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A HUMANI ZAÇÃO HOSPI TALAR COMO EXPRESSÃO DA ÉTI CA
1Dir ce St ein Back es2
Valér ia Ler ch Lunar di3
Wilson D. Lunardi Filho4
Backes DS, Lunardi VL, Lunardi WDFilho. A hum anização hospit alar com o expressão da ét ica. Rev Lat ino- am Enferm agem 2006 j aneiro- fevereiro; 14( 1) : 132- 5.
A pr át ica dos pr ofissionais de saúde, no âm bit o hospit alar , vem desum anizando- se fr ent e à at enção à
doença, e não ao ser doent e, à com plex ificação t ecnológica cr escent e associada ao cr escim ent o de cust os. A
ét ica r equer a im plem ent ação de um pr ocesso r eflex iv o acer ca dos pr incípios, v alor es, dir eit os e dev er es que
r eg em a p r át ica d os p r of ission ais d e saú d e, in ser in d o- se, aí, a d im en são d e u m cu id ad o en t en d id o com o
hum anizado. Assim , o present e est udo t eve por obj et ivo reflet ir acerca de considerações ét icas que necessit am
f u n d a m e n t a r a s a çõ e s d e h u m a n i za çã o , d e st a ca n d o a i m p o r t â n ci a d a d i m e n sã o h u m a n a n a s r e l a çõ e s
p r of ission ais.
DESCRI TORES: ét ica; equipe de assist ência ao pacient e
HOSPI TAL HUMANI ZATI ON AS AN EXPRESSI ON OF ETHI CS
The pract ice of healt h professionals in t he hospit al environm ent has been loosing it s hum an charact erist ics
in v iew of t he car e deliv er ed t o t he disease r at her t han t o t he sick being, and also in v iew of t he incr easing
t echnological com plex it y , associat ed w it h incr easing cost s. Et hics r equir es t he im plem ent at ion of a r eflect iv e
pr ocess con cer n in g t h e pr in ciples, v alu es, r igh t s, an d du t ies r u lin g t h e pr act ice of h ealt h pr ofession als, t h e
lat t er in clu din g t h e dim en sion of car e f r om a h u m an ized per spect iv e. Th u s, t h is st u dy aim ed t o r ef lect on
et hical consider at ions upon w hich hum anizat ion act ions m ust be gr ounded, highlight ing t he im por t ance of a
hum an dim ension in pr ofessional r elat ions.
DESCRI PTORS: et hics; pat ient car e t eam
LA HUMANI ZACI ÓN HOSPI TALARI A COMO EXPRESI ÓN DE ÉTI CA
La pr áct ica de los pr of esion ales de la salu d, en el ám bit o h ospit alar io, se v ien e des- h u m an izan do,
consider ando la énfasis y at ención dada a la enfer m edad, y no al enfer m o en sí; y la cr ecient e com plej idad
t ecnológica, asociada al aum ent o de cost os. La ét ica r equier e la im plant ación de un pr oceso r eflex iv o acer ca
de los principios, valores, derechos y deberes present es en la práct ica de profesionales de la salud, insert ándose
la dim ensión de un cuidado ent endido com o hum anización. Así, el present e est udio t iene com o obj et ivo reflexionar
a cer ca de las consider aciones ét icas que necesit an fundam ent ar las acciones de hum anización, dest acando la
im por t ancia de la dim ensión hum ana en las r elaciones pr ofesionales.
DESCRI PTORES: ét ica; gr upo de at ención al pacient e
1 Trabalho elaborado para a Disciplina de Ética no Trabalho da Enferm agem / Saúde; 2 Enferm eira, Mestranda em Enferm agem , e- m ail: backesdirce@ig.com .br; 3 En f er m ei r a, Dou t or em En f er m ag em , Pr of essor, e- m ai l : v l u n ar d i @t er r a. com . b r ; 4 Or i en t ad or, En f er m ei r o, Dou t or em En f er m ag em ,
e-m ail: lunardifilho@t erra.coe-m .br. Fundação Universidade Federal do Rio Grande
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I NTRODUÇÃO
E
m virt ude do acelerado processo t écnico e científico no contexto da saúde, a dignidade da pessoa hum ana, com freqüência, parece ser relegada a um segundo plano. A doença, m uit as v ezes, passou a ser o obj et o do saber r econhecido cient ificam ent e, desar t iculada do ser que a abr iga e no qual ela se desen v olv e. Tam bém , os pr of ission ais da ár ea da saú d e p ar ecem g r ad at i v am en t e d esu m an i zar - se, favorecendo a desum anização de sua prát ica. Desse m odo, a ética, por enfatizar os valores, os deveres e direit os, o m odo com o os suj eit os se conduzem nas r elações, const it ui- se num a dim ensão fundam ent al para a hum anização hospit alar.A hum anização, ent ão, requer um processo reflexivo acerca dos valores e princípios que norteiam a p r át ica p r of ission al, p r essu p on d o, além d e u m tratam ento e cuidado digno, solidário e acolhedor por par t e dos pr of ission ais da saú de ao seu pr in cipal obj et o de t rabalho – o doent e/ ser fragilizado –, um a nova post ura ét ica que perm eie t odas as at ividades pr ofissionais e pr ocessos de t r abalho inst it ucionais. Nessa perspect iva, diversos profissionais, diant e dos dilem as ét icos decor r ent es, dem onst r am est ar cada vez m ais à procura de respostas que lhes assegurem a d i m e n sã o h u m a n a d a s r e l a çõ e s p r o f i ssi o n a i s, principalm ent e as associadas à aut onom ia, à j ust iça e à necessidade de r espeit o à dignidade da pessoa h u m an a.
Assim , este estudo tem , com o obj etivo, refletir so b r e co n si d e r a çõ e s é t i ca s q u e n e ce ssi t a m fundam ent ar as ações de hum anização, dest acando a im p or t ân cia d a d im en são h u m an a n as r elações profissionais, a qual necessit a est ar na base de t odo processo de int ervenção no cam po int erdisciplinar da saú de.
A HUMANI ZAÇÃO DO/ NO TRABALHO COMO
EXPRESSÃO DE MORAL E ÉTI CA
Pe r ce b e r o o u t r o r e q u e r u m a a t i t u d e pr ofundam ent e hum ana. Reconhecer e pr om ov er a hum anização, à luz de considerações éticas, dem anda u m esf or ço par a r ev er, pr in cipalm en t e, at it u des e com por t am ent os dos pr ofissionais env olv idos dir et a ou in d ir et am en t e n o cu id ad o d o p acien t e, o q u e t a m b ém est á en r a i za d o n o Có d i g o d e Ét i ca d o s Profissionais de Enferm agem ( CEPE)( 1), evidenciando
q u e o s có d i g o s d e ét i ca p r o f i ssi o n ai s, en q u an t o ex p r essã o d e si st em a s d e v a l o r es, ex p l i ci t a m a m or alidade de um gr upo, pr essupondo a im posição desses valores, e não o seu questionam ento( 2). Quanto aos valores da profissão de enferm agem , o CEPE, no artigo t erceiro( 1), nort eia a prát ica profissional para o respeito à vida, à dignidade e aos direitos da pessoa hum ana, sem qualquer discr im inação. Mais do que se l i m i t a r a u m co n j u n t o d e n o r m a s, o CEPE est abelece a responsabilização pela prom oção do ser hum ano nas m últ iplas dim ensões.
A hum anização encont ra respaldo, t am bém , n a at u al Con st it u ição Feder al, n o ar t igo pr im eir o, I n ci so I I I , q u e assi n al a “ a d i g n i d ad e d a p esso a h u m a n a ” co m o u m d o s f u n d a m e n t o s d o Est a d o D em o cr át i co d e D i r ei t o( 3 ). Os d i r ei t o s d o s ser es hum anos nascem com os hom ens e, nat ur alm ent e, quando se fala de direitos da pessoa hum ana, pensa-se em sua integridade, dignidade, liberdade e saúde( 4). Nesse con t ex t o, p od er - se- ia p er g u n t ar : é possível pensar um cuidado que não sej a hum anizado? Por que a necessidade de um pr oj et o denom inado “ hum anização”, nos est abelecim ent os de saúde, se o s p r o f i ssi o n ai s j á p o ssu em u m có d i g o d e ét i ca p r of ission al e u m a Con st it u ição Fed er al q u e lh es assegur am e est im ulam o r espeit o à dignidade da pessoa h u m an a? A im plem en t ação de u m cu idado hum anizado, no entanto, m ais do que o cum prim ento de um a prescrição m oral, paut ada na obediência ao que deve ser, associada ao risco da punição frent e a t ransgressões( 2), necessit a fundam ent ar- se na ét ica. Dessa form a, é im port ant e assinalar que a ét ica não se pr eocupa apenas com as coisas com o são, m as com o as coisas podem ser e, especialm ent e, com o d e v e m se r( 5 ), d e m o d o p a r t i cu l a r a p a r t i r d a ident ificação de conflit os present es nessas relações. Em m eio a t an t os av an ços t ecn ológicos e possibilidades de m elhor ia da assist ência hospit alar e de sua hum anização, os recursos, todavia, parecem est ar m ais associados a propost as de invest im ent os na est r ut ur a física dos pr édios, na alt a e m oder na t e cn o l o g i a e a o u t r o s p r o ce sso s q u e n ã o , n ecessar iam en t e, im pliqu em m u dan ças n a cu lt u r a organizacional em prol da hum anização do t rabalho e d o cu id ad o en q u an t o ex p r essão d a ét ica. Sem dú v ida, t ais m edidas podem ser r elev an t es n u m a inst it uição. Cont udo, não podem descar act er izar a dim ensão hum ana que necessit a est ar na base de q u a l q u e r p r o ce sso d e i n t e r v e n çã o n a sa ú d e , p r in cip alm en t e, n o q u e d iz r esp eit o à p r et en d id a
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h u m a n i za çã o d e u m h o sp i t a l . Co m o f a l a r e m hum anização do cuidado, se os próprios trabalhadores são t rat ados, freqüent em ent e, de form a desum ana?
A HUMANI ZAÇÃO DO TRABALHADOR PARA
A HUMANI ZAÇÃO DO CUI DADO
Para que os t rabalhadores de saúde possam exercer a profissão com honra e dignidade, respeit ar o o u t r o e su a co n d i ção h u m an a, d en t r e o u t r o s, n ecessit am m an t er su a con dição h u m an a t am bém r e sp e i t a d a , o u se j a , t r a b a l h a r e m a d e q u a d a s co n d i çõ e s, r e ce b e r u m a r e m u n e r a çã o j u st a e o reconhecim ento de suas atividades e iniciativas. Logo, fica ev iden t e qu e os pr ofission ais, n a m aior ia das inst it uições de saúde, est ão aquém da r econhecida valorização de si e do seu t rabalho.
É preciso reconhecer, ent ret ant o, que m uit as in st it u ições, com os cr escen t es cor t es d e v er b as públicas, enfr ent am dificuldades par a m ant er - se. O quadro profissional lim itado, a deficiência de recursos m at eriais, as condições insalubres de t rabalho e as n o v a s e co n t ín u a s d em a n d a s t ecn o l ó g i ca s, co m freqüência, aum ent am a insegurança e favorecem a insat isfação no t r abalho. O clim a desfav or áv el t em co n t r i b u íd o p r o g r e ssi v a m e n t e p a r a r e l a çõ e s d e desrespeito entre os próprios profissionais, bem com o par a a ger ação de um a assist ência fr agm ent ada e, cada vez m ais, desum anizada. Sendo assim , t orna-se prem ent e que a filosofia inst it ucional assim com o a s p o l ít i ca s p ú b l i ca s d e h u m a n i za çã o e st e j a m , igualm ent e, volt adas para a vida e a dignidade dos t r abalhador es de saúde, quando o que se pr et ende r e a l m e n t e se j a a h u m a n i za çã o d o cu i d a d o n a s inst it uições de saúde.
Hu m an ização, com o esp aço ét ico, r eq u er, então, o fom ento de relações profissionais saudáveis, d e r e sp e i t o p e l o d i f e r e n t e , d e i n v e st i m e n t o n a f o r m ação h u m an a d o s su j ei t o s q u e i n t eg r am as in st it u ições, além d o r econ h ecim en t o d os lim it es p r o f i ssi o n a i s. Ne sse p r o ce sso , o p r o f i ssi o n a l , possiv elm ent e, t er á condições de com pr eender sua con d ição h u m an a e su a con d ição d e cu id ad or d e out ros seres hum anos, respeit ando sua condição de su j eit o, su a in div idu alidade, pr iv acidade, h ist ór ia,
sent im ent os, direit o de decidir quant o ao que desej a par a si, par a sua saúde e seu cor po. O v er dadeir o cuidado hum ano prim a pela ética, enquanto elem ento im pulsionador das ações e int er v enções pessoais e pr ofissionais( 6), const it uindo a base do pr ocesso de hum anização( 7).
Quando se define a hum anização hospit alar com o ex pr essão da ét ica, a filosofia da inst it uição necessit a convergir para a const rução de est rat égias que cont ribuam para a hum anização do/ no t rabalho, m ediant e o est ím ulo à part icipação e à com unicação efet iva, com qualidade em t odas as suas dim ensões: na r elação da adm inist r ação com os t r abalhador es, dos trabalhadores entre si e desses com os pacientes. Por con seq ü ên cia, f az- se n ecessár io in cen t iv ar a hor izont alidade nas r elações, paut ada na liber dade de ser, pensar, falar, divergir, propor. É im prescindível reconhecer, ainda, que o exercício da aut onom ia, ou se j a , a r e l a çã o su j e i t o - su j e i t o , n ã o é u m v a l o r absolut o, m as um valor que dignifica t ant o a pessoa que cuida quanto a que está sob cuidado profissional.
CONSI DERAÇÕES FI NAI S
I m plem ent ar um pr ocesso de hum anização no cam po int er disciplinar da saúde, fundam ent ado na ética, im plica o resgate da dim ensão hum ana das/ n a s r e l a çõ e s d e t r a b a l h o e a su a p e r m a n e n t e p r o b l e m a t i za çã o . A é t i ca p o d e co n t r i b u i r significat ivam ent e para a hum anização do am bient e hospit alar, para pr át icas que r espeit em a condição de su j eit o dos ser es h u m an os, sej am cu idador es, sej am seres sob cuidado profissional, sua dignidade, v alor es, dir eit os, dev er es.
A hum anização hospit alar com o ex pr essão da ét ica r equer, em sum a, a pr év ia for m ulação de p o l ít i ca s o r g a n i za ci o n a i s e so ci a i s j u st a s q u e considerem os seres hum anos e seus direit os( 8). I sso sig n if ica v alor izar a h u m an id ad e n o t r ab alh ad or, favorecendo o desenvolvim ent o de sua sensibilidade e co m p e t ê n ci a , co m m u d a n ça s n a s p r á t i ca s profissionais, de m odo a reconhecer a singularidade dos pacient es, encont rando, j unt o a eles, est rat égias que facilit em a com pr eensão e o enfr ent am ent o do m om ent o v iv ido.
REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS
1. Conselho Feder al de Enfer m agem ( BR) . Código de ét ica d o s p r o f i ssi o n ai s d e en f er m ag em . Ri o d e Jan ei r o ( RJ) : Conselho Federal de Enferm agem ; 1993.
2. Cohen C, Ferraz FC. Direit os hum anos ou ét ica das relações. I n: Segr e M, Cohen C, or ganizador es. Bioét ica. São Paulo ( SP) : EDUSP; 1995. p. 37- 50.
3. Const it uição da República Federat iva do Brasil, 1988. São Paulo ( SP) : Saraiva; 2000.
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Backes DS, Lunardi VL, WDFilho Lunardi.
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4. Gar r afa VA. Dim ensão da Ét ica em Saúde Pública. São Paulo ( SP) : FSP/ USP; 1995.
5. Mart in LM. A ét ica e a hum anização hospit alar. O Mundo da Saúde 2003 abr il/ j unho; 27( 2) : 206- 18.
6. Mezom o JC. Hospit al Hum anizado. Fort aleza ( CE) : Prem ius; 2 0 0 1 .
7 . Se l l i L. Re f l e x ã o so b r e o a t e n d i m e n t o p r o f i ssi o n a l hum anizado. O Mundo da Saúde 2003 abr il/ j unho; 27( 2) : 2 4 8 - 5 3 .
8. Mendes HWB, Caldas JAL. Prát ica profissional e ét ica no cont ext o das polít icas de saúde. Rev Lat ino- am Enferm agem 2001 m aio- j unho; 9( 3) : 20- 6.
Recebido em : 7.6.2004 Aprovado em : 31.10.2005
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