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O clubismo na imprensa desportiva portuguesa: os ‘clássicos’ das épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

O clubismo na imprensa desportiva portuguesa

Os ‘clássicos’ das épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011

Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação

- Jornalismo -

Ana Sofia Brum da Silva

Orientação de Professora Doutora Maria da Felicidade Morais

Coorientação de Professor Doutor Rui Alexandre Novais

Composição do Júri:

Professor Doutor Álvaro Lima Cairrão

Professor Doutor António José Serôdio Fernandes Professor Doutor Rui Alexandre Novais

Professora Doutora Inês Mendes Aroso

Professora Doutora Maria da Felicidade Morais

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III

O clubismo na imprensa desportiva portuguesa

Os ‘clássicos’ das épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011

Dissertação submetida à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, para o cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciência da Comunicação na vertente de Jornalismo, elaborada sob a orientação da Professora Doutora Maria da Felicidade Morais, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e coorientação do Professor Doutor Rui Alexandre Novais, da Universidade do Minho.

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V

Agradecimentos

À Professora Doutora Maria da Felicidade Morais não só pela orientação deste trabalho, mas também pela sua bondade, preocupação, compreensão, disponibilidade e pela confiança em mim depositada.

Ao Professor Doutor Rui Novais por me ter dado a oportunidade de ser sua coorientanda e de ingressar no seu projeto. Agradeço-lhe igualmente pela sua vasta sabedoria, conhecimento, dedicação e ajuda.

À minha família, em especial à minha mãe, madrinha e irmãos, que, mesmo à distância, sempre me apoiaram e incentivaram, tanto na vida académica como pessoal.

À Joana Abreu, amiga não de sempre mas para sempre, pelo apoio, amizade, irmandade, e ainda pelas lágrimas e risadas que partilhámos.

Às amigas Sandra Silva Ribeiro e Daniela Fonseca, por estarem sempre presentes. À Vanessa, afilhada do coração, por tudo.

Ao Henrique, por me acompanhar em tudo, por acreditar, pelo carinho, amor e paciência.

Aos meus futuros sogros, que sempre me apoiaram e aconchegaram como uma filha. Ao Dr. José Manuel Ribeiro, diretor d’O Jogo, e ao Dr. Carlos Marques, chefe de produção d’A Bola, pela prontidão e ajuda na recolha do material.

Aos futuros colegas de profissão, e já amigos, Bruno Rodrigues, d’O Jogo, e Vítor Pinto, do Record, por toda ajuda, amizade e compreensão.

A todos os jornalistas inquiridos e entrevistados, que generosamente dispensaram momentos do seu precioso tempo com este trabalho.

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VII

O clubismo na imprensa desportiva portuguesa

Os ‘clássicos’ das épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011

Resumo

Graças à centralidade que ocupa na sociedade atual, o futebol é um fenómeno vincadamente edificado pelos media, que conjugam a sua vertente de espetáculo com a orientação para o mercado, arquétipo na imprensa desportiva. Partindo da ideia de que o “desporto-rei” movimenta multidões de adeptos e aficionados, a presente dissertação tem por objeto de pesquisa a eventual existência de um alinhamento clubista por parte dos jornais A Bola, O Jogo e Record. Mais concretamente, analisa a forma como foram noticiados na imprensa desportiva portuguesa os confrontos entre Benfica, FC Porto e Sporting relativos ao Campeonato Nacional, Taça da Liga e Taça de Portugal nas épocas desportivas de 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011.

As alegadas identificações e filiações d’A Bola com o Benfica, d’O Jogo com o FC Porto e do Record com o Sporting são testadas com base numa análise metodológica complexa, que contemplou desde dados quantitativos a qualitativos (meta-performance analysis), obtidos pela análise da cobertura noticiosa constituída por 3657 textos jornalísticos. Estes resultados foram articulados com a análise de inquéritos (adaptados do projeto Worlds of Journalism) realizados a 100 jornalistas que operam nas editorias de desporto dos media portugueses, pertencendo a maior parte aos diários desportivos em apreço, e complementados com entrevistas a jornalistas desportivos de outros meios de comunicação.

Feita uma resenha do jornalismo desportivo português, as suas peculiaridades face ao “grande” jornalismo e os paradigmas desta profissão, a análise confirma a existência de um clubismo suis generis, com base na identificação clubista no caso d’A Bola com o Benfica e d’O Jogo com o FC Porto. Esta tendência decorre de uma orientação para o mercado das publicações, e não propriamente da preferência clubista dos jornalistas.

Palavras-chave: ‘clássicos’; clubismo; futebol; imprensa desportiva; meta-performance analysis; “três grandes”.

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VIII

Club preference in the Portuguese sports press

Portuguese classic matches of the seasons 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011

Abstract

Due to the centrality it occupies in today’s society, football is a phenomenon that is distinctly built by the media, which combines its show business with its market’s orientation, an archetype of the sports press. Taking as our starting point the idea that this "beautiful game" inspires millions of fans and supporters, the purpose of this dissertation is to discover the possible existence of a club alignment on behalf of the following newspapers: A Bola, O Jogo and Record. More specifically, it analyzes how the major matches between Portuguese Benfica, FC Porto and Sporting for the National Championships and the League Cup and the Cup of Portugal in the seasons 2008/2009, 2009/2010 and 2010 / 2011 were reported by these Portuguese sports media.

The alleged membership and possible identification of A Bola with Benfica, of O Jogo with FC Porto and of Record with Sporting is hereby tested in a complex methodological analysis, which includes quantitative and qualitative data (meta-performance analysis), obtained through the analysis of news coverage consisting of 3657 newspaper articles. These results were articulated with the analysis of surveys to 100 journalists operating in the sports editorials of the Portuguese media, the majority belonging to the sportmedia covered, and complemented with interviews of journalists from other media.

Having made a review of the Portuguese sports journalism, its peculiarities in relation to the "major" journalism and the paradigms of this profession, the analysis confirms the existence of suis generis club identification in the cases of A Bola with Benfica and O Jogo with FC Porto. This trend stems from the market orientation of the referred publications, and not from the club preferences of the journalists.

Keywords: 'classics'; club preference; football; sports press; meta-performance

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IX

Índice

Agradecimentos ... V Resumo ... VII Abstract ... VIII Abreviaturas e siglas ... XIV

1. Introdução ... 1

1.1. Estrutura da dissertação ... 5

2. O jornalismo desportivo ... 9

2.1. Breve história da imprensa desportiva portuguesa ... 9

2.2. Os media e o desporto: A relevância do futebol ... 13

2.3. O desporto como exceção ... 17

2.4. O jornalista desportivo ... 21

3. Clubismo e os ‘clássicos’ do futebol português ... 25

3.1. A supremacia dos “três grandes” do futebol e da imprensa ... 27

3.2. ‘Clássicos’: Identidade, nacionalismo e clubismo do futebol ... 31

3.3. O negócio do futebol-espetáculo ... 34

3.4. Clubismo nos media ... 36

4. Metodologia ... 41

4.1. Meta-performance analysis ... 44

4.2. Worlds of Journalism ... 46

4.3. Entrevistas ... 47

5. Análise e discussão dos resultados ... 49

5.1. Figura do encontro ... 56

5.2. Fontes de informação ... 58

5.3. Temas presentes, ausentes e/ou infrequentes ... 64

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X 5.5. Críticas e elogios ... 84 5.6. Imagens... 95 5.6.1. A Bola ... 97 5.6.2. O Jogo ... 98 5.6.3. Record ... 99

5.7. WoJ - Principais resultados ... 101

5.7.1. Cultura jornalística ... 102

5.7.1.1. Funções institucionais ... 102

5.7.1.2. Epistemologias ... 104

5.7.1.3. Princípios éticos ... 105

5.7.2. Influências ... 108

5.7.2.1. Evolução das influências ... 111

5.7.3. Características do relacionamento com a classe desportiva ... 112

5.8. Influência do clube no trabalho jornalístico ... 115

5.9. Entrevistas ... 116

6. Conclusões ... 119

Referências Bibliográficas ... 129

Apêndices ... 135

Apêndice A – Tabelas com os resultados gerais dos estudos de influências do projeto WoJ ... 137

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XI

Índice de tabelas

Tabela 1 – Palmarés dos “três grandes” do futebol português ... 28

Tabela 2 – Encontros e resultados dos ‘clássicos’ nas épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011. ... 49

Tabela 3 – Resultados dos ‘clássicos’ nas épocas em estudo ... 50

Tabela 4 – Categorias de análise nos diários desportivos portugueses. ... 52

Tabela 5 – Número de notícias específicas sobre os “três grandes” ... 54

Tabela 6 – Capas dos diários desportivos ... 54

Tabela 7 – Principais diferenças nos protagonistas dos ‘clássicos’ ... 57

Tabela 8 – Número de fontes/intervenientes ... 58

Tabela 9 – Número total de fontes de treinadores e jogadores dos “três grandes” ... 60

Tabela 10 – Fontes mais utilizadas pela imprensa desportiva portuguesa ... 61

Tabela 11 – Temas presentes na imprensa desportiva portuguesa ... 65

Tabela 12 – Temas presentes - Ficha dos jogadores ... 66

Tabela 13 – Temas presentes - Lesões ... 66

Tabela 14 – Temas presentes - Estreias ... 67

Tabela 15 – Temas presentes - Presidentes ... 68

Tabela 16 – Temas presentes - Fatores extrajogo ... 69

Tabela 17 – Temas exclusivos de cada diário desportivo português ... 71

Tabela 18 – Número total das categorias Lesões, Estreias, Presidentes e Temas exclusivos. . 72

Tabela 19 – Exemplos de expressões metafóricas bélicas nos diários desportivos ... 76

Tabela 20 – Exemplos de expressões metafóricas nos diários desportivos. ... 78

Tabela 21 – Exemplos de expressões de sabedoria popular ... 80

Tabela 22 – Principais títulos no jornal A Bola ... 80

Tabela 23 – Principais títulos no jornal O Jogo. ... 81

Tabela 24 – Principais títulos no jornal Record. ... 82

Tabela 25 – Críticas e elogios mais significativos ... 85

Tabela 26 – Críticas ao Benfica ... 87

Tabela 27 – Elogios ao Benfica ... 88

Tabela 28 – Críticas ao FC Porto ... 89

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XII

Tabela 30 – Críticas ao Sporting ... 91 Tabela 31 – Elogios ao Sporting ... 92 Tabela 32 – Imagens e fotografias dos ‘clássicos’ nos três diários desportivos ... 95

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XIII

Índice de Gráficos

Gráfico 1 – Espaço ocupado pelos ‘clássicos’ nos jornais desportivos ... 51

Gráfico 2 – Capas do jornal A Bola ... 55

Gráfico 3 – Capas do jornal O Jogo ... 55

Gráfico 4 – Capas do jornal Record ... 56

Gráfico 5 – Número total de fontes por diário desportivo. ... 59

Gráfico 6 – Críticas e elogios no jornal O Jogo ... 85

Gráfico 9 – Percentagem da totalidade das imagens na imprensa desportiva ... 96

Gráfico 10 – Imagens do jornal A Bola ... 97

Gráfico 11 – Imagens do jornal O Jogo ... 99

Gráfico 12 – Imagens do jornal Record. ... 100

Gráfico 13– Orientação para o mercado por meios. ... 103

Gráfico 14 – Média de fontes de influência por meio ... 108

Gráfico 15 – Importância das considerações dos anunciantes na imprensa desportiva. ... 109

Gráfico 16 – Importância das expectativas de lucro na imprensa desportiva ... 110

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XIV

Abreviaturas e siglas

AIPS – Association Internationale de la Presse Sportive APAF – Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol

APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação CM – Correio da Manhã

CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

CNID – Clube Nacional da Imprensa Desportiva / Associação dos Jornalistas de Desporto DF – Grau de liberdade

DN – Diário de Notícias FCP – Futebol Clube do Porto

FIFA – Federação Internacional das Associações de Futebol FPF – Federação Portuguesa de Futebol

JN – Jornal de Notícias M – Média

MG – Média Geral P – Significado

SCP – Sporting Clube de Portugal SD – Desvio Padrão

SLB – Sport Lisboa e Benfica

UEFA – União das Federações Europeias de Futebol X2 – Coeficiente de Pearson

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1

1. Introdução

“O futebol é um conceito demasiado enraizado; o povo continua a amá-lo com o mesmo brilho e intensidade com que sempre o amou.

Por isso, tal como o amor, é eterno” Manuel de Sousa (2004: 5)

Num mundo cada vez mais globalizado, o desporto, e em especial o futebol, ganha uma importância extrema na sociedade. Apelidado de “ópio social” ou “droga do povo” (Serrado 2011), o futebol, marco civilizacional do século XX, é muito mais do que um jogo e extravasa em muito o que se passa em 90 minutos de jogo.

Reconhecendo-se a importância que os eventos futebolísticos têm nas dinâmicas sociais e os desafios que colocam ao universo jornalístico, também ao nível académico o futebol se afirma como objeto de estudo. Tal fenómeno, aglomerador de multidões à escala planetária, é assim aproveitado pelos media, que tornam uma partida de futebol, de interesse local, num evento mediático. Na génesis deste mediatismo por vezes exacerbado, em que os media fomentam a rivalidade clubista (Kumar 2004), está imanente a rivalidade nacional. Nos casos dos ‘clássicos’ do futebol português, essa rivalidade transcende o panorama desportivo para representar outras rivalidades – como as regionalistas, nomeadamente no binómio Norte / Sul, e as locais.

Desde os seus primórdios (Pinheiro 2005, 2009 e 2011), falar de futebol é falar em paixões, identidade (Coelho 2001), clubismo (Damo 2005; 2006) e sentimento de pertença (Escher e Reis 2012; Hogg e Abrams 1988). O gosto e apreço por um clube enaltecem-se quando articulados com crenças e rituais fervorosos (Damo 2006). O simples facto de as crianças, nos dias de hoje, aprenderem e distinguir as cores com base na correspondência aos três principais clubes portugueses (Coelho e Tiesler 2006) ilustra tal importância.

Embora sejam incipientes os estudos sobre a identidade e clubismo em eventos como os ‘clássicos’ do futebol, é no panorama das competições internacionais que se encontra alguma tradição de investigação. De acordo com a literatura, a questão da identidade é visível nos estudos dos Campeonatos do Mundo (Blain, Boyle e O´Donnel 1993; O´Donnel e Blain 1999, apud Novais 2010a; Lopes et al. 2011), da fase de apuramento dos mesmos (Novais 2010a) e ainda nos Jogos Olímpicos e Campeonatos Europeus de Futebol (Coelho 2001; Gomes e

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Freitas 2002; Blain et al. 1993, apud Novais 2010a; Boyle e Monteiro 2005; Marivoet 2006), em que se debatem as questões identitárias presentes nos discursos dos media.

A elevação do desporto, e em particular do futebol, ao fenómeno que é nos dias de hoje esteve umbilicalmente ligada à sua difusão na imprensa desportiva (Pinheiro 2009: 557), e esta fortaleceu-se graças ao futebol enquanto espetáculo de massas (Coelho 2001). Assim, futebol e imprensa desportiva misturam-se, influenciam-se, condicionam-se e potenciam-se (Viseu 2006). Tal interdependência e sinergia entre o desporto e respetivos clubes com os media corresponde ao que Seidler (1964) cognomina de relação de amor, uma “história de um par sólido, cuja união não cessou de se reforçar num duplo laço: casamento de amor e de razão” (Seidler 1964, apud Abadie et al. 1976: 12). Este tipo de relação faz com que a proximidade entre ambas gere, em alguns casos, a dependência excessiva das fontes de informação, em contradição com aquilo que é defendido pela deontologia e a ética jornalística (Kovach e Rosentiel 2004).

Mas para além de mover multidões através da paixão clubista, o jornalismo desportivo é, segundo a literatura, um produto e, por conseguinte, um negócio (Domingos 2004; Sousa 2010; Viseu 2006; McQuail 2003; Tengarrinha 1989; Dias 2001; Murta 1997; Rodrigues e Neves 2004; Alvito 2006; Claussen 2006; Coelho e Tiesler 2006; Alcoba López 2005; Lopes 1987; Rocha e Castro 2009), em que a luta pelas audiências é uma realidade. A linguagem peculiar e a forma como os temas são abordados contribuem para que a imprensa desportiva seja a mais lida na sociedade portuguesa, como uma oração diária (Neves 2004).

A afinidade clubista é, de facto, bastante notória em Portugal fazendo com que o futebol, e paralelamente as restantes modalidades (embora com menos expressividade), ganhe outro fulgor. Contudo, e partilhando a aceção de Serrado (2011: 12), em Portugal as pessoas não gostam de futebol mas sim do seu clube, sempre com a esperança de alcançar a vitória – nem que seja através de meios ilícitos. A afinidade é transposta para a sociedade, nomeadamente para a imprensa desportiva, em que os leitores associam uma filiação e identificação clubista de cada diário a um clube singular, mais propriamente d’A Bola com o Benfica, d’O Jogo com o FC Porto e do Record com o Sporting. Tal paradigma foi igualmente evidenciado nos estudos de Cardoso et al. (2007: 139), em que os autores chegaram à conclusão de que os adeptos do Benfica têm preferência pela leitura dos jornais desportivos A Bola e Record, tendência partilhada também pelos adeptos do Sporting. Inversamente, apenas os adeptos do FC Porto optam em primeiro lugar tanto pelo jornal O Jogo como pelo diário A Bola.

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O pendor etnocêntrico (Novais 2007, 2010a), peculiar deste jornalismo especializado, contrasta com as exigências estabelecidas no ideal da objetividade intrínsecas ao jornalismo geral, em que há a dependência do comentário de especialistas e de análises e interpretações da informação veiculada (Coelho 2001; Novais 2010a; Esteves 2009), tornando os media uns formadores de opinião (Hargreaves 1986; Eitzen e Sage 1993; Clarke e Clarke 1982; Esteves 2009). Na verdade, passar de “bestial a besta” é um apanágio do jornalismo desportivo. A linha entre ser herói, ao efetuar um jogo a roçar a perfeição, ou vilão, em que o insucesso foi notório, é muito ténue. Esta antítese, incessantemente empregada no jornalismo desportivo atual, vai ao encontro daquilo que Novais (2010a: 61) designa “natureza bipolar” dos jornalistas desportivos, já que estes modificam automaticamente o seu discurso consoante o desempenho e resultado da partida, entre apreciações lisonjeadoras e exacerbadas, em caso de vitória, para a condenação instigada, no caso de fracasso ou insucesso.

A escolha do tema desta dissertação surge numa tentativa de realçar uma temática interessante, contudo esquecida pela investigação, apesar de haver um crescente interesse nos estudos em jornalismo desportivo. Sendo esta investigação pioneira, dado que os estudos anteriores apenas contemplavam a análise das seleções nacionais (Boyle e Monteiro 2005; Novais 2010a; Coelho 2001), para além da averiguação de semelhanças e disparidades entre jornais, este estudo pretende contribuir para a compreensão das práticas jornalísticas da imprensa desportiva portuguesa ao escrutinar o desempenho dos media. Partindo do princípio de que o futebol é o desporto-rei e consequentemente a modalidade mais mediatizada em Portugal, é fundamental perceber se os principais clubes influenciam a cobertura noticiosa nos diários desportivos portugueses, mais concretamente nos jornais A Bola, O Jogo e Record.

Portanto, o objetivo central desta investigação, O clubismo na imprensa desportiva portuguesa, foca-se na confirmação de existência de clubismo nos diários portugueses especializados em desporto.

Para corroborar tal expectativa, recorreu-se a um processo metodológico complexo que permite analisar diferentes variáveis da questão de investigação apresentada. Primeiro, procede-se a uma análise quantitativa aos ‘clássicos’ futebolísticos dos “três grandes” – Benfica, FC Porto e Sporting – nas épocas desportivas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011, e completou-se com uma análise de conteúdo, a meta-performance analysis, preconizada por Novais (2007; 2010a; 2010b), aos três diários desportivos vigentes na atualidade, de forma a escrutinar o desempenho dos media na cobertura noticiosa. Igualmente para responder a esta questão, foram contemplados inquéritos por questionário aos jornalistas, adaptados para o

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panorama desportivo a partir do projeto Worlds of Journalism (WoJ1) – designadamente o estudo das culturas jornalísticas (Hanitzsch et al. 2011) e ainda entrevistas a jornalistas da editoria de desporto. Neste sentido, os inquéritos, e posteriormente as entrevistas, são fundamentais para descortinar um alinhamento clubista nos media desportivos, já que contribuem para testar se há coerência entre as perceções e aquilo que os jornalistas concretizam na prática profissional aquando da cobertura dos ‘clássicos’.

Portanto, no exercício analítico de confirmar a existência de um alinhamento clubista, o intuito específico desta investigação é o de testar e validar as seguintes hipóteses:

Hipótese 1 – Os jornais desportivos em análise evidenciam alguma aproximação a um

determinado clube, apresentando um tratamento noticioso tendencioso, em que A Bola se identifica com o Benfica, O Jogo com o FC Porto e o Record com o Sporting.

Para apurar a validade desta perceção, procede-se à análise de parâmetros destinados à meta-performance analysis (fontes de informação, críticas e elogios, temas presentes e ausentes e ainda palavras e termos comparativos). A confirmação desta hipótese exige ainda verificar os resultados dos inquéritos por questionário, nomeadamente o grau de influência que os jornalistas, e em especial os que operam nos diários desportivos, atribuíram às influências pessoais (valores e crenças pessoais, convicções desportivas, considerações religiosas e convicções políticas e ideológicas), à influência que a afinidade por um clube tem no trabalho jornalístico e ainda à preferência clubista. Ademais, para a sua validação, são contemplados os dados resultantes da análise preliminar, das imagens e ainda das entrevistas realizadas a jornalistas.

Hipótese 2 – A orientação para o mercado é um dos propósitos basilares da imprensa

desportiva.

Através do escrutínio do tipo de linguagem privilegiada pela imprensa desportiva, pela importância atribuída às imagens e ainda pelo resultado dos inquéritos, nomeadamente nos parâmetros que aferem a cultura jornalística (funções institucionais, epistemologias e princípios éticos) e as influências no trabalho jornalístico, será atestada a tendência comercial do jornalismo desportivo. Tal hipótese será corroborada ainda através das respostas

1Estudo internacional que envolve mais de 80 países, recomendado para financiamento pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT),

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resultantes de entrevistas exploratórias realizadas a jornalistas de desporto que operam em órgãos generalistas.

Hipótese 3 – A relação entre os jornalistas e a classe desportiva é de interdependência,

sendo a pressão por parte dos clubes uma constante na profissão de jornalista desportivo. O relacionamento do jornalista com a classe desportiva é importante para perceber a forma como o próprio profissional vê o panorama atual deste tipo de jornalismo. Para testar esta hipótese, recorreu-se aos inquéritos do WoJ, de forma a analisar a perceção dos jornalistas sobre este tipo de questão.

Em síntese, o objetivo consiste em averiguar as diferenças e semelhanças no tratamento noticioso dos três diários desportivos e posteriormente confrontar tais resultados com as perceções dos jornalistas e as entrevistas de forma a responder à questão da existência de clubismo nos media.

Desde já, importa evidenciar que, tal como esperado, todas as hipóteses foram confirmadas, contudo a existência de clubismo nos media resultou em duas conclusões significativas: efetivamente, os dados demonstram uma aproximação d’A Bola com o Benfica e d’O Jogo com o FC Porto, todavia, não ficou totalmente claro que o Record tenha uma aproximação com o Sporting; apurou-se igualmente que o clubismo na imprensa desportiva não se prende com a preferência clubista dos jornalistas e respetivos jornais, mas sim com a orientação para o mercado, tal como comprovado na hipótese 2.

1.1. Estrutura da dissertação

Depois deste capítulo introdutório, seguem-se dois capítulos dedicados à revisão da literatura considerada mais relevante para o tema em análise. No capítulo 1, intitulado “O jornalismo desportivo”, traça-se, em primeiro plano, o percurso deste tipo de jornalismo em Portugal, desde os seus primórdios à atualidade, recorrendo à contextualização presente nas obras de Pinheiro (2005, 2009 e 2011), em que se procede a um levantamento histórico, nomeadamente dos principais periódicos publicados em Portugal. Sendo o futebol um marco importante na sociedade atual, aborda-se com base na literatura essa relevância e consequente destaque no panorama mediático. De seguida, apresentam-se as peculiaridades deste tipo de

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jornalismo, com especial enfoque na linguagem utilizada. Numa última fase, reflete-se ainda sobre particularidades dos jornalistas desportivos com base nos paradigmas e deontologia desta profissão.

O capítulo 3 versa o clubismo e os ‘clássicos’ do futebol português. Depois de explicado o sentido destas expressões, descrevem-se sinais da supremacia de “três grandes” clubes (Benfica, FC Porto e Sporting) e de três diários que vingaram e continuam a vingar no espaço mediático luso (A Bola, O Jogo e Record). Na descrição destes eventos ter-se-ão em conta as questões de identidade, de nacionalismo e ainda de clubismo inerentes ao futebol, além de se abordar o futebol enquanto espetáculo e negócio.

O último ponto deste capítulo centra-se no argumento fulcral desta dissertação, nomeadamente o clubismo nos media. Devido à escassez de literatura nacional neste âmbito de estudo, recorreu-se a entrevistas de jornalistas, que não operam nos diários escrutinados, para se poder obter algumas opiniões sobre esta questão, em particular sobre os alinhamentos clubistas ou tendências favoráveis ou recriminadoras de um clube específico.

No capítulo 4 figura a metodologia adotada nesta investigação. Primeiramente, descreve-se o corpus analítico, designadamente o período e jornais que são escrutinados, seguido das categorias que serão analisadas. Seguidamente, procede-se a uma descrição detalhada da metodologia aplicada, mais precisamente a meta-performance analysis, os inquéritos do projeto WoJ e as entrevistas complementares.

Depois de conhecida a literatura sobre esta temática e a metodologia aplicada, desenvolveram-se, no capítulo 5, a análise e discussão dos resultados. Numa primeira fase, dão-se a conhecer os dados obtidos na análise preliminar e só depois serão esmiuçadas as categorias examinadas (figura do encontro; fontes de informação; temas presentes e ausentes; palavras e termos comparativos; e críticas e elogios). Contempla-se igualmente a análise das imagens, partindo sempre, em todos os parâmetros, da abordagem dos resultados gerais até aos específicos de cada diário desportivo. Este capítulo engloba ainda os principais resultados do estudo WoJ, nomeadamente nos tópicos que aferem a cultura jornalística (funções institucionais, epistemologias e princípios éticos), as influências e respetivas evoluções e as características do relacionamento dos jornalistas com a classe desportiva. Ainda nos inquéritos, abordar-se-á o foco primordial deste trabalho: as influências clubistas no trabalho jornalístico, que serão complementadas com as informações resultantes das entrevistas exploratórias a jornalistas desportivos.

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O último capítulo diz respeito às conclusões obtidas. Partindo da comparação da literatura com os dados alcançados por intermédio da cobertura dos ‘clássicos’ do futebol português – na análise qualitativa como na quantitativa – e com as perceções obtidas por meio dos inquéritos e das entrevistas, serão traçadas inerências conclusivas sobre a existência de clubismo nos media, o que permitirá encontrar elementos para responder à questão central desta investigação.

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2. O jornalismo desportivo

Some people believe football is a matter of life and death, I am very disappointed with that attitude I can assure you it is much, much more important than that.

Bill Shankly

A evolução do desporto em Portugal esteve sempre inteiramente relacionada com o progresso da imprensa desportiva. A centralidade que o futebol ocupa na sociedade portuguesa é tão significativa que o país para literalmente aquando de um evento desportivo de grande dimensão, como um ‘clássico’ ou um jogo da seleção nacional. Coelho (2001) acredita mesmo que todas as noções de fervor clubístico são esquecidas nos encontros da seleção, em que há uma união incolor da nação.

Entende-se, deste modo, que conhecer um pouco da história do jornalismo desportivo ajudará a compreender a importância que lhe é atribuída nos dias de hoje, principalmente no que se refere ao futebol, um jogo de paixões. E é por conter uma grande carga emocional e uma dimensão simbólica (Coelho 2001: 37) que é fulcral retratar o jornalismo desportivo enquanto exceção, tanto a nível da linguagem, como na importância atribuída à opinião e análise (Novais 2010a). Portanto, torna-se crucial diagnosticar o estado atual do jornalismo desportivo em Portugal, com especial enfoque na profissão de jornalista desportivo, que outrora era desvalorizada ou até mesmo inexistente (Kumar 2004).

2.1. Breve história da imprensa desportiva portuguesa

Hoje, o desporto, e em particular o futebol, ocupa um lugar cimeiro no panorama mediático português, mas nem sempre foi assim.

Na Europa, o jornalismo desportivo remonta a meados do século XIX (Pinheiro 2005; 2009; 2011), tendo a sua primeira aparição em 1828, em França, através da revista Journal des Haras, dedicada à coudelaria. Apesar de ter sido considerada a primeira publicação a aproximar-se da categoria de jornal desportivo, foi o parisiense Le Sport, em 1854, que se afirmou como o primeiro periódico desportivo generalista (Pinheiro 2011: 22). Mas foi em

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Londres, em 1852, que viria a surgir o primeiro diário desportivo europeu, o Sportman, (Alcoba López 1999, apud Pinheiro 2011: 22), absorvido mais tarde pelo Sporting Life. Consagrada a temas de caça, a revista catalã El Cazador, em 1856, foi um dos primeiros marcos do jornalismo desportivo em Espanha. Porém, foi na capital, Madrid, que em 1865 se edificou o primeiro jornal desportivo espanhol, o La Caza (Pinheiro 2011: 22).

Tardiamente em relação ao panorama europeu, a imprensa desportiva portuguesa apenas começa a dar os primeiros passos na década de 1870, numa sociedade ainda marcada pela fraca ideia de desporto e atividades físicas (Pinheiro 2011: 22-23). Seguindo a tendência europeia, especializada em modalidades como a caça, a velocipedia e a ginástica, publica-se em Portugal, em janeiro de 1875, o primeiro número do Jornal de Caçadores, aquele que viria a ser o primeiro periódico dedicado ao desporto (idem: 23). Com a escassez da prática desportiva, as temáticas centravam-se nas tradicionais atividades de tauromaquia e de caça, representadas, em 1876, pela revista lisboeta O Toureiro (ibidem).

Com o passar dos anos, a consciência para a prática desportiva acentuou-se e, nos finais de 1878, saiu o primeiro número da revista O Gymnasta, que além de informar desportivamente, promovia também a educação física. Já com a prática desportiva implementada em Portugal surge, em 1888, uma nova modalidade, até então muito popular em Inglaterra: o futebol (Baptista 1993: 185). A partir desse momento, a modalidade trazida pelos estudantes portugueses em Inglaterra (ibidem) alcançou grande protagonismo na imprensa generalista, culminando com a criação de secções puramente dedicadas ao desporto. O jornal generalista Diário Ilustrado (Lisboa, 1872) foi o pioneiro a englobar a secção desportiva na sua publicação, em outubro de 1893 (Pinheiro 2011: 63), data que marca o término da abordagem exclusiva de temas tradicionais, como a tauromaquia ou a caça, evidenciadas até então nos 12 jornais de cariz singular criados em Portugal (Pinheiro 2011: 37). Contudo, na aceção de Sousa (2008: 60), a imprensa desportiva portuguesa apenas se iniciou nos finais do século XIX, nomeadamente em 1893, com a publicação de O Velocipedista, fundando-se posteriormente outras publicações de índole desportiva, como O Tiro Civil (1895) O Sport (1902), Tiro e Sport (1904) e Os Sports (1905).

Apesar da expansão do desporto às secções dos jornais generalistas, a profissão de jornalista desportivo não existia (Kumar 2004: 252), sendo este, no sentido amplo da palavra, um desportista (Kumar 2004; Pinheiro 2009; 2011), já que a menoridade do género no campo mediático não coincidia com a importância revelada na sociedade (Kumar 2004: 252). Segundo Pinheiro (2009: 560), a primeira fase do papel de jornalista desportivo

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-se entre o final do século XIX e a década de 1910, período em que o jornalista era um “fazedor de notícias” e um “patrocinador do periódico”, que adotava a “dualidade de jornalista e doutrinário, promovendo a causa desportiva, em prol do benefício social” (ibidem).

No termo da década de 1910 e inícios de 1920, o futebol já estava institucionalizado por todo o país (Serrado 2011: 12), depois de ter o seu boom em Lisboa entre 1906 e 1910 (idem: 116). Com a ideia de desporto já enraizada na sociedade, especialmente o futebol, graças à proliferação das publicações desportivas generalistas (Pinheiro 2009: 560), o jornalista desportivo passa a ter ao seu dispor um maior volume noticioso. Neste contexto, em que o jornalista desportivo se distanciou das questões doutrinais, passando a dedicar grande parte do tempo ao trabalho de repórter (ibidem), surgiram novas publicações como o periódico desportivo lisboeta Os Sports (1919) e o portuense Sporting (1921-1953). Tais publicações vêm ao encontro daquilo que Lemos (2006) denomina de nascimento do jornalismo desportivo, que no entender do autor remonta a este período de tempo, mais precisamente durante a primeira República.

Nas décadas seguintes, de acordo com a investigação de Pinheiro (2005; 2009; 2011), foram muitas as novas publicações especializadas em desporto que surgiram. Além da revista Stadium (Lisboa, 1932-1951) e do Norte Desportivo (Porto, 1934-1983), viria a surgir, em 1945, um dos mais importantes e prestigiados jornais desportivos portugueses: A Bola, considerada por alguns autores como a “Bíblia” do futebol português (Correia 1998; Coelho 2004). Este jornal, no parecer de Kumar (2004: 253), marcou, de “forma inigualável” não só o jornalismo desportivo em Portugal como o próprio futebol, ao que o sociólogo João Nuno Coelho adianta que A Bola e os seus jornalistas “inventaram” a profissão de jornalista desportivo em Portugal” (Coelho 2001: 97).

Para além da “Bíblia” (Correia 1998; Coelho 2004), fundou-se, igualmente em Lisboa no mesmo ano, o Mundo Desportivo (1945-1980), sucessor do periódico Os Sports, que encerrara a sua atividade devido a questões económicas. De todos os nove periódicos desportivos generalistas criados em Portugal entre 1939 e 1945, apenas estes dois se afirmaram no mercado mediático luso (Pinheiro 2009: 340).

A consolidação da informação desportiva levou a reajustes no meio jornalístico português, passando o jornalista a ter uma situação profissional mais estável. A consistência editorial e económica, adquirida por um grupo de publicações desportivas generalistas de referência, permitiu que estas passassem a pagar melhor aos jornalistas desportivos,

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conferindo, dessa forma, credibilidade à profissão, numa altura em que transitava de uma atividade totalmente amadora para um semiprofissionalismo (Pinheiro 2009: 326).

De facto, a crescente importância do jornalismo desportivo português levou a que entre 1946 e 1953 aparecessem 58 novas publicações, maioritariamente centradas em órgãos de clubes e instituições, em periódicos especializados e ainda, com menos destaque devido ao panorama concorrencial, em jornais desportivos generalistas (idem: 363). Foi nesse apogeu dos especializados desportivos que surgiu, em 1946 em Lisboa, o jornal Record, juntando-se assim ao leque dos jornais que vingaram, até hoje, no mercado mediático português. Tal viria a acontecer na década de 1980, aquando da chegada do trissemanário Gazeta dos Desportos (Lisboa e Porto, 1981) e do jornal O Jogo (Porto, 1985), que se estreou já diário.

Abrindo um parêntesis na história das publicações desportivas portuguesas, importa ressaltar uma data que marcou não só a imprensa desportiva mas todos os jornalistas de desporto: março de 1967. Na verdade, esta data marca a criação, depois da aprovação da AIPS (Association Internationale de la Presse Sportive), do Clube Nacional da Imprensa Desportiva (CNID2), hoje denominado Associação dos Jornalistas de Desporto. Até aos dias de hoje, o CNID tem tido como finalidade defender, dignificar, promover e ajudar à formação dos jornalistas especializados na área do desporto, independentemente dos meios em que trabalham. Para além de recompensar os melhores trabalhos jornalísticos, o CNID protege igualmente os seus profissionais e consequente profissão, que até à data de criação ainda era considerada como pouco prestigiada. A título de curiosidade, dos primeiros corpos sociais desta associação fizeram parte nomes como os de Artur Agostinho, Fernando Soromenho, Alves dos Santos e Mário Zambujal.

Na verdade, a presença do desporto no espaço mediático tornou-se uma constante, reflexo do crescente interesse e identificação dos portugueses (Pinheiro 2011: 393), retratando a mentalidade do ser humano, a sua cultura e os seus hábitos quotidianos, tal como sintetiza Serrado (2011: 11) na análise da história do desporto. De acordo com o autor espanhol António Alcoba López (2005: 8), está comprovado que nenhuma outra atividade gera um maior volume informativo que o desporto, mantendo assim o interesse de grande parte da humanidade. Alberto Verga (1965, apud Alcoba López 2005: 8) reforça tal pensamento, uma vez que, segundo o autor, o futebol monopoliza uma grande percentagem dos interesses da população, independentemente do seu nível cultural ou económico (ibidem).

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Efetivamente, as melhores condições económicas e consequentes “modificações na história das mentalidades e do quotidiano” (Ferreira 2001, apud Pinheiro 2009: 506), vividas em Portugal nas décadas de 1980 a 1990, contribuíram para a implementação de uma produção jornalística desportiva sólida, liderada, desde a segunda metade de 1990 até ao presente, pelo trio diário A Bola, Record e O Jogo, os únicos especializados capazes de suportar as leis da concorrência e do mercado.

O papel da imprensa e da rádio anteciparam a entrada em cena da televisão, aquele que viria a ser o grande meio de comunicação de massas, o “transformador das práticas culturais e de lazer” (Domingos 2004: 38). A abertura do espaço televisivo a canais privados, nos inícios de 1990, concedeu ao futebol um lugar de destaque nas grelhas televisivas, o que fez com que ganhasse ainda mais espaço no quotidiano dos portugueses (ibidem). De facto, Kumar (2012: 101) sustenta a ideia de que a “hipermediatização do futebol” resultou também da liberalização do mercado de transmissão dos jogos, que passou por sua vez a alimentar a imprensa e os programas de debate desportivo.

Portanto, como é percetível ao longo desta breve história da imprensa periódica desportiva (Pinheiro 2005; 2009; 2011), o crescimento do próprio desporto português esteve umbilicalmente dependente do apoio da imprensa desportiva, com os media a moldarem o rumo tomado pelo desporto na sociedade portuguesa (Pinheiro 2009: 557), assumindo, desta forma, um papel fulcral na “construção das identidades sociais” (Thompson 1990, apud Pinheiro 2009: 557; Coelho, 2001).

2.2. Os media e o desporto: A relevância do futebol

Até agora tem-se falado de um jornalismo desportivo, salientando o desporto como um todo, “um enclave social quer para os espectadores quer para os jogadores, onde a excitação agradável pode ser produzida sob uma forma que é socialmente limitada e controlada” (Dunnig 1992: 328). Contudo, no panorama europeu, e em particular no caso português, as restantes modalidades desportivas não têm o mesmo peso no meio mediático, daí a questão: será que há um jornalismo desportivo ou futebolístico?

Hoje em dia, desporto é sinónimo de futebol. Este fenómeno de extensão planetária (Dias 2001), e o maior “desbloqueador de conversas do Mundo” (Serrado 2011: 19), tornou--se muito mais do que um simples jogo, limitado a quatro linhas. Passou a representar bairros,

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cidades, regiões, símbolo de reivindicações, solidariedades, convicções e crenças (Domingos 2004). Para além de ser um dos principais aglomeradores de multidões e de distribuidores de massas (Dias 2001), o futebol, o tema mais transversal da sociedade atual (Serrado 2011: 19), domina parte das indústrias do lazer e entretenimento (Coelho 2001: 37) e a sua centralidade no panorama desportivo português torna-o, assim, um dos principais alvos de divulgação mediática (Kumar 2004: 231).

Contudo, é completamente impossível incluir toda a atividade desportiva nas páginas destinadas ao desporto nos diários, de maneira que a informação desportiva se reduz, na aceção de Alcoba López (2005: 155), àquelas modalidades de maior popularidade: “os desportos espetáculos”, nomeadamente o futebol. Esta relevância ultrapassa em muito o que acontece nos 90 minutos de jogo. Cada vez mais os media desportivos cedem espaço à condição física dos jogadores e até mesmo a informações relativas aos seus comportamentos, tanto em tempo de estágio como de férias (Brasão 2004: 148). Na aceção de Pinheiro (2011: 419), tal situação pode ser justificada pela escassez de notícias nos campos de futebol e consequente interesse pelo contexto extrajogo, o que dirige, no entender do autor, o trabalho jornalístico para os bastidores.

Efetivamente, o futebol, um dos maiores “antidepressivos contemporâneos” (Serrado 2011: 138), beneficia de um mediatismo exacerbado. Ao contrário das restantes modalidades, o “desporto-rei”, o “rei-futebol” ou o “desporto das multidões” (Baptista 1993: 8) entra todos os dias na casa dos portugueses, quer seja através dos telejornais, quer da rádio, quer dos jornais ou da internet. Isto reflete, assim, o crescente interesse do tema junto da população e consequente acompanhamento dos media para o satisfazerem. O paralelismo de Neves corrobora tal pensamento:

Ao contrário da Volta a Portugal em Bicicleta, que acontece uma vez por ano, mobilizando as povoações das diferentes localidades por onde passa o pelotão da prova e ocupando, durante cerca de três semanas, o espaço televisivo e mediático; o campeonato nacional de futebol realiza uma volta a Portugal todas as semanas (2004: 64).

Não há dúvidas de que hoje o futebol é a face visível de Portugal no exterior. Na verdade, os media também são os principais mecenas na divulgação do desporto. Sem a televisão, por exemplo, o futebol não teria a dimensão planetária que alcançou à escala mundial. António Cancela reforça a ideia de que “a bola é motivo de «culto» e os seus «artistas» quase deuses de uma religião com biliões de fiéis, muitos deles tocados por um fanatismo a roçar a doença” (2006: 23). O autor acrescenta ainda que o futebol é um

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“catalisador de paixões e de frustrações intensas, mas nunca como agora esse fenómeno foi tão bem aproveitado pelos media, particularmente pelos canais televisivos” (ibidem).

Deste modo, a literatura indica que existem duas dimensões distintas, ainda que complementares, que ajudam a explicar as questões da centralidade e popularidade do futebol (Coelho 2001). A primeira refere-se ao envolvimento emocional que o jogo provoca nos seus adeptos, como se dele fizessem parte. Uma segunda dimensão pode ser definida por “simbólica”, já que é dominada pelas qualidades dramáticas deste desporto / espetáculo (idem: 37). Assim, para Coelho, os jogos de futebol contêm muitos aspetos característicos das sociedades modernas, como a “importância da sorte, a competição e a divisão de tarefas”, acompanhada da ideia de que a felicidade de uns corresponde à infelicidade de outros (ibidem). O sociólogo faz ainda, baseando-se na obra de Bromberger, uma analogia entre a vida e um jogo de futebol: “uma alternância de vitórias e derrotas, a intervenção aleatória da sorte e do azar e a arbitrariedade da justiça – uma vez favorável, outras desfavorável – que decide o destino dos «bons» (nós) contras os «maus» (eles)” (Bromberger 1993, apud Coelho 2001: 37-38).

Na verdade, a aliança entre o futebol e os meios de comunicação social foi um caso de sucesso para ambos (Domingos 2004), muito graças à lógica da competição, o combustível das provas institucionalizadas. Viseu (2006: 89) crê mesmo que ambos “misturam-se, influenciam-se, condicionam-se e potenciam-se”. A mediatização do desporto, que Coelho (2001) cognomina “futebol mediatizado”, fez com que este se tornasse um espetáculo consumível pelo público, onde o espectador toma uma posição, exterioriza as suas identificações e assume as suas preferências (Domingos 2004: 54).

Apesar da notoriedade alcançada nos dias de hoje, o jornalismo desportivo continua ainda com a conotação de toy department (Boyle 2006), considerado um jornalismo de segunda divisão, que aborda e trata assuntos “menos sérios” que as editorias de política ou economia (Coelho 2001: 217). Todavia, é ele um dos principais líderes de audiências em Portugal, tanto na imprensa, generalista e especializada, como na televisão, rádio e media online. De acordo com dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT3) e da NetScope, da Marktest4, a imprensa diária desportiva comanda, com os jornais A Bola e Record, a lista de publicações mais lidas em Portugal, bem como as mais visitadas na internet.

3http://www.apct.pt/Analise_simples.php?idSegmento=12&ano=2012&ordenacao=tiragem3Bi%20DESC (último acesso a 4 de janeiro de

2013).

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Contudo, nos pressupostos de Coelho e Tiesler (2006), a dimensão do futebol não se limita apenas ao espaço ocupado nos media. Para os autores, este tem um impacto crucial na “dimensão simbólica” (Bromberger 1993; Coelho 2001) na vida dos portugueses, já que parecem ver e sentir o futebol como um indicador seguro de “qualidade e competência do país” (Coelho e Tiesler 2006: 522). Seguindo a mesma linha de pensamento, Sérgio (2012: 20) argumenta que a narrativa desportiva é uma “passerelle onde se movimentam os deuses mais idolatrados” e onde os media enaltecem e hipervalorizam as vitórias desportivas, como se delas dependesse exclusivamente o prestígio do país. Principalmente nos dias de hoje, o futebol é igualmente analisado enquanto fuga do contexto profissional e familiar das sociedades contemporâneas, já que, para Gonçalves (2002), os adeptos usam os espetáculos de futebol como “válvulas de escape das tensões” acumuladas na vida quotidiana (Gonçalves 2002, apud Cardoso et al. 2007: 124).

Apesar de estar instaurada uma crise financeira por toda a Europa, tal não se reflete no futebol. Aliás, Serrado (2011: 140-141) acredita que tais situações de crise só fortalecem o futebol, tanto no “papel social de catalisador”, como de pretexto para esquecer a crise. O autor adianta ainda que o futebol, denominado “droga social”, torna a existência humana mais suportável, asseverando que “pode não haver dinheiro, mas tem de haver futebol” (ibidem). É neste sentido que Serrado vê no futebol uma espécie de religião ou mesmo “a maior e mais eficaz alternativa para a crise das religiões” (idem: 133):

Hoje o indivíduo não encontra apenas o sentido da sua existência numa igreja, mas sim, fundamentalmente, num estádio de futebol. Hoje, em muitos casos, não presta culto a deus, aos santos ou à Virgem, mas sim ao seu clube. Quando, ocasionalmente, se presta a rezar a deus, é, muitas vezes, para que ele favoreça e proteja o seu clube, autêntico baluarte das suas convicções (idem: 10).

Essa preponderância atribuída ao futebol fez com que a literatura apontasse a partida de futebol só por si como um meio de comunicação. Lash e Lury consideram mesmo que é “um espaço tridimensional de quase-comunicação em massa” (2007: 43-44). Para os autores, o conteúdo acaba por ser a combinação da própria partida, com a receção de uma audiência que consideram tão interativa que acaba por fazer parte do espetáculo.

Deste modo, o destaque dado ao desporto pelos media é demasiadamente notório e tem tendência a aumentar. Analisando com atenção, houve uma crescente preocupação em relação ao desporto, visível através da criação de inúmeros sites e blogues, de canais temáticos como a SportTv e o Eurosport, os canais dos próprios clubes, e ainda a criação d’A Bola TV, que

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vem revolucionar a era dos diários desportivos, ao passar de canal online a canal televisivo por cabo. Tais evidências vêm demonstrar, uma vez mais, a sinergia entre a imprensa e o desporto, ao que Seidler (1964) compara a uma relação de amor: “é a história de um par sólido, cuja união não cessou de se reforçar num duplo laço: casamento de amor e de razão” (Seidler 1964, apud Abadie et al. 1976: 12), mas também de dependência.

2.3. O desporto como exceção

O jornalismo desportivo apesar de se reger pelas regras do “grande” jornalismo é uma exceção enquanto profissão. Desde logo, o seu reconhecimento enquanto profissão especializada tardou a se implementar em Portugal. Para o Sindicato Nacional de Jornalistas, criado em 1934, não se podiam filiar jornalistas de rádio, de cinema, e claro, de desporto (Sousa 2010: 81-82). Tal panorama, que limitava o ingresso apenas aos profissionais da imprensa diária e semanal nacional, viria a mudar 38 anos depois, em 1972, altura em que os jornalistas desportivos passaram a ser dignos de filiar-se ao sindicato depois de já formado o CNID (1967).

Mas neste tipo de jornalismo existem mais exceções que fogem à regra. Nele há o recurso a uma linguagem mais elaborada, dependente do comentário e da opinião (Novais 2010a); por outro lado, o jornalismo desportivo demonstra uma certa parcialidade no relato dos grandes eventos desportivos (a ver no próximo capítulo).

Como é evidente, em Portugal existe uma grande concorrência entre os jornais desportivos, obrigando os mesmos a uma certa originalidade na linguagem, numa tentativa de captar e manter o maior número de leitores informados sobre a atualidade desportiva. Deste modo, as crónicas desportivas fogem ao cumprimento das regras jornalísticas, onde há um predomínio da utilização de figuras de estilo, que embelezam e colorem o texto jornalístico, tornando-o mais atrativo e ao mesmo tempo mais lúdico.

No entender de Sousa (2006: 692) são inúmeros os recursos estilísticos utilizados no jornalismo desportivo: desde o uso e abuso de palavras homónimas, usadas muitas vezes metaforicamente para se referirem aos clubes; tal como a ironia, a metonímia, o eufemismo, a

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hipérbole, a adjetivação e a metáfora5, sem esquecer a recorrência aos provérbios de sabedoria popular (idem: 112).

Neste tipo de jornalismo está fortemente patente a presença de um vocabulário recheado de estrangeirismos de origem inglesa, nomeadamente os anglicismos, dado que Inglaterra foi o berço do futebol que se conhece hoje (Baptista 1993: 33). Contudo, a utilização dessas palavras estrangeiras não é apenas exclusiva do futebol. No ténis, por exemplo, há um recurso ainda mais forte, mas como o futebol é um fenómeno de massas houve a preocupação de simplificar algumas dessas expressões de forma a irem ao encontro da simplicidade característica deste desporto.

Na aceção de Silva Costa (2009), a imprensa desportiva parte dos rituais festivos do futebol para permitir aos leitores “saírem deles próprios e poderem viver estes jogos como uma celebração de vida e mesmo como uma participação no jogo cósmico através da liturgia do mundo que é o futebol” (idem: 331). Assim, no seu funcionamento, encontram-se os jogos metafóricos situados principalmente no domínio do dramático, do militar e do religioso, sendo, no entender do autor, a linguagem desportiva uma linguagem “simbólica de tipo poético que convida ao sonho e à evasão” (ibidem). Deste modo, o discurso jornalístico na imprensa desportiva portuguesa é comandado pela emoção do jogo, na tentativa de recriar, através das crónicas, esse ambiente para os leitores (Montín 2000: 243).

De facto, e comparado com as outras editorias do jornalismo, o desporto desfruta de uma maior subjetividade na cobertura noticiosa (ibidem), encontrando-se nos títulos das publicações desportivas uma elevada carga subjetiva (idem: 250). Na mesma linha de pensamento, Teixeira (2010: 310) crê que os títulos dos diários desportivos, principalmente aqueles que vigoram nas capas, funcionam como slogans publicitários, estruturados na base da mensagem inesperada que capta a atenção através dos jogos de palavras e das metaforizações. Tal tendência é verificada nas primeiras-páginas já que são a “montra” daquilo que os jornais têm no seu conteúdo, e onde se evidencia o que é mais interessante para o leitor (Santos 2008: 2). Assim, no parecer de Nery (2004: 9), a capa é o espelho da publicação, e por tal é imprescindível conter os melhores temas do jornal, não descurando o aspeto gráfico, a cor ou o tipo de letra, de forma a atrair a atenção do leitor.

5 Sobre a linguagem metafórica usada na imprensa desportiva, debruçou-se Coimbra (1999), numa investigação que analisou 2060 títulos de

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Mas como é dirigida a todo o tipo de público, a crónica jornalística, incluindo a “crónica de jogo”, deve ter como base a clareza e a simplicidade na linguagem (Montín 2000: 257). Para além da peça jornalística referente à cobertura, só por si de caráter mais subjetivo, de um grande evento como um jogo entre os “três grandes”, estão ainda ligados, segundo o mesmo autor, uma série de elementos puramente objetivos que complementam essa informação, como a ficha técnica, as estatísticas, a figura do jogo e, não menos importantes, as fotografias (idem: 249).

Para o enriquecimento da narrativa desportiva contribuíram também algumas linguagens especiais, sobretudo a linguagem militar (Baptista 1993: 190), ou bélica, alusiva à guerra, em que os campos de futebol são terrenos de batalha, onde se luta “até à morte” contra os rivais para conseguir a vitória (Montín 2000).

Tal pensamento é defendido na obra de Baptista:

Se confrontarmos o futebol, entre muitos outros desportos, com a guerra, apercebemo-nos imediatamente de algumas afinidades entre estas formas de actividade. Efectivamente, a prática do futebol pressupõe, como a da guerra, a existência de um campo – teatro das operações – e de, pelo menos, dois adversários empenhados na luta, contenda, encontro, peleja, pugna, batalha, esforçando-se por alcançar a vitória. Também aqui se procura uma estratégia que permita superar o adversário ou inimigo, antecipadamente estudado para se lhe opor a táctica julgada mais conveniente. Os jogadores obedecem a um capitão, representante da equipa. As armas do futebolista são os pés e a cabeça, à espera da oportunidade para atirar à baliza do adversário (1993: 190).

De facto, a variedade de termos usados no universo desportivo, principalmente aproveitados nas crónicas desportivas, servem, na aceção de Alcoba López, para dar ênfase à narração do sucedido em terreno de jogo, “no campo de batalha”, e pode ser assimilado pelos leitores que não presenciaram a partida, o combate (2005: 133). Assim, o autor considera que o vocabulário bélico permite atrair a atenção dos adeptos de forma inteligível (ibidem).

Ora, tanto as formulações de Montín (2000), como as de Alcoba López (2005) e Baptista (1993) vão ao encontro das proferidas pelo ex-treinador do Liverpool, Bill Shankly, em que “o futebol não é um jogo de vida de morte, é muito mais que isso” e ainda as de Ricardo Serrado:

Muitos lhe chamam de ópio do povo. Para muitos milhões, o futebol é mais do que um jogo. É uma questão de vida; é o próprio significado da sua existência. É lá que encontram a razão de viver, as forças para continuar numa vida muitas vezes «madrasta» e ingrata. É no futebol que encontram refúgio e se abstraem dos seus problemas, das suas angústias, das suas frustrações (2011: 18).

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Tal dependência do futebol é aproveitada pela imprensa desportiva no sentido em que “exponencia os sentimentos mais básicos e instintivos de um espetador de futebol” (Teixeira 2010: 321), em que para um adepto um jogo é um tudo ou nada, uma guerra. Teixeira comprova isso mesmo no seu estudo sobre a utilização da linguagem bélica nas capas dos diários desportivos, em que futebol se constitui um espaço privilegiado para a metáfora “jogo é guerra” e todas as suas variantes (ibidem).

Posto isto, é indubitável que o futebol seja uma manifestação lúdico-desportiva, constituída por uma incontestável vertente simbólica, intensificada na linguagem da imprensa desportiva, já que todo o processamento do futebol se afigura ao de um ritual religioso. Aliás, partilhando da mesma opinião que Serrado (2011), Huizinga (2000) acredita nas semelhanças entre o jogo e a religião e aponta dois fatores equivalentes em ambos: no primeiro, há o estádio, o jogo e a atividade lúdica, e o segundo engloba o templo, o culto e o ritual. Cabe aos media desportivos explorarem essas semelhanças: as “grandes catedrais”, na alusão aos estádios, o campo de jogo é considerado como divino, a “fé” clubística, os “milagres” realizados por equipas “pequenas” ou os encontros desportivos que são experimentados como verdadeiras romarias populares. Porém, apesar da originalidade do jornalismo desportivo, com a tendência de utilização de metáforas alusivas a mitos, guerra, religião, ficção, sobrenatural e ainda a crime e sofrimento (Teixeira 2010), os diários desportivos tendem a recorrer a lugares e nomes comuns, o que culmina em títulos e capas semelhantes entre os três jornais especializados.

Baptista (1993: 181) acredita ainda que a “linguagem dos desportos” é, portanto, uma linguagem técnica usada por todos os indivíduos ligados ao desporto, desde jornalistas, praticantes, críticos e espectadores. O autor alerta que esse tipo de linguagem usufruiu de vocabulário próprio, traduzindo objetos, realidades e situações que apenas são familiares aos membros da comunidade desportiva. Baptista exemplifica com a seguinte formulação: “Um «doente» do futebol disse a um colega que o guarda-redes do clube X «deu um frango»”. Ora, na aceção do autor, apesar de o termo “frango” ser tão usual na linguagem corrente, tomou, no futebol, um significado próprio que o autor justifica com o facto de só quem está familiarizado com aquele desporto e com a sua linguagem perceberá o sentido dessa expressão (ibidem).

Deste modo, a crónica desportiva além de recorrer à “homogeneização do conteúdo”, privilegia o comentário e a opinião de especialistas da área (Novais 2010a: 22), que analisam os casos, as declarações dos jogadores, o ambiente vivido, o comportamento das equipas de

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arbitragem e até o comportamento dos adeptos, daí Boyle e Haynes (2009, apud Novais 2010a: 18) acreditarem que a linguagem desportiva é recheada de atitudes, anseios, receios e ainda de expectativas.

2.4. O jornalista desportivo

Apesar do jornalismo desportivo ser um jornalismo de “ação”, Abadie et al. (1976: 15) consideram que a imprensa desportiva não difere da geral no que aos princípios, regras e objetivos diz respeito. Na verdade, o jornalista que faz a cobertura desportiva não tem de ter tantos conhecimentos de basquetebol como o Michael Jordan, saber tanto de andebol como o Carlos Resende, nem tanto de futebol como o José Mourinho. Tem que ter noções sobre a área que vai abordar, mas essencialmente tem que saber de jornalismo. Logo, a informação desportiva pressupõe, segundo Sobral e Magalhães (1999: 16), um saber específico, tal como acontece em qualquer outra subdivisão que se faça na imprensa.

Recupera-se, a partir da obra de Pinheiro, o editorial do jornal Os Sports (1919-1945), de 25 de fevereiro de 1942, que reflete acerca da essência do jornalista desportivo português:

O jornalista de desporto tem de ser um artista e para isso carece de compreender o que há de espiritual no desporto. Precisa de vibrar com as manifestações de beleza em que ele é pródigo e que se encontram sempre, umas vezes mais outra vez menos, em todas as competições. E necessita saber transmitir depois ao papel, em frases adequadas e em estilo compreensível para os leitores, as impressões que colheu e que lhe permitiram ver, por exemplo, num jogo de futebol, mais alguma coisa que os pontapés que se deram na bola (2011: 12).

De facto, e tendo em conta a aceção de Guedes, os jornalistas e comentadores desportivos são os intérpretes privilegiados do futebol, especialistas e peritos que “testemunham” a sua prática e tudo que a cerca (2009: 3). Alcoba López argumenta mesmo que “el periodista deportivo es un esclavo de la profesión, a la que adora y permanece fiel” (2005: 100). Ademais, o trabalho do jornalista dedicado à informação sobre futebol deve oferecer opiniões (Claussen 2006: 583), mas sempre com o máximo de rigor objetivo aquando da preparação da matéria (Alcoba López 2005: 68-69).

Por essas razões, depreende-se que o trabalho dos profissionais das editorias de desporto não seja fácil. António Trabucho (apud Sousa 2010: 403) acredita mesmo que “os jornalistas desportivos (...) são frequentemente tão alvejados e tão mimoseados pelo público que os lê

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como árbitros”, isto porque o adepto de futebol tece fortes críticas quando as matérias noticiadas não vão ao encontro das suas preferências clubísticas (ibidem). Na mesma linha de pensamento, Ricardo Ornellas defende a ideia apresentada pelo jornalista António Ferro que dita que “a imparcialidade da crítica fica dependente da parcialidade de quem lê” (Ornellas 1941, apud Sousa 2011: 108), o que de certo modo salvaguarda o trabalho jornalístico.

Ainda assim, segundo Esteves (2009: 8), os jornalistas desportivos têm uma grande ascendência na forma como grande parte do público anónimo vê o “fenómeno futebol”, pois emitem opiniões que são amplamente difundidas acerca do mesmo e, como tal, define estes jornalistas como “fazedores de opinião” (ibidem). Neste contexto, de acordo com Coelho (2001: 218), os jornalistas e comentadores futebolísticos em Portugal produzem visões e representações sobre o país, sobre os portugueses e a sua identidade nacional que, graças à centralidade social do futebol, assumem uma enorme relevância e importância no quadro do estudo da reprodução discursiva da nação.

Apesar de muitas vezes o jornalista ser “o maior apaixonado diante do espectáculo desportivo”, Abadie et al. (1976: 27) consideram que cabe a este profissional não privilegiar o resultado da ação em detrimento do seu contexto (idem: 26). Assim, uma das questões que ensombra o jornalismo é a questão da objetividade/subjetividade. Se para as outras áreas essa questão é problemática, para o jornalismo desportivo muito mais, pois envolve, na maioria das vezes, sentimentos e paixões exacerbados. Desta forma, segundo Sobral e Magalhães (1999: 20), “escrever sobre desporto é tentar objectivar o subjectivo”, cabendo ao jornalista reforçar a “busca de rigor” na procura da verdade jornalística. Mas para que a objetividade jornalística seja efetiva, Alcoba López (2005: 97-98) acredita que “el periodista sea libre para exponer lo que sabe y desea poner en conocimiento de la sociedad”.

Como qualquer outro tipo de jornalista, o jornalista especializado em desporto deve seguir as mesmas regras do jornalismo, apresentadas por Kovach e Rosentiel (2004: 84), que passam pela procura e transmissão de verdade, demonstrando transparência para que seja o público a julgar e validar essa informação. No ideal da objetividade de Hackett (1993: 105) esperava-se que os acontecimentos fossem totalmente separados de opiniões e juízos de valores, havendo um distanciamento dos jornalistas perante os factos a relatar. Esperar-se-ia um resumo fiel dos acontecimentos, retratados de forma imparcial, equilibrada tanto qualitativamente como quantitativamente. Ora, essa visão da realidade permite assegurar que o mundo do jornalismo desportivo se deve reger por noções estruturais das democracias ocidentais, como a liberdade (Habermas 1984), a verdade (Tuchman 1978), a pluralidade, o

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Tabela 1 – Palmarés dos “três grandes” do futebol português.
Tabela 3 – Resultados dos ‘clássicos’ nas épocas em estudo.
Gráfico 1 – Espaço ocupado pelos ‘clássicos’ nos jornais desportivos.
Tabela 4 – Categorias de análise nos diários desportivos portugueses.
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Referências

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