Temas da Aula
Caso Clínico: HIV
Bibliografia
KASPER, D., BRAUNWALD, E., FAUCI, A., “Harrisson´s Principles of Internal
Medicine”, 17th edition, McGraw-Hill professional, 2007
F. Antunes. Manual sobre SIDA. 2ª Edição, 2004. Permanyer Diapositivos da aula
Caso Clínico
I
DENTIFICAÇÃO YRMD 66 anos sexo feminino raça indiana natural da Guiné-Bissau residente em Lisboa há 30 anos solteira e sem filhos
reformada (técnica de telecomunicações)
D
ATA DAC
ONSULTA:
21 de Outubro de 2008M
OTIVO DAC
ONSULTA:
AnemiaSeguimento da infecção VIH
Tema da Aula Teórico-Prática: Caso Clínico de HIV
Autor: Tarcísio Pedro Meireles de Araújo
Nota: como existem várias anotadas sobre HIV, tentei realçar os
aspectos particulares deste caso clínico apresentado pelos nossos
colegas, devendo ser consultadas as aulas teóricas para a sua
compreensão.
H
ISTÓRIA DAD
OENÇAA
CTUALSeguida na consulta de doenças infecciosas desde 2004, após rastreio VIH positivo, na sequência do falecimento do seu companheiro por SIDA (tuberculose).
Desde esta altura, encontra-se a fazer terapêutica anti-retrovírica, tendo o esquema sido alterado várias vezes por toxicidade.
Actualmente, refere esquema anti-retrovírico com: Isentress® (raltegravir), Kaletra® (lopinavir+ritonavir) e Epivir® (lamivudina).
Nega qualquer sintomatologia na altura do diagnóstico e doenças oportunistas. Refere anemia e doença hepática desde jovem, cujo diagnóstico foi feito laboratorialmente em análises de rotina.
Até 2006/2007 a doente nega qualquer sintomatologia relacionada com estas patologias.
Em 2006, refere aparecimento dos primeiros sintomas relacionados com a anemia e que ainda hoje se mantêm: cansaço fácil, astenia, palidez da pele e palpitações. Recebeu em 2006 a sua primeira transfusão sanguínea.
Desde então vem semanalmente à consulta para vigilância e eventual correcção dos valores de Hb.
No último ano, mesmo com transfusões repetidas, os valores de Hb têm-se mantido sistematicamente baixos.
Em 2007 a doente refere dois episódios de agravamento da doença hepática
crónica com a seguinte sintomatologia: fadiga, icterícia, colúria, prurido generalizado,
dispepsia, náuseas e vómitos alimentares pós-prandiais, ascite e edemas periféricos. Nesta altura, e após ecografia hepática com biópsia, foi feito o diagnóstico de cirrose hepática de etiologia a esclarecer.
A
NTECEDENTESP
ESSOAISDoenças de infância: sarampo, papeira e varicela.
Doenças concomitantes:
Hipotiroidismo há 10/15 anos medicado; Epilepsia há 5 anos medicada;
Medicação actual:
Letter® (levotiroxina sódica); Depakine® (valproato de sódio); Diovan® (valsartran);
Raltegravir®, Kaletra® e Ipevir®;
Bactrim® (co-trimoxazol) e Medifolin® (folinato de cálcio).
Nega internamentos.
Refere intervenção cirúrgica às cataratas em 2004. Nega acidentes e traumatismos.
Refere alergia ao pó e ao pólen.
Refere BNV actualizado. Refere alimentação cuidada.
Nega hábitos alcoólicos, tabágicos e toxifílicos.
A
NTECEDENTES FAMILIARES
Mãe, falecida aos 60 anos, por doença hepática alcoólica; Pai, falecido aos 70 anos, por AVC;
Irmão, vivo, com 68 anos, com antecedentes de neoplasia do cólon.
R
EVISÃO PORS
ISTEMASNega sífilis, hepatite B, C e outras doenças venéreas.
Refere ter tido dois parceiros sexuais e relações sexuais desprotegidas com ambos:
1º companheiro aos 34 anos; 2º companheiro aos 46 anos.
Antecedentes ginecológicos e obstétricos: G1 P1 A0;
Filhos vivos: 0 (1 nado-morto); Menopausa aos 47 anos.
E
XAMEO
BJECTIVOSinais Vitais
Doente orientada, lúcida, vigil e colaborante Pulso: 74ppm (pulso radial)
FR: 14cpm TT: 36,4ºC
PA: 152/70 mmHg (MSD, decúbito dorsal)
Generalidades
Bom estado geral. Idade aparente coincidente com a idade real. Peso: 60 kg
Altura: 1,55 m IMC: 25 kg/m2
Pele
Pele hidratada, sem equimoses nem outras lesões. Mucosas hidratadas mas descoradas.
Escleróticas anictéricas.
Sistema linfático
Sem adenopatias cervicais, supra-claviculares e axilares palpáveis.
Cabeça e Pescoço
Mucosa oral sem lesões.
Tiróide de dimensões normais e sem nódulos.
Tórax
AP: MV mantido e simétrico. Sem RA.
Abdómen
Abdómen globoso, sem evidência de circulação colateral.
Hepatomegália de 12 cm na linha médio-clavicular. Bordo hepático cortante, de superfície irregular e consistência dura.
Sinal da onda líquida negativo. Sem esplenomegália. Murphy renal negativo.
Membros Inferiores
Com edemas periféricos: Godet + bilateral. Sem alterações tróficas.
L
ISTA DEP
ROBLEMASInfecção VIH
Confirmação laboratorial da infecção Estadiamento da infecção
Anemia
Investigar etiologia
Doença Hepática Crónica
H
IPÓTESESD
IAGNÓSTICASInfecção VIH
Confirmação da infecção:
ELISA + Western Blott +Estadiamento da infecção:
Contagem de linfócitos T CD4+ = 250 cel/mm3 ARN VIH: indetectávelDesde há dois anos, a doente apresenta deterioração do estado geral, mas não há evidência de doenças oportunistas. Assim, o estadio clínico da infecção é: estadio B2.
Tabela 1.Sistema classificativo da infecção por VIH (CDC 1993)1 Categoria clínica Linfócitos T CD4+/mm3 A B C ≥500 A1 B1 C1 200-499 A2 B2 C2 <200 (contagem indicadora de SIDA) A3 B3 C3 Categoria clínica Linfócitos T CD4+/mm3 A B C ≥500 A1 B1 C1 200-499 A2 B2 C2 <200 (contagem indicadora de SIDA) A3 B3 C3
Anemia
I. DHC
1.
Aumento da destruição eritrocitáriaII. VIH
1.
Perdas GI1
2. Diminuição da produção de eritrócitos 3. Aumento da destruição eritrocitária
III. Iatrogenia
1.
NITR’s2. Trimetoprim-Sulfametoxazol
I. Anemia na doença hepática crónica
1)
Aumento da destruição eritrocitária – Sequestração esplénica A favor: Doente com cirrose hepática.Contra: Doente sem esplenomegália evidente à palpação.
II. Anemia na infecção por VIH
1)
Por perdas gastrointestinais – etiologias possíveis: Colite por CMV2A favor: refere perda ponderal;
Contra: nega dor abdominal, diarreia; só se costuma manifestar quando contagem3 TCD4+ < 50/mm3
Sarcoma de Kaposi A favor: marcada perda ponderal;
Contra: nega náuseas, dor abdominal e hemorragia digestiva; sem lesões cutâneas nem mucosas suspeitas.
2
A professora referiu que a infecção mais comum por CMV em doentes HIV + era a retinite
3
Linfoma não-Hodgkin A favor: perda ponderal;
Contra: nega febre, suores nocturnos, adenomegálias
.
2)
Diminuição da produção de eritrócitos – etiologias possíveis4: Patologia infiltrativa da medula óssea Mielossupressão iatrogénica
A favor: terapêutica com trimetoprim-sulfametoxazol; Acção directa do VIH;
Contra: a carga viral é indetectável.
3) Aumento da destruição de eritrócitos – etiologias possíveis: Auto-anticorpos anti-eritrocitários
Síndrome hemofagocítico CID
Púrpura trombocitopénica trombótica
III. Anemia iatrogénica
1)
NITR’s – Os anti-retrovirícos da classe da Lamivudina podem causarmielossupressão, toxicidade mitocondrial e esteatose hepática. 2) Trimetoprim-Sulfametoxazol - Anti-folato; mielossupressor.
4
A anemia poderia então resultar de diversos factores:
Doença Hepática Crónica
Agravamento da
ANEMIA
Anemia PERDAS Colite por CMV Sarcoma de Kaposi Linfoma não-Hodgkin Infecção VIH (Patologia Infiltrativa da MO Terapêutica Anti-retrovírica) ACÇÃO DIRECTA SOBRE MOExames Complementares de Diagnóstico
Estudo da anemia
Hemograma completo; Contagem de reticulócitos; Esfregaço de sangue periférico;
Doseamento do Fe sérico, ferritina, CTFF; Doseamento de folato e vit. B12.
Doença Hepática Crónica
Causas mais frequentes: Hepatite viral Hepatite alcoólica
1) Hepatite viral (VHB, VHC)
A favor: Relações sexuais desprotegidas no passado.
Contra: Nega episódios passados de sintomatologia sugestiva
(febre, fadiga, náuseas, vómitos, icterícia, artralgias); Nega consumo de drogas injectáveis;
Nega transfusões sanguíneas antes de 1992 (rastreio VHC).
2) Hepatite alcoólica
Contra: Nega hábitos alcoólicos presentes e passados.
Doença Hepática Crónica
Causas menos frequentes: Medicamentosa Auto-Imune Metabólica Genética
3) Hepatite medicamentosa
Contra: As alterações das provas hepáticas iniciaram-se sem terapia farmacológica concomitante;
Os fármacos hepatotóxicos são de introdução recente: Valproato de sódio (2003),
2004
2004
Início da terapêurica anti-retrovírica Alteração do esquema terapêutico anti-retrovírico
2007
Episódios de agudização
2007
Episódios de agudização Início da terapêutica anti-epilética
2003
4) Doença hepática auto-imune – CBP / HAI5
A favor: Mais prevalente no sexo feminino (90%);
A maioria dos doentes mantêm-se assintomáticos durante longos períodos de tempo.
Contra: Não apresenta outras doenças auto-imunes
5) Doença hepática metabólica - Esteatose hepática
Contra: Ausência de factores de risco (excepto HTA): obesidade, diabetes mellitus, hipertrigliceridémia.
6) Doença hepática genética - Deficiência de 1-antitripsina
A favor: No adulto a manifestação mais frequente é a cirrose assintomática.
Contra: Frequente desenvolvimento de doença pulmonar concomitante;
Manifestações de doença pulmonar e hepática na idade infantil.
5
D
OENÇAH
EPÁTICAC
RÓNICA NA INFECÇÃO PORVIH
A lesão celular ocorre quer por esteatose, quer por predisposição à infecção por CMV e Mycobacterium-avium-intracellulare. Por outro lado, a colonização da árvore biliar por CMV e Cryptosporidium pode levar ao desenvolvimento de colangite esclerosante.
Estudo da doença hepática crónica
Função hepática:
INR
Electroforese das proteínas séricas Bilirrubina total/conjugada Lesão Hepática: AST;ALT FA -GT Hepatite Viral
Ag HBs, Ag HBe e IgG Anti-HBc Anti-VHC PCR CMV Doenças metabólicas: Perfil lipídico Pesquisa de DM Imagiológicos: Ecografia abdominal Endoscopia digestiva alta
O
UTRAS:
Tuberculose
A favor: contacto com indivíduo infectado. Deterioração do estado geral (anorexia, astenia, emagrecimento), anemia
Contra: nega tosse, suores nocturnos, febre
Pede-se exame micobacteriológico directo e cultural da expectoração, telerradiografia do tórax.
Leishmaniose visceral (kala-azar)
A favor: mais frequente no sexo feminino, apresenta hepatomegália e anemia Contra: Não tem febre, suores, dor abdominal nem esplenomegália.
O diagnóstico é feito através da observação directa do parasita no aspirado de medula óssea.
Os primeiros exames complementares de diagnóstico apresentaram o seguinte resultado:
Hemograma
Hb – 10g/dl ↓ VGM – 78 fl ↓ HCM – 30 pg Reticulócitos – 1% eritr. Leucócitos – 3.000 mm3 ↓ Plaquetas – 100.000 mm3 ↓Estudo de anemias
Ferro Sérico - 5 mg/mL ↓ Ferritina - 10 ng/ml ↓ CTFF - 420 mg/dL ↑ Ácido fólico – 8 ng/mL Vitamina B12 – 1000 pg/mLFunção Renal
Ureia – 50 mg/dL Creatinina – 0,9 mg/dLIonograma
NormalPerfil Lipídico
NormalPesquisa de DM
NegativaProvas Hepáticas
ALT – 75 ↑ AST – 120 ↑ FA – 220 ↑ -GT – 80 ↑ INR – 1,2Electrof. prot. Séricas – hipoalbuminémia, hipergamaglobulinémia Bilirrubina total / conj. – 1 / 0,2 mg/dL
Serologias Virais Hepáticas
Ag HBs – negativo Ag HBc – negativo IgG HBc – positivo Anti-VHC – negativo PCR CMV - negativo
Pesquisa de infecção por BK
–
Exame directo e cultural da expectoração negativos.Radiografia Tórax -
Normal, sem alterações do parênquima ou derrame pleural.EDA
– Varizes esofágicas. Sem outras alterações.
Ecografia Abdominal
–
Hepatomegália, com bordo irregular e com eco- estrutura heterogénea.Mielograma –
Coloração de Perls revela diminuição dos depósitos de ferro. Ausência de células atípicas. Sem evidência de Leishmania ou M.tuberculosis.D
ISCUSSÃOI
Os dados da anamnese, do exame objectivo e dos exames complementares de diagnóstico apontam para as seguintes conclusões:
Anemia microcítica (ferropénica)
Pancitopénia
Doença hepática crónica (cirrose hepática)
Deste modo, para continuar o estudo do caso fez-se colonoscopia/EDA e pesquisa de sangue oculto nas fezes para investigar a causa da anemia, repetiu-se o mielograma por causa da pancitopénia e pesquisou-se marcadores de doença hepática auto-imune e genética.
E
XAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICOPesquisa de sangue oculto nas fezes -
negativa.EDA e Colonoscopia -
Não revelaram causas de perdas hemáticas GI. Como foram inconclusivas procedeu-se à realização do exame com cápsula endoscópica.Cápsula endoscópica
–
Não revelou causa de perdas hemáticas GI.Mielograma
–
Coloração de Perls revela diminuição dos depósitos de ferro. Ausência de células atípicas. Sem evidência de Leishmania ou M.tuberculosis. Como não revelou alterações procedeu-se à realização de uma biopsia óssea.Biópsia óssea
–
Normal. Ausência de células atípicas. Sem evidência deLeishmania ou M.tuberculosis.
Auto-anticorpos
ANAs
–
negativoAnti-LKM1
6-
em cursoAMAs –
negativoFactor reumatóide -
negativoSMA –
negativoAnticorpos anti-tiroideus -
negativosDoseamento
1-antitripsina –
não foi realizadoD
ISCUSSAOII
A investigação etiológica foi inconclusiva. Assim, a doente apresenta: infecção VIH no estadio B2; anemia ferropénica, provavelmente por perdas GI intermitentes e cuja causa não é detectada pelos exames endoscópicos; pancitopénia e cirrose hepática de etiologia desconhecida.
6
Liver-kidney microssomal – auto anticorpos KLM1 específicos de hepatite auto-imune e alguns casos de hepatite C
Deste modo se pode concluir que as alterações laboratoriais são multifactoriais, isto é, todas as doenças associadas (doença hepática crónica, HIV) bem como os fármacos terão contribuído para esta sintomatologia, devendo ser escolhido um esquema terapêutico o menos hepatotóxico possível e tratar sintomaticamente a anemia.
Por outro lado sugere-se a continuação do estudo etiológico da anemia e da doença hepática crónica, pedindo a função tiroideia e aguardando o resultado do estudo KLM, bem como o doseamento da 1-antitripsina.