Cópias da sentença do 13.° Juízo Cível da Comarca de Lisboa e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos no processo de registo de marca nacional n.° 229 142.
Cópia da sentença proferida nos autos de recurso de marca n.° 3595, em que são recorrente António Fernando Pe- reira Lopes e recorridos o INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial e outro.
António Fernando Pereira Lopes veio, ao abrigo do ar- tigo 203.° do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de 7 de Mar- ço de 1990, que concedeu protecção à marca nacional n.° 229 142, Quinta das Laranjeiras de Riobom, destinada a assinalar «vinho do Porto».
Para tanto alega:
É titular da marca nacional n.' 223 230, Quinta da Laranjeira, destinada a assinalar «vinhos»; Esta marca foi-lhe concedida por despacho de 12 de
Maio de 1985;
É manifesta a semelhança gráfica e fonética das duas marcas, sendo que a expressão «de Riobom» não tem capacidade distintiva, pois trata-se apenas do lugar em que o titular dessa marca está estabelecido. Por outro lado, os produtos da marca do recorrente
«vinhos» abrangem também os produtos da marca em causa «vinho do Porto».
Contra-alegou o titular da marca em questão, dizendo: A sua marca tem uma parte gráfica figurativa e des-
tina-se apenas a vinho do Porto;
Quanto ao primeiro aspecto, temos que as expres- sões se diluirão no conjunto figurativo;
Quanto ao segundo, é certo que quando se fala em vinhos pensa-se em vinhos de mesa, os quais não se confundem com vinhos generosos. Logo, entre eles não há concoi-rência.
Decidindo.
Determina o artigo 94.° do Código da Propriedade In- dustrial a proibição do uso de marcas sem capacidade dis- tintiva de outras respeitantes aos mesmos produtos ou a produtos afins.
Essa capacidade distintiva é, porém, aí enunciada de forma genérica, sendo necessário integrar o seu conceito por via jurisprudencial.
Começaremos por abordar a questão da eficácia distin- tiva do desenho que acompanha a marca recorrida e que é a única questão, neste campo, a resolver.
Na verdade, não põe o recorndo em causa a falta de capaci- dade diferenciadora da expressão que designa a sua marca, por ser no plural e por vir acrescentada de «de Riobom». Bem pelo contrário, admite a semelhança com a da marca do recor- rente; só que pretende encobri-la através do aludido desenho. Efectivamente, o consumidor não faz «exame atento ao confronto» dos produtos - para utilizar a expressão do ar- tigo 94.°
Portanto, tendo consumido o produto Quinta da Laran- jeira, dele se recordará, inevitavelmente, ao ver Quinta das Laranjeiras de Riobom.
Voltando ao desenho.
No campo da concorrência não interessam semelhanças ou dissemelhanças particulares, mas sim o conjunto. O que
interessa é o conjunto, mas temos de ver como o consu- midor médio se apercebe do mesmo.
É das regras da comunicação mercantil que os produtos devem ser enunciados de forma sintética e incisiva, ou seja, de forma simples e clara. E isto porque é desse modo que o comprador potencial deles dá notícia.
Daqui que não se possa vir invocar a complexidade grá- fica da marca para a considerar insusceptível de confusão com outras. Precisamente, porque o consumidor terá sem- pre desse grafismo uma visão sedutora ou simplificada. No caso dos autos, e segundo a experiência comum que é legítimo ao julgador fazer valer, o que estamos na rea- lidade a comparar é rótulos de garrafas. Sabemos também como dentro da mesma marca o consumidor se habituou a ver mudar a apresentação gráfica do rótulo.
Trata-se de um produto que é procurado pelo «nome do vinho».
No caso vertente esse «nome» é como se fosse o mesmo. Ora, sendo neste tipo de produto tão importante a ex- pressão escrita e tendo em conta o que atrás se disse sobre a visão redutora do consumidor, perde qualquer capacida- de diferenciadora o desenho em análise, no qual aquele dificilmente atentará.
Abordaremos agora a questão da identidade dos produ- tos das duas marcas.
Tem razão o recorrido quando diz que não há concorrên- cia entre vinhos de mesa e vinhos generosos, pois não se dirigem a satisfazer as mesmas necessidades de consumo. Entre um vinho de mesa do recorrente e um vinho do Porto do recorrido não há possibilidade de confusão, mau grado a deficiente capacidade distintiva das respectivas marcas.
Só que a conclusão de que a expressão «vinhos» da marca do recorrente significa «vinhos de mesa» é lógica, mas não é verdadeira.
Sob essa expressão nada impede que o recorrente - como ele próprio assinala - vá comercializar um vi- nho generoso.
Temos, deste modo, para além da confusão de marcas, a confusão de produtos.
Verifica-se, pois, a previsão da imitação do artigo 94.° do Código da Propriedade Industrial.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revogando- -se o despacho recorrido e negando-se a protecção à mar- ca nacional n.° 229 142, Quinta das Laranjeiras de Riobom.
Custas pelo recorrido titular da marca impugnada. Valor para efeitos tributários: 4 UC.
Registe e notifique.
Após o trânsito, cumpra-se o disposto no artigo 210.° do Código da Propriedade Industrial, com cópia dactilo- grafada.
Lisboa, 17 de Dezembro de 1991. - Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria.
Está conforme.
Lisboa, 27 de Junho de 1995. - A Escrivã-Adjunta, (Assinatura ilegível.)
Cópia do acórdão proferido no processo n.° 6354 da 1.ª Secção.
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-a) António Fernando Pereira Lopes, não se tendo con- formado com o despacho do Sr. Director do Serviço de
Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial da- tado de 7 de Março de 1990, publicado no Boletim da Propriedade Industrial, n.° 3/90, de 7 de Novembro de 1990, despacho esse pelo qual foi concedida protecção à marca nacional n.° 229 142, Quinta das Laranjeiras de Riobom, de que é titular José António da Fonseca Augusto Guedes, destinada a assinalar «vinho do Porto», produto da classe 33.', do mesmo interposto recurso, alegando, em síntese, que a supracitada marca constitui imitação da marca nacional n.° 223 230, Quinta da Laranjeira, destinada a assinalar «vinhos», de que é titular o recorrente, a protec- ção a esta marca tendo sido concedida por despacho de 13 de Maio de 1985 do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, tendo o des- pacho recorrido violado o disposto nos artigos 93.°, n.° 12.°, e 94.° do Código da Propriedade Industrial (diploma a que pertencem as disposições citadas sem indicação de outra proveniência).
b) Cumprido o demais legal, foi proferida sentença, que, em provimento do recurso interposto, revogou o despacho recorrido, negando protecção à marca nacional n.° 229 142, Quinta das Laranjeiras de Riobom.
c) Da referida sentença apelou José António da Fonseca Augusto Guedes, formulando nas suas alegações, em que sustenta dever a marca nacional n.° 229 142 ser concedi- da, as seguintes conclusões:
1.ª Ao recorrente foi concedida pelo Instituto Nacio- nal da Propriedade Industrial a marca n.° 229 142, para vinho do Porto, em 7 de Março de 1990; 2.' O titular da marca n.° 223 230, destinada a vi-
nhos, recorreu da concessão;
3.' O M.mo Juiz da 1.ª instância deu provimento ao recurso;
4.ª Por entender que as denominações se confundiam e pelo facto de o ora recorrente poder amanhã vir a comercializar a sua marca para vinho do Porto;
5.' As marcas em causa não são passíveis de confu- são, nos termos dos artigos 93.°, n.° 12.°, e 94.° do Código da Propriedade Industrial;
6.' Os produtos a que as marcas se destinam não são afins, pois não se destinam ao mesmo fim nem têm a mesma utilidade;
7.ª O titular de uma marca mais antiga, cuja denomi- nação se confunda com outra, não havendo entre os produtos a que se destinam as marcas afini- dade, não pode no futuro comercializar, sob mar- ca registada, a sua marca em relação a produtos abrangidos pela marca mais moderna, pois em relação a esses produtos a marca mais antiga passa a ser a mais moderna - porque pedida posterior- mente - e, portanto, a concessão da marca para esses novos produtos será indeferida, por virtude da existência da mais moderna que com ela se confunde;
8.ª As marcas para vinho do Porto devem ser destina- das a vinho do Porto (Portaria n.° 1080/82, de 17 de Novembro, e anexo ao Decreto-Lei n.° 166/ 86, de 26 de Junho), pois se o produto for outro serão indeferidas.
d) Contra-alegou António Fernando Pereira Lopes, pug- nando pela, manutenção da sentença apelada.
e) O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu pa- recer no sentido de dever ser concedido provimento ao re- curso.
f) Colhidos os vistos legais, foi proferido acórdão con- firmando a sentença apelada, aresto esse do qual interpôs recurso José António da Fonseca Augusto Guedes, recebi- do com revista, com efeito devolutivo.
g) Proferiu o Supremo Tribunal de Justiça acórdão orde- nando a baixa dos autos a este Tribunal para a «causa voltar a ser julgada, com menção discriminada da matéria de facto» sobre a qual assenta a decisão.
h) Assim, em cumprimento do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, corridos os vistos legais, cumpre deci- dir.
Com interesse para a decisão, estão provados os seguin- tes factos:
1.° António Fernando Pereira Lopes, vinicultor, resi- dente na Avenida de Sebastião Ramires, 43, em Peso da Régua, é titular da marca nacional n.° 223 230, destinada a assinalar «vinhos», ten- do aquele requerido o registo de tal marca a 25 de Novembro de 1983 e sido concedida por des- pacho de 13 de Maio de 1985 do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Pro- priedade Industrial - documentos juntos a fls. 9 e 10 dos autos;
2.° Por despacho de 7 de Março de 1990 do Sr. Di- rector do Serviço de Marcas do Instituto Nacio- nal da Propriedade Industrial, publicado no Bole- tim da Propriedade Industrial, n.° 3/90, de 7 de Novembro de 1990, foi concedida protecção à marca nacional n.° 229 142, de que é titular José António da Fonseca Augusto Guedes, residente em Rio Bom, Portela de Cambres, Lamego, tão- -só para «vinho do Porto» - documentos juntos de fl. 6 a fl. 8 e de fl. 11 a fl. 14 dos autos; 3.° A 19 de Março de 1985, José António da Fonse-
ca Augusto Guedes requereu ao Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Pro- priedade Industrial o registo da marca a que veio a caber o número a que se alude no n.° 2.° que antecede, para assinalar os seguintes produtos: vi- nho do Porto e vinho maduro da Região Demarcada do Douro - documentos juntos a fl. 11 dos autos e processo apenso sobre que re- caiu o referido despacho recorrido, remetido nos termos do artigo 206.°;
4.° António Fernando Pereira Lopes deduziu reclama- ção contra o requerido a que se alude no antece- dente n.° 3.° (v. processo apenso), tendo o Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Na- cional da Propriedade Industrial indeferido a pre- tensão de José António da Fonseca Augusto Guedes, em parte, no atinente ao registo da mar- ca nacional n.° 229 142 para «vinho maduro da Região Demarcada do Douro», por se confundir facilmente com a marca n.° 223 230, «nos termos do artigo 93.°, n.° 12.°, do Código da Propriedade Industrial» - v. processo citado no n.° 3.° que antecede;
5.° A marca nacional n.° 223 230 é constituída pelos vocábulos «Quinta da Laranjeira», bem como pela palavra «Portugal», sob aquelas aposta, o tipo, ca- racteres e dimensões em que é escrita tal marca, sendo os constantes do documento junto a fl. 10 dos autos, que aqui se reproduz;
6.° A marca nacional n.° 229 142 é constituída por um desenho com a configuração constante do do- cumento junto a fl. 11 dos autos, que aqui se re-
produz, por cima de tal desenho tendo escrito «Quinta das Laranjeiras de Riobom» e sobre es- tes dizeres a palavra «Douro», o tipo, caracteres e dimensões em que é escrito o referido, sendo os constantes do supracitado documento; 7.° José António da Fonseca Augusto Guedes reque-
reu ao Sr. Director do Serviço de Marcas do Ins- tituto Nacional da Propriedade Industrial a cadu- cidade do registo da marca n.° 223 230, com fundamento no disposto no artigo 124.°, n.° 3, tal pretensão tendo sido indeferida por despacho de 25 de Julho de 1991 do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - documentos juntos a fls. 54 e 55 dos autos.
II - O direito.
a) O âmbito do recurso, como constitui jurisprudência pacífica, determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente, pelo que só abrange as questões aí contidas. Tal ressalta do disposto nos artigos 684.°, n.° 3, e 690.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil - cf. neste sen- tido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 359, p. 522.
Nas conclusões da alegação do apelante atentando, sem dificuldade se antolha que a questão, fundamentalmente, a tratar no presente recurso é a seguinte: constitui, ou não, a marca nacional n.° 229 142 imitação da marca nacional n.° 223 230?
Vejamos.
b1) A marca é, no nosso tempo, também, mas não só (v. artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 176/80, de 30 de Maio), «um sinal destinado a individualizar produtos ou mercado- rias e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie», desempenhando no «jogo da concorrência uma função muito importante» e funcionando como «cartão de apresentação do empresário que a usa como um factor de potenciação da sua clientela» - cf. Sr. Prof. Ferrer Cor- reia, in Lições de Direito Comercial, vol. 1, 1973, pp. 312 a 315, interessado na existência de marcas no comércio estando também o consumidor, já que, como refere o Sr. Dr. Ruy Serrão, in artigo publicado na Revista da Pro- priedade Industrial, n.° 11, intitulado «O papel das mar- cas no comércio», «sendo a marca uma figura jurídica rela- cionada com o mercado, ele a recebe como registo legítimo, ao qual confere o rigor da legalidade. O consumidor vê a marca como sinal legítimo, é evidente, mas também a vê como sinal de garantia e como sinal de origem ou de rela- cionação com o seu titular.
Estes valores são importantes para o mercado, o consu- midor confia por eles, sabe que há um direito de marcas que tem de ser respeitado e que de critério legal faz parte a tão apregoada protecção ao consumidor.
E para além da confiança normal que a marca pode pro- duzir sob o ponto de vista de procura, também por parte do consumidor ele só pode referenciar os produtos pela marca que apresentam e por isso mesmo só pode insistir nas suas preferências através da indicação da marca que distingue o produto que deseja».
b2) As marcas em confronto referem-se apenas a produ- tos, mista sendo a n.° 229 142 e nominativa (composta ou complexa) a n.° 223 230 - v. artigo 79.° e I, alínea h), n.°S 5.° e 6. °
O registo de uma marca deve ser recusado quando inter alia, em todos ou alguns dos seus elementos contenha re- produção total ou parcial de marca anteriormente regista-
da por outrem, para o mesmo produto ou produto semelhan- te, que possa induzir em erro ou confusão no mercado (ar- tigo 93.°, n.° 12.°), considerando-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, a marca destinada a objectos ou produtos inscritos no repertório sob o mesmo número, ou sob números diferentes, mas de afinidade manifesta, que tenha tal seme- lhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois do exame atento ou confronto (corpo do artigo 94.°).
Pretende-se evitar a confusão ou erro do consumidor mé- dio, não de peritos - cf., neste sentido, v. g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1975, 27 de Março de 1979, 23 de Julho de 1980 e 3 de Novembro de 1981, in Boletim do Ministério da Justiça, n.°S 251, p. 187, 285, p. 352, 299, p. 345 e 311, p. 401, respectivamente, e de 9 de Abril de 1992, in Boletim da Propriedade Industrial, n.° 1/1993, pp. 9 e seguintes.
b3) O critério correcto para averiguar se ocorreu, ou não, imitação de marcas, consoante se salienta no aludido Acórdão de 9 de Abril de 1992, «é o que atende fundamen- talmente às semelhanças e, quanto às marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar é o da seme- lhança fonética. Para se saber se há imitação releva mais a semelhança que pode resultar do conjunto dos elemen- tos de uma marca do que a dissemelhança de certos por- menores. É, na verdade, por intuição sintética, e não por dissecação analítica, que deve proceder-se à comparação das marcas».
Noutro sentido se não pronunciou o Sr. Prof. José Gabriel Pinto Coelho, ao escrever: «Há a este respeito uma observação muito justa e acertada de Bédarribe, citado por Pouillet: 'A questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca, e não pelas dissemelhanças que pode- riam oferecer os diversos pormenores considerados isola- da e separadamente.'
Este é o verdadeiro princípio a enunciar, e é por ele que se tem de orientar o julgador.
Sempre, portanto, que no conjunto da marca se possa ver uma semelhança capaz de estabelecer confusão, deve considerar-se a marca como imitada, sem estar a atender ao facto de ser ou não necessário confronto das marcas para apreender as diferenças que as separam; deve-se olhar à semelhança do conjunto e não à natureza das dissemelhanças ou ao grau das diferenças que as separam. É preciso considerar que o público geralmente não está a pensar na imitação, na existência ou não existência da imitação. Liga um produto, que lhe agradou, a certa mar- ca, de que conserva uma ideia mais ou menos precisa. E deve evitar-se que outro comerciante adopte uma marca que ao olhar distraído do público possa apresentar-se como sendo a que ele busca.
Há marcas que os peritos, ou os que mais directo e fre- quente contacto têm com o produto, facilmente reconhe- cem como distintas de outra, para os produtos da mesma espécie, mas que o público menos atento e observador menos experimentado não reconhece como diversas. É para este observador distraído, digamos assim, ou desprevenido que se deve olhar», in Lições de Direito Comercial, 3.3 ed. revista, 1.° vol., pp. 426 e 427.
A respeito do critério a seguir para a determinação da semelhança entre as marcas, escreveu o Sr. Prof. Ferrer Correia: «A imitação de uma marca por outra existirá, ob- viamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que
ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger - o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra de- terminado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória.
No exame comparativo das marcas, feito nestes termos, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumi- dor médio do produto ou produtos em questão. Se, por exemplo, se trata de um produto consumido, em regra, por pessoas com um certo grau de cultura, a confusão de marcas com alguns elementos comuns não será tão fácil como nos casos em que determinado produto se destina de preferência a camadas sociais de cultura rudimentar.» E, noutro passo: «As marcas mistas e as marcas com- plexas deverão ser consideradas globalmente como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averigua- ção da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes - sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta, portanto, os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor). Uma marca mista ou complexa não será nova quando o seu núcleo se confunda com marca mais antiga» - ob. cit. e vol. cit., pp. 330 a 332.
b4) Isto expresso, a título de consideração preliminar que como pertinente se tem, não olvidando que em Portugal é, acrescente-se, obrigatório o registo das marcas destinadas a vinhos, tendo tal sido determinado em defesa do consumi- dor, que, como sublinha o Sr. Dr. Ruy Serrão, no artigo citado, muito dificilmente fará a procura de vinhos sem se referir a certas e determinadas marcas, atentemos se entre as citadas marcas nacionais existe tal semelhança gráfica ou fonética (já que figurativa não há) que induza facil- mente em erro ou confusão o consumidor, «comprador médio, medianamente perspicaz e inteligente e moderada- mente desconfiado», na expressão de Antoine Braun, in Précis des Marques de Produits, Bruxelas, 1971, p. 192, n.° 232, 2.°, não podendo este distinguir as duas senão de- pois de exame atento ou confronto, consoante decidiu o Sr. Juiz a quo, em tal ainda se tendo fundado o Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial para indeferir o citado em I, alínea h), n.° 4.°
Assim:
É inquestionavelmente flagrante a semelhança gráfica e fonética entre os elementos nominativos «Quinta da La- ranjeira» e «Quinta das Laranjeiras», que integram as marcas n.°' 223 230 e 229 142, respectivamente, vocábu- los esses impressos, diga-se, por forma destacada, em am- bas as marcas.
Tal nem sequer é posto em crise pelo apelante, o qual, como se refere na sentença apelada, não sustenta a capaci- dade diferenciadora da expressão que designa a sua mar- ca, por ser no plural e por vir acrescentada de «de Riobom».
Serão os citados elementos nominativos, os prevalentes nas marcas em apreço, os mais idóneos a perdurar na me- mória do público consumidor, função acessória desempe- nhando o demais que as marcas integra?
Entendemos que sim, face ao exposto nos antecedentes n.os 1.° a 3.°, atendendo, como cumpre, à «impressão complexiva ou geral», como se salienta no Acórdão deste
tribunal de 12 de Outubro de 1977, in Colectânea de Ju- risprudência, ano II, pp. 956 e 957.
Na verdade:
As marcas respeitam a produto - vinho - fundamen- talmente conhecido pelo seu nome. O consumidor médio de vinho, não raro, não tendo as marcas do produto em presença, é estas levado a distinguir pelos seus nomes, bem importante, consequentemente, sendo a expressão escrita neste tipo de produto, como, com justeza, assinala o Sr. Juiz a quo na decisão recorrida, onde, com não menos pertinência, se refere que a eficácia distintiva da marca n.° 229 142 não reside no desenho que a integra, já que «o consumidor terá sempre desse grafismo uma visão reduto- ra ou simplificada».
Por outro lado, acontece que a palavra «Douro», que encima a marca do apelante, não constitui senão uma deno- minação de origem (artigo 165.°), reservada, diga-se, nos termos da Portaria n.° 1080/82, de 17 de Novembro, aos vinhos de consumo típicos, brancos e tintos, tradicional- mente produzidos na Região Demarcada do Douro, que não, assim, ao vinho generoso produzido na supracitada Região, ao vinho do Porto, produto para o qual foi conce- dida à marca nacional n.° 229 142 protecção pelo despa- cho citado em I, alínea a).
A expressão «de Riobom» não confere à marca do ape- lante a necessária capacidade distintiva, não sendo, mas claramente, o elemento nominativo prevalente da marca na- cional n.° 229 142.
Conclui-se, assim, no sentido da ocorrência de tal seme- lhança, gráfica e fonética, entre as marcas em apreço que induz facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
c l) Acontece, porém, que a marca, se para possuir a ne- cessária eficácia distintiva deve obedecer aos requisitos da singularidade e da novidade, não deve este último ser afe- rido em relação à generalidade das marcas, mas tão-só às que se destinam ao mesmo produto ou a produtos afins, no requerimento em que se formula o pedido de registo de marca, exactamente pela supracitada razão, se devendo indicar o produto ou produtos a que a marca se destina (artigo 86.°, n.° 3.°), o registo das marcas sendo feito por produtos e serviços (artigo 90.°), não, pois, por classes, como ocorria na vigência da Lei de 21 de Maio de 1896, aquele implicando a presunção de novidade ou distinção relativamente a outra anteriormente registada e conferindo ao registante o gozo da propriedade e do exclusivo dela (artigo 74.°).
c2) O Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial deferiu o pedido de re- gisto da marca de que é titular o apelante para «vinho do Porto», também por se tratar de produto não abrangido pela marca nacional n.° 223 230.
É certo que António Fernando Pereira Lopes, no reque- rimento em que pediu o registo da marca Quinta da La- ranjeira, aludiu a «vinhos», sem discriminar esta ou aque- la espécie ou tipo de vinho.
É sabido haver vinhos, como comuns e especiais designados, espécies destes últimos sendo os doces de mesa, os licorosos, os espumantes naturais e os espumantes gaseificados.
Vinhos generosos são os vinhos licorosos provenientes de regiões demarcadas, como ocorre com o vinho do Por- to, vinho da Madeira, Moscatel de Setúbal e Carcavelos. A ausência da dita discriminação no requerimento em que foi formulado o pedido de registo da marca nacional Quinta da Laranjeira deve conduzir a tão-só se considerar tal marca como destinada a vinhos de mesa, não gozando,
consequentemente, de protecção, para o produto vínico que o vinho do Porto consubstancia?
Trata-se de tese não acolhida na sentença apelada e no acórdão referido em I, alínea f).
Perfilha-se tal entendimento.
A marca nacional n.° 223 230 destina-se a assinalar «vinhos», não esta ou aquela espécie de vinho, não tendo o Sr. Director do Serviços de Marcas do Instituto Nacio- nal da Propriedade Industrial deferido a pretensão de António Fernando Pereira Lopes, tão-só para «vinho de mesa», de consumo, não generoso.
Como se refere no acórdão citado em I, alínea f), estan- do escrita no plural a palavra «vinhos», a «única interpre- tação correcta, à falta de outros elementos, é de que a mesma se destina a assinalar qualquer vinho», tão legíti- mo sendo dizer-se que a marca nacional n.° 223 230 se destina a assinalar «vinhos do Porto» como o dizer-se que se destina a assinalar «vinho de mesa».
Os vinhos comuns ou especiais integram a classe 33.ª da classificação internacional de produtos e serviços insti- tuída pelo Acordo de Nice, de 15 de Junho de 1957, a qual, a título de sistema principal, foi entre nós adoptada, passando a substituir o repertório e a classificação dos produtos então em vigor pelo Decreto-Lei n.° 176/80, de 30 de Maio, ajustado não sendo dizer que o titular da marca nacional n.° 223 230 não pretendeu englobar o «vinho do Porto» na expressão «vinhos», ou que não podia ser con- cedida protecção a tal marca para «vinho do Porto», por na marca Quinta da Laranjeira não surgir qualquer das denominações de origem reservadas para o vinho genero- so que a tradição firmou com tal nome, produzido na Região Demarcada do Douro (artigo 1.°, n.° 2, do Regula- mento da Denominação de Origem Vinho do Porto, apro- vado pelo Decreto-Lei n.° 166/86, de 26 de Junho).
Na verdade, se em relação aos vinhos é obrigatório o registo das marcas, há que estas não confundir com as denominações de origem ou com os rótulos, facultativo sendo o uso da denominação de origem nas marcas de vinhos, na composição das mesmas - v. Drs. Abílio Neto e Miguel J. A. Pupo Correia, in Propriedade Industrial - Legislação Anotada, 1982, p. 213, em comentário ao ar- tigo 165.°
A rotulagem dos vinhos de qualidade das regiões deter- minadas, sim, é que terá de conter obrigatoriamente em ligação com a designação do produto, entre outras, as seguintes indicações: região de que o vinho é originário e uma das expressões previstas no n.° 2 do n.° 2.° da Porta- ria n.° 421/79, de 11 de Agosto, o qual reza assim: «Os nomes regionais serão utilizados para designar os respec- tivos vinhos, devendo, por isso, figurar em destaque nos rótulos dos produtos engarrafados, quando se trate de de- nominação de origem, correspondentes a regiões demarcadas e regulamentadas com estatuto próprio, poden- do em complemento dessas denominações figurar a expres- são 'região demarcada' ou equivalente.»
A marca nacional n.° 223 230 abrange, assim, o produ- to para que foi concedida a marca do apelante, a designa- ção genérica de «vinhos», tal não invalidando, pois, tão- -só vinho de mesa, vinho, designadamente maduro, de con- sumo, típico, regional, branco e tinto, tradicionalmente produzido na Região Demarcada do Douro, para o qual é reservada com denominação vinícola de origem a desig- nação «Douro» - v. n.° 1.° da Portaria n.° 1080/82, de 17 de Novembro, cumprindo ter presente que a Região Demarcada do Douro para os vinhos a que se reporta a Portaria n.° 1080/82 é a mesma que se encontra demarcada para a produção de vinho do Porto e que o titular da marca
nacional n.° 223 230 é vinicultor, residente na área da dita Região Demarcada.
Porque a marca Quinta da Laranjeira também abrange o «vinho do Porto», defeso não está a António Fernando Pereira Lopes, observado, naturalmente, o na lei estipula- do para a produção de tal tipo de vinho, destinar, como refere, parte das suas vinhas à produção de tal produto vínico, assinalando-o com a marca supracitada.
Atenta a citada semelhança, gráfica e fonética, entre as marcas nacionais n.", 223 230 e 229 142, o também abran- ger a primeira o produto - «vinho do Porto» - para que foi concedida a segunda, face ao disposto nos artigos 93.°, n.° 12.°, e 94.°, constitui a marca do apelante imitação da do apelado, como se decidiu na 1.ª instância.
c3) Que se entendesse que a indicação de «vinhos» só pode ser entendida como vinhos de mesa, não abrangendo, assim, o «vinho do Porto», provimento não merecia, igual- mente, o recurso, por estarmos ante produtos que como afins se devem considerar.
Atente-se:
a) Não defme a lei o que deve entender-se por produtos afins. A jurisprudência mais corrente, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 1970, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 196, p. 265, «tem suprido a omissão, considerando afins os produtos quando estes são concorrentes no mercado; quando têm a mesma utilidade e fim». Ponto de vista idêntico nos surge sufragado, entre outros, nos Acórdãos do Supremo Tribu- nal de Justiça de 8 de Janeiro de 1974, 13 de Fevereiro de 1979 e 21 de Maio de 1981, in Boletim do Ministério da Justiça, n.°S 233, p. 214, 284, p. 238 e 307, p. 291, respectivamente, a afinidade dos produtos, assim, não de- rivando, ipso facto, da sua inscrição nas tabelas ou no repertório a que se refere o artigo 297.°, consoante salien- tado no citado Acórdão de 12 de Outubro de 1977.
Em sentido oposto se não pronuncia o Sr. Dr. Justino Cruz, ao escrever: «Para efeito de demarcar o campo da especialidade importa considerar que a individualização do produto pela marca tem fundamentalmente interesse para o distinguir dos produtos concorrentes no mercado, evi- tando que o consumidor possa ser induzido em erro, não só confundindo um determinado produto com outro mas também iludindo-se quanto às suas qualidades se a marca o fizer supor que pertence a um produtor já seu conhecido como acreditado fornecedor de produtos semelhantes.
Desta forma, para determinar a semelhança ou afinida- de de produtos, supomos que cumpre, em primeiro lugar, atender à sua função ou aplicação, como a nossa jurispru- dência geralmente aceita, à potencial existência de uma clientela comum para os dois produtos e à possibilidade concorrencial que entre eles possa estabelecer-se» in Có- digo da Propriedade Industrial, 2.ª ed., p. 210.
Como vítreo se perfila que o vinho do Porto, vinho ge- neroso (vinho de feitoria), produzido na Região Demarcada do Douro, e os vinhos de mesa, de consumo (vinhos de ramo) típicos, regionais, brancos e tintos, designadamente os tradicionalmente produzidos na dita Região, não são concorrenciais no mercado.
De tal, porém, não flui, sem mais, a bondade da tese do recorrente.
Efectivamente, como salienta o Sr. Dr. Justino Cruz, a respeito do que deve entender-se por produtos afins, «esta existência de um campo concorrencial comum, tal como fica referido, supomos que não basta para resolver o pro- blema, até porque a noção de clientela pode ser entendida em sentido mais ou menos amplo, podendo mesmo dizer- -se que em certos casos este critério nos conduz a solu-
ções demasiado restritivas. Julgamos assim que ele deve- ria ser completado ou ampliado tendo em conta a possibi- lidade ou susceptibilidade de confusão quanto à origem dos produtos que resultará da existência da marca em causa.
Quer dizer: para avaliar a semelhança ou afinidade dos produtos interessa também ter em conta o grau da sua in- fluência para efeito de levar o público a supor que eles têm a mesma origem, averiguando se o produto a que se destina a marca registada se relaciona de tal sorte com o produto para que a marca anterior está registada que seja de presumir pelo consumidor pertencer aquela à normal espera económica desta última.
Assim e exemplificando: pode dizer-se que conquanto os vinhos de mesa, espumantes e vinhos licorosos tenham uma finalidade genérica comum, o consumidor normal- mente não os confunde. Estamos contudo perante produtos afins ou semelhantes porque qualquer cliente lhes pode ra- zoavelmente atribuir uma origem comum, supondo que um produto de má qualidade é originário de um produtor repu- tado, que assim é prejudicado na fama e bom nome que havia adquirido» - ob. cit. pp. 210 e 211, sendo nosso o sublinhado.
Nos EUA e na Alemanha, considera, refere o Sr. Dr. Jus- tino Cruz, ob. cit., p. 209, a jurisprudência, especialmente, o risco de confusão no espírito do público sobre a origem dos produtos.
Com razão aduz o apelado, em prol da improcedência do recurso, que, máxime, atenta a já sublinhada semelhan- ça, gráfica e fonética, entre as ditas marcas, o consumidor habitual de vinho maduro da Região Demarcada do Douro assinalado pela marca nacional n.° 223 230, ao deparar com «vinho do Porto», assinalado pela marca do apelante, pre- sume estar a lidar com produtos com a mesma origem, e presume-o razoavelmente, tendo, nomeadamente, presente que a Região Demarcada do Douro para os vinhos a que se reporta a Portaria n.° 1080/82 é a mesma que se encon- tra demarcada para a produção de vinho do Porto, sendo o apelado vinicultor residente na aludida Região Demar- cada, repete-se, tal confusão podendo determinar prejuízo para o titular da marca nacional n.° 223 230.
Pelas ditas razões, como ajustado se entende conside- rar-se estarmos perante produtos afins, assim, também, por este fundamento, naufraga a pretensão do recorrente.
d) Conclusão.
Constituindo a marca nacional n.° 229 142 imitação da marca nacional n.° 223 230, face ao disposto nos artigos 93.°, n.° 12.°, e 94.°, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a sentença apelada.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 11 de Outubro de 1994. - Pereira da Silva - Joaquim Dias - Pais do Amaral.
Está conforme.