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2. O jornalismo desportivo

2.3. O desporto como exceção

O jornalismo desportivo apesar de se reger pelas regras do “grande” jornalismo é uma exceção enquanto profissão. Desde logo, o seu reconhecimento enquanto profissão especializada tardou a se implementar em Portugal. Para o Sindicato Nacional de Jornalistas, criado em 1934, não se podiam filiar jornalistas de rádio, de cinema, e claro, de desporto (Sousa 2010: 81-82). Tal panorama, que limitava o ingresso apenas aos profissionais da imprensa diária e semanal nacional, viria a mudar 38 anos depois, em 1972, altura em que os jornalistas desportivos passaram a ser dignos de filiar-se ao sindicato depois de já formado o CNID (1967).

Mas neste tipo de jornalismo existem mais exceções que fogem à regra. Nele há o recurso a uma linguagem mais elaborada, dependente do comentário e da opinião (Novais 2010a); por outro lado, o jornalismo desportivo demonstra uma certa parcialidade no relato dos grandes eventos desportivos (a ver no próximo capítulo).

Como é evidente, em Portugal existe uma grande concorrência entre os jornais desportivos, obrigando os mesmos a uma certa originalidade na linguagem, numa tentativa de captar e manter o maior número de leitores informados sobre a atualidade desportiva. Deste modo, as crónicas desportivas fogem ao cumprimento das regras jornalísticas, onde há um predomínio da utilização de figuras de estilo, que embelezam e colorem o texto jornalístico, tornando-o mais atrativo e ao mesmo tempo mais lúdico.

No entender de Sousa (2006: 692) são inúmeros os recursos estilísticos utilizados no jornalismo desportivo: desde o uso e abuso de palavras homónimas, usadas muitas vezes metaforicamente para se referirem aos clubes; tal como a ironia, a metonímia, o eufemismo, a

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hipérbole, a adjetivação e a metáfora5, sem esquecer a recorrência aos provérbios de sabedoria popular (idem: 112).

Neste tipo de jornalismo está fortemente patente a presença de um vocabulário recheado de estrangeirismos de origem inglesa, nomeadamente os anglicismos, dado que Inglaterra foi o berço do futebol que se conhece hoje (Baptista 1993: 33). Contudo, a utilização dessas palavras estrangeiras não é apenas exclusiva do futebol. No ténis, por exemplo, há um recurso ainda mais forte, mas como o futebol é um fenómeno de massas houve a preocupação de simplificar algumas dessas expressões de forma a irem ao encontro da simplicidade característica deste desporto.

Na aceção de Silva Costa (2009), a imprensa desportiva parte dos rituais festivos do futebol para permitir aos leitores “saírem deles próprios e poderem viver estes jogos como uma celebração de vida e mesmo como uma participação no jogo cósmico através da liturgia do mundo que é o futebol” (idem: 331). Assim, no seu funcionamento, encontram-se os jogos metafóricos situados principalmente no domínio do dramático, do militar e do religioso, sendo, no entender do autor, a linguagem desportiva uma linguagem “simbólica de tipo poético que convida ao sonho e à evasão” (ibidem). Deste modo, o discurso jornalístico na imprensa desportiva portuguesa é comandado pela emoção do jogo, na tentativa de recriar, através das crónicas, esse ambiente para os leitores (Montín 2000: 243).

De facto, e comparado com as outras editorias do jornalismo, o desporto desfruta de uma maior subjetividade na cobertura noticiosa (ibidem), encontrando-se nos títulos das publicações desportivas uma elevada carga subjetiva (idem: 250). Na mesma linha de pensamento, Teixeira (2010: 310) crê que os títulos dos diários desportivos, principalmente aqueles que vigoram nas capas, funcionam como slogans publicitários, estruturados na base da mensagem inesperada que capta a atenção através dos jogos de palavras e das metaforizações. Tal tendência é verificada nas primeiras-páginas já que são a “montra” daquilo que os jornais têm no seu conteúdo, e onde se evidencia o que é mais interessante para o leitor (Santos 2008: 2). Assim, no parecer de Nery (2004: 9), a capa é o espelho da publicação, e por tal é imprescindível conter os melhores temas do jornal, não descurando o aspeto gráfico, a cor ou o tipo de letra, de forma a atrair a atenção do leitor.

5 Sobre a linguagem metafórica usada na imprensa desportiva, debruçou-se Coimbra (1999), numa investigação que analisou 2060 títulos de

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Mas como é dirigida a todo o tipo de público, a crónica jornalística, incluindo a “crónica de jogo”, deve ter como base a clareza e a simplicidade na linguagem (Montín 2000: 257). Para além da peça jornalística referente à cobertura, só por si de caráter mais subjetivo, de um grande evento como um jogo entre os “três grandes”, estão ainda ligados, segundo o mesmo autor, uma série de elementos puramente objetivos que complementam essa informação, como a ficha técnica, as estatísticas, a figura do jogo e, não menos importantes, as fotografias (idem: 249).

Para o enriquecimento da narrativa desportiva contribuíram também algumas linguagens especiais, sobretudo a linguagem militar (Baptista 1993: 190), ou bélica, alusiva à guerra, em que os campos de futebol são terrenos de batalha, onde se luta “até à morte” contra os rivais para conseguir a vitória (Montín 2000).

Tal pensamento é defendido na obra de Baptista:

Se confrontarmos o futebol, entre muitos outros desportos, com a guerra, apercebemo-nos imediatamente de algumas afinidades entre estas formas de actividade. Efectivamente, a prática do futebol pressupõe, como a da guerra, a existência de um campo – teatro das operações – e de, pelo menos, dois adversários empenhados na luta, contenda, encontro, peleja, pugna, batalha, esforçando-se por alcançar a vitória. Também aqui se procura uma estratégia que permita superar o adversário ou inimigo, antecipadamente estudado para se lhe opor a táctica julgada mais conveniente. Os jogadores obedecem a um capitão, representante da equipa. As armas do futebolista são os pés e a cabeça, à espera da oportunidade para atirar à baliza do adversário (1993: 190).

De facto, a variedade de termos usados no universo desportivo, principalmente aproveitados nas crónicas desportivas, servem, na aceção de Alcoba López, para dar ênfase à narração do sucedido em terreno de jogo, “no campo de batalha”, e pode ser assimilado pelos leitores que não presenciaram a partida, o combate (2005: 133). Assim, o autor considera que o vocabulário bélico permite atrair a atenção dos adeptos de forma inteligível (ibidem).

Ora, tanto as formulações de Montín (2000), como as de Alcoba López (2005) e Baptista (1993) vão ao encontro das proferidas pelo ex-treinador do Liverpool, Bill Shankly, em que “o futebol não é um jogo de vida de morte, é muito mais que isso” e ainda as de Ricardo Serrado:

Muitos lhe chamam de ópio do povo. Para muitos milhões, o futebol é mais do que um jogo. É uma questão de vida; é o próprio significado da sua existência. É lá que encontram a razão de viver, as forças para continuar numa vida muitas vezes «madrasta» e ingrata. É no futebol que encontram refúgio e se abstraem dos seus problemas, das suas angústias, das suas frustrações (2011: 18).

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Tal dependência do futebol é aproveitada pela imprensa desportiva no sentido em que “exponencia os sentimentos mais básicos e instintivos de um espetador de futebol” (Teixeira 2010: 321), em que para um adepto um jogo é um tudo ou nada, uma guerra. Teixeira comprova isso mesmo no seu estudo sobre a utilização da linguagem bélica nas capas dos diários desportivos, em que futebol se constitui um espaço privilegiado para a metáfora “jogo é guerra” e todas as suas variantes (ibidem).

Posto isto, é indubitável que o futebol seja uma manifestação lúdico-desportiva, constituída por uma incontestável vertente simbólica, intensificada na linguagem da imprensa desportiva, já que todo o processamento do futebol se afigura ao de um ritual religioso. Aliás, partilhando da mesma opinião que Serrado (2011), Huizinga (2000) acredita nas semelhanças entre o jogo e a religião e aponta dois fatores equivalentes em ambos: no primeiro, há o estádio, o jogo e a atividade lúdica, e o segundo engloba o templo, o culto e o ritual. Cabe aos media desportivos explorarem essas semelhanças: as “grandes catedrais”, na alusão aos estádios, o campo de jogo é considerado como divino, a “fé” clubística, os “milagres” realizados por equipas “pequenas” ou os encontros desportivos que são experimentados como verdadeiras romarias populares. Porém, apesar da originalidade do jornalismo desportivo, com a tendência de utilização de metáforas alusivas a mitos, guerra, religião, ficção, sobrenatural e ainda a crime e sofrimento (Teixeira 2010), os diários desportivos tendem a recorrer a lugares e nomes comuns, o que culmina em títulos e capas semelhantes entre os três jornais especializados.

Baptista (1993: 181) acredita ainda que a “linguagem dos desportos” é, portanto, uma linguagem técnica usada por todos os indivíduos ligados ao desporto, desde jornalistas, praticantes, críticos e espectadores. O autor alerta que esse tipo de linguagem usufruiu de vocabulário próprio, traduzindo objetos, realidades e situações que apenas são familiares aos membros da comunidade desportiva. Baptista exemplifica com a seguinte formulação: “Um «doente» do futebol disse a um colega que o guarda-redes do clube X «deu um frango»”. Ora, na aceção do autor, apesar de o termo “frango” ser tão usual na linguagem corrente, tomou, no futebol, um significado próprio que o autor justifica com o facto de só quem está familiarizado com aquele desporto e com a sua linguagem perceberá o sentido dessa expressão (ibidem).

Deste modo, a crónica desportiva além de recorrer à “homogeneização do conteúdo”, privilegia o comentário e a opinião de especialistas da área (Novais 2010a: 22), que analisam os casos, as declarações dos jogadores, o ambiente vivido, o comportamento das equipas de

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arbitragem e até o comportamento dos adeptos, daí Boyle e Haynes (2009, apud Novais 2010a: 18) acreditarem que a linguagem desportiva é recheada de atitudes, anseios, receios e ainda de expectativas.

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