem como inexiste um tra­ tamento mais detalhado e explícito sobre a questão dos direitos humanos, estando os operadores jurídicos no Brasil significativamente afastados desta discus­ são/reflexão, o que implica numa brutal falta de atenção dos poderes instituídos e, fundamentalmente, da tutela jurisdicional do Estado.

Na verdade, em termos de história passada e presente, o Brasil se manteve distanciado e relutante na adoção material de institutos e mecanismos de implementação dos Direitos Humanos e Fundamentais de sua cidadania, bem como da abordagem e preocupação teórica deste tema, embora a Constituição Bra­ sileira de 1988 assevere que os Direitos Humanos são objeto de proteção nacional ;

(18)

entretanto, como já afirmamos, tais direitos não têm recebido a devida atenção dos operadores jurídicos e das instituições oficiais (especialmente da tutela jurisdicional do Estado), por diversas razões e, principalmente, porque inexiste no universo refle­ xivo dos operadores do direito uma hermenêutica que leve em conta os seus signifi­ cados multifacetados e sua importância social. Disto decorre não conceberem que o Estado Democrático de Direito deve servir de instrumento, leitura e aplicação dos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, visando estimular, implementar e garantir, materialmente, a realização daquelas prerrogativas6.

Em outras palavras, a Democracia Liberal ou Neoliberal brasi­ leira, ao designar um único e verdadeiro padrão de organização institucional basea­ do na liberdade tutelada pela lei, na igualdade formal, na certeza jurídica, no equilí­ brio entre os poderes do Estado, abre caminho à conquista da unanimidade dum conjunto de atitudes, hábitos e procedimentos, os quais, geralmente, refletem a re­ produção do status quo . Em tal quadro, a economia se converte numa questão emi­ nentemente privada e o direito, por sua vez, se torna predominantemente direito civil, consagrando os princípios jurídicos fundamentais ao desenvolvimento capitalista, como os da autonomia da vontade, da livre disposição contratual e o da pacta sun sen/anda.7

Em razão do ponderado, a presente investigação pretende de­ limitar as categorias pertinentes e enfrentadas no âmbito dos direitos humanos, bem

6 Neste sentido ver VERDOODT, Antoain. Naissance et signification de Ia Declaration universelle des

droits de l ’homme. Paris: Louvain± 1973, principalmente a partir das páginas 238 a 318. Também é de

se destacar aqui o trabalho de PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. Flori­ anópolis: Estudantil, 1988, p.34.

7 Uma avaliação consistente neste sentido é a de FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização

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como elas devem ser tratados a partir da perspectiva de um Estado Democrático de Direito brasileiro, empreendendo, para tanto, um caminho que entendemos ser se­ guro e necessário ao desiderato, ou seja:

(1) Num primeiro capítulo, que chamamos de histórico- analítico, cujo título é ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E FILOSÓFICOS

DOS DIREITOS HUMANOS, procuramos desenvolver uma recuperação histórico- filosófico-política do tema Direitos Humanos em nível nacional e internacional, até para estabelecer contratastes com as diversas formas de tratamento dado à ques­ tão.

Acreditamos ser da mais alta relevância pontuarmos os marcos referenciais políticos, econômicos e culturais que tangenciam de perto este tema, ao longo do tempo demarcado pela pesquisa, pois, se o conceito de Direitos Humanos é, pela tradição no Ocidente, tratado, principalmente, pelo marco do direito constitu­ cional e dó direito internacional, cujo propósito é construir instrumentos institucionais à defesa dos direitos dos seres humanos contra os abusos de poder cometidos pe­ los mais diversos tipos de órgãos e instituições, ao mesmo tempo em que busca a promoção de condições dignas da vida humana e de seu desenvolvimento, também é verdade que existem elementos políticos e filosóficos na base destes conceitos, muitas vezes de forma implícita, o que nos obriga a desvendá-los com o cuidado que exige a matéria.

Esta forma de encarar a questão dos Direitos Humanos, sem dúvida, proporciona uma das bases importantes de assentamento dos objetivos pe­ los quais tal problemática obtém espaço político nos tempos atuais, a saber: que os Direitos Humanos e sua positivação jurídica nos Direitos Fundamentais, constituem

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uma categoria política e jurídica ; que tais direitos dizem respeito tanto ao homem como ao cidadão; que estes direitos se colocam como indicadores das condições e possibilidades de um Estado Democrático de Direito.

(2) Num segundo capítulo, denominado de OS DIREITOS HU­ MANOS NA PERSPECTIVA DA EVOLUÇÃO DO ESTADO, procuramos estabelecer como se forja a idéia de Estado de Direito na Teoria Política e Jurídica atual e qual a relação que ele mantém com os Direitos Humanos, principalmente a partir da contri­ buição teórica de alguns filósofos e juristas contemporâneos.

De outro lado, os tempos hodiernos revelam um alto grau de complexidade na organização desta sociedade, isto tanto em nível de relações hu­ manas formais como informais. Os mais diversos segmentos e interesses dos indiví­ duos fazem surgir uma plêiade de situações e contingências que tomam dimensões coletivas e difusas, fazendo com que se criem mobilizações políticas, econômicas e jurídicas setoriais como o movimento dos consumidores, organizações de atividades econômicas e culturais não-governamentais, núcleos de proteção ao meio ambiente, etc. Para dar conta de tamanho desafio, o Estado necessita de uma valoração dife­ renciada, a ser explicitada oportunamente.

(3) Num terceiro capítulo, o qual denominamos de ASPECTOS DESTACADOS DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM JURÍDICA INTERNACIO­ NAL E NO BRASIL, avaliamos como os Direitos Humanos foram se incorporando no âmbito dos ordenamentos jurídicos internacionais e nacionais, transformando-se, inclusive, em Direitos Fundamentais, verificando de que forma e com que dificulda­

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des enfrentamos temas de alta conflituosidade, tais como: a vedação de ingresso nas soberanias dos Estados; as formas de criação e recepção das normas protetivas dos Direitos Humanos, etc.

Em tal quadro, vamos demonstrar que é imperiosa a emergên­ cia de uma ação internacional e nacional mais efetiva na tutela desses direitos, exatamente para alavancar o processo de eficácia transnacional dos sujeitos de di­ reito, sob pena de esvaziarmos ainda mais esta conquista democrática.

(4) O capítulo quatro de nosso trabalho quer alcançar o tema da CONSTITUIÇÃO E HERMENÊUTICA, momento em que adentramos na proble­ mática da interpretação da Constituição e de suas normas, princípios e regras pro­ tetoras dos Direitos Humanos e Fundamentais, bem como quais os seus significados multifacetados. Queremos demonstrar que há uma tendência constitucional contem­ porânea de dispensar um tratamento especial às normas que alcançam aqueles di­ reitos, o que revela uma nova escala de valores na qual o ser humano passa a ocu­ par uma posição central.

Para tanto, nos valemos dos referenciais teóricos do pensa­ mento constitucionalista contemporâneo alemão, português e brasileiro, em especial o que diz respeito à idéia de Constitucionalismo orgânico e aberto, possibilitando a existência e o reconhecimento de diversos atores e autores da Constituição e dos Direitos Humanos e Fundamentais.

(5) Por fim, no quinto capítulo, que denominamos de prospec- tivo-crítico8, intitulado OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS COMO

ELE-8 Ou seja, momento em que pretendemos propor, a partir dos referenciais até então enfrentados, nossa contribuição à operacionalização e concretização dos Direitos Humanos e Fundamentais no

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MENTOS OPERATIVOS-CONSTITUTIVOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DI­ REITO NO BRASIL, indicamos que alternativas necessárias e urgentes devemos, os operadores jurídicos brasileiros e mesmo o Estado, tomar frente às deficiências e problemas jurídicos e políticos anteriormente detectados, ratificando nossa crença em uma nova concepção de Estado Democrático de Direito e na função social do Direito e dos juristas em face das transformações estruturais que nossa sociedade, de um lado, se vê imersa, e, de outro, necessita. Neste particular, a título de ilustra­ ção, avaliamos alguns estudos de casos jurisprudenciais.

Tais alternativas implicam, necessariamente, numa profunda revisão sobre a idéia de Estado Democrático de Direito no Brasil e qual o significado da previsão constitucional dos Direitos Humanos enquanto princípio informativo da federação brasileira, para então podermos elencar quais os poderes/deveres do Estado, enquanto instituição política e jurídica neste país.

Considerando que nosso trabalho é de natureza bibliográfica, o método a ser adotado no seu desenvolvimento é, eminentemente, o indutivo9, com uma perspectiva histórico-crítica que, procurando dar tratamento localizado no tem­ po à matéria objeto do estudo10, busca aferir como o universo da dogmática jurídica e os operadores do direito vêm tratando as questões colocadas à pesquisa.

A partir deste método, estabelecemos a demarcação teórica de categorias fundamentais à pesquisa, a saber: Estado Democrático de Direito, Direi­

Brasil.

9 Como quer PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. Florianópolis: Editora OAB, 1999, p.85, a utilização deste método procurar demarcar e identificar as partes de um fenômeno e cole­ cioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.

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tos Humanos e Fundamentais e Hermenêutica Jurídica, para então esboçarmos um diagnóstico da conjuntura nacional neste particular e dos mecanismos e instrumen­ tos capazes de implementar estes direitos11.

Os marcos teóricos referidos vão se cingir tanto às reflexões de juristas brasileiros como estrangeiros (italianos, espanhóis e alemães), exatamente

para densificar a construção de nossa hipótese.

Em termos de técnica da pesquisa, pretendemos utilizar docu­ mentação indireta, com consulta em bibliografia de fontes primárias e secundárias, tais como: publicações avulsas, jornais, revistas especializadas na área da pesquisa, livros, periódicos de jurisprudências, etc.12. Este manancial de fontes vai servir tanto para a fundamentação do trabalho como para a diversificação de sua abordagem.

Este projeto de pesquisa desenvolve-se com um duplo com­ portamento. Se de um lado vamos expressar, de modo sistemático, uma série de análises teóricas atinentes á idéia de Estado Democrático de Direito, Normas Cons­ titucionais e Direitos Humanos, de outro, a partir da perspectiva de articular o políti­ co/institucional e o jurídico, vamos propor uma forma de intervenção estatal à con­ cretização desses direitos.

10 Como já se disse, a partir da publicação da Constituição Brasileira de 1988.

11 Tais marcos teóricos estão localizados em cada capítulo e pontuados com destaque nos momentos em que elegemos algumas categorias mestras à articulação de nossas reflexões.

12 Conforme LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia

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ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E FILOSÓFICOS DOS DIREITOS HU­ MANOS

1.1.Os Direitos Humanos como produto da história; 1.2.Direitos Humanos e Direito Natural; 1.3.Direitos Humanos e Direitos Subjetivos

1.1. Os Direitos Humanos como produto da história

O tema que envolve os Direitos Humanos liga-se diretamente à história e, qualquer justificação racional envolvendo tal matéria, requer uma aná­ lise dessa natureza. Não recorrer à história significa realizar estudos parciais, li­ mitados a determinados âmbitos de sua realidade, como o jurídico, o político, o social.

Esta história dos Direitos Humanos coloca, ao menos para nosso intento, duas relações básicas e congruentes: (1) uma relação com a histó­ ria em si mesma, que não significa tão-somente retroceder ao passado; (2) uma relação com o conceito de Direitos Humanos que é construído e demanda, neces­ sariamente, uma abordagem de cunho filosófico.

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A história dos Direitos Humanos no Ocidente é a história da própria condição humana e de seu desenvolvimento nos diversos modelos e ciclos econômicos, políticos e culturais pelos quais passamos; é a forma com que as relações humanas têm sido travadas e que mecanismos e instrumentos institucio­ nais as têm mediado. Em cada uma destas etapas, os Direitos Humanos foram se incorporando, sendo primeiro nas idéias políticas, e em seguida no plano jurídico (portanto no sistema normativo do direito positivo internacional e interno).

Desde os hebreus, com sua visão de Cosmos e religião monoteísta, e na condição de povo perseguido, é possível identificarmos uma certa primazia dada ao tema dos direitos da pessoa humana13.

A cultura grega, especulando sobre a vida humana ê suas potencialidades, propõe uma concepção de existência voltada para um humanismo marcado pela racionalidade, o que propicia enfrentar os fatos da vida com discernimento e objetividade, dando vezo à discussão sobre as liberdades políticas.14

Por óbvio que temos presente as formas diversas de discriminação escravagista e xenófoba alimentadas por esta cultura, porém, o

13 Conforme MCKEON, Richard. Las bases filosóficas y Ias circunstâncias materiales de los dere­

chos dei hombre. Madrid: Siglo veinteuno, 1993.

14 Tanto os diálogos platônicos como os textos de Aristóteles apontam nesta direção. Neste senti­ do a lembrança de BATIFFOL, Henri. Filosofia dei Derecho. Buenos Aires: Eudeba, 1982, p. 183:

La libertad de Ia cual se habla no es sinônimo de autogobierno; antes, es el hábito de vivir de acuerdo con las leyes de Ia ciudad, leyes estas que laudan Ia libertad, coiocándola en condición de ciudadanía y magnanimidad.

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registro histórico se faz imperioso para evidenciar uma certa preocupação e, mesmo reflexão, envolvendo a pessoa humana como centro da sociabilidade nas comunas.

Já os romanos, apesar de sedimentarem a lei como instru­ mento maior de regulação social, a partir dos contornos do Direito Natural e da vontade do Imperador com sua cultura militarista e pragmática, serviram aos Di­ reitos Humanos como forma de exemplo (negativo) do seu desrespeito institucio­ nalizado15.

O Cristianismo, instituindo os princípios de igualdade e fraternidade, estabelece uma verdadeira ruptura com o modelo de Sociedade existente no Império Romano, postulando a inexistência de diferenças entre amos e escravos e razões que as justifiquem, tanto no plano moral como econômico.

De qualquer sorte, desde a invasão dos bárbaros nos territórios romanos e de sua caída, ao longo da Idade Média, não vamos encontrar muitas contribuições para o debate do tema, a não ser o fato de que, com o passar deste tempo, as relações entre senhores e servos vão se alterando, por diversas causas, sendo possível perceber, por volta do século V, a organização de povoados e aglomerações urbanas, oportunizando o surgimento de um novo

15 Há algumas informações neste sentido no texto de IHERING, Rudolf Von. El espíritu dei derecho

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modelo de relações sociais, marcado por um certo grau de discussão política mais descentralizada, principalmente entre os poderes instituídos e os cidadãos.16

Tais fatos demarcam um momento histórico importante na abordagem dos Direitos Humanos, eis que nos espaços públicos e privados des­ tas cidades é que os assuntos que interessam às pessoas atingem um nível mais intenso e direto, fomentando o debate e a participação.

É na cidadela que se aplicam as inovações técnicas como o calçamento, o esgoto, os condutos de água, as banheiras e os aposentos privativos para dormir. Além disso, enquanto a cidade se torna uma compacta massa de casas, o palácio dispõe de uma amplitude de jardins e espaços de prazer. Todos os grandes eventos deste estágio têm sua mola pro­ pulsora na realeza; tal fato, concernente ao surgimento e à origem da cidade propriamente dita dentro da cidadela, expli­ ca como, ainda hoje, tantas características urbanas guardam a marca de antigos privilégios e prerrogativas reais.

Antes disso e mais tarde, porém, a Europa do século XVI é rica em paradoxos políticos e culturais, pois ao mesmo tempo em que se festejam o Renascimento, o Humanismo, as Letras e as Ciências, violações extremas e arbitrárias dos Direitos Humanos são facilmente localizadas nos sistemas inquisi- toriais de perseguição aos inimigos das Cortes.

Alerta Traviesso que:

16 Neste sentido a obra de DAHRENDORF, Ralf. Sociedad y libertad. Madrid: Técnos, 1991, pp.183 e ss.

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Hay dos códigos que evidencian esas violaciones y las insti- tucionalizan: La Ordenanza de Bamberg de 1507 y Ia Orde- nanza Carolina de 1532, promulgadas por Carlos V. La orde­ nanza de Bamberg estableció en sus normas Ia tortura, aún en presencia de pruebas suficientes, y prescribió minucio­ samente las metodologias de flagelamientos, atenazamien- tos o cortes dei tabique nasal. Se cumplían los pasos legales, que en algunos casos preveían invariablemente que conve- nía torturar de manera adecuada.18

O grau de sociabilidade e de urbanização que vai se iniciar mais tarde é importantíssimo no processo de acirramento das discussões em tor­ no dos direitos de cidadania e fundamentais. Porém, importa reconhecermos, é a partir dos séculos XVIII e XIX que vamos encontrar, na humanização dos proces­ sos sancionatórios e das garantias processuais penais, influenciados pelos pres­ supostos do Direito Natural, uma sensível atenção aos direitos da pessoa humana e aos sujeitos de direito.19

Em termos mais políticos e mesmo jurídicos, coube aos fau­ tores da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, a expressão primeira dos direitos, posteriormente (já no século XX) divulgados

18

TRAVIESO, Juan Antonio. Historia de los derechos humanos e garantias. Buenos Aires: Helias- ta, 1995, p.89.

19 O histórico destes acontecimentos tem literatura ilustrativa na obra de MANDROU, Robert. Ma­

gistrados e feiticeiros na frança do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 1979. Antes do período

acima referido existiam duas formas de obter-se uma decisão judicial via decisão jurisdicional: (1) um sistema denominado de íntima convicção do juiz, na qual o magistrado consulta tão-somente sua consciência - que é a consciência hegemônica de seu tempo e de seus pares - ; (2) o sistema denominado de probatório, oportunidade em que a condenação ou a absolvição do julgado depen­ de do conjunto de provas produzidas e autorizadas por um código. A despeito de não se questio­ nar muito como tais provas eram obtidas, o fato é que houve um avanço no mínimo procedimental a q u i.

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com a alcunha de Direitos Humanos20. E aos revolucionários franceses, com o caráter cosmopolita dominante dos seus atos políticos, a proclamação desses di­ reitos, em elenco que se divulgou, se fez fonte de sua adoção nos sistemas jurídi­ cos e nas organizações políticas que a partir de então se estabeleceram21.

É ilustrativa, neste sentido, a Declaração de Direitos do Es­ tado de Virgínia, de 12 de junho de 1776 que, dentre outras normas estabelecia: (1) que, por natureza, todos os homens são igualmente livres e independentes e têm certos direitos inerentes, tais como o de desfrutar a vida e a liberdade com os meios para adquirir e possuir propriedades, a busca da felicidade e da segurança, (2) que toda a autoridade está baseada no povo e é derivada dele mesmo, tanto que os magistrados são, tão-somente, administradores e servidores e a todo tem­ po lhe devem obediência; (3) que o governo está, ou deve estar, instituído para a segurança, a proteção e o benefício comum do povo; (4) que dos diferentes mo­ dos e formas de governo, o melhor é o que é capaz de produzir o maior grau de segurança e felicidade e o que oferece os melhores meios de resguardo de uma má administração.22

20 Por óbvio, temos consciência de que o movimento emancipatório norte-americano não alterou radicalmente nenhuma estrutura social vigente, tampouco proporcionou uma nova perspectiva de relações sociais e econômicas, mas veio atender uma demanda dos setores produtivos das colôni­ as inglesas no sentido de não mais responder à Coroa com tantos impostos e ônus financeiros, o que não garantiu qualquer medida de caráter democrático maior. Os novos Estados americanos, de 1776 a 1780 foram elaborando suas normas constitucionais, com base nos princípios do con­ trato social, estabelecendo a periodicidade dos cargos, a divisão dos poderes e, o que é principal para nosso estudo, declarando os direitos humanos. Neste sentido a obra de PINILLA, Ignacio Ara.

Las transformaciones de los derechos humanos. Madrid: Tecnos, 1991, p.211.

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As cartas constitucionais dos demais Estados americanos, a partir deste período , vão utilizar o sistema de instituir, antes das regras jurídicas de caráter individual e coletivo, um conjunto de princípios que são, na realidade, verdadeiros instrumentos de declaração de direitos dos cidadãos que nenhum go­ verno pode eliminar arbitrariamente, como a liberdade de imprensa, liberdade da manifestação do pensamento, o devido processo le g a l, o direito de defesa.

A Declaração Francesa dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, e mesmo outros documentos surgidos posteriormente, fazem uma distin­ ção entre, por um lado, os direitos do homem e, por outro, os direitos do cidadão. Nestes textos, o homem é colocado como alguém que existe fora da Sociedade, eis que preexiste a ela. No que tange ao cidadão, ele se encontra exatamente no centro da Sociedade e sob a autoridade do Estado.23 Dessa forma e novamente, como é próprio de concepções com forte veio jusnaturalista, os direitos do homem são naturais e inalienáveis, enquanto que os direitos do cidadão são positivos e garantidos pelo direito positivo.24

22 Conforme a obra de HORWITZ, Morton J. The Constitution o f change: legal fundamentality wi-

thout fundamentalism. In HARVARD LAW REVIEW, v.107, 1993, p.61. Aqui se percebe explicita­

mente a fonte jusnaturalista que alcança os dispositivos.

23 Vamos avaliar melhor esta matéria quando tratarmos sobre os aspectos filosóficos dos direitos humanos. De qualquer sorte, alguns documentos informam que o processo de discussão dos te­ mas que foram incorporados pela Declaração dos Direitos do Homem tiveram um profundo e con­ tundente debate na Assembléia dos Deputados Franceses, tais como: (a) alguns deputados insisti­ am no sentido de que direitos e deveres andam sempre juntos e que dever-se-ia prever também os deveres junto com os direitos do Homem; (b) o grande debate que acabou por abolir os direitos feudais sob a alegação de que seria incoerente e mesmo incompatível proclamar uma Declaração dos Direitos do Homem , de conteúdo igualitário e ao mesmo tempo manter os privilégios do feu­ dalismo baseados na desigualdade. Neste sentido a obra de VERDOODT, Albert. Naissance et

signification de Ia declaration universelle des droits de l'homme. Paris: Louvain, 1973, p. 127 e ss.

24 Aqui temos uma primeira abordagem diferenciadora do tema dos Direitos Humanos em face dos Direitos Fundamentais, sendo os primeiros identificados com aqueles direitos mais naturais e alie- náveis, enquanto que os segundos dizem respeito aos direitos já positivados.

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Todavia, algumas observações cabem quanto a essas pri­ meiras declarações de direitos fundamentais: (1) preliminarmente, é de se relevar serem elas documentos de valor normativo, impositivo portanto, mas externos às Constituições25 ; (2) em segundo lugar, é de se salientar que os direitos declara­ dos traziam a conotação (ou se divulgava com o sentido) de direitos naturais dos homens26, não expressando, assim, a idéia que hoje domina, historiciza e engaja tais direitos à realidade da experiência política e jurídica do homem na Sociedade estatal; (3) um terceiro ponto é que tais direitos ainda se concebiam como privilé­ gios (tais como os seus antecedentes, havidos, por exemplo, em documentos como a Carta Magna adotada, na Inglaterra, em 1215, por João Sem Terra), nem tinham eles caráter universal em sua aplicação, nem a preocupação dominante das concepções burguesas, colocando-se a salvo das investidas, não apenas do poder estatal, mas dos poderes particularistas havidos na Sociedade de uns con­ tra outros homens; (4) em quarto lugar, é de se atentar que os direitos declarados tisnam-se pela conotação individualista27; (5) em quinto lugar, acentue-se que es­ ses direitos, referentes à vida, à liberdade individual, à segurança, à igualdade e à

25 Tanto os artigos da Confederação dos norte-americanos, que continham as normas da organi­ zação fundamental dos Estados Unidos, quanto a Constituição Francesa, de 1791, não incluíam aquele rol de direitos declarados em seus textos, conquanto o considerassem de cumprimento obrigatório e, inclusive, de valor supraconstitucional.

26 Los mencionados derechos humanos son contratos establecidos por el Estado com Ia población

y, principalmente, com Ia nobleza. Se considera que estos contratos preservan ciertos derechos dei hombre al impedir que el Estado interfiera en el ejercicio de tales derechos. PARTSCH, Josef. Princípios fundamentales de los derechos humanos. Barcelona: Serbal/Unesco, 1995, p. 140.

27 Porque o Estado então estruturado era Liberal de Direito, pelo que os interesses individuais e o individualismo predominavam sobre todas as formas de organização e o Direito não se ausentava desta natureza com que se geravam as idéias, as instituições e as suas práticas. Em outras pala­ vras, tais direitos aparecem sob a égide de uma cultura centrada no contratualismo individualista. Neste sentido a obra de VILLEY, Michel. Le droit et les droits de 1'homme. Paris: PUF, 1993, p. 185.

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propriedade são, já então no curso deste século XX, denominados de primeira geração.

A situação da Europa, do final no século XVIII, é bastante propícia para que os Direitos Humanos tenham lugar destacado nas reflexões dos países mais avançados, bastando lembrar a situação da França sofrendo profun­ das conturbações sociais desde o movimento de 178928; a situação da Turquia que invade outros Estados com o intento de amealhar maiores divisas econômi­ cas; por sua vez, a Itália e Alemanha tomadas por guerras intestinais que se ar­ rastam desde 1848.

Com o Tratado de Viena de 1815, mitigador dos efeitos ca­ tastróficos das investidas de Napoleão, as violações aos direitos humanos, já in- sertos em constituições e tratados internacionais, vão se reduzir.

As normas constitucionais do século XIX e XX , quase que indiscriminadamente, em grande parte dos países do Ocidente, vão introduzir os princípios políticos e filosóficos protetivos dos Direitos Humanos em regras jurídi­ cas expressas e tidas, geralmente, como principiológicas. Este processo de posi- tivação, já iniciado de alguma maneira com a Declaração de Virgínia de 1776, foi fundamental para estruturar, em corpos normativos, os dispositivos jurídicos

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nentes a tais direitos, que, ora positivados, transformam-se em Direitos Funda­ mentais.29

É assim que esta conjuntura dá ensejo para o recrudesci- mento dos Direitos Humanos como, por exemplo, fomento à autodeterminação dos povos e pela crescente exigência do término de práticas ilícitas dos Esta­ dos30, bem como o respeito às garantias constitucionais, principalmente individu­ ais.

De uma certa forma, este conjunto de direitos vai ser, mais tarde, reconhecido juridicamente, e num âmbito de maior detalhamento, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução da ONU n°2.200-A (XXI), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16/12/1966. Este Pacto vai versar sobre a proteção da liberdade, de segurança, de integridade físi­ ca e espiritual da pessoa humana.31

Para implementar ainda mais este quadro, precisamos con­ siderar o impacto da revolução industrial no âmbito dos movimentos políticos do

29 Neste sentido , GIL, Ernesto J. Vidal. Los Derechos Humanos como Derechos Subjetivos. In: Derechos Humanos, Org. Jesús Ballesteros. Madrid: Técnos, 1992, p.184.

30 Como assassinatos, desaparecidos, torturas. Cumpre destacar que a própria Declaração dos Direitos do Homem de 1789, em seus arts.12a a 16°, regulamentou o uso da força pública, a postu­ ra tributária do Estado, a questão da separação dos poderes. Apesar de não ser de todo original, a Declaração respondeu a uma demanda daquela Sociedade estratificada em classes e pressionada pela burguesia em expansão, com efeitos significativos em sede de direitos humanos.

31 Tais direitos são: o direito à vida; a não ser submetido a torturas ou a castigos cruéis e degra­ dantes; o de não ser mantido em estado de escravidão ou servidão; o direito de liberdade e de segurança da pessoa humana; o direito de liberdade de pensamento e de religião.

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final do século XVIII e ao longo do século XIX e, com ela, a situação da classe operária e de novas outras categorias sociais, revelando a exposição de seres humanos a situações indignas de sobrevivência, sendo explorados pelos donos do capital e passando profundas necessidades, o que faz irromper problemas sociais ainda não vislumbrados pela modernidade contemporânea32.

Nova acepção tomam os Direitos Humanos diante das situa­ ções provocadas pela industrialização desenfreada da economia, elevando-se como exigência da grande maioria da Sociedade e produzindo uma confluência de interesses da burguesia com a classe trabalhadora, em um primeiro momento, para, após a derrocada dos vestígios das monarquias centralizadoras, os interes­ ses destas classes sociais tomarem direções opostas e colidentes33.

A concentração de renda e dos meios de produção nas mãos de uma parcela ínfima da Sociedade, revela uma divisão de classes indisfarçável, explicitando o fato de que a maior parte dela se vê alijada e desamparada por um Estado absenteísta, nos moldes da filosofia liberal clássica e do capitalismo.

32 Entendida aqui como tempo de promessas da modernidade não atendidas. Acreditamos, com SZABO, Imre. Fundamentos históricos de los derechos humanos. Barcelona: Serbal/Unesco, 1994, p.39, que, para que los derechos humáhos aparecieran como norma general de Ia sociedad, y para

que fueran asumidos a un tiempo como una necesidad y una realidad, era indispensable que se dieran unos câmbios sociales fundamentales en las relaciones de producción (y más precisamente, en las relaciones de propriedad).

33 Neste sentido BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.204.

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O crescimento demográfico altera-se radicalmente nos paí­ ses que iniciam e desenvolvem sua industrialização34, sofrendo a paisagem urba­ na uma mutação sem precedentes, com fortes deslocamentos populacionais ad­ vindos, em especial, das áreas rurais.

O surgimento da máquina a vapor e o concomitante aumento das indústrias junto às cidades, traz uma realidade agressiva e violadora dos Di­ reitos Humanos e Fundamentais, obrigando os trabalhadores a viver em situação de ultrajante miséria e falta de segurança, morando em habitações insalubres, cercadas por oficinas e em terrenos pantanosos, sem nenhum saneamento e ur- banificação. Além disso, na medida em que esta mecanização não demanda muitas habilidades dos trabalhadores, torna-se possível incorporar, com facilidade, trabalho feminino e infantil, o que implica em um rebaixamento do custo de remu­ neração do próprio trabalho e aumento sucessivo do capital35.

A tecelagem exigia pouca força muscular e os dedos finos das crianças adaptavam-se, perfeitamente, à tarefa de atar os fios que se quebravam em meio à trama. Sua debilidade física era garantida de docilidade, recebendo apenas entre 1/3 e 1/6 do pagamento dispensado a um homem adulto e, muitas vezes, recebiam apenas alojamento e alimentação.... Trabalhavam até 18 horas por dia, sob o látego de um capa­ taz que ganhava por produção. Os acidentes de trabalho

34 Para exemplificar, nos damos conta, com ARRUDA, José Jobson de Andrade. A Revolução

Industrial. São Paulo: Ática, 1992, p.65, que, de 1700 a meados de 1800 a população urbana tripli­

cou na Inglaterra e País de Gales, sem que as cidades contassem com uma infra-estrutura urbana e de serviços adequada para tal contingente.

35 As reflexões feitas por LINDSAY, A . D. O Estado Democrático Moderno. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974, p.150 e seguintes, de caráter nitidamente liberal, obrigam-se a concluir pela per­ versidade do sistema e do modelo deste mercado capitalista.

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eram freqüentes, má alimentação, falta de higiene, de ar ou de sol, imoralidade e depravação, nos alojamentos.36

Em razão disto, a tomada de consciência da classe operária e o início de sua organização corporativa, iniciando um debate sobre a conjuntura econômica e, principalmente, política, tem um efeito de ampliar o rol de Direitos Humanos e Fundamentais, agora reclamados por significativa parcela da popula­ ção37.

Até este momento, a cultura jurídica e política predominante sobre os Direitos Humanos se situa num âmbito que se convencionou denominar de primeira geração, centrada fundamentalmente na idéia de igualdade e liberda­ de, valores tão desconsiderados pelo sistema feudal38.

36 ARRUDA, José Jobson de Andrade. A Revolução Industrial. Op.cit., p.78. Outro registro interes­ sante sobre o tema é feito por CASTORIADIS, Cornelius. UExpérience du mouvemente ouvrier. Paris: Union Générale d'Éditions, 1984, p.165 e ss. Registra Arruda que dentre os acidentes de trabalho mais comuns deste período estão os que envolvem menores, pois, durante horas intermi­ náveis que ficavam sobre as máquinas, em grande parte do tempo sustentados por pernas-de-pau, eis que seu tamanho não lhes permitia alcançar a altura dos teares, adormeciam e tinham seus dedos estraçalhados pelas engrenagens das máquinas.

37 Cumpre registrar que percebemos, principalmente neste período, a existência cada vez maior de um fosso entre as declarações de igualdade de direitos, de liberdades para todos os seres huma­ nos, e a realidade da vida cotidiana dos trabalhadores, marcados pelo descaso das políticas priva­ das e públicas do mercado. É interessante lembrarmos da instigante análise feita por MARX, Karl.

A Questão Judaica. São Paulo: Alfa Ômega, 1994, exatamente sobre a concepção individualista-

burguesa subjacente aos direitos humanos e expressa nas declarações americana e francesa. Afirma o autor que a pretensão de ter um caráter universal não afasta desta visão a sua natureza de classe social. Pelo contrário, a universalidade desses direitos surge quando a burguesia conse­ gue instituir como conquista sua determinados anseios que podem ser, aí sim, universalizados na batalha contra o absolutismo.

38 Importa lembrar que a idéia de liberdade era a da livre propriedade, de onde surgirá um referen­ cial à livre empresa com todos os demais corolários da liberdade que, de um lado, o capital oferece e, de outro, subtrai. No que tange à igualdade, se podemos aliá-la ao fato de ter-se condições de adquirir propriedade, também está conectada com a idéia de participação na vida política do Esta­ do. Tal participação, todavia e em realidade, não se encontra assegurada a todos os cidadãos indiscriminadamente, mas tão-somente aos incluídos no projeto econômico e mercadológico da Sociedade pré-industrial e industrial que se afigura na história do Ocidente.

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De qualquer sorte, as precárias condições de vida destes trabalhadores levaram ao surgimento de um incontável número de manifestações políticas e teóricas em toda e Europa por parte dos excluídos do modelo de mer­ cado e de desenvolvimento impostos. Sindicatos e mesmo partidos políticos, exi­ giam a intervenção do Estado nas relações econômicas e sociais, visando, de um lado uma melhor regulação operacional do mercado, e de outro, tentando consti­ tuir um equilíbrio de forças e interesses em confronto.

Desde aqui, o Estado deixa de ocupar a posição de uma ins­ tituição silente e mínima no cenário de forças vigentes nos quadros políticos de então, abandonando, um pouco, sua função de árbitro neutro e intocável pelas ideologias dominantes e passando a intervir na vida econômica e social da comu­ nidade.

El Estado estaba obligado a no intervenir en esta esfera de derechos civiles o derechos a Ia libertad o los derechos diri­ gidos a Ia protección de Ia libertad, Ia seguridad y Ia integri- dad física y espiritual de Ia persona humana. Tales derechos son, en general, de carácter individualista.39

Soma-se a tal quadro, a proliferação das organizações não- governamentais que buscavam propor uma crítica contundente e fundamentada

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àquele modelo econômico e social, contando com apoio internacional e intelectual dos mais diversos quadrantes institucionais.40

Todos estes movimentos vieram a demonstrar que o simples reconhecimento - mesmo que institucional - de direitos inerentes à natureza hu­ mana, como liberdade e igualdade, não garantiriam o seu real exercício e, tam­ pouco, eram suficientes diante de demandas mais complexas e profundas, própri­ as da situação por que passavam, em especial, as categorias que tinham como única mercadoria sua força de trabalho.

Impunha-se, já, a ampliação do conceito e alcance dos Di­ reitos Humanos e Fundamentais para uma dimensão mais política, social e eco­ nômica. Para tanto, alguns movimentos eclesiásticos e encíclicas papais contribuí­ ram em muito ( a Rerun Novarun, de 1891, por exemplo, propôs a intervenção estatal nas questões sociais, e iniciando a formular a moderna doutrina social da Igreja).

A partir de agora, o homem não é colocado em oposição ao Estado, mas é ele que se vê como responsável pela estruturação política da Soci­ edade a que pertence, motivo pelo qual merece toda e qualquer consideração e proteção de seus direitos. Estes direitos devem se realizar, a partir desta perspec­

40 Estamos falando da produção teórica de Karl Marx, das Internacionais Socialistas, de Max We- ber, de Friedrich Engels, de Trótski, Kautski, Rosa Luxemburg.

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tiva, através ou por meio do Estado, atuando o Poder Público como promotor e protetor do bem-estar econômico e social de sua cidadania.41

Assim, como os direitos civis e políticos, os direitos econômi­ cos, sociais e culturais, tiveram jurisdicização posterior, com a edição do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolu­ ção n°2.200-A (XXI), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16/12/1966, contemplando, dentre outros, os seguintes direitos: (1) direito das pessoas goza­ rem de condições de trabalho justas e favoráveis, assegurando, especialmente, remuneração mínima, sem discriminações; existência decente para o trabalhador e sua família; descanso e lazer - art.7°; (2) direito à previdência social e seguro social - art.8°; (3) proteção da criança e dos adolescentes da exploração econô­ mica -a rt.1 0 .

Como era de se esperar, as promessas do sistema capita­ lista e mesmo do mercado que tudo e a todos regulava, alavancadoras dos pro­ cessos de organização social e política da Sociedade européia e norte-americana do final do século XIX e responsáveis pelos grandes movimentos de emancipação política das colônias Inglesas na América e da França, gradativamente, contribuí­ ram para que as tensões institucionais aumentassem em nível também de Esta­ dos, ocasionando, dentre outros motivos, as duas grandes Guerras Mundiais.

41 Paulo Bonavides, no texto Curso de Direito Constitucional. Malheiros: São Paulo, 1997, p.520, lembra que, neste período, não se pode deixar de reconhecer o nascimento de um novo conceito de direitos fundamentais, vinculado materialmente a uma liberdade “objetivada”, atada a vínculos normativos e institucionais, a valores sociais que demandam realização concreta e cujos pressu­

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Na verdade, o progresso e o desenvolvimento referido por este modelo sempre esteve como um grande cosmético colocado no corpo euro­ peu, com o intento de imprimir uma falsa imagem de otimismo, via positivação de normas constitucionais que não se cumpriam em face do crescimento desmesu- rado dos Estados Nacionais e as demandas públicas cada vez mais crescentes de sua população.

Com estes movimentos bélicos sem precedentes, não bas­ tassem os flagelos cotidianos acometidos pela lógica perversa e antropofágica do sistema capitalista, atingindo contingentes significativos de cidadãos trabalhado­ res42, a Sociedade, principalmente a européia, viu-se diante de novos interrogan- tes e demandas públicas ou publicizadas, todas referindo-se ao terror da guerra e suas conseqüências, tentando evitá-la e afastá-la da memória e vida das pessoas.

Não podemos esquecer que a luta, principalmente na Se­ gunda Grande Guerra, nos campos de batalha da Europa e do Oriente, se desen­ volveu contra os modelos de Estados de Terror de natureza fascista e nazista (Hitler, Mussolini, Hiroito), denunciando as enormes violações de Direitos Huma­

postos devem ser criados, fazendo, assim, do Estado um artífice e um agente de suma impor­

tância para que se concretizem os direitos fundamentais da segunda geração.

42 importa referir que é exatamente no período do pós-guerra, principalmente no período que com­ preende os anos de 1945 a 1960, com a divisão internacional do trabalho e o surgimento da de­ nominada Era das Multinacionais, que vamos ter um enorme impulso econômico com base na capital das grandes empresas internacionais, ampliando-se o uso intensivo das fontes de energia e dos recursos naturais de todas as regiões do mundo, o que amplia, em medida ainda maior, o ce­ nário de destruição ambiental, afetando principalmente os países de terceiro mundo. Neste senti­

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nos ocorridas nos campos de concentração nazistas, com o massacre de milhões de grupos étnicos e religiosos.

Daí surgem as preocupações urgentes com os denominados direitos de solidariedade43, isto é, aqueles que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado, mas têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento ex­ pressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Podemos afirmar que esta concepção de Direitos Humanos e Fundamentais emerge da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, à paz, ao meio ambiente saudável e ecologica­ mente equilibrado, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade44.

Efeito direto da guerra, algumas políticas públicas, voltadas ao asseguramento destes direitos, foram impostas a grande parte dos países ditos desenvolvidos a partir da década de 1950: (1) o dever de todo o Estado particular é o de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outros Estados ou de seus

do, a excelente obra de PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, 1988, p.187 e seguintes.

43 Como refere KARTASCHIKIN, Vladimir. Derechos Econômicos, sociaies e culturales. In Las dimensiones internacionales de los derechos humanos. Barcelona: Serbal/Unesco, 1984, p.170. 44 No Brasil, por exemplo, nos tempos atuais, temos assistido a exploração e fragmentação das potencialidades desenvolvimentistas nacionais, tais como a violação de nossas reservas naturais e a constante depredação do meio-ambiente; de outro lado, é visível o fato de que a infra-estrutura científica e tecnológica encontra-se vilipendiada pela falta de investimento e descaso dos poderes públicos federal, estadual e municipal. Ao lado deste quadro, tem-se um Estado que não responde

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súditos; (2) ajuda recíproca, de caráter financeiro ou de outra natureza, para a superação das dificuldades econômicas, inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de comércio em favor des­ ses países, a fim de liquidar déficits das mais diversas ordens ; (3) uma coordena­ ção sistemática de política econômica, visando aplacar as tensões sociais neste particular.

Apesar de todas estas lições e com o passar do tempo, a modernidade contemporânea internacional, e em especial a brasileira, pode ser considerada paradoxal, pois, concomitantemente à desigualação social agudizan- te, leva à transnacionalização dos espaços econômicos nacionais45, que rompe com os limites fronteiriços do capital financeiro, quando, superando a noção de territorialidade física e geográfica, avança à denominada flexibilidade mundial, sem se importar muito com os direitos e garantias fundamentais conquistadas e jurisdicizadas.

No centro do denominado fenômeno da globalização, a partir da década de 1980, vemos surgir, e mesmo se impor, a racionalidade do mercado transnacional, que se expande sobre âmbitos não especificados economicamente, além de impor à (des)organização social, os critérios de eficiência e produtividade às custas de princípios sociais politicamente negociados na democracia repre­

às demandas efetivamente públicas da maior parte de sua população, passando por uma crise fiscal e institucional sem precedentes, matéria que vamos retomar mais tarde.

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