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ECLI:PT:TRL:2013: TBPDL.L1.6.D8

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ECLI:PT:TRL:2013:1295.10.7TBPDL.L1.6.D8

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2013:1295.10.7TBPDL.L1.6.D8

Relator Nº do Documento

Carlos Marinho rl

Apenso Data do Acordão

31/01/2013

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Apelação parcialmente procedente

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

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Sumário:

1.A existir responsabilidade civil, em situação assinalada por uma queda em zona de piso

escorregadio de um centro comercial, a mesma só pode emergir na vertente aquiliana. A ilicitude brota não do incumprimento de um contrato mas de um dever, in casu da obrigação de cumprir normas regulamentares e obrigações emergentes da assunção de uma determinada posição jurídica, essa sim de emanação contratual, particularmente de regras que impõem uma conduta protectora e cautelar;

2.Se alguém cai num local escorregadio, é de concluir que a queda se deveu ao carácter

resvaladiço do pavimento. Cabe à parte contra a qual tal facto seja invocado patentear que esta conclusão, retirada da aprendizagem das regras físicas, não funcionou em concreto nem teve relação com a ocorrência;

3.Brota da al. a) do n.º 1 e do n.º 3 do art. 510.º do Código de Processo Civil – ao arrepio de solução obtida com força agregadora no âmbito do regime anterior (Assento n.º 2/1963) – que a decisão relativa a «excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos» o Tribunal «deva apreciar

oficiosamente», só forma «caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas»; 4.Resulta do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que: 1. No âmbito do seguro obrigatório «O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador» – vd. n.º 1 do artigo 146.º; 2. No quadro de seguro facultativo, sem prejuízo de o segurador de

responsabilidade civil poder «intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que, se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes» – cf n.º 1 do art. 140.º – o lesado pode «demandar directamente o segurador,

isoladamente ou em conjunto com o segurado»: a) se o contrato de seguro tal previr – n.º 2 do art. 140.º ou b) se o segurado tiver informado o lesado «da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador» – n.º 3 do mesmo artigo.

Decisão Integral:

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO

Irene, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção declarativa de

condenação com processo ordinário contra S P, S.A. e Companhia de Seguros F M, S.A., neles também melhor identificadas, pela qual pediu a condenação das Demandadas a pagar-lhe quantias pecuniárias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e juros de mora. Alegou, para o efeito, que:

No dia 30 de Maio de 2009, deslocou-se ao centro comercial P... ..., sito em Ponta Delgada, propriedade da primeira R.; quando se preparava para sair daquele centro comercial, ainda no interior das instalações daquele centro comercial e de forma inesperada, escorregou na pequena rampa lá existente, a qual se encontrava molhada, assim como o restante piso do parque de estacionamento, tendo caído desamparada e de forma violenta; em consequência de tal queda, sofreu uma fractura da diáfise do fémur direito e foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, esteve internada em Hospital e ficou incapacitada para o trabalho desde a data do acidente até ao dia 13 de Setembro de 2009; a queda referida foi provocada pelo facto de o piso do centro comercial se encontrar molhado e escorregadio, apesar de se situar numa zona fechada, com tecto, sem que

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existisse qualquer sinal que indicasse o perigo que o mesmo apresentava; em virtude do acidente, a Autora sofreu dores imensas, não só na altura da queda como ainda quando se encontrava a aguardar a ajuda médica como, também, no período pós-operatório, tendo sido colocado no fémur partido uma cavilha aparafusada; teve que se deslocar, durante todo o período do tratamento, com a ajuda de canadianas, que adquiriu, e foi sujeita a tratamentos semanais de fisioterapia que se prolongaram até ao inicio de Setembro de 2009; sofreu dores intensas que se prolongaram por todo o período de tratamento e até aos dias de hoje, em determinados movimentos ou em dias de

extrema humidade, como é habitual na ilha de São Miguel, onde reside; em virtude da intervenção cirúrgica a que teve que ser submetida, a Autora ficou com uma cicatriz permanente na área intervencionada, o que também muito a desgosta, sentindo-se envergonhada e com baixa auto estima por exibir tal cicatriz; por contrato de seguro titulado pela apólice indicada na petição inicial, a primeira Ré transferiu para a segunda a responsabilidade civil por danos ocorridos no interior do centro comercial.

A primeira Demandada contestou referindo que:

Transferiu para a segunda Ré a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros no exercício da sua actividade, pelo que é parte ilegítima nos presentes autos; não é proprietária do Centro Comercial referido nos autos; à data da queda, o piso da mencionada rampa encontrava-se totalmente limpo e seco, sem a presença de quaisquer líquidos e/ou sujidades que

comprometessem a limpeza e a segurança do Centro Comercial e que pudessem ter determinado e/ou potenciado a queda da A.; a rampa de acesso ao parque de estacionamento é pouco íngreme, tendo apenas um ligeiro declive e estando pintada com uma tinta própria que potencia a aderência; o trauma que a A. alega ter sofrido foi consequência directa do calçado que a mesma usava à data da queda.

Terminou peticionando a sua absolvição da instância ou do pedido, com as consequências legais. A segunda Ré, na sua contestação, referiu que:

A responsabilidade total do segurador, no contrato de seguro que confirmou existir, não excede, em cada reclamação ou série de reclamações, 100.000.000,00 €, tendo ficado estabelecida uma

franquia, a cargo do segurado, de 1.500,00 €; a queda da Autora no local só poderá ter ficado a dever-se quer ao calçado que usava, quer devido a um desequilíbrio momentâneo, quer devido ao seu peso.

A final, reclamou as legais consequências do por si narrado. A Autora replicou alegando que:

O accionamento da responsabilidade da seguradora está dependente do pagamento, por parte da 1.ª Ré, de uma franquia no montante de € 1.500,00 pelo que o funcionamento do clausulado está dependente da condenação da primeira R., que é parte legítima nos presentes autos.

Concluiu como na petição inicial.

Em sede de saneamento dos autos, foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva.

Foi realizada a instrução, discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que, em sede de bloco decisório, decretou o seguinte:

«Em face do exposto, julgo a ação procedente e consequentemente:

a) Condeno a ré S... ..., S. A. a pagar à autora a quantia de 35 038€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por esta, emergentes do acidente de que foi vítima no dia 30/5/2009 no Centro Comercial P... ..., em Ponta Delgada.

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taxa legal sobre o quantitativo relativo aos danos patrimoniais (que são de 38€), desde a data da citação (30/6/2010) e até efetivo pagamento.

c) Absolvo a ré Companhia de Seguros F... ... do pedido que contra ela foi formulado pela autora. d) Condeno a ré S... ... S. A. no pagamento das custas da ação (artigo 446.º n.º 1 e 2 do CPC).» É desta sentença que vem o presente recurso interposto pela 1.ª Ré, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:

«1. A resposta à matéria de facto não está fundamentada nos termos do disposto no Art. 653º do CPC.

2. Não dispõe a Ré, nem este Venerando Tribunal, da fundamentação específica e concreta sobre qual ou quais os meios de prova utilizados para a prova de qualquer um dos quesitos dados por assente nos autos.

3. Impugna pois a Ré a resposta à matéria de facto nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do Art. 712º do CPC.

4. Sem prejuízo, impugna ainda Ré a resposta dada aos quesitos 2º, 3º, 4º, 13º, 42º, 43º, 44º, 47º e 48º pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no Art. 685º-B do CPC.

5. Do cotejo dos depoimentos de todas as testemunhas que depuseram sobre a matéria do quesito segundo a única coisa que resulta como inequivocamente provada é que houve uma queda: a Autora caiu na zona do parque de estacionamento.

6. O que resulta claro dos depoimentos prestados à matéria do quesito segundo é que nenhuma das testemunhas viu a Autora a escorregar.

7. Tendo qualquer uma dessas testemunhas visto a Autora cair, contudo e ainda assim, cada uma deles, viu-a cair em sítio diverso do parque de estacionamento.

8. Manifestamente, a dúvida que paira na sequência de se ouvirem todos os depoimentos

testemunhais sobre a matéria do quesito 2º só permite que ao mesmo seja dada resposta restritiva, no sentido de que apenas ficou provado que a Autora caiu algures entre a rampa e o

estacionamento do centro comercial.

9. Também quanto ao quesito terceiro, a conclusão e fundamentação peremptória do Mtmo. Juiz a quo não encontra eco e lastro, nem nos resultados extraídos da inspecção judicial, nem nos

depoimentos das testemunhas.

10. Tomando em consideração que é a própria Autora quem declara que “sinceramente, não sei se havia água ou não, só que tenho a consciência que escorreguei na rampa, onde fui prontamente assistida”, e face a tão abundante prova documental apontando no sentido de que, a ter chovido em Ponta Delgada no dia 30 de Maio de 2009, tal ocorreu, já depois das 17h30, não se vislumbra como pode o Tribunal a quo afirmar com a segurança com que afirma que, às 14h30 desse dia, chovia.

11. Do cotejo dos documentos juntos aos autos com o parecer do IM, poder-se-ia concluir que, no dia 30 de Maio de 2009, choveu na cidade de Ponta Delgada das 17h30 em diante, mas não das 14h30 em diante.

12. No dia da inspecção ao local, chovendo constante e consecutivamente, apenas o espaço circundante da rampa tinha alguns vestígios de humidade, conforme consta do resultado, transcrito em acta, da inspecção judicial.

13. Se o dito espaço, e nomeadamente a rampa, se apresentasse escorregadio tal facto teria ficado a constar da acta da inspecção judicial, o que não sucedeu.

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juntos, quer o resultado da inspecção judicial, pelo que não pode deixar de propugnar-se pela resposta negativa ao quesito terceiro.

15. Quanto a facto quarto não foi produzida prova que permita considerá-lo provado, mais se dando por reproduzido tudo quanto se expôs relativamente ao quesito terceiro.

16. Não resulta da prova produzida que no dia do acidente tenha chovido antes deste ter ocorrido, o que seria determinante para o piso do parque de estacionamento estar molhado ou não.

17. Também quanto a este quesito, que apenas se declara provado, não consta qualquer

fundamentação, ou sequer referência, na decisão de facto, ficando por saber a razão da resposta dada pelo Mtmo. Juiz a quo.

18. Certo é que a testemunha André explicou, com conhecimento de causa, por que é que a ambulância não entrou no piso -2 do parque de estacionamento, em conformidade com o

regulamentado no plano de emergência interno, aprovado pela Câmara Municipal, não podendo deixar de ser dada resposta negativa ao quesito 13º.

19. Quanto aos quesitos 42º, 43º e 44º, aos quais foi dada resposta negativa, e por referência ao propugnado quanto ao quesito 3º devem as suas respostas ser alteradas, dando-se por assente o seu teor.

20. Os depoimentos prestados à matéria do quesito 47º provieram de testemunhas com conhecimento directo e pessoal dos factos, não tendo, sequer, sido objecto de contradição documental ou testemunhal, pelo que não pode deixar de ser dada resposta positiva a esse quesito.

21. Também a resposta ao quesito 48º, além de não fundamentada, carece de razão, porquanto é a própria Autora quem junta à sua petição inicial um relatório de ocorrência, subscrito pelo vigilante de turno, no qual este afirma que a queda da Autora se deve à sola dos sapatos que usava serem muito lisas e com pouca aderência ao piso.

22. Acresce que a Autora, revela a sua concordância como o teor do referido relatório, em carta dirigida à administração do Centro Comercial P... ... onde afirma que esse relatório interno, escrito na sua presença comprova a veracidade dos factos.

23. E não tendo quer o relatório interno quer a carta da Autora sido impugnados, deve a resposta dada ao quesito 48º ser alterada e o seu teor dado por assente.

24. Sem prejuízo, ainda que se mantenha a resposta à matéria de facto nos exactos termos em que a mesma foi prolatada pelo Tribunal a quo – o que evidentemente só se admite para efeitos de raciocínio – ainda assim inexistem fundamentos de facto ou de direito que permitam sustentar a decisão de mérito proferida nos autos.

25. O Mtmo. Juiz a quo entende que a eventual responsabilidade da Ré na matéria que lhe foi submetida em julgamento se enquadra em sede de culpa in contrahendo, assim se compreendendo a referência que faz ao disposto nos Arts. 227º e seguintes do Código Civil e à boa fé na formação preliminar do contrato.

26. Inexistem nos autos quaisquer factos e/ou sinais que permitam extrair a conclusão de que entre a Autora e a Ré se celebrou um qualquer contrato ou que esse mesmo ignoto e não concluído contrato estivesse em vias de ser celebrado.

27. O facto de a Autora ser visitante/utente do Centro Comercial, de a Ré ser gestora desse Centro Comercial e da aventada queda se ter dado numa das partes comuns do Centro Comercial, não permite extrair a conclusão de existe entre a Autora e a Ré um qualquer vínculo de natureza contratual ou pré-contratual que, com culpa, tenha sido violado pela Ré, gerando o dever de indemnizar.

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28. Cabe à Ré, enquanto gestora do Centro Comercial em apreço e relativamente a qualquer um dos lojistas com quem contratou as lojas e os espaços que cada um, dentro do Centro Comercial, utiliza, oferecer-lhes todas as condições com eles contratadas.

29. Dentro dessas suas obrigações para com os lojistas, incumbe-lhe manter os espaços comuns e de acesso ao Centro Comercial nas melhores condições de higiene, conforto e segurança a todos os visitantes, no cumprimento quer do assumido contratualmente entre a Ré e cada um dos lojistas. 30. Todavia, com cada um dos visitantes do Centro Comercial, a Ré não celebra qualquer contrato, sendo certo que no caso particular da Autora não se estabeleceu, no dia 30 de Maio de 2009, qualquer vínculo de natureza contratual ou pré-contratual.

31. Não só a matéria dos autos não é compaginável com a sua qualificação enquanto domínio da responsabilidade contratual ou pré-contratual, como não se verifica nos autos a existência da alegação e da prova dos factos que permitam verificar cumpridos os pressupostos da

responsabilidade civil extracontratual.

32. Inexiste provado nos autos quer a prática pela Ré S... ...de facto voluntário ilícito que gere o dever de indemnizar.

33. Mesmo que se concluísse em sentido diverso – o que não se concede – a verdade é que não decorre provado nos autos a existência de nexo causal entre a queda sofrida pela Autora e

qualquer eventual omissão ou acção voluntária da Ré S....

34. A rampa não é – nem era a 30 de Maio de 2009 – um local especialmente perigoso, não se encontrava – nem em 30 de Maio de 2009, nem na data da inspecção judicial – molhada e

escorregadia e, consequentemente, não existe qualquer acção que a Ré devesse ter efectuado à luz de qualquer dever legal que sobre ela impenda.

35. Os resultados da inspecção judicial ao local permitem concluir que, se num dia de especial pluviosidade, a rampa só fica com vestígios de humidade, não se registando que a mesma fique escorregadia, o que determina que a Ré não veja necessidade de colocar no local qualquer sinalização de perigo,

36. Em dias – como o de 30 de Maio de 2009 – em que não é certo que tenha chovido

manifestamente tal sinalização nunca seria colocada pela Ré, mormente porque não é crível que o local tivesse sequer vestígios de humidade.

37. A seguir o que o Tribunal a quo pretende defender na sentença recorrida, a Ré S... ...e qualquer gestora de Centro Comercial, sobretudo instalado em locais onde as condições climatéricas são instáveis e as pessoas não podem confiar nos boletins meteorológicos, deveriam manter

sinalização de perigo, antecipando a sua ocorrência.

38. Não é certo que tenha chovido no dia 30 de Maio de 2009.

39. Todavia, ainda que se assente que nesse dia choveu e que choveu quando a Autora sofreu a queda – o que só se concede para efeitos de raciocínio -, tal não significa que a rampa tenha ficado molhada e escorregadia e que, ainda que tal tenha ocorrido – o que mais uma vez não se concede – que tal não tenha sido momentâneo sem que tenha sido dado qualquer azo a que a Ré S... ...pudesse intervir.

40. Não consta alegado ou provado nos autos que a Ré S... ...tenha sido avisada de que a rampa estava húmida, molhada ou escorregadia e que nada tenha feito.

41. Ficando a rampa no estacionamento, no piso -2, e a não ser que, quem lá passasse avisasse a Ré S..., esta não poderia adivinhar a existência de qualquer humidade na rampa, sobretudo sendo a origem dessa humidade súbita e inesperada.

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rampa em estado de causar acidentes como o sofrido pela Autora, poder-se-ia imputar à Ré S... ...a omissão de um dever de cuidado, facto voluntário ilícito.

43. A inexistência de acidentes naquela rampa, o grande afluxo de público ao Centro Comercial e as demais condicionantes que se encontram provadas nos autos permitem concluir sem qualquer esforço que a Ré S... ...não omitiu qualquer dever de cuidado que tenha sido causa adequada da queda da Autora.

44. Na resposta ao quesito 7º, o Tribunal a quo deu por não assentes os factos alegados pela Autora e que consubstanciavam o necessário nexo causal entre uma qualquer conduta ilícita da Ré S... ...– o que não se concede – e a queda e danos subsequentemente sofridos pela Autora.

45. Não substituem essa necessária prova, as ilações e conclusões que o Tribunal a quo habilidosamente extrai da restante matéria de facto.

46. Não só não existe nos autos factos assentes que permitam concluir pela existência de um facto voluntário ilícito perpetrado pela Ré S..., como sobretudo inexiste qualquer nexo de causalidade entre uma qualquer alegada e aventada omissão da Ré S... ...e a queda sofrida pela Autora. 47. O Tribunal a quo não pode, após o saneamento da causa, concluir que a Ré Seguradora não pode assumir o papel processual de Ré nos presentes autos, violando expressamente os mais elementares princípios e regras do direito processual civil.

48. E não pode o Tribunal a quo fundamentar essa sua descabida decisão sob a epígrafe “sobre quem recai o dever de indemnizar” em factos falsos que não encontram qualquer eco na

documentação junta aos autos pelas partes e na posição assumida por qualquer uma delas. 49. Devem pois ambas as Rés ser absolvidas mas não porque a Ré Seguradora não possa ser demandada pela Autora como Ré nestes autos – como o foi e como o próprio Tribunal a quo, no seu momento processual próprio, o julgou legítimo – mas antes sim porque não estão preenchidos os pressupostos que geram o dever de indemnizar.

50. Ainda que assim não se venha a entender – o que, evidentemente, não se concede – o

montante indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo é manifestamente exagerado, tomando em consideração os danos que foram julgados provados.

51. A Autora peticionou uma indemnização de 35 mil euros para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos com a queda, alegando uma série de factos que foram dados como não assentes e alguns outros que foram dados por assente de forma restritiva.

52. Não pode o Tribunal a quo condenar a Ré no pagamento de indemnização por danos que não foram individualizados, segmentados e peticionados pela Autora – mal causado à auto- estima e dano biológio – e que sobretudo são enquadráveis e englobáveis naquilo que designou de padecimentos físicos e morais.

53. O montante indemnizatório arbitrado é, manifestamente, exagerado não encontrando estribo nos danos dados como assentes nos autos, devendo, em consequência, e caso a Ré decaía na sua apelação no que se refere à não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil – o que só se concede para efeitos de raciocínio -, ser o valor indemnizatório drasticamente reduzido à luz do que em situações de danos semelhantes é, usualmente, arbitrado.

54. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 227º, 309º, 443º, 444º, 483º e seguintes, 562º e seguintes todos do Código Civil e Arts. 26º, 30º, 31º, 31º-A, 267º a 271º, 320º e seguintes, 508º, 511º, 653º, 659º e 661º todos do CPC.»

Terminou pedindo que fosse concedido provimento ao presente recurso e solicitou a sua absolvição do pedido.

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«1.Não assiste qualquer razão à recorrente, sendo manifesta a distância entre as alegações da recorrente e o que de facto se passou na audiência de julgamento, nomeadamente no que diz respeito à prova produzida;

2. Aliás, este facto é tão notório que basta a leitura atenta das transcrições dos depoimentos das testemunhas efectuadas pela recorrente no seu recurso para constatar que estas disseram, expressamente, aquilo que a recorrente, pelos vistos, continua a não querer saber...;

3. Vejamos: Alega a recorrente que a decisão sobre a matéria de facto não contem a devida fundamentação, nomeadamente a indicação de que concretos meios de prova levou a que o Tribunal a quo considerasse determinada matéria provada ou não provada;

4. Ora, basta uma leitura atenta da acta da audiência de 19 de Março de 2012 para aferir que a recorrente não tem qualquer razão no que alega;

5. Isto porque, resulta evidente daquela acta que o Tribunal a quo efectuou uma análise crítica da prova produzida, descrevendo não só os depoimentos de cada uma das testemunhas que mereceu credibilidade e os que não mereceu e as razões para tal, mais descrevendo o que cada testemunha afirmou com interesse sobre cada matéria, e efectuou ainda uma análise crítica dos documentos juntos, descrevendo a sua relevância e em que termos foram tidos em conta;

6. Deste modo, deverá improceder, nesta parte, o recurso apresentado;

7. A recorrente impugna a matéria de facto constante dos quesitos 2°, 3°, 4°, 13°, 42°, 43°, 44°, 47° e 48°. No entanto, mais uma vez, a argumentação da recorrente é de facto difícil de entender, quer quando comparada ao que se passou na audiência de julgamento, quer mesmo tendo em conta a transcrição efectuada pela própria recorrente dos depoimentos prestados;

8. As matérias constantes dos quesitos supra referidos foram confirmadas pelas testemunhas, que assistiram aos factos e depuseram sobre os mesmos de forma descomprometida e credível, tal como faz referência a Sentença recorrida;

9. Acresce ainda a própria constatação que o Tribunal efectuou no local, onde resulta que, num dia de chuva, a mesma apresentava-se com vestígios de humidade, o que, naturalmente a tornava escorregadia, como é do senso comum;

10. Do mesmo modo, lógico nos parece que se a rampa em questão se encontrava molhada, o que acontecia em virtude de a agua ser transportada pelos rodados dos carros que circulam no parque de estacionamento e pelos sapatos das pessoas que nele circulavam, então o próprio parque de estacionamento estava molhado e, em consequência, escorregadio, pois não possuía qualquer pavimento antiderrapante, tudo confirmado pelo depoimento da testemunha António ;

11. A recorrente faz ainda referencia a um documento onde se afirma que a queda se deu por a A. ter um calçado não apropriado. Ora, o documento que a recorrente faz referencia mais não é do que um relato efectuado por um vigilante ao serviço da recorrente e não contém qualquer

depoimento, versão ou intervenção da A.;

12. Aliás, a testemunha Nuno, sapateiro de profissão, que trabalhava na loja ..., que situava a frente da famigerada rampa, e era quem tratava do calçado da A., foi peremptório ao afirmar que esta usava calçado que não era escorregadio, chegando mesmo a especificar o tipo de sola que usava, depoimento este que, curiosamente, a recorrente, de forma expressa, não faz referência, mas que não pode desconhecer, pois assistiu ao mesmo;

13. Acresce ainda que não é feita qualquer referência naquele centro comercial que o mesmo esteja interdito a determinado tipo de calçado...

14. Quanto ao tipo de responsabilidade, sufraga-se, na sua totalidade, a apreciação jurídica efectuada na douta sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida;

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15. E, cotejada toda a matéria de facto, facilmente se conclui que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade;

16. Isto porque, ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, a ilicitude do seu

comportamento não se resume à possibilidade de alguém ter chamado a sua atenção para a existência da rampa escorregadia e nada ter feito;

17. Pelo contrario, o próprio facto de manter no espaço explorado por si e disponível aos

consumidores que, de boa fé, acreditam que o mesmo reúne todas as condições de segurança para nele circular, uma rampa que, mesmo seca, se apresenta escorregadia (conforme atestado por testemunhas), mas que molhada consubstancia perigo maior, constitui um comportamento ilícito;

18. Ora, é incumbência da recorrente criar todas as condições de segurança para quem visita as suas instalações. E de certeza que, manter uma rampa com aquelas características, sem sequer ter uma tinta antiderrapante, na zona de entrada do parque de estacionamento aberto, onde é sabido pela recorrente que o mesmo em dias de chuva fica molhado é, no mínimo, um comportamento negligente, cujos danos provocados a terceiros terão que lhe ser imputados.

19. E não venha a recorrente dizer que o facto de a Sentença recorrida ter considerado não provado o quesito 7° inviabiliza qualquer condenação pois, como bem sabe a recorrente, aquele quesito encontrava-se formulado de forma conclusiva, razão pela qual foi considerado não provado; 20. Contudo, basta uma leitura atenta dos factos considerados provados para se concluir, em sede própria, como foi na Sentença, que a queda se deveu ao facto de aquela rampa se apresentar escorregadia e molhada, tudo conforme resulta do depoimento das testemunhas atrás indicadas, não tendo a recorrente tomado as medidas necessárias quer para que isso não acontecesse, quer para avisar as pessoas que ali circulavam;

21. Por tudo isto, resulta claro que existiu, da parte da recorrente, uma omissão clara de

salvaguarda da segurança da A. e de todos quantos circulavam naquele espaço, omissão esta ilícita e geradora de responsabilidade;

22. Quanto à medida da indemnização, também aqui a recorrente tenta fugir as suas responsabilidades;

23. A A., na sua p.i., peticionou o pagamento de uma quantia a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, tendo descrito na mesma os padecimentos que havia sofrido na

sequência da queda;

24. Ora, tendo a A. peticionado um montante a nível de indemnização global pelos danos não patrimoniais, não está o Tribunal a quo impedido de quantificar esta mesma indemnização, recorrendo à sua subdivisão pelos diversos critérios de determinação do seu montante global; 25. E quanto à sua justificação e fundamentação, estes encontram-se devida e suficientemente explicitados na sentença recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida.

26. Por tudo isto, deverão improceder as alegações de recurso da recorrente.» Terminou peticionando a manutenção da decisão posta em causa no recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:

1.A resposta à matéria de facto não está fundamentada nos termos do disposto no art. 653.º do Código de Processo Civil, pelo que se impõe o cumprimento do disposto no n.º 5 do art. 712.º do mesmo encadeado normativo?

2.Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto apontada em sede de recurso, nos termos aí propostos e com as consequências aí enunciadas?

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3.O facto de a Autora ser visitante/utente do Centro Comercial, de a Ré ser gestora desse Centro Comercial e de a queda se ter dado numa das partes comuns do Centro Comercial, não permite extrair a conclusão de que existisse entre a Autora e a Ré um qualquer vínculo de natureza contratual ou pré-contratual que, com culpa, tenha sido violado pela Ré, gerando o dever de indemnizar?

4.Inexistem facto voluntário ilícito que gere o dever de indemnizar e nexo causal entre a queda sofrida pela Autora e qualquer eventual omissão ou acção voluntária da Ré S...?

5.O Tribunal a quo não podia, após o saneamento da causa em julgou a Ré Seguradora parte legítima, concluir que a mesma não podia assumir o papel processual de Ré nos presentes autos? 6.O montante indemnizatório arbitrado é exagerado, não encontrando estribo nos danos dados como assentes nos autos?

II. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto

1. A resposta à matéria de facto não está fundamentada nos termos do disposto no art. 653.º do Código de Processo Civil, pelo que se impõe o cumprimento do disposto no n.º 5 do art. 712.º do mesmo encadeado normativo?

Sob a epígrafe «Julgamento da matéria de facto», o n.º 2 do artigo 653.º do Código de Processo Civil estatui que:

«2. A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.»

Era este o preceito que o Tribunal «a quo» tinha como obrigação cumprir no momento da

elaboração da decisão de fixação dos factos provados e não provados, no que tange à arquitectura interna de tal decisão.

O decidido foi vertido no despacho de fl. 291 a 297.

Extraímos, da respectiva análise, que o aludido Tribunal definiu quais os factos que julgava provados, e em que termos, e quais os que naufragavam por ausência de demonstração.

Acto contínuo, sob o título «MOTIVAÇÃO», explicou os critérios normativos de avaliação do material instrutório fazendo referência às regras do ónus da prova, percorreu em revista os meios

demonstrativos usados, explicou critérios, identificou e resolveu contradições das prestações colhidas, narrou sentidos de depoimentos, analisou criticamente o conteúdo de documentos, teceu juízos sobre o sentido de testemunhos, reconheceu isenção e fiabilidade a alguns, negou-a a outros e explicou porquê, apelou à razão, à lógica, ao convencimento do leitor da sua decisão e fê-lo com extensão e detalhe. As descritas operações analíticas identificaram sempre, com a necessária clareza, o seu objecto, enquadrando-se nas questões fácticas relevantes – eclosão e circunstâncias do acidente, designadamente condições climatéricas e estado do piso, e consequências do mesmo. Esta realidade que, de forma manifesta, emerge dos autos torna improcedente a questão suscitada neste âmbito, em sede de recurso.

É flagrantemente negativa a resposta a dar à pergunta proposta.

2. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto apontada em sede de recurso, nos termos aí propostos e com as consequências aí enunciadas? A Ré impugna a resposta dada pelo Tribunal «a quo» aos quesitos 2.º, 3.º, 4.º, 13.º, 42.º, 43.º, 44.º, 47.º e 48.º.

(11)

Tais quesitos tinham o seguinte conteúdo:

«2º - Aquando da queda especificada em B) a A. escorregou na rampa existente na saída à frente da ...?

3º - Rampa essa que se encontrava molhada e escorregadia?

4º - O restante piso do parque de estacionamento estava igualmente molhado e escorregadio? 13º - Devido à altura da ambulância os bombeiros não conseguiram entrar no parque de

estacionamento com a viatura?

42º - No local onde ocorreu a queda da A não existia qualquer água no pavimento? 43º - O piso da rampa encontrava-se totalmente limpo e seco?

44º - Sem quaisquer resíduos ou detritos, gordurosos ou outros?

47º - Em momento anterior, concomitante e/ou posterior à queda da A ninguém alertou a R. S... ...para a existência de qualquer líquido ou sujidade na rampa nem qualquer reparo ou alerta de o piso da rampa estar escorregadio?

48º - A queda da A foi motivada por causa das solas dos sapatos que usava serem muito lisas e de pouca aderência ao solo?»

Os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 13.º receberam a resposta de «provado» e os restantes de «não provado». Reapreciada a prova disponível, extrai-se o seguinte:

(…)

Tem relevo para a ponderação dos factos de resposta questionada a percepção, colhida pelo próprio Tribunal «a quo» em sede de inspecção judicial, plasmada a fl. 223, no sentido de que, no momento em que se realizou tal diligência, dia de chuva, o piso na zona de estacionamento estava molhado e o espaço circundante da rampa tinha vestígios de humidade.

Perante duas versões antagónicas, há que reconhecer que teve razão o Tribunal «a quo» ao escolher a das testemunhas que referiram a existência de chuva e piso molhado e viveram, na primeira pessoa, os acontecimentos, sem riscos de serem culpabilizadas ou responsabilizadas pela omissão do cumprimento de obrigações funcionais, designadamente de limpeza e marcação dos espaços de risco ou de serem acusadas de terem feito narrações não correspondentes à verdade em relatórios de função. Neste domínio, teve particular importância o conteúdo do depoimento da testemunha António – pessoa sem qualquer interesse na causa, absolutamente livre face aos autos e responsável por depoimento aparentemente rigoroso e isento – que, por mero acaso, passava no local e deu assistência imediata à Demandante.

Sob tal contexto, só podiam ser declarados provados os quesitos 2.º, 3.º e 4.º, e não provados os quesitos 42.º, 43.º, 44.º e 48.º, como ocorreu.

Não foi feita prova minimamente convincente sobre a matéria do quesito 47.º.

No que se refere ao quesito 13.º, ficámos a saber, com a necessária segurança, que a ambulância não conseguiu entrar no centro mas não que tal fosse devido à sua altura, sendo seguro que não estava previsto que tal viatura acedesse a qualquer outra zona para além de um denominado «cais zero», centralizador do socorro, ou seja, tornou-se claro que aquele centro não tinha estruturas físicas que permitissem o socorro imediato através de ambulância em qualquer ponto de ocorrência de sinistros mas apenas num espaço específico.

A resposta adequada ao mesmo é, pois, face à prova produzida, a seguinte:

«Quesito 13.º: provado apenas que os bombeiros não conseguiram entrar no parque de estacionamento com a viatura.»

(12)

remete-se, aqui, no que respeita à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância que a avaliou.

Fundamentação de Direito

3. O facto de a Autora ser visitante/utente do Centro Comercial, de a Ré ser gestora desse Centro Comercial e de a queda se ter dado numa das partes comuns do Centro Comercial, não permite extrair a conclusão de que existisse entre a Autora e a Ré um qualquer vínculo de natureza contratual ou pré-contratual que, com culpa, tenha sido violado pela Ré, gerando o dever de indemnizar?

A norma aplicada pelo Tribunal «a quo» para estear a sua conclusão pela existência de responsabilidade civil contratual foi o art. 227.º do Código Civil. Estatui este preceito, na parte relevante para a decisão, que:

«Artigo 227º

Culpa na formação dos contratos

1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. (...)»

Analisada a decisão judicial criticada, não se logra encontrar, aí, razão convincente susceptível de inculcar a noção de estarmos perante tal tipo de responsabilidade, particularmente face à

referência, essa sim ajustada, que aí se contém, no sentido de que os centros comerciais são também locais de mero passeio, logo sem intuito de compra e de formação de qualquer vínculo jurídico.

Não contém a mesma, também, referências que permitam ligar contratualmente ou em simples termos de negociação preliminar relativa à ulterior assunção de vínculo contratual, a Demandante e a Sociedade Ré responsável pela exploração, gestão e administração do Centro.

Não se extrai do decidido em que termos concebeu o Tribunal a realização de negócio jurídico ulterior ou potencial e pré-negociado entre a Demandante e a Ré, ainda que a mesma tivesse feito compras em várias lojas, já que não se patenteou que essas lojas fossem exploradas pela Autora. Mais, não explicou como a simples acção de caminhar dentro do espaço físico do Centro – quer em movimento de saída e abandono como no caso em apreço, quer de entrada, por qualquer razão, entre as quais se contaria a perspectiva de fazer compras – representaria acto pré-contratual. Não se divisa sentido técnico para a construção brandida.

A existir responsabilidade civil, no caso em apreço, face aos factos apurados, a mesma só poderia emergir na vertente aquiliana. A ilicitude brotaria não do incumprimento de um contrato mas de um dever, in casu da obrigação de cumprir normas regulamentares e obrigações emergentes da assunção de uma determinada posição jurídica, essa sim de emanação contratual.

Tem razão a Recorrente quanto à proscrição da responsabilidade civil contratual no caso em apreço.

Impõe-se, pois, focar a análise dos pressupostos de surgimento da obrigação de indemnizar não à luz desse tipo de responsabilidade mas da responsabilidade por factos ilícitos.

4. Inexistem facto voluntário ilícito que gere o dever de indemnizar e nexo causal entre a queda sofrida pela Autora e qualquer eventual omissão ou acção voluntária da Ré S...?

Resulta dos autos, com relevo para a avaliação desta questão, conforme se extrai da sentença impugnada, que:

·«A ré S... ...tem como objeto social a prestação de serviços de gestão empresarial; exploração, administração, gestão e comercialização de centros comerciais, lojas e outros bens imóveis,

(13)

podendo, acessoriamente, dedicar-se à compra e venda de imóveis.

·O Centro Comercial P... ... é explorado, gerido e administrado pela ré S... ...Management Portugal, S. A.

·No dia 30 de maio de 2009, a autora deslocou-se ao centro comercial P... ..., sito na Rua ..., em Ponta Delgada.

·Quando a autora se dirigia à sua viatura, pela saída à frente da loja a «...», situada no piso -2, sofreu uma queda.

·A autora caiu desamparada.

·Aquando dessa queda a autora escorregou na rampa existente na saída à frente da loja «...». ·Rampa essa que se encontrava molhada e escorregadia.

·O restante piso do parque de estacionamento estava igualmente molhado e escorregadio, apesar de se situar numa zona fechada, com teto.

·A rampa em causa tem um ligeiro declive.

·A rampa está pintada com tinta de pavimento de cor amarela.

·No local não existia qualquer sinal que indicasse que o piso estava molhado e escorregadio.» Temos, pois, que existia no espaço comercial referenciado nos autos, numa saída, uma rampa, em frente de uma loja sendo que tal rampa estava molhada e escorregadia e não havia no local

qualquer sinal que alertasse para tal situação.

Em termos de mera lógica e apelo à semântica, impõe-se reconhecer que dizer que um pavimento está escorregadio significa que o mesmo tem tendência para provocar deslizes, escorregadelas, perdas de equilíbrio e verticalidade. Este facto não é alterado por, em concreto, uma ou mais pessoas conseguirem percorrer essa porção de pavimento sem nela caírem. Diz-se, pois, da potencialidade para gerar resvalamentos.

No caso em apreço, o espaço estava situado numa saída e junto a uma loja, logo em zona susceptível de ser calcorreada por frequentadores do Centro Comercial.

Apesar de assim ser, a Ré, responsável pela gestão e administração do espaço e única entidade em condições de proteger os utentes de lesões produzidas pelas condições físicas do espaço e a tal obrigada, omitiu o acto de assinalar o fenómeno com vista a proteger os utentes do risco que o carácter escorregadio potenciava.

É aqui que reside a ilicitude, na contrariedade de regras que impunham a conduta protectora e cautelar. A ilicitude consiste, no caso em apreço, no desrespeito do regime legal que vigorava relativamente às regras de segurança e ao funcionamento do espaço comercial em apreço. Sobre esta matéria, vale o acertadamente dito pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 29.06.2012, Processo n.º 141/07.3TBOAZ.P1.S1, in http://www.dgsi.pt, com o seguinte teor: «Os centros comerciais representam, assim, espaços abertos de livre circulação para o publico consumidor ou visitante, que reclamam especiais deveres, por parte dos lojistas, quanto à higiene e segurança do edifício e das suas instalações, na exacta medida das exigências dos utentes que os procuram, com a sólida convicção de não serem surpreendidos por acidentes ocorridos no seu seio e que escapam, de todo, pelo seu carácter insólito, a um critério de previsibilidade razoável,

designadamente, a queda imprevista de uma prateleira, o rebentamento de um artigo exposto ou o deslizamento no pavimento, em resultado de um produto nele derramado.

Estes deveres de protecção das pessoas fazem parte do conteúdo das normas da actividade da segurança privada dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utentes circulam,

livremente, pelo seu interior, em visita ou à procura dos produtos expostos em que, eventualmente, estejam interessados, tal como vem definida pelo artigo 1º, nº 3, a), do DL nº 35/2004, de 21 de

(14)

Fevereiro (...), e emerge, manifestamente, do DL nº 370/99, de 18 de Setembro, que estatui sobre o regime de instalação dos estabelecimentos de comércio ou armazenagem, da Lei nº 12/2004, de 30 de Março, que disciplina sobre o regime de autorização a que estão sujeitos a instalação e a

modificação de estabelecimentos comerciais a retalho e de comércio por grosso, em livre serviço, e a instalação de conjuntos comerciais, e do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951 (...).

Efectivamente, o aludido dever de limpar e secar o piso do estabelecimento de um centro comercial faz parte das regras de higiene e segurança indispensáveis para um bom funcionamento das

grandes superfícies, enunciadas na legislação acabada de citar.

Segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada pelo artigo 563º, do CC, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e depois que, em abstracto ou em geral, o facto seja causa adequada do dano.

E a doutrina mais apropriada, no sentido de apurar se o facto é ou não causa adequada do dano, por força da solução imposta pelo artigo 10º, nº 3, do CC, consiste na teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, isto é, a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para esse dano».

Quanto ao nexo causal e apelando à teoria da causalidade adequada consagrada no art. 563.º do Código Civil, que manda atender aos «danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», impor-se-ia concluir, face aos factos provados, ou seja, à realidade conhecida, que a actuação omitida não se mostra, em abstracto, inadequada para evitar o dano, antes sendo de esperar que a sinalização apropriada do local em que o piso estava escorregadio fosse idónea para evitar quedas no local e consequentes danos.

Porém, segundo a Recorrente, a resposta restritiva ao quesito 7.º afastaria o apontado nexo causal. Nessa questão perguntava-se se a Autora tinha caído desamparada em virtude das circunstâncias enunciadas nos quesitos 3.º e 6.º (piso escorregadio e falta de sinalização). O Tribunal apenas deu como demonstrada a queda sem amparo ficando, aparentemente, não provada a respectiva causa. Como no apontado aresto do Supremo Tribunal de Justiça, temos, aqui, apenas o piso

escorregadio, a queda no local e a falta de sinalização, sendo que este contexto não invalidou, na apontada decisão, a conclusão pela existência de responsabilidade civil.

Afigura-se acertada a solução obtida pelo Tribunal Supremo.

Ao responder ao quesito 7.º nos termos em que o fez, o Tribunal apenas afastou a parte conclusiva do quesito, a que não pedia às testemunhas um facto singelo retirado do seu fluir quotidiano mas uma opinião, um juízo. O que queríamos saber era se havia um pavimento escorregadio e não sinalizado e se a vítima nele escorregou. Complementarmente, e ex adverso, desejávamos apurar se a mesma tinha escorregado por causa do uso de solas inapropriadas (aparentemente,

inapropriadas para rampas de centro comercial).

Tendo-se colhido os dois primeiros factos e rejeitado o terceiro, restava o trabalho lógico, o apelo à arte de ponderar factos do julgador, a actividade de construção de conclusão fáctica prévia à subsunção de Direito mas já com ela referenciável.

Se alguém cai num local escorregadio, é de concluir que a queda se deveu ao carácter resvaladiço do pavimento. Nenhum perito pode, em sede de arbitragem, fazer mais do que este raciocínio. Os factos que este teria à sua disposição seriam, sempre e só, o carácter escorregadio e a queda.

(15)

Cabe à parte contra a qual tal facto seja invocado patentear que esta conclusão, retirada da aprendizagem das regras físicas, não funcionou em concreto nem teve relação com a ocorrência. Por esta razão, relevavam tanto os quesitos 42.º a 48.º, particularmente este último, que a

Recorrente tentou provar mas sem sucesso.

Completou-se, plenamente, o percurso da causalidade: o facto produziu o dano e este podia ser evitado através da acção omitida.

Improcede, em consequência, esta vertente do recurso.

5. O Tribunal a quo não podia, após o saneamento da causa em que julgou a Ré Seguradora parte legítima, concluir que a mesma não podia assumir o papel processual de Ré nos presentes autos?

Em termos estritamente formais, nada obstava à decisão sobre a questão da presença nos autos, na qualidade de parte principal, da Ré Seguradora.

Assim é porquanto resulta da al. a) do n.º 1 e do n.º 3 do art. 510.º do Código de Processo Civil – ao arrepio de solução obtida com força agregadora no âmbito do regime anterior (Assento n.º 2/1963, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 124, pág. 414 que fixava: «É definitiva a declaração em termos genericos no despacho saneador transitado relativamente a legitimidade, salvo a

supervivência de factos que nesta se repercutam») – que a decisão relativa a «excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos

constantes dos autos» o Tribunal «deva apreciar oficiosamente» só forma «caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas».

Ora, no despacho saneador, a única questão de legitimidade que se conheceu foi a relativa à legitimidade da própria Recorrente. Nada se disse sobre a da Ré Seguradora, para além de um genérico «As partes são legítimas».

Diferente questão é a relativa ao fundo, ou seja, ao afastamento dos autos da aludida Ré com esteio no regime do contrato de seguro de responsabilidade civil posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

Resulta deste encadeado normativo que:

1. No âmbito do seguro obrigatório «O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador» – vd. n.º 1 do artigo 146.º;

2. No quadro do seguro facultativo, sem prejuízo de o segurador de responsabilidade civil poder «intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que, se discuta a obrigação de

indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes» – cf n.º 1 do art. 140.º – o lesado pode «demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado»:

a) se o contrato de seguro tal previr – n.º 2 do art. 140.º ou

b) se o segurado tiver informado o lesado «da existência de um contrato de seguro com o

consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador – n.º 3 do mesmo artigo. O Tribunal «a quo» aplicou este regime, querido de forma cogente pelo legislador nacional.

Subsumiu adequadamente os factos ao Direito, concluindo não ter elementos que lhe permitissem considerar ter ocorrido o preenchimento das circunstâncias enunciadas nas apontadas alíneas a) e b).

Nada há, consequentemente, a apontar ao definido neste âmbito.

É negativa a resposta a qualquer das vertentes da questão sob avaliação.

6. O montante indemnizatório arbitrado é exagerado, não encontrando estribo nos danos dados como assentes nos autos?

(16)

No que tange aos danos, vem provado que:

·«Em consequência da queda referida a autora sofreu uma fratura da diáfise do fémur direito. ·E sofreu dores imensas.

·Que se prolongaram enquanto se encontrava a aguardar a ajuda médica e os bombeiros. ·A autora aguardou cerca de 15 minutos pela chegada da ambulância.

·Após a chegada da ambulância os bombeiros demoraram cerca de 10 minutos a imobilizarem a autora.

·Devido à altura da ambulância os bombeiros não conseguiram entrar no parque de estacionamento com a viatura.

·Tendo a autora que fazer todo o percurso através de maca. ·O que demorou cerca de 5 minutos.

·A autora esteve internada no Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, desde o dia 30 de maio até ao dia 8 de junho.

·Onde foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas.

·Tendo-lhe sido colocada uma cavilha aparafusada no fémur partido.

·Após ter recebido alta do Hospital do Divino Espírito Santos, no dia 8/6/2009, foi para a sua residência completar a sua recuperação.

·A autora tinha 58 anos de idade à data do acidente.

·Tendo sido sujeita a tratamentos de fisioterapia durante 5 meses após ter alta do hospital. ·Nos primeiros dois meses, as sessões de fisioterapia foram diárias, com a duração de uma hora, apenas com interrupção aos sábados e domingos.

·E nos três meses seguintes, as sessões tiveram a frequência de três vezes por semana. ·Para se deslocar à clínica onde era ministrada a fisioterapia, a autora teve de se socorrer dos seus filhos e outros familiares para a transportarem.

·Até que no último mês, a autora passou a deslocar-se a pé, com ajuda de muletas.

·Durante todo o período do tratamento a autora deslocou-se com a com a ajuda de muletas (canadianas).

·O entrar e sair da viatura para ir à fisioterapia, o vestir e despir e o andar, mesmo com muletas, obrigava a autora a movimentar a perna acidentada.

·Em virtude da intervenção cirúrgica que teve que ser submetida, ficou com uma cicatriz na perna intervencionada.

·Cicatriz essa que irá ser permanente.

·As lesões sofridas, decorrentes da referida queda, consolidaram-se no dia 21/10/2009. O período de incapacidade temporária geral total foi de 9 dias; o período de incapacidade temporária geral parcial foi de 135 dias; o período de incapacidade temporária profissional foi de 144 dias; o quantum doloris foi de grau 5 numa escala de 7; e o dano estético é de grau 1 numa escala de 7. ·Ficou a padecer de uma incapacidade geral de 5%, não havendo subsistindo rebate profissional. ·Com a aquisição das muletas (canadianas) a autora gastou a quantia de 38€.»

Como se disse na sentença objecto de impugnação, os danos patrimoniais têm, apenas, a dimensão de 38,00 EUR e não foi posta em causa a justificabilidade de os mesmos integrarem o montante indemnizatório.

O mais aí definido reporta-se a danos não patrimoniais. Estes são ressarcíveis face ao disposto no n.º 1 do art. 496.º do Código Civil, devendo o montante indemnizatório ser fixado equitativamente atendendo ao disposto no n.º 4 do art. 496.º do Código Civil.

(17)

Apelando à equidade, considerando os valores jurisprudencialmente assumidos quer para ressarcir danos de semelhante dimensão quer outros de mais vasto relevo, tais como o dano morte, afigura-se, efectivamente, excessiva a indemnização atribuída para ressarcir os danos morais

correspondentes ao sofrimento físico e psicológico, quer reportados ao momento do sinistro quer ao período de cura quer, ainda, a título fixo.

Mais se desenha como ajustado fixar a indemnização global devida pelos danos morais em 10.000,00 EUR.

Assim se responde, pois, à questão em apreço. III. DECISÃO

Pelo exposto, julgamos a apelação parcialmente procedente e, em consequência, condenamos a Ré a pagar à Autora a quantia global de 10.038,00 EUR relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais confirmando, quanto ao mais, a sentença impugnada.

Custas pela Apelante e pela Apelada na proporção de 10.038/35.038 por aquela e de 25.000/35.038 por esta.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2013

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta) Ana de Azeredo Coelho (2.ª Adjunta)

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