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DA BÍBLIA PARA OS QUADRINHOS: o processo de retextualização em Gênesis por Robert Crumb

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NÍCOLAS VLADIMIR DE SOUZA JANUÁRIO

DA BÍBLIA PARA OS QUADRINHOS: o processo de retextualização

em Gênesis por Robert Crumb

FRANCA – SP 2018

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NÍCOLAS VLADIMIR DE SOUZA JANUÁRIO

DA BÍBLIA PARA OS QUADRINHOS: o processo de retextualização

em Gênesis de Robert Crumb

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Aparecido

Ferreira

FRANCA – SP 2018

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DEDICO este trabalho in memoriam de Nicolle Mary de Souza Januário, minha irmã, carinhosamente chamada por minha

família de “Lalazinha”, que sempre me incentivou a desenvolver minhas potencialidades e, afetuosamente, mostrou-me o quão era importante continuar no caminho pelo conhecimento.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Senhor e Regente da minha vida, que me deu a dádiva de viver, que oportunizou durante toda caminhada até aqui, experiências imensuráveis que, sem pestanejar, fizeram-me sempre agradecer.

Ao meu amado pai, Nivam de Souza Januário, homem sábio, sensato, carinhoso, honesto, atencioso e meu herói, que sempre foi o meu exemplo de ser humano, fazendo-me querer ser parecido, pois igual jamais serei, pois meu papai é único.

À minha amada e “guerreira” mamãe, Helaine Mary Verde, que desde sempre me incentivou para a inclinação do bem, que sempre cuidou de mim nos momentos de maior fragilidade, dando-me forças inimagináveis que restaurava meu espírito sedento de colo e ensinamentos. Mulher admirável que com “braços fortes de quem não fugiu nunca à luta”, também me ensina até hoje a vencer batalhas e a reconhecer minhas deficiências, que são transformadas em caminhos para o aprimoramento. Minha mestra, minha mamãe e amiga.

À minha tia-mãe, Heloisa Mary Verde Pinto, que sempre me apoiou em minhas decisões, por acreditar que em todas elas seria feliz, e na verdade sempre fui. A você, minha tia-mãe, meu muito obrigado por tanto amor e confiança.

À minha tia-luz, Nilma de Souza Januário, pessoa e ser iluminado responsável por esta conquista. Obrigado por acreditar em mim e por ter financiado de forma desprendida esta empreitada que hoje leva aqui também seu nome. A senhora sempre foi para mim um exemplo, a verdadeira “intelectualidade” em pessoa. Querer ser parecido à senhora e buscar isso, para mim é sinônimo de orgulho e honra. Infinitamente obrigado.

Às minhas tias Nilza de Souza Januário e Neide de Souza Januário, que delicadamente sempre estiveram atentas e presentes a cada passo que venho dando. Ao meu tio Nivaldo de Souza Januário, quem muito me ajudou, financiando as minhas viagens para estudar durante o último ano de meu mestrado, minhas participações em congressos e sempre carinhosamente, importou-se comigo em outras situações.

Ao meu queridíssimo orientador, prof. Dr. Fernando Aparecido Ferreira, que me estendeu as mãos, convidando-me a conhecer o que há de mais valoroso nesta vida

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humana, o conhecimento. Profissional humilde, atencioso e de uma intelectualidade admirável, que me mostrou pacientemente a importância e o valor de “crescer” no campo da ciência.

A todos os professores do programa do Mestrado em Linguística da Unifran, e especialmente a atenção, carinho e profissionalismo da coordenadora, professora Dra. Vera Lúcia Rodella Abriata.

Também um agradecimento especial a Profª Dra. Camila Beraldo Ludovice, pessoa iluminada, pelas inúmeras palavras de carinho e entusiasmo que em muitas vezes me fizeram levantar e continuar a “caminhada”. Meu muito obrigado!

Aos meus colegas do Mestrado em Linguística, meus sinceros agradecimentos pelo carinho.

Aos meus ilustríssimos amigos e colegas de trabalho da Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS, campus de Campo Belo – Minas Gerais, pessoas que sempre me incentivaram e são com toda certeza, também responsáveis por este sonho realizado.

E a muitos outros que direta ou indiretamente torceram por mim, meus eternos agradecimentos.

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A teoria sem a prática vira 'verbalismo', assim como a prática sem teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria, tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Fatores de textualidade e diretivo composicional 34 Quadro 2 Funções anafórica e catafórica na linguagem verbal 46 Quadro 3 Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala

e na escrita

58 Quadro 4 Transcrição da introdução de Gênesis por Robert Crumb 99 Quadro 5 Comparação I: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James)

e Gênesis, de Robert Crumb (página 11).

102

Quadro 6 Comparação II: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 12).

108

Quadro 7 Comparação IIII: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 13).

110

Quadro 8 Comparação IV: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 14).

113

Quadro 9 Comparação v: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 15).

115

Quadro 10 Comparação VI: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 16).

120

Quadro 11 Comparação VII: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 17).

121

Quadro 12 Comparação VIII: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 18).

125

Quadro 13 Comparação IX: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 19).

128

Quadro 14 Comparação X: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 20).

135

Quadro 15 Comparação XI: texto-fonte (Bíblia Sagrada do Rei James) e Gênesis, de Robert Crumb (página 21).

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Tipos de coesão e formalidade de conteúdo 29

Figura 2 Relações intertextuais e circunstanciais embutidas – por Piègay-Gros (1999)

42

Figura 3 Citação e recontextualização 43

Figura 4 Alusão: associação de ideias 45

Figura 5 Relação do filme “O Soldado Invernal” com HQ de Capitão América

46

Figura 6 Gêneros textuais em perspectiva atual 55

Figura 7 Superman, Jim Shooter e Curt Swan 71

Figura 8 Charge, Nani 74

Figura 9 Cartum, Pavel Kotyza 75

Figura 10 Tira cômica, Gilmar 77

Figura 11 Tirinha seriada – Dick Tracy 77

Figura 12 Tirinha cômica seriada – Piratas do Tietê 78

Figura 13 Elipse 81

Figura 14 O tempo 82

Figura 15 As sargetas 82

Figura 16 O requadro 84

Figura 17 Ausência de requadro 85

Figura 18 Os balões 86

Figura 19 Tipos de balões 88

Figura 20 Onomatopeias 89

(11)

Figura 22 As linhas cinéticas (Oriente) 91

Figura 23 As cores nas HQs 93

Figura 24 Anatomia expressiva do corpo 95

Figura 25 Expressões fisionômicas 96

Figura 26 Hachuras para desenhos 99

Figura 27 O corpus da pesquisa 101

Figura 28 A criação do sol, da lua e da vegetação, Michelangelo, 1511.

105

Figura 29 A criação de Adão, Michelangelo, 1512. 105

Figura 30 Pai Eterno com a pomba do espírito Santo, Ludovico, 1524.

106

Figura 31 O começo da criação, Carosfeld, 1860. 106

Figura 32 A criação de Eva, Gustave Doré, 1889. 107

Figura 33 A mulher ideal de Crumb: a “verdadeira amazona”, Robert Crumb, 2000.

130 Figura 34 A mulher pré-histórica de Crumb, Robert Crumb,

2000.

131 Figura 35 Outras representações femininas de Crumb,

Robert Crumb, 2010.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Tipos de conhecimentos no processo comunicativo 26 Tabela 2 A interlocução pela textualidade escrita ou oral 31 Tabela 3 Modelos cognitivos do repertório da textualidade 36 Tabela 4 Conhecimento compartilhado e efetividade dos

enunciados

37

Tabela 5 Inferências textuais a serviço da depreensão 38

Tabela 6 Focalização e delimitação do assunto 40

Tabela 7 Consideração sobre a estrutura e valores dos gêneros

54

Tabela 8 Expressão e conteúdo no processo de reescrita 59

Tabela 9 Processos de retextualização 60

Tabela 10 As partes composicionais da Bíblia Sagrada 63

Tabela 11 Esboço do livro de Gênesis – Bíblia Sagrada 67 Tabela 12 Estrutura composicional de Gênesis – Bíblia

sagrada

68

Tabela 13 Linhas teóricas sobre os gêneros dos quadrinhos 72

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RESUMO

JANUÁRIO, Nícolas Vladimir de Souza. Da Bíblia para os quadrinhos: o processo de retextualização em “Gênesis” de Robert Crumb. 2017. 162f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Considerando a importância de se compreender a diversidade comunicativa nos textos, vemos a investigação e análise do processo de transposição de um gênero textual para outro como uma oportunidade de apurar situações de reescritas, que pode contribuir significativamente para reflexões sobre a prática de leitura, interpretação e produção de textos. Partindo dessa observação, nossa pesquisa tem por objetivo – a partir de uma análise qualitativa e comparativa, perscrutar o processo de retextualização empreendido pelo cartunista norte-americano Robert Crumb em sua história em quadrinhos (HQ) Gênesis, lançada em 2009, a partir do livro do Gênesis da Bíblia Sagrada. Assim, suspeita-se que as estratégias linguísticas, textuais e discursivas do texto-base, aliadas à expressão imagética da HQ, projetam uma nova situação interacional. Como recorte, analisaremos os três primeiros capítulos da HQ, comparando-os com os cinco primeiros do texto-fonte. Esta investigação estará norteada pela perspectiva teórica da Linguística Textual, por meio dos conceitos de texto, gênero textual e retextualização, advindos dos estudos de Koch (2016), Marcuschi (2008), Cavalcante (2014), Bentes (2010), Bakhtin (2011) e Dell’Isola (2007). Considerando a HQ como um texto sincrético, trabalharemos também com os estudos sobre a linguagem dos quadrinhos formulados por autores como Eisner (2010/2013), García (2012) e Ramos (2016).

Palavras-chave: Retextualização; Gêneros textuais; Histórias em Quadrinhos; Livro

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ABSTRACT

JANUÁRIO, Nícolas Vladimir de Souza. From Bible to Comics: the retextualization process on Robert Crumb’s Genesis. 2017. 162f. Dissertation (Master in Linguistics) - University of Franca, Franca.

Considering the relevance of understanding the communicative diversity in different texts, we see the investigation and analysis of the process of transposing one textual genre into another as an opportunity to ascertain rewriting situations, which can contribute significantly to reflections on the practice of reading, interpretation and production of texts. Based on this observation, our research objectives, through a qualitative and comparative analysis, is to examine the process of retextualization undertaken by the American cartoonist Robert Crumb in his comic book Genesis, launched in 2009, from the book of Genesis of the Holy Bible. Thus, it is suspected that the linguistic, textual and discursive strategies of the basic information (first text – The Bible), combined with the imaginary expression of the Comic, project a new interactional situation. As a clipping, we'll look at the first three chapters of the Comic, comparing them with the first five of the source text. This research will be guided by the theoretical prism of Textual Linguistics, working with the concepts of text, textual genre and retextualization, coming from the studies of Koch (2016), Marcuschi (2008), Cavalcante (2014), Bentes (2010), Bakhtin (2011) and Dell'Isola (2007). Considering comics as a syncretic text, we will also work with studies on the language of comics formulated by authors such as Eisner (2010/2013), García (2012) and Ramos (2016).

Keywords: Retextualization; Textual Genres, Comics; Book of Genesis, Robert

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

1 O TEXTO – a manifestação linguística no construto de sentidos ... 21

1.1 Linguística Textual: memória, representação e relevância da linguagem ... 21

1. 2 Texto: uma segmentação produtora de sentido ... 23

1.3 O contexto – processamento textual ... 26

1.4 Coesão e Coerência – elementos esféricos na construção de sentidos do texto ... 28

1.5 Fatores de textualidade ... 33

1.6 Os diálogos entre textos: relações intertextuais ... 41

1.7 Gêneros Textuais - concepções de base ... 50

1.8 O processo de retextualização e seus valores diacrônicos na interação verbal ... 56

2 A BÍBLIA SAGRADA, AS HQs E OS GÊNEROS TEXTUAIS ... 62

2.1 A BÍBLIA SAGRADA: artefato literário e cultural ... 62

2.2 O livro de “Gênesis” da Bíblia Sagrada como gênero narrativo e sua representatividade literária e memorialística ... 66

2.3 O GÊNERO TEXTUAL QUADRINHOS: breves considerações da representação artística e sincrética na ação comunicativa ... 69

2.3.1 Os quadrinhos e sua importância no processo comunicativo ... 69

2.4 OS DIFERENTES GÊNEROS DOS QUADRINHOS: abordagens e classificações ... 72

2.4.1 A charge ... 73

2.4.2 O Cartum ... 74

2.4.3 Tira cômica ... 75

2.4.4 Tiras seriadas e tiras cômicas seriadas... 77

3 AS CARACTERÍSTICAS DAS HQs: recursos linguísticos na feitura de uma arte sequencial ... 80

3.1 Elipse temporal ... 80

3.2 As sarjetas ... 82

3.3 Os requadros ... 83

(16)

3.5 As onomatopeias ... 88

3.6 As linhas cinéticas ... 90

3.7 As cores ... 92

3.8 Anatomia expressiva nos quadrinhos ... 94

4 A RETEXTUALIZAÇÃO EM GÊNESIS DE ROBERT CRUMB...96

4.1ROBERT CRUMB: do quadrinho Underground a Gênesis ...96

4.2. A REFACÇÃO TEXTUAL de Robert Crumb...101

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 140

REFERÊNCIAS... 143

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INTRODUÇÃO

Sabe-se que o exercício da retextualização é uma prática comum e que escrever continua sendo uma importante atividade comunicativa do ser humano, após a fala, como defende Marcuschi (2008) em seus pressupostos teóricos a respeito da retextualização. Nesse sentido, precisamos nos atentar para a importância da linguagem no processo de interação, buscando alternativas para a efetividade na leitura, na compreensão, na interpretação e na produção textual.

Segundo Dell’Isola (2007) a retextualização é um processo de reescrita ou refacção textual, ou seja, uma transformação de um gênero textual em outro, e tal processo envolve algumas operações que tornam evidentes o funcionamento social da linguagem enquanto interação comunicativa. Levando em consideração essa perspectiva, a atividade de retextualizar ratifica a importância dos gêneros textuais, promovendo habilidades e competências de leitura e escrita, bem como a percepção de fatores sociais, históricos e culturais.

O processo de retextualização, sem discordar das abordagens científicas publicadas até o momento, é sem dúvida uma atividade semelhante à tradução. Assim, a questão nesse caso é a observância e análise de como um texto “primitivo” é capaz de se derivar em outro, inclusive de gênero diferente, sem que se percam as essencialidades (as equivalências) do lado textual, pelo processo de refacção e reescrita.

Para este trabalho, elegemos como corpus a história em quadrinhos (HQ)

Gênesis, do cartunista norte-americano Robert Crumb, que tem como texto-fonte o

livro do Gênesis da Bíblia Sagrada. A HQ e seu texto-fonte pertencem a gêneros textuais distintos e, apesar de apresentarem a mesma narrativa, têm propósitos diferentes de intencionalidade. Enquanto o livro da Bíblia Sagrada tem uma função reveladora e norteadora para os que creem em Deus, a HQ se apresenta como uma versão de um texto “clássico” pelas mãos de um renomado cartunista.

Entendemos que uma narrativa apresenta sequência de fatos interligados que ocorrem em um determinado tempo e espaço, apresentando elementos de estrutura fixa. Pode ser construída por diversas linguagens, seja pela manifestação oral e escrita (linguagem verbal), pela imagem (linguagem visual) ou por representação (linguagem teatral).

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A obra de Crumb apresenta a combinação de duas das linguagens citadas acima (a escrita e a visual) com as particularidades que caracterizam o gênero história em quadrinhos. A HQ selecionada para esta pesquisa possui uma interação entre as linguagens verbal, visual e outros elementos estruturantes do gênero, conhecidos como icônico-verbais, que recorrem aos procedimentos de leitura e estrutura discursiva.

A pesquisa partiu da necessidade deste pesquisador – um docente de Língua Portuguesa – de propor aulas de leitura e produção de textos mais diversificados, especialmente aqueles que se utilizam mais de uma forma de expressão – os chamados textos sincréticos. Partindo dessa observação, nossa pesquisa tem por objetivo – a partir de uma análise qualitativa e comparativa, perscrutar o processo de retextualização empreendido pelo cartunista norte-americano Robert Crumb em sua HQ Gênesis, lançada em 2009, a partir do livro do Gênesis da Bíblia Sagrada. Nesse sentido, fazemos os seguintes questionamentos: quais são os sentidos possíveis que o artista propõe tendo em vista a atividade de retextualização? Há alterações significativas no texto-derivado em relação ao texto-fonte?

Sabemos que a escrita sempre foi considerada uma tarefa árdua, mesmo para aqueles que de certa forma possuem conhecimentos normativos da língua materna. O ensino de língua materna, no que concerne à disciplina de produção textual, fica focado aos conceitos de estrutura. Pensando em teorias mais claras, específicas, bem como modelos de produtividade para serem aplicadas à prática discursiva, partimos de dois pontos de interesse. O primeiro foi pensar em um texto que a maioria das pessoas conhece e que, de certa forma, aprecia por questões sociais, culturais e religiosas, tal como a Bíblia Sagrada. No caso do segundo ponto, a decisão pelas histórias em quadrinhos, que consideravelmente são também materialidades do pensamento humano em formas artística, linguística e representativa do mundo real. Partindo desses pontos, pretendemos mostrar como um determinado texto, pertencente a um gênero específico, pode ser reescrito em outro gênero, como também verificar como o corpus da pesquisa (uma HQ, fruto de um processo de retextualização) demanda diferentes estratégias de leitura. Destacaremos também os sentidos produzidos por meio das modalidades de expressão presentes no corpus, tais como as expressões faciais, os gestos, as falas e as ações das personagens empregadas na obra de Crumb, relacionando-as ao texto-fonte.

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Vale ressaltar que segundo Koch e Elias (2015), um determinado gênero textual pode assumir a forma de outro gênero, tendo em vista o propósito de comunicação, evidenciando a hibridização ou a intertextualidade intergenérica de texto. De acordo com essa teoria, o leitor/receptor de um determinado gênero deve estar atento à materialidade linguística, às palavras, se o texto for unicamente verbal, bem como aos índices constitutivos do texto para que a leitura seja profícua e confirme o propósito principal, que é entender os enunciados.

A produção de Robert Crumb é composta por 50 capítulos, sendo narrativas; uma parte informativa, com o mapa da geografia da região retratada em Gênesis; notas de tradução; e a parte final com comentários do cartunista.

Nesta pesquisa destacamos na HQ de Crumb os recursos visuais, textuais e de reescrita (ou refacção) que reiteram os valores de linguagem do texto-fonte. No que se refere ao visual, identificamos os recursos da linguagem dos quadrinhos, como o design de personagens, a proposta estética, a exploração das expressões faciais, gestuais e o uso de sinais gráficos, que são capazes de acrescentar novos sentidos ao texto verbal. Em relação à Linguística Textual, mostramos a importância da intertextualidade na relação entre texto-fonte (um texto verbal, o livro do Gênesis da Bíblia Sagrada) e texto-derivado, a HQ de Crumb (um texto sincrético), com a consciência de que a retextualização permite entender as representações que focalizam a equivalência em diversos níveis de textualidade, tais como a transferência de elementos e pragmática textuais, transposição de ideias e/ou de pensamentos e transferência de sentidos – todos, advindos do texto-fonte e ratificados no texto reescrito, sem que se percam as essencialidades no processo.

Esta pesquisa está pautada em estudos da Linguística Textual, da Linguagem dos Quadrinhos e da Retextualização. Para compreender as noções de texto, gêneros e intertextualidade, tomamos das posições teóricas de Koch (2016), Marcuschi (2008), Cavalcante (2014), Bentes (2010) e Bakhtin (2011). Atentando-nos ao referencial teórico para o entendimento do processo de retextualização, utilizamos as obras de Dell’Isola (2007) e Travaglia (2013). Considerando a HQ como um texto sincrético, trabalhamos também com os estudos sobre a linguagem dos quadrinhos formulados por autores como Eisner (2010, 2013), García (2012) e Ramos (2016). Cabe destacar que todo o composto teórico possibilita entender as diferentes interfaces textuais que reiteram a importância e a necessidade da compreensão do nosso objeto de estudo.

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A dissertação será organizada em quatro capítulos teóricos, que servirão de diretivos para nossas análises.

No primeiro capítulo apresentaremos concepções de texto bem como suas relevâncias no propósito comunicativo. Ratificaremos a importância dos fatores de textualidade, a dialogia entre os gêneros e a atividade da retextualização, todos considerados diretivos linguísticos no construto de sentido.

No segundo abordaremos a Bíblia Sagrada como um artefato histórico e cultural que agrupa diferentes gêneros textuais, mas que evidencia textos de cunho narrativo. Também trataremos das HQs como gênero artístico, sincrético e híbrido ou de intergenericidade, apresentando suas devidas classificações por diferença de estruturas composicionais.

No terceiro capítulo, trataremos das características específicas das HQs, ressaltando sua importância no processo comunicativo, bem como os recursos linguísticos que as classificam como arte sequencial.

No quarto e último capítulo, abordaremos a produção de Robert Crumb e sua obra que compõe o nosso objeto de estudo, Gênesis. Apresentamos nossas análises com base nos pressupostos teóricos, evidenciando as características das HQs, as relações de intertextualidade e valores de equivalência entre o texto-fonte e o texto verbo-visual de Crumb, que corroboram no entendimento do processo de retextualização. Como recorte, analisaremos os três primeiros capítulos da HQ, comparando-os com os três primeiros do texto-fonte.

Salientamos que as análises sobre o recorte de nosso corpus são importantes e significativas para entendermos que os textos não são de fato estanques e que podemos “falar” de diferentes maneiras. A importância é dada ao conteúdo, pois o que se profere na verdade não são formas e sim mensagens que têm o objetivo de serem validadas. Contudo, além desta validação, nossa pesquisa traz à tona a importância da atividade de retextualização, prática que permite uma melhor habilidade e competência de escrita, bem como reafirma a importância das HQs como referencial de ensino-aprendizagem leitura e produção textual.

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1 O TEXTO – A MANIFESTAÇÃO LINGUÍSTICA NO CONSTRUTO DE SENTIDOS

O presente capítulo visa apresentar a teoria da Linguística Textual que servirá de arcabouço teórico para esta dissertação. Primeiramente, propomos breves considerações a respeito da historiografia dessa teoria, perpassando pelas concepções básicas de texto, dos mecanismos pelos quais os sentidos são construídos, pelos tipos de conhecimento e pelas noções de contexto, coesão, coerência e fatores de textualidade.

Dessa forma, contemplaremos aqui os seguintes pesquisadores a partir da linha teórica dos estudos do texto: Koch (2016), Marcuschi (2008, 2013) e Cavalcante (2016).

Buscaremos de maneira clara e objetiva, apresentar as especificidades que concernem os estudos da Linguística Textual, ratificando assim a importância da leitura, compreensão, interpretação e produção textual, como atividades efetivas no processo de comunicação em âmbitos diferentemente institucionalizados.

1.1Linguística Textual: memória, representação e relevância da linguagem

A Linguística Textual ou Linguística do Texto (LT), teoria de considerável importância nos estudos linguísticos da atualidade, nasceu na década de 1960, desenvolvendo-se ligeiramente no que se refere ao parâmetro historiográfico sem definir precisamente seu objeto e tampouco as categorias que a competem como uma teoria constitutiva.

Segundo Koch (1997), tal teoria ganhou repercussão, tendo como compostos os modelos teóricos diferenciados que os pesquisadores da Europa apresentaram de antemão, o que desde a década de 1970 estabelece-se consensualmente sem que a mesma seja determinada como monolítica e ortodoxa.

Levando em consideração as ideias anteriores referentes ao nascimento da LT, Marcuschi (2014, p. 16) afirma que tal teoria tem “um dogma de fé: o texto é uma unidade linguisticamente superior à frase”, “e uma certeza: a gramática de frase não

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dá conta do texto”, ou seja, a comunicação linguística não se dá por elementos contextuais1 isolados e sim por singularidades maiores, os textos.

Com base nesse posicionamento teórico, fica claro que o caráter enunciativo no processo de comunicação, estabelece-se como um fenômeno linguisticamente constituído de sentido. Segundo P. Hastman (1964 e 1971, apud MARCUSCHI, 2014, p. 18) situa-se como base fundamental para a LT que por uma metodologia hierárquica é capaz de gerar produções diversas.

Ainda, a LT é desconsiderada por muitos linguistas, mas Marcuschi (2014, p. 19) a define como “[...] polo de investigação teórica contemporânea”.

De acordo com os estudos de Koch (1999), a LT se desenvolveu cronologicamente a partir dos posicionamentos efetivos de pesquisadores europeus que traçaram a “caminhada”, se assim podemos dizer da teoria que hoje é referência nos estudos do texto.

Tomando-nos de Koch (2016), aprensentamos o percurso da LT pelos pesquisadores europeus:

(I) Roland Harweg: afirmava que o texto é “uma sucessão de unidades linguísticas constituídas por uma cadeia de pronominalizações ininterruptas”; (II) Harald Weinrich: analisa a construção de uma macrossintaxe do discurso, ou seja, para ele, as categorias gramaticais como os artigos e os verbos são essenciais para verificações das partes do texto;

(III) Wunderlich: pertence à primeira geração de linguistas alemães preocupados com os estudos textuais. Suas pesquisas objetivam as análises sobre questões da dêixis, aos atos de fala e à interação de modo geral. Eis aqui o inicio da pragmática textual;

(IV) Siegfriend J. Schmidt: afirmava que “o texto é qualquer expressão de um conjunto linguístico em um ato mais global de comunicação”. (Koch, 1997, p. 71), ou seja, um jogo de atuação comunicativa entre os participantes em âmbito sociológico. Com esta preocupação, o pesquisador lança a sociolinguística;

(V) Elisabeth Gülich: preocupava-se com os sinais de articulação do texto, com os procedimentos de reformulação textual e com as especificidades da narrativa oral;

(VI) Beaugrande & Dressler: os estudos procedem ao levantamento do que denominam critérios ou padrões de textualidade, que segundo eles seriam – aqueles centrados no texto (coesão e coerência) e aqueles centrados no usuário (informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade);

(VII) Teun A. van Dijk: após abandonar a Linguística Textual, volta-se aos estudos de macroestruturas ou esquemas textuais de diversos tipos de texto. (KOCH, 2016, p.11-43).

1Elementos contextuais são unidades verbais que fixam à significação das outras formas linguísticas

presentes num mesmo texto. São eles que produzem o que conhecemos como sentido dos enunciados dentro de uma dada proposição.

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Após essa breve apresentação cronológica da LT nascida na Europa,

percebe-se que a teoria é multifuncional no que tange aos estudos das partes internas e externas de um texto. Vejamos o percurso desta teoria no Brasil e como a mesma dinamiza os conceitos antes pré-estabelecidos.

No Brasil a LT ganha espaço na década de 1980, tendo como precursores Ignácio Antônio Neis, Luiz Antônio Marcuschi, Leonor Lopes Fávero e Ingedore Villaça Koch. Segundo Fávero (2012, p. 227-228),estes pesquisadores apresentam suas proposições conceituais da seguinte maneira: “(i) Neis mostra como as tentativas iniciais da linguística textual estavam, de modo geral, ligadas às gramáticas estruturais e gerativas; (ii) Marcuschi concentra-se na análises de algumas definições de texto e nos estudo de aspectos teóricos em função de sua aplicabilidade; por último, (iii) Fávero e Koch têm como objetivo apresentar ao leitor brasileiro uma visão da linguística textual europeia, como um recente ramo da ciência da linguagem”.

Segundo Marcuschi (2014, p. 75) a LT se torna importante em todas as esferas que utilizam as manifestações comunicacionais, na produtividade escrita principalmente. Legitima o funcionamento da língua; ratifica os processos sociocognitivos, dedica-se às propriedades gerais da língua, aos domínios dinâmicos dos enunciados na produção de sentido, na pragmática, nos processos de compreensão de diferentes gêneros, no aspecto social e nas relações entre teoria e prática textuais. Ainda, pelas palavras do pesquisador, “sem dúvida a LT situa-se no âmbito da linguística e lida com fatos da língua, além de considerar a sociedade em que essa língua se situa”. Considera-se então, a partir das noções aqui apresentadas sobre a LT, que os estudos sobre texto é de total relevância no processo interativo e absoluto na perspectiva da enunciação.

1. 2 Texto: uma segmentação produtora de sentido

Sabe-se que a noção de texto está interligada com a teoria que se adota, ou seja, um texto pode ser reconhecido de diversas maneiras e tal diversidade está relacionada diretamente ao que conhecemos como compostos verbais, não verbais e verbo-visuais.

Em uma primeira consideração sobre a noção de textos, tomamos inicialmente, os textos verbais. Algumas concepções básicas defendem que os mesmos não são um aglomerado de frases soltas, pois não se pode isolar frase alguma do texto para

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tentar lhe conferir o significado que se deseja. Sabe-se que uma mesma frase pode apresentar significados distintos dependendo do contexto dentro do qual está inserida, pois o texto é um todo de correlações por meio das partes que o compõe. A partir disso, concluímos, nesta primeira consideração, que para entendermos qualquer passagem de um texto, faz-se necessário analisá-la com as demais partes para que não ocorram equívocos de entendimento, em sua atribuição significativa.

Em uma segunda consideração, Cavalcante (2016) afirma que todo texto apresenta um pronunciamento dentro de um diálogo gradativo e cronológico2,

apresentando uma relação entre as dimensões discursivas propositadas. A partir deste posicionamento teórico, fica claro que o texto é uma manifestação comunicativa de um produtor-autor para um receptor-leitor com a finalidade de marcar um posicionamento ou efetivar uma participação sobre uma temática que está sendo discutida na sociedade.

Texto é todo conjunto de linguagens que montam uma ideia constituída de sentido que cumprem um propósito comunicativo.

[...] A interação verbal, oral, ou escrita, faz-se pelo uso efetivo da língua pelos sujeitos em suas práticas discursivas realizadas por meio e textos [...] O texto permeia toda nossa atividade comunicativa. (CAVALCANTE, 2016, p.17-18)

Levando em consideração os parágrafos anteriores, entende-se que os textos exercem uma função sociocomunicativa, semântica e formal, a partir de um conjunto de características que fazem com que os mesmos sejam considerados como tais, e não como um amealhado de palavras e frases sem sentido. Segundo Koch (2016, p. 25-30) o texto pode ser visto de formas distintas alocados em duas grandes concepções: uma, conhecida como Linguística do Texto e outra, como Natureza

Pragmática. De acordo com essas concepções teóricas, o texto passa a ser uma

tessitura de ideias coesas e coerentes que evidencia uma segmentação de palavras devidamente articuladas que resultam em sentido; e também, uma atividade proficuamente cognitiva.

Para Cavalcante (2016), as concepções apresentadas anteriormente mesclam-se a fim de ressalvar a importância do processo comunicativo. Valida ainda as práticas discursivas coerentes dos sujeitos, que na utilização de elementos linguísticos e

2Entendemos aqui como “diálogo gradativo cronológico” as ideias discursivas em uma sequência, que

são apresentadas pelo autor a um leitor. Essas ideias são frases articuladas, claras e concisas que fazem parte de um todo e permitem ao leitor o entendimento da “ampla escala comunicacional”, o texto.

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cognitivos, fazem-se entendidos e mobilizam conhecimentos que elucidam a afirmação anterior e que encontramos na citação da pesquisadora a seguir.

[...] o texto deixa de ser entendido como uma estrutura acabada (produto) passando a ser abordado no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção. Combinando esses pontos de vista, o texto pode ser concebido como resultado parcial de nossa atividade comunicativa, que compreende processos, operações, e estratégias que têm lugar na mente humana, e que são postos em ação em situações concretas de interação social. (KOCH, 2016, p.26)

Considera-se, a partir dos posicionamentos das pesquisadoras supracitadas, que texto é toda manifestação verbal, não verbal e verbo-visual que um determinado indivíduo ou grupo socialmente constituído produz. A produção efetiva da manifestação humana com o propósito de se comunicar evidencia conjuntos de elementos linguisticamente combinados que permitem uma “atuação” paramentada em ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, capazes de apresentar uma segmentação produtora de sentido a partir de sua construção no percurso interacional.

Para Marcuschi (2008), em âmbito geral, o texto, por ser uma ordem complexa sobre o funcionamento da língua, tomando-se da linguagem verbal, determina a enunciação, sem, é claro, se preocupar com a ideia primária de extensão (tamanho). Texto é uma produção tipicamente comunicacional que se utiliza de conhecimentos prévios e teóricos para evidenciar ideias maleáveis, dinâmicas e plásticas.

Essas ideias retomam as concepções básicas de texto apresentadas por Koch (2016), que variam conforme o sentido de língua e de sujeito, e são elencados da seguinte forma: (i) captação mental e intencional do autor (artefato lógico do pensamento); (ii) capacidade do leitor de entender os pressupostos e subentendidos do autor (decodificação das ideias) e (ii) sociabilização das ideias (processo de interação).

Tais concepções básicas estão diretamente relacionadas aos tipos de conhecimentos que são armazenados em nossa memória e que usamos estrategicamente ao ler e ao produzir textos. De acordo com Cavalcante (2016, p.27-28), essa estratégia nos permite uma interação linguisticamente profícua, que deveras nos auxiliam no entendimento textual (compreensão, interpretação e produção) e são enumerados pela autora da seguinte forma: conhecimento linguístico,

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conhecimento enciclopédico, conhecimento interacional. Mas salienta a

pesquisadora que essa tríade é apenas de cunho didático, sendo uma proposição para um melhor entendimento das relações efetivas da textualidade, como podem ser verificadas na tabela 1 que segue para efeito ilustrativo.

Tabela 1 – Tipos de conhecimento no processo comunicativo EMISSOR-AUTOR (CONHECIMENTOS) Linguístico Enciclopédico Interacional RECEPTOR- LEITOR (CONHECIMENTOS)

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.

1.3 O contexto– processamento textual

Para que possamos entender um texto, ou seja, depreender seu sentido, é necessário ativar nossos conhecimentos e, para tanto, se faz necessário também entender a funcionalidade dos elementos linguísticos que formam o texto, ou seja, aqueles que fazem parte de sua “natureza física”. A estes damos o nome de contexto (Cavalcante, 2016, p.27-28). Estes elementos linguísticos (palavras) não apresentam sentidos. Para que um texto efetivamente tenha sentido a partir de seus signos, a interação autor-texto-leitor deve acontecer de maneira precisa.

Em outras palavras, o contexto compreende a unidades linguisticamente instituídas que se encaixam. São partes que criam um texto, como se fossem peças de um quebra-cabeça.

Já que o sentido não está somente nas palavras, onde mais ele estará? De acordo com Marcuschi (2008) o sentido está presente nos diversos contextos que são atribuídos aos enunciados proferidos pelo enunciador a partir de perspectivas sociais, históricas e culturais, o que pode ser verificado na fala do pesquisador a seguir.

[...] não se pode suspender o afeto, a emoção, as crenças, os conhecimentos, as ideologias e outros aspectos do ser humano ao se analisar os seus usos linguísticos, a menos que se faça ficção científica. O homem não é um ser constituído à imagem e semelhança de um computador, mas como um ser social situado em contextos históricos na relação com os demais indivíduos ecentralmente envolvido por tudo que o rodeia, podendo, sobre isso, raciocinar e se distanciar. (MARCUSCHI, 2008)

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O contexto também depende diretamente das relações afetivas entre os participantes ativos do processo de comunicação que efetivamente resgatam os princípios das perspectivas mencionadas no parágrafo anterior. Segundo Bentes (2008), a ampla noção de contexto reitera a importância da necessidade de se produzir um texto, que para Marcuschi (2008), esse ponto prioriza o lugar da elaboração discursiva, permitindo que sentidos possíveis se enquadrem na integração de conhecimentos.

Os sentidos possíveis (contextos) geralmente aparecem nos textos por apresentarem dois planos que o estruturam. Podemos dizer que o primeiro desses planos está relacionado aos tipos de conhecimentos (elementos implícitos) que já vimos na parte inicial deste capítulo, o outro refere-se aos elementos linguísticos (elementos explícitos).Coadunados, estes permitem uma leitura segura e entendível, isso é, claro, se o receptor-leitor estiver preparado e adequar-se às competências e habilidades leitoras.

No texto “A nossa cozinheira está sem paladar”, exemplo clássico sobre contexto, verificamos algumas das acepções teóricas apresentadas nos parágrafos anteriores. Podemos imaginar dois significados diferentes atribuídos ao texto, isso dependendo da situacionalidade. Se essa frase fosse dita no momento em que a família está à mesa jantando, o sentido ou o contexto da mesma infere a ideia de que a refeição está sem tempero ou sal. Por outro lado, se esta mesma frase fosse dita em um consultório médico, o sentido direciona ao fato de que a empregada está acometida por um problema de saúde.

De acordo com Koch (2016), o contexto é o processamento textual que depende integralmente dos três sistemas de conhecimentos, sendo eles já mencionados neste capítulo: linguístico, enciclopédico e interacional. Esses conhecimentos criam estratégias que mobilizam o processo comunicativo em exposições distintas dependentes, como as cognitivas (o uso do conhecimento), associointeracionais (a negociação dos sujeitos participantes) e as textuais (calibragem das informações) (Koch, 2016, p.31-43).

Assim, tais recursos imperam para que um texto revele suas especificidades em relação à dinâmica comunicacional, permitindo que a enunciação se torne precisamente clara a partir dos elementos esféricos da textualidade que veremos a seguir.

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1.4Coesão e Coerência – elementos esféricos na construção de sentidos do texto

Coesão

De acordo com os teóricos apresentados neste capítulo, a coesão e a coerência são conhecidos como elementos esféricos da textualidade ou da Linguística Textual e necessariamente dependentes para que um discurso seja efetivamente elaborado e entendido.

De acordo com Koch (2016), a coesão é um fenômeno que elenca elementos linguísticos na superfície de um texto e tais componentes se encontram interligados para elaboração de sentido, sendo estes componentes, veiculadores de dois processos modais: a remissão e a sequenciação.

Para a pesquisadora, a remissão desempenha papel importante por meio dos recursos gramaticais selecionados que podem exercer funções endofórica3 (funções

precisamente - anafórica e/ou catafórica)e exofórica4em um texto. Estas funções5

segundo Halidday e Hasan (1976, apud, MORAES; NOVAES, 2012, p.183-184), necessariamente atribuem definições e ativamente, propõem ideias sequenciais para possíveis sinalizações no texto. As sinalizações anafórica e catafórica apontam elementos essenciais que se referem a outros do contexto, da situação e do discurso, permitindo a coerência da progressão discursiva (texto). Tal especificidade permite aos interlocutores as devidas percepções linguísticas, extralinguísticas e sensoriais.

No que se refere à sequenciação, ou coesão sequenciadora, Koch(2016) afirma que tal processo ocorre de forma direta, sem retomadas ou recorrências, ou ainda, pode ocorrer na progressão do texto. Nesse caso, a seleção de campos lexicais é ativada apresentando a contiguidade e o inter-relacionamento de dois ou mais campos para a obtenção de sentido e articulações precisas.

[...] pode-se afirmar que o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequências que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual (KOCH, 2016).

3 As relações de termos gramaticais se dão em duas instâncias combinatórias que retomam ou

apresentam uma sequência coordenada de sentidos.

4 Função também conhecida como dêitica. Às vezes chamada de díctica, que faz a referência de termos

ou ideias para localizar algo no tempo ou no espaço, construindo assim o sentido do texto.

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Então, a coesão não acontece com a soma de ideias isoladas. Essas ideias devem apresentar uma “tessitura” apresentando relações de sentido no interior do texto, que dizem respeito aos seus recursos semânticos, sendo a coesão gramatical e/ou lexical.

A charge que apresentamos a seguir ratifica a essencialidade da coesão e coerência e aspectos formais na elaboração de um conteúdo frasal em consonância aos valores gramaticais e lexicais de um texto, além disso, a verificação da importância de ancoragem que tais valores fazem ao composto não-verbal (visual).

Figura 1 - Tipos de coesão e formalidade de conteúdo

Fonte: O Tempo, Google analytics. Disponível em: < http://www.otempo.com.br/charges/charge-o-tempo-16-10-2017-1.1531591> Acesso em 10 de outubro de 2017.

Verifica-se na charge que os elementos verbais e não-verbais são efetivamente

coerentes no que cerne à intencionalidade do chargista, pois ressalvam uma temática atual em relação ao nosso país, a corrupção. Percebe-se que o vocábulo “caro” empregado pelos personagens assumem valores distintos de sentido e as expressões fisionômicas das personagens em atributo ao vocábulo apresentam-se de forma irônica e dissimulada entre as interlocuções. Assim podemos afirmar que o plano de coesão na tira reflete a dinamicidade contextual que se propõe em um artefato

linguístico concreto e intersubjetivo.

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Segundo Cavalcante (2016), a coerência textual é a intenção de se fazer entender e repassar ideias para seus interlocutores. Ao lermos um texto escrito, o sucesso de nossa leitura se dá na medida em que procuramos estabelecer uma interação com o autor. Se considerarmos que o leitor é um agente, que não tem um papel passivo durante o ato de ler, mas que é um sujeito que deixa “pistas” no interior do texto, isso sugere que há ali uma intenção, uma direção, um plano traçado pelo emissor da mensagem a fim de fazer com que os leitores sejam capazes de depreender ou decodificar o pressuposto ou explícito “dito”. Assim a reciprocidade acontece e a interação comunicativa adquire forma no espaço da leitura. Tal essencialidade pode ser verificada no seguinte comentário da pesquisadora:

[...] o texto será bem compreendido quando avaliado sob o ponto de vista pragmático, que tem a ver com a atuação comunicativa; sob o ponto de vista semântico-conceitual, que diz respeito à sua coerência; e sob o aspecto formal, que concerne à sua coesão. (CAVALCANTE, 2016, p.30).

Se a coesão é a articulação dos elementos linguísticos que organizam e estruturam o texto, auxiliando a estabelecer as relações de sentido, a coerência está ligada ao próprio sentido atribuído ao texto.

A concepção de texto não está apenas sob o ponto de vista do sistema linguístico, que privilegia a sintaxe e a semântica, tampouco na afirmação de que é um objeto univocamente material e linear, é preciso considerá-lo mais do que isso, pois todo o conjunto de contextos e de conhecimentos, os quais já mencionamos ao longo deste capítulo (linguísticos, cognitivos, interacionais) está relacionado em um processo de (re)construção dos sentidos, tanto na leitura de um texto, como na feitura do mesmo (CAVALCANTE, 2016, p.30).

Como já foi mencionado, a coerência não é encontrada no texto em si, ela está entre o cotexto, ou seja, uma forma "linguística" de se denotar intensivamente. É através dos cotextos que se estabelecem as relações entre os elementos do texto e atribuímos propriedades discursivas de naturezas verbal e/ou não-verbal a esses elementos. Os contextos são diferentes, dada uma situação intersubjetiva dos sujeitos que se comunicam e que evidenciam os conhecimentos sociocognitivos.

Assim, segundo Cavalcante (2016, p.27-28) “compreendemos a importância dos elementos linguísticos presentes na superfície textual (chamada de cotexto) na forma de organização do texto [...]”. Pois são as palavras e/ou as imagens que nos

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orientam a entender uma mensagem, oferecendo-nos contextos explícitos ao ativarmos inúmeros conhecimentos de nossa memória para os construtos de sentidos. A cada texto produzido, essa (re)construção se torna perceptível a medida que as intenções são efetivamente evidenciadas no processo comunicativo, como pode ser ilustrado a partir da tabela 2 a seguir.

Tabela 2 – A interlocução pela textualidade escrita ou oral

TEXTO INTENÇÃO INTERLOCUÇÃO

(PARA QUEM?) LINGUAGEM POR NÍVEL DE EXPRESSÃO Argumentativo/Dissertativo Apresentação de argumentos que permitam o convencimento Receptor-leitor que precisa conhecer e ser convencido por algo Denotação (objetividade) Narrativo utilitário e Narrativo literário Relato de histórias reais ou verossímeis Receptor-leitor que precisa situar no tempo e no espaço daquilo que é narrado Denotação ou conotação (objetividade ou subjetividade)

Descritivo utilitário (os pormenores) ou Descrição literária Descrição de fatos, lugares, pessoas ou objetos Receptor-leitor que precisa saber de características importantes sobre o “objeto” de descrição Denotação ou conotação (objetividade ou subjetividade)

Expositivo e Informativo Transmissão de conhecimentos Receptor-leitor que precisa conhecer conceitos e especificidades do técnico ou científico; do regular ou elaborado Denotação (objetividade)

Injuntivo e Instrutivo Orientação ou prescrição Receptor-leitor que precisa ser direcionado, conduzido ou esclarecido Denotação (objetividade)

Dialogal Diálogo, conversação Receptor-leitor que

precisa estabelecer uma conexão direta

Denotação ou conotação

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com seu emissor – seja pelo contrato textual ou conversa

(objetividade ou subjetividade)

Fonte: Tabelaadaptada pelo autor, a partir das considerações de Marcuschi, 2017.

Ainda sob a análise de âmbito geral, para Cavalcante (2014) a coerência é a interpretação feita com a combinação de diferentes enunciados, que constroem um determinado texto. A partir do posicionamento da pesquisadora em relação ao princípio ativo do elemento esférico do texto aqui discorrido, temos a citação seguinte.

[...] coerência é um princípio de interpretabilidade, ou seja, a coerência de um texto não se manifesta apenas através da decodificação de seus elementos linguísticos, mas de uma série de fatores extralinguísticos e pragmáticos inerentes à construção de sentido. Tais conhecimentos são acionados, sempre, durante a interação, e variam de acordo com cada situação comunicativa. (CAVALCANTE, 2016, p.32)

Em consideração aos mecanismos da coerência textual, fator de textualidade, ratifica Koch (2016) que a especificidade desse fator está no entendimento de que ela não só é semântica, mas também pragmática, princípio este que determina a Teoria da Linguística do Texto, como pode ser depreendido a seguir.

[...] Este fato é que levou Widdowson (1978) a dizer que a coerência seria a relação entre os atos de fala que as proposições realizam (uma proposição é definida como a representação linguística de um estado de coisas por meio de um ato de referência e um ato de predicação, daí a expressão conteúdo proposicional). (KOCH, 2016, p.25)

Segundo Beaugrande & Dressler (1981, apud Koch, 2016, p.26; Marcuschi, 2014, p.76) determinaram que a unidade de sentido em um determinado texto ocorre por sua contiguidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelos interlocutores do processo de comunicação. Nesse percurso, um entrelaçamento cognitivo é feito, deixando claras as relações socioculturais e interpessoais dos falantes.

Ainda pelas análises de Koch (2016), os textos sem contiguidade são considerados incoerentes, ou seja, não apresentam consistência e perdem seu valor comunicativo por não suscitarem “os processos cognitivos operantes” que tanto temos falado ao longo deste capítulo.

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Outros estudiosos afirmam, segundo Cavalcante (2016), que todo texto apresenta uma determinada coerência, pois todas as proposições quando lançadas ao meio são aceitáveis, questionadas e estudadas.

Por uma questão de lógica, Cavalcante (2016, p. 44) ainda nos lança uma questão – “quem se ocuparia em produzir algum texto para não ser alcançado, em alguma medida, pelos possíveis interlocutores?”. De fato, ninguém produz um texto se na verdade não tem nada a dizer.

A partir das ideias de Cavalcante (2016) anteriormente apresentadas, e tomando-nos pelas análises de Koch (2016), os processos cognitivos operantes, caracterizam a coerência e a dinamicidade do texto, possibilitando aos usuários (falantes), criarem uma referência com aquilo que de fato é existente, o “real”, ou seja, muito do que os usuários dizem refletem àquilo que experimentaram ou por observação ou por vivência. Um exemplo disso são os textos literários, que de certa forma (re)constrõem a realidade humana com uso de figuras, efetivamente subjetivas.

Um texto pode sim ser incoerente, quando este for inadequado à situação comunicativa, aos objetivos, aos interlocutor(es), às regras socioculturais, aos recursos linguísticos, etc. Isso vem sendo defendido em algumas pesquisas e pode-se também considerar tais aspectos analíticos, ou pode-seja, os fatores de textualidade, para textos verbo-visuais: a continuidade, a progressão, a não-contradição, a

articulação(CAVALCANTE, 2014, p.33), aspectos estes que também serão usados no

capítulo de análisedo corpus desta pesquisa.

1.5 Fatores de textualidade

Estudar sobre as concepções de texto e seus elementos esféricos, também

requer um entendimento sobre os fatores que o compõem. Partindo de Cavalcante (2016), tais fatores estão relacionados diretamente à tarefa de correção textual, ou seja, por mais que se possa dizer que uma sequência de ideias seja uma proposição aceitável, o domínio linguístico deve estar claro por aquele que o profere. Segundo a autora, muitos textos podem conter “quebras localizadas de coerência”, o que evidentemente, torna o texto uma produção destoada de qualidade.

Cavalcante (2016, p.34) ressalta a importância dos fatores de textualidade que foram formuladas por Charolles e promulgadas no Brasil por Costa Val, como recursos

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linguísticos, estilísticos e semânticos, que são detectados por um receptor-leitor ativo a partir de diferentes gêneros textuais.

Vejamos os fatores a seguir.

a)contiguidade: principal requisito da coerência, pois evidencia a função anafórica

de elementos e ideias apresentadas num texto.

b) progressão: ratificação de conceitos retomados em um texto e apresentação de

novos conceitos a fim de tornar o “diálogo” entre autor e leitor mais elucidativo a respeito do tema proposto.

c) não contradição: relações internas e externas sobre a temática proposta e

compatibilidades das mesmas à medida que o texto ganha mais robustez.

d) articulação: organização de fatos e conceitos apresentados no interior do texto

que se utiliza de elementos linguísticos como os conectivos ou de relações semanticamente diretivas, ou seja, neste último caso, o uso de implícitos sem o uso de conectores.

Os fatores também conhecidos como princípios a partir das considerações de Koch (2014) foram formulados por Beaugrande e Dressler (1981) para não servirem de meras regras de boa formatação, e sim como ações humanamente interativas e colaborativas.

A partir desses fatores de textualidades comentados por Cavalcante (2016, p. 35-37), fica esclarecido que um texto é avaliado por aquele que o lê, com a utilização da avaliação-leitora dos aspectos da coerência textual.

Quadro 1 – Fatores de textualidade e diretivo composicional Apresenta contiguidade? Apresenta progressão?

Consegue não ser contraditório? Está articulado?

Suas partes estão localizadas corretamente?

Há algo que falta para o leitor compreender o texto?

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.

Ainda discorrendo sobre a importância dos fatores de

textualidade, Koch (2016, p.71) afirma que os mesmos servem como “pistas para ativação dos conhecimentos armazenados na memória”. Segundo a pesquisadora, a partir desses conhecimentos, que já foram mencionados anteriormente neste capítulo, o texto torna-se constituído por uma proposição adequada em decorrência de sua

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ligação com outras já reconhecidas como aceitáveis e irrefutáveis. Consiste, portanto, em concluir que as ideias do texto são orientadas de maneira argumentativa, propiciando o sentido do próprio texto.

Ainda segundo Koch (2016), esses recursos estão pautados nos percursos que são chamados gerativos: o conhecimento de mundo, o conhecimento compartilhado, as inferências, os fatores de contextualização, a situacionalidade, a informatividade, a focalização, a intertextualidade, a intencionalidade, a aceitabilidade, a consistência e a relevância.

Para que tenhamos elucidação sobre tais percursos, discorremos sobre cada um deles, apresentando alguns exemplos, obedecendo linearmente às concepções atribuídas por Koch (2016).

Cada indivíduo quando usa o conhecimento de mundo estabelece um elo efetivamente coerente sobre aquilo que pretende discursar. Sabendo disso, se o leitor tem em mãos um texto que apresenta ideias que não se tem conhecimento, torna-se impossível determinar seu sentido, o que consequentemente, parecerá incoerente.

Para a pesquisadora, o conhecimento de mundo é toda experiência oferecida ao indivíduo à medida que os fatos vão se tornando parte da existência social. Esse vai se armazenando em partes, denominadas pela autora como modelos cognitivos. (Koch, 2016, p. 72).

Cada um desses modelos que abrangem todo o repertório do conhecimento de mundo está minuciosamente coadunado com o processo comunicacional e se relaciona a rótulos ou ideias valorativas em âmbitos sociais, artísticos e culturais. A estes se dá o nome de frames; àqueles que são sequenciais ao tempo ou à causa, são chamados de esquemas; os que determinam a ação para um fim são os planos; as ações por estereótipos criadas por uma cultura são os scripts, e por fim, os que oferecem o contato com diversos tipos de textos para efeito comparativo, dá-se o nome de superestruturas ou esquemas textuais. A partir destes valimentos a autora ratifica a importância dos tipos de conhecimentos, o que pode ser verificado na citação que segue.

É a partir dos conhecimentos que temos que vamos construir um modelo do mundo representado em cada texto – é o universo (ou modelo) textual. Tal mundo, é claro, nunca vai ser uma cópia fiel do mundo real, já que o produtor do texto recria o mundo sob uma dada ótica ou ponto de vista, dependendo de seus objetivos, crenças, convicções e propósitos [...]. Mas para que possamos estabelecer a coerência de um texto, é preciso que haja

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correspondência ao menos parcial entre os conhecimentos nele ativados e o nosso conhecimento de mundo, pois, caso contrário, não teremos condições de construir o universo textual, dentro do qual as palavras e expressões do texto ganham sentido. (KOCH, 2016, p.76-77).

Cada um dos modelos elencados pela pesquisadora permite o entendimento do percurso ideológico de um texto, sendo o mesmo, coerente. Vejamos a tabela 3 a seguir que elucida os modelos discorridos anteriormente, explanados por Koch (2016).

Tabela 3 – Modelos cognitivos do repertório da textualidade

MODELOS COGNITIVOS EXEMPLOS DE APLICAÇÃO

Frames Carnaval (confete, serpentina, desfile, samba enredo).

Esquemas Como aprender a fazer um prato típico,

sendo a primeira vez do candidato.

Planos Como vencer uma partida de baralho.

Scripts Ritos religiosos; Cerimoniais; etc. Superestruturas ou esquemas

Textuais

Leitura de diversos tipos de textos; análises textuais; compreensão e interpretação de

textos diversos.

Fonte: KOCH, 2016. p. 72-73.

Após discorrermos sobre o conhecimento de mundo, temos agora, o conhecimento compartilhado que lança mão de uma perspectiva unívoca, pois cada indivíduo, ao longo do tempo, ao armazenar suas experiências, possui nelas a individualidade, ou seja, duas ou mais pessoas possuem experiências diferenciadas e,a partir delas, possam compartilhá-las, com intuito de construir uma “tessitura” de conhecimentos coerente e precisamente valorativa. Isso só acontece se o emissor-autor e o receptor-leitor tiverem uma parcela de conhecimentos comuns.

Segundo a pesquisadora, esse compartilhamento de informações dá-se pelo cruzamento de ideias “velhas”, ao passo que cada informação adquirida pelos falantes, pelo ato de interação, “novas” informações se justapõem às anteriores e assim, um texto vai sendo elaborado, pelo equilíbrio e ancoragem de ideias.

Koch (2016) divide esse equilíbrio didaticamente a fim de explicar o processamento cognitivo do compartilhamento de informações por (i) constituição do cotexto, aquelas que podem ser recuperáveis pelo processo anafórico; (ii) aquelas que diretamente estão relacionadas ao contexto situacional; (iii) aquelas que dizem respeito à cultura e por fim, (iiii) as que fazem parte do conhecimento comum do emissor-autor e do receptor-leitor. Tais especificidades podem ser facilmente

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identificadas pelos exemplos fornecidos pela própria pesquisadora na tabela 04 que elementarmente, situa o tipo de conhecimento descrito em fases gradativas de entendimento.

Tabela 4 – Conhecimento compartilhado e a efetividade dos enunciados

(i) Ontem estive com o marido de sua irmã. Ele me contou que você, e ela vão viajar para o exterior.

(ii) Pegue essa xícara vermelha e coloque-a ali.

(iii) Em 15 de novembro, será eleito o novo presidente. (iiii) Hoje é dia de pagar o carnê.

Fonte: KOCH, 2016, p.77-78.

Também importante a se tratar são as inferências, que para a pesquisadora, é essencial quando o receptor-leitor de um texto ativa seu conhecimento de mundo e estabelece uma relação implícita entre elementos enunciativos de um determinado texto. Neste caso, o interlocutor busca entender pela compreensão e interpretação o que de fato o “texto profere”.

De certo, a maioria dos textos que lemos, exige que façamos esta operação para que o entendimento integral do texto aconteça. Na Tabela 5, a seguir, essa competência do receptor-leitor, revela que além de ler o que está nas entrelinhas, permite com que a receptividade interacional atinja níveis de leitura para de fato ter o conhecimento do texto, ou daquilo que lhe foi proferido.

Para que se torne mais clara a ideia discorrida anteriormente, apresentamos um quadro esquemático.

Tabela 5 – Inferências textuais a serviço da depreensão

Carlos comprou um camaro novinho em folha. (1) Carlos tem um carro.

(2) Carlos tinha recursos financeiros para comprar o carro.

(3) Carlos é rico.

(4) Carlos é melhor companhia que você.

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Cada frase enumerada após a frase-modelo (texto) dá-se o nome de inferências. Mas nem todas são necessárias para que possamos compreender a totalidade do texto apresentado, pois isso está no plano contextual.

Ressalta-se também que existem ideias que ao serem proferidas de maneira isolada não apresentam nenhum sentido, sendo aquelas que precisam efetivamente de elos para que o sentido aconteça. Segundo Koch (2016), muitos estudiosos têm se debruçado sobre essas questões, que compete o entendimento das interações comunicativas.

Então fica claro que as inferências são elementos interativos e que “reclamam” à contextualização. Sabe-se que os fatores de contextualização são de fato, a “ancoragem” da situação comunicativa de um determinado texto. São eles que decodificam a mensagem do texto, permitem entender a precisão de conteúdo, da forma e não menos importante, o estilo, fatores estes que estabelecem o fomento da coerência.

Dada tamanha informação sobre os fatores de textualidade ainda temos outros de grande valia. Tomemos aqui o próximo deles, a situacionalidade que, segundo Koch (2016), atua em duas direções significativas no construto do sentido do texto. São efetivamente precisos para determinar a situação comunicativa. Segundo a pesquisadora se dividem em: (i) da situação para o texto e (ii) do texto para a situação. Vejamos cada um deles respectivamente por citação da própria pesquisadora.

(i) da situação para o texto – neste caso, trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa interfere na produção/recepção do texto e, portanto, no estabelecimento da coerência. A situação deve ser aqui entendida quer em sentido estrito – a situação comunicativa propriamente dita, isto é, o contexto imediato da interação -, quer em sentido amplo, ou seja, o contexto sócio-político-cultural em que a interação está inserida [...]. (ii) do texto para a situação – também o texto tem reflexos importantes sobre a situação comunicativa: o mundo textual não é jamais idêntico ao mundo real. Ao construir um texto, o produtor recria o mundo de acordo com seus objetivos, propósitos, interesses, convicções, crenças, etc. o mundo criado pelo texto não é, portanto, uma cópia fiel do mundo real, mas o mundo tal como é visto pelo produtor a partir de determinada perspectiva, de acordo com determinadas intenções [...]. (KOCH, 2016, p.84-85)

Para cada uma das situacionalidades apresentadas pela pesquisadora, o lugar e o momento da comunicação além de seus referentes são essenciais na composição de um texto. Os participantes do processo comunicacional se veem em uma relação

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Assim, outro fator de textualidade propositalmente, acaba se instalando. Falamos aqui da informatividade, que interfere diretamente no sentido do texto, determinando segundo a pesquisadora, o grau de “previsibilidade do texto”. As informações redundantes ou previsíveis podem fazer com que o texto apresente incoerência ou menos relevância. Caso contrário, a coerência se torna factível e adequadamente situada. Sabe-se teoricamente, que as informações em um texto serão diferenciadas de acordo com o repertório ou gênero do texto. Segundo Koch (2016), a informatividade permite com que o sentido do texto seja depreendido com maior ou menor facilidade por parte do receptor-leitor, o que se pode entender a partir da citação da pesquisadora em sequência.

[...] a informatividade, portanto, que vai determinar a seleção e o arranjo das alternativas de distribuição da informação no texto, de modo que o receptor possa calcular-lhe o sentido com maior ou menor facilidade, dependendo da intenção do produtor de construir um texto mais ou menos hermético, mais ou menos polissêmico, o que está, evidentemente, na dependência da situação comunicativa e do tipo de texto a ser produzido. (KOCH, 2016, p. 88-89).

A focalização também é um fator de coerência importante, pois diz respeito da concentração de leitura, podemos chamar aqui de domínio-leitor. Pistas são dadas pelo emissor-autor ao receptor-leitor para que a “caminhada” de leitura seja feita positivamente, mesmo que no texto apareça várias vezes uma mesma palavra. De certo, poderá apresentar sentidos diferentes da primeira e novas expressões vão se tornando à medida que o texto vai apresentando ideias, e estas, devem estar ancoradas para que a leitura não seja prejudicada. A partir disso, percebe-se que a focalização depende imensamente dos conhecimentos de mundo e compartilhado. Segundo Koch (2016), dependendo da focalização, a leitura de um texto pode apresentar sentidos amplamente diferentes. Tal fator de coerência inicia-se desde seu título até seu fechamento. A tabela 6, a partir da focalização, ideia textual que pode ser discorrida de formas diversas, evidencia a delimitação do assunto pelo desejo do emissor de uma mensagem, mesmo que a temática seja a mesma.

Em consonância às ideias expostas anteriormente, antes da produção textual propriamente dita, deve o autor entender o assunto e delimitar o tema. Frequentemente, o assunto de um texto é confundido com o tema. O primeiro é mais extensivo, comportando diversas possibilidades de feitio, enquanto que o segundo

Referências

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