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Pathos psíquico: a violência da neurose de angústia. Acontece de alguns sujeitos nos procurarem para análise após terem tentado

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Academic year: 2021

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Pathos psíquico: a violência da “neurose de angústia”

Juliara Machado Goulart∗

Acontece de alguns sujeitos nos procurarem para análise após terem tentado suicídio, ou o trazem como um episódio da sua história. Falam pouco disso durante as entrevistas, porém queixam-se de um grande mal-estar constante. São sujeitos que portam a peculiaridade de uma angústia intensa e persistente, tanto quanto de difícil manejo na direção do tratamento.

A palavra grega pathos, dentre outros significados, quer dizer paixão, excesso, sofrimento, assujeitamento. Entretanto, “se, por um lado, o excesso (de pathos) causa dor, por outro, ele cria subjetividade.” (CECCARELLI, 2005)

Nos primórdios da construção psicanalítica de uma teoria da angústia, encontramos na obra freudiana um episódio teórico que nos parece de fundamental importância para o entendimento de uma teoria freudiana da angústia: a investigação de uma síndrome com característica de “neurose de angústia”: “Llamo ‘neurosis de angustia’ a este complejo de síntomas porque todos sus componentes se pueden agrupar en derredor del síntoma principal de la angustia; cada uno de ellos posee una determinada relación con la angustia.” (FREUD, 1895[1894], AE, p.92)

O que aqui nos interessa está no aspecto de Freud pinçar a angústia numa constituição clínica, quando sua atenção para com ela já se revelava em seus estudos e prática com as fobias, histerias e a neurose obsessiva. Ele a encontrou a angústia em uma posição de destaque e, assim acreditamos, de uma maneira peculiar: “ultrapassa uma

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angústia plausível”, “uma angústia contínua”, “um peculiar estado do afeto da angústia”. (Ibid., p.92-98)

Parece que encontramos no esforço freudiano em descrever essa “síndrome” a correlação com uma constatação bastante atual na clínica de orientação lacaniana: de sujeitos arrebatados por um real do corpo difícil de ser enlaçado pelo significante. Tal fenômeno tem imposto aos analistas contemporâneos questionarem-se, em suas clínicas e em suas Escolas, sobre o diagnóstico diferencial de estrutura. Perguntamo-nos o quão atual pode ser esta pesquisa que Freud realizou em 1895, já que o fenômeno da angústia é um acontecimento de corpo.

Em “Sobre la justificación de separar de la neurastenia un determinado síndrome em calidad de ‘neurosis de angustia’”∗ (1895 [1894], AE, vol. III), Freud começa por separar a

“neurastenia propriamente dita” dos “distúrbios neuróticos”. Diferenciar da neurastenia genuína várias pseudoneurastenias. É o primeiro em que Freud caracteriza publicamente uma categoria clínica chamada de neurose de angústia. Neste, falará pela primeira vez, na língua alemã, de Angstneurose, mas já a havia mencionado em seu artigo “Obsessões e fobias” ( 1895 a ) escrito primeiramente em francês. De qualquer forma, já vinha usando o termo em suas cartas a Fliess.

No artigo “Obsessões e fobias – seu mecanismo psíquico e sua etiologia” (1895 [1894]) Freud fala que.há razão para distinguir uma neurose especial, a ‘neurose de angústia’, cujo principal sintoma é o estado emocional. As fobias são, então, uma parte da neurose de angústia. A neurose de angústia, também, tem uma origem sexual, mas não relacionada a idéias provenientes da vida sexual; para falar a verdade, não há qualquer

“Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intitulada ‘neurose de angústia’”, em ESB.

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mecanismo psíquico. Sua causa específica é a acumulação de tensão sexual, produzida pela abstinência ou pela tensão sexual não consumada [em francês: fruste, que significa gasta, apagada].”(FREUD, 1895a, AE, p. 82)

O editor nos atentará que neste texto Freud fala pela primeira vez em neurose de angústia, porém em idioma francês, como este foi escrito primeiro. A expressão só aparecerá na língua alemã, Angstneurose, em “Sobre os critérios...”.

Na carta a Fliess de 8 de fevereiro de 1893, Freud traz a neurose de angústia. (FREUD, 1893, AE, p.) Questiona-se se o surgimento do fator angústia sem os demais sintomas descritos na neurastenia (diminuição da autoconfiança, uma expectativa pessimista e uma inclinação para idéias antitéticas aflitivas) não deveria ser destacado como uma ‘neurose de angústia’ independente.(Ibid, p.221) Diz, a neurose de angústia surge de três formas: como um estado crônico de angústia, como um ataque de angústia ou como uma depressão periódica que pode durar semanas ou meses. Nessa última forma, ele a distingue da melancolia dizendo que a “depressão periódica não se acompanha de anestesia [sexual] psíquica, que é característica da melancolia. (Idem)

Em outra carta a Fliess, escrita na época do artigo sobre “As neuropsicoses de defesa”, de 21 de maio de 1894, a respeito das neuroses, Freud diz conhecer três mecanismos: transformação do afeto (histeria de conversão), deslocamento do afeto (obsessões) e (3) troca de afeto (neurose de angústia e melancolia). Em todos os casos, o que parece sofrer essas alterações é a excitação sexual, mas o estímulo a essas alterações não é, em todos os casos, algo sexual. (FREUD, 1894, AE, p.227)

No Rascunho E, que parece ser de junho de 1894, Freud quer saber, e este é o título, sobre “Como se origina a angústia” (Como se genera la angustia?). Aqui ele faz duas afirmativas: a primeira, a angústia se origina da sexualidade; a segunda, visto que sofrem de

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angústia tanto as mulheres frígidas à relação sexual como as que não o são: “Esto es muy asombroso, pero sólo puede tener el sentido de que la fuente de la angustia no ha de buscarse dentro de lo psíquico.” (FREUD, 1894, AE, p.229) Se sua origem não deve ser buscada na esfera psíquica, deve estar radicada na esfera física: é um fator físico da vida sexual que produz a angústia. Mas que fator? Pergunta-se com muita propriedade. E ele já se apressa em responder concluindo que a neurose de angústia é uma neurose de represamento; uma acumulação de tensão física que não sofreu descarga, foi evitada a sua descarga. Define dizendo-se que a angústia surgiu por transformação, a partir da tensão sexual acumulada. (Ibid, p.234)

Mas, por que ocorre essa transformação em angústia, quando há uma acumulação? A essa pergunta de Freud leva à construção de uma futura teoria da angústia que, antecipadamente sabemos, ser desdobrada em dois momentos.

Voltando ao texto mais específico, “Sobre os critérios...” (1895 b), Freud traz esse ponto: A neurose de angústia é o resultado de todos aqueles fatores que impedem a excitação sexual somática de ser exercida psiquicamente. As manifestações da neurose de angústia aparecem quando a excitação somática que se tenha desviado da psique é gasta “subcorticalmente” em reações totalmente inadequadas. Assim, a libido terminará submergindo se a excitação manifestar-se subcorticalmente como angústia.(FREUD, 1895b, AE, p.109).

Freud constrói, no Manuscrito G, um gráfico para explicar as diferenças entre neurose de angústia e melancolia, retomando a questão do nosso parágrafo anterior. Seguindo o gráfico: no caso, se a tensão sexual somática é desviada do grupo sexual psíquico, conquanto a produção de excitação somática não esteja diminuída, pressupõe que

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a excitação somática é utilizada em outra parte – na região limítrofe [entre o somático e o psíquico]. Este, contudo, é o fator determinante da angústia. ( FREUD, 1895, AE, p.242)

Seguindo este Manuscrito, no capítulo VI: Como se explicam os efeitos da melancolia? Inibição psíquica,com empobrecimento pulsional e respectivo sofrimento. Se o grupo sexual psíquico se defronta com uma grande perda da quantidade de sua excitação, pode acontecer uma retração para dentro na esfera psíquica , que produz um efeito de sucção sobre as quantidades de excitação contíguas.Os neurônios associados são obrigados a desfazer-se de sua excitação, o que produz sofrimento. Desfazer associações sempre é doloroso. Com isso, instala-se um empobrecimento da excitação (no seu depósito livre) – uma hemorragia interna, que se manifesta nas outras pulsões e funções. Essa retração atua de forma inibidora, como uma ferida, num modo análogo o da dor...na melancolia o buraco é na esfera psíquica.

Entendemos com isso tudo que na melancolia há uma retirada de investimento libidinal das representações, um desligamento, que causa dor – angústia sentida como sofrimento psíquico, pathos psíquico -; na neurose de angústia não há sequer o ligamento, sequer a excitação somática é libido, não há desligamento das representações porque nem houve ligação. Freud vai dizer de “algo que vai mal”, que impede essa ligação, “um déficit” no encaminhamento a fazer uma ligação. Com Lacan, convocaríamos a noção do real.

Freud continua seu questionamento, que também é nosso: “Por qué el sistema nervioso, bajo esas circunstancias de una insuficiencia psíquica para dominar la excitación sexual, cae en el peculiar estado afectivo de la angustia? (FREUD, 1895, AE, p.111; grifo nosso)

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La psique cae en el afecto de la angustia cuando se siente incapaz para tramitar, mediante la reacción correspondiente, una tarea (un peligro) que se avecina desde afuera; cae en la neurosis de angustia cuando se nota incapaz para reequilibrar la excitación (sexual) endógenamente generada. Se comporta entonces como si ella proyectara la excitación hacia afuera. (FREUD, 1895, AE, p.112; grifo do autor)

Sabemos, de antemão, que essa suspeita, ou melhor, essa afirmativa freudiana precoce levará não só a duas teorias da angústia, bem como a duas teorias pulsionais e a conceitos como ideal do eu e o supereu.

Freud, em 1930 com “O mal-estar na cultura”, retoma a ‘neurose de angústia’, não mais tanto pelo seu aspecto de ‘neurose atual’, mas pelo seu ainda ímpar estado afetivo. Este estado correlaciona-o a uma angústia que pode ser insuportável, levando ao suicídio ou ao homicídio.

Nós, também, retomamos este estado afetivo justamente pela sua expressão singular de descrevê-lo como um “peculiar estado afetivo da angústia”. Entendemos que, se o afeto da angústia não tem nada de singular, é universal aos seres humanos, esse estado descrito nessa “síndrome” é absolutamente único: “a angústia é universal, mas não é geral. Nem todos são angustiados.” (LEGUIL, 2007)

A angústia não faz tipo clínico. É um afeto desvelado em suas variações pelos ditos do sujeito. Dessa maneira, não faz tipologia, por isso precisamos investigá-la com a clínica do um a um na nossa questão acerca dela e a tentativa de suicídio.

O analista se posiciona frente ao sofrimento psíquico reinventando a psicanálise a cada escuta: “Se ela só existe quando sustentada no dispositivo da palavra, implica que sua recriação ininterrupta inclua, necessariamente, a leitura dos impasses simbólicos que cada indivíduo transforma em sintoma quando é chamado a prestar contas de uma posição subjetiva”. (CARNEIRO, 2004)

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É preciso que a análise também tenha uma função terapêutica em relação à angústia. Com isso não queremos dizer que seja uma clínica para desangustiar o sujeito, de suprimir a angústia, mas de apaziguá-la para dar lugar ao discurso:

...é pela instigação que nos vem da observação no contemporâneo, da tentativa de apaziguamento da angústia, que podemos reconhecer a tentativa de apaziguamento epicurista [a evitação da angústia coma finalidade da adaptação do homem ao cosmos] da qual nos fala Lacan. Sobretudo com a utilização dos medicamentos, cada vez mais eficazes em calar a angústia, deixando muitas vezes em seu lugar a depressão. Mas quando a angústia se cala, que lugar fica para o analista? (BESSET, 2002, grifos da autora)

Perguntamo-nos de que maneira o psicanalista, no manejo da direção do tratamento, pode construir em análise visando um limiar de angústia compatível com o sujeito poder criar seu viver.

Referências

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