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O Comércio no Espaço Público

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Academic year: 2017

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UNESP

Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciências e Tecnologia

Campus de Presidente Prudente

O

Comércio no Espaço P

úblico

Trabalho Final de Graduação III

Orientação: Profa. Dra. Cristina Baron

Aluno: Felipe Augusto Rainho Silva

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RECORDAÇÃO

Lembro da primeira vez que fui na 25 de Março, em São Paulo, por

volta dos meus 12 anos. Era um sábado de manhã, um mar de gente

inundava aquelas ruas. Rostos, cheiros, barulhos. Era muita informação

para absorver de uma só vez. Minha avó Elza segurava firme meu braço

para que eu não me perdesse no meio daquela multidão. Olhávamos

algumas camisetas estendidas num pano no chão quando, de repente, soou

um barulho. Era a polícia. Começou o corre-corre frenético, a gritaria, o

empurra-empurra. Em segundos, a mulher responsável pelas camisetas não

estava mais lá, nem boa parte dos comerciantes. A rua esvaziou. Ficamos

com as camisetas na mão. Eu e minha avó nos entreolhamos e eu disse:

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço à minha família pelo apoio

incondicional. Ao meu pai Sérgio e minha mãe Regina, que em todos estes

anos não mediram esforços para eu chegar até aqui. Ao meu irmão Bruno, o

Nick e o Léo, meus melhores companheiros. Vocês são meu porto seguro,

obrigado por tudo.

À minha orientadora Profa. Cristina Baron, pelo suporte no pouco

tempo que lhe coube e por nunca deixar de me incentivar.

Também à minha orientadora de Iniciação Científica, Profa. Eda

Goés, que durante quatro anos de pesquisa me abriu diversas portas dentro

da Universidade e me ensinou a ter responsabilidade.

Aos meus amigos, minha segunda família. À Andressa, pelas nossas

parcerias. Ao Helterson, por tudo o que me ensinou. Ao Ivan, pela eterna

amizade. Ao Pedro, pelas loucuras e desabafos. À Nayara, melhor vizinha e

melhor companhia. À Yanne, companheira de Makoto e dona das melhores

conversas. E à Tainá, por toda nossa amizade, tudo o que passamos, pelas

vezes que me socorreu e por nunca ter desistido.

E por fim, agradeço ao João, que esteve presente nos meus melhores

e piores momentos e, estando ao meu lado, tornou este caminho mais fácil

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SÚMARIO

Introdução

p. 11

PARTE I

Movimento

p. 13

PARTE II

Diferenças

p. 21

PARTE III

O comércio no espaço público

p. 47

PARTE IV

Proposta

p. 71

PARTE V

Manual operacional

p. 95

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O presente trabalho parte do pressuposto de que a crise do espaço público e a estigmatização do comércio que acontece nas ruas e praças das cidades, não apenas se interpõem, mas são indissociáveis. O objetivo deste trabalho é apontar caminhos para mudanças que reconheçam a importância desse comércio, chamado aqui de comércio no espaço público, na busca por cidades mais humanas. Em resumo, propomos uma estrutura que possa ser montada pelo próprio comerciante em ruas e praças, para abrigar as mais diversas atividades comerciais. Uma estrutura que não apenas ofereça condições suficientes para o exercício adequado dessas atividades, mas que, sobretudo, configure como uma política pública de democratização e ressignificação dos espaços públicos.

Ao longo de um ano, busquei registrar esse comércio acontecendo nos mais diversos lugares. São levantamentos em cerca de 20 cidades, tanto no Brasil quanto no exterior, mostrando muito mais do que as diferenças, mas as semelhanças desse comércio no espaço público. Por traz deste material coletado e aqui apresentado, estão relatos de pessoas anônimas que vivenciam diariamente tais condições. Conversas informais, feitas de maneira

receosa, e por isso não transcritas, mas que incentivaram o desejo de propor mudanças.

Na primeira parte deste trabalho, abordamos uma perspectiva histórica, associando as mudanças do espaço público com as mudanças do comércio, em que os espaços privados são cada vez mais valorizados em detrimento do que é público. Na segunda parte, fomos à campo mostrar as atuais relações deste comércio com nossas cidades. De um lado, a associação do informal ao ilegal e suas violações cotidianas, de outro, a capacidade de obtenção de lucro, explorada pelo próprio Poder Público. Na terceira parte, analisamos a variedade de estruturas que encontramos ao longo das visitas de campo e o potencial que pode ser explorado a partir desse comércio. Assim, buscamos na quarte parte uma proposta de instrumento urbano e projeto que promovam a valorização deste comércio e melhore as condições de trabalho dos comerciantes. Por fim, na quinta parte, elaboramos um manual operacional com regras para implantação desse comércio, voltado para a comunidade, como um exemplo que pode ser adotado pelas Prefeituras que assumam esse tipo de política pública, proposta neste trabalho.

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PARTE I

MOVIMENTO

Sendo a cidade um espaço-tempo1, partimos do pressuposto

da existência de um movimento a cada passagem da temporalidade à espacialidade. As incessantes transformações do espaço público, associadas a novos tipos de movimentações, redefinem a vida urbana nessas cidades. Neste trabalho, o comércio assume o papel de um dos protagonistas desses movimentos, que vão nos revelar um espaço público vivo que, gradativamente, declinou-se.

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O espaço de trocas

Até o período medieval, o comércio foi um dos principais responsáveis por promover a circulação e uso dos espaços públicos. A cultura da praça incluía o mercado. Atividades cívicas, religiosas e comerciais, em sua maioria, coexistiam nesse espaço, caracterizando-o, portanto, como o coração da cidade. No formato de grandes bazaars árabes, ágoras gregas, fóruns romanos ou praças medievais, sempre tiveram em comum o fato de abrigar a vida social e política dessas cidades (VARGAS, 2001).

Ao contrário de praças cívicas e religiosas que possuíam uma relação direta com um edifício, Vargas (2001) descreve que as praças de mercado não requeriam sua presença – elas eram o próprio edifício. Necessitavam apenas de um fluxo contínuo de pessoas e para isso localizavam-se estrategicamente na cidade: na área central, aquelas que serviam às necessidades cotidianas da população, e espalhadas pela cidade, aquelas que comercializavam itens mais especializados.

Uma grande agitação nas cidades, nesse período medieval, também pode ser relacionada ao comércio sazonal. Associado sobretudo à dias festivos e feriados religiosos, o excitamento provocado pelas feiras era responsável por atrair pessoas de

diversas partes para apreciá-las, provocando um fluxo de caravanas quase permanente, que viajavam de feira para feira. Montadas com uma série de tendas e barracas para expor as mercadorias, vendiam diversos tipos de produtos, bebidas e comidas, com escritórios para empréstimo de dinheiro e câmbio de moedas.

O comércio foi ainda responsável por alterar o tempo da rua. Na cidade antiga, dependia-se da luz do dia. Mas na cidade medieval, para que as pessoas pudessem ir às compras após seus afazeres, o comércio ampliou seu horário, e desde que houvesse pessoas nas ruas, o balcão permanecia montado e o pátio aberto (SENNETT, 1998).

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As cidades começaram a crescer rapidamente. Sennett (1998) descreve que uma das soluções encontradas para absorver esse grande contingente populacional foi o planejamento de praças. Diferente das praças nas cidades medievais que se desenvolveram junto com a cidade, sendo um elemento inerente à sua composição, as praças do Renascimento passaram a ser projetadas. A ideia de imensos espaços abertos no meio de um denso conglomerado urbano repercutiu, tornando-se princípio estruturador de diversas praças a partir de 1680, em grandes cidades como Paris e Londres. (Figura 2)

Mas essas novas praças urbanas adquirem um novo tipo de movimento. Não foram concebidas para uma multidão que lentamente se congrega, mas como locais de passagem e transporte. Não deveriam mais concentrar todo tipo de atividade das ruas circundantes. A praça se tornou um monumento a si mesmo. E ao reestruturar a aglomeração populacional na cidade, reestruturaram também a função da massa, pois mudaram a liberdade com que as pessoas poderiam se reunir.

Neste período, tanto Paris quanto Londres lutaram firmemente para eliminar das praças todo o tipo de comércio. O

Figura 1 – Pintura em azulejo representando a praça do comércio na cidade medieval – Barcelona, Espanha. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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resultado foi o enfraquecimento da vida nestes espaços, tal como era conhecida. A reestruturação da densidade populacional por meio do planejamento de praças refreou a própria praça como um lugar central de uso múltiplo, de reunião e observação. Onde antes havia uma multiplicidade de funções resultou numa vida urbana em grupo fragmentada e dispersa (SENNETT, 1998).

O espaço do consumo

O impacto do capitalismo industrial na vida pública foi definitivo, afirma Vargas (2001). A Revolução Industrial no século XIX movimentou a economia das cidades e foi responsável pelo crescimento demográfico e a industrialização – dois processos fortemente relacionados entre si e que rebatem, diretamente, sobre o desenvolvimento varejista. Em detrimento dos clássicos mercados ao ar livre e das pequenas lojas, o comércio respondeu com uma nova forma de varejo: as lojas de departamento.

Segundo Sennett (1998), o surgimento dessa nova forma de varejo pode ser traduzido como uma forma condensada do paradigma da vida pública que passou a ser mais intensa, porém

menos sociável. Inaugurado em 1852, o Bon Marché, primeira loja de departamento parisiense, trazia a ideia de um preço fixo das mercadorias, o que excluía as relações entre comerciantes e compradores, que até então era ativa, à medida em que, na ausência de uma rigidez nos preços, era possível a pechincha e outros tipos de barganha.

A passividade tornava-se norma e os consumidores deixaram de arbitrar sobre os preços, negociar diretamente com o vendedor, barganhar. Assim, as lojas de departamento diferenciavam-se por ser mais um método de vendas do que uma organização varejista. Reuniam os aspectos sociais, econômicos e tecnológicos, revolucionando o negócio de vender. Foi uma revolução de processo e não do produto, portanto, muito mais impactante (VARGAS, 2001, p.241).

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necessitavam. Além disso, a implantação do metrô tornava possível a transgressão dos limites imaginários presentes nos bairros de diferentes classes sociais.

Ainda que esta nova forma de deslocamento de massa tenha tornado a cidade mais misturada, mantinha-se as fronteiras temporais: as mesmas linhas que, de dia, enchiam o centro e permitiam a aproximação dos diferentes, à noite o esvaziavam, levando de volta cada um ao seu lugar (SENNETT, 1998). O consumo demarcava os mesmos limites já impostos pelas desigualdades econômicas, cada vez mais profundas.

O comércio, portanto, sugere uma das transformações mais profundas no âmbito público nesse século. Quando o ato de compra e venda torna-se uma situação social definitivamente privada, em que as trocas tornam-se um ato de consumo2, novos códigos de

postura e interação são adotados, diferenciando-se daqueles que marcavam o comércio no espaço público e que não mais se adequavam a esta nova condição urbana.

2 O consumo é definido por Baudrillard (2003) como um processo de

classificação e de diferenciação social, na qual nunca se consome o objeto em si, mas seu valor de uso.

Essa supressão do espaço público às custas do movimento, que passa a ser destinado à passagem e não mais à permanência, irá atingir seu ápice com o advento do automóvel. Para Sennett (1998), a ideia do espaço público como derivação do movimento corresponde exatamente às relações entre espaço e movimento produzidos pelo automóvel particular. As ruas da cidade adquirem, portanto, uma única função: permitir a movimentação.

O movimento do automóvel gerou uma dispersão das cidades que resultou numa separação em setores socialmente homogêneos. Esse novo meio urbano reforça e valoriza desigualdades e separações. A rua, ao ser destituída como espaço para a vida pública, também minou a diversidade urbana e a possibilidade da coexistência de diferenças. O espaço urbano passa a ser organizado por padrões de diferenciação social e de separação.

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destinados inicialmente apenas a abastecer os novos núcleos urbanos para os quais tinham sido criados. Esses centros de compras, entendidos como um agrupamento de estabelecimentos comerciais varejistas, evoluem em várias direções, dando origem ao que chamamos hoje de shopping center (VARGAS, 2001).

Os shopping centers adequavam-se muito bem a este novo modo de viver moderno, à era da velocidade, à praticidade, como afirma Vargas (2001). O sucesso desse tipo de empreendimento imobiliário e sua consequente proliferação provocaram um forte impacto na estrutura urbana, responsável por induzir novos movimentos na cidade.

Quanto mais tempo se permanece num ambiente uniforme, ou seja, na companhia de nossos semelhantes, mais dificuldades temos em socializar com os nossos diferentes. Autores como Bauman (2009) e Sennett (1998), compartilham da ideia de que o isolamento diminui a capacidade necessária para conviver com a diferença e, portanto, não é surpreendente que experimentem uma crescente sensação de horror diante da ideia de se encontrar frente a frente com o outro.

A tendência a uniformização de áreas da cidade, a redução

das atividades comerciais e a ausência de comunicação entre os bairros em nossas cidades tornaram mais forte a tendência a excluir, segregar. A uniformidade do espaço, acentuada pelo isolamento espacial dos moradores, diminui a tolerância à diferença, ao passo que faz parecer a vida na cidade, perigosa (BAUMAN, 2009).

Os espaços se privam

As preocupações que foram típicas nas cidades europeias no início da industrialização, descritas na primeira parte deste trabalho, referentes à necessidade de organização do crescente contingente populacional, se tornaram tema central em São Paulo, no início do século XX, como destaca Caldeira (2000), em relação aos problemas de saúde e higiene associados ao crescimento das camadas mais pobres.

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centro-periferia, onde as classes mais altas ocupam a área central, com melhor infraestrutura, e as classes mais baixas, as áreas periféricas. E a terceira, a partir dos anos 80, quando há uma complexificação dessa relação centro-periferia, na qual emergem separações não apenas simbólicas, mas material entre os diferentes grupos sociais, que se cercam por muros e em espaços privados. A construção desses enclaves fortificados 3 deixam claro as

diferenças e impõe divisões e distâncias, multiplicando regras de exclusão e restringindo os movimentos.

No comércio, o impacto dos shopping centers nas cidades, vai além do plano das transformações no varejo. Corroborando a caracterização proposta por Caldeira (2000), os shopping centers, como enclaves fortificados , promovem a segregação socioespacial e mudam o caráter da vida pública, transferindo atividades antes realizadas em espaços públicos heterogêneos, como o ato de ir às compras, para espaços privados projetados como ambientes socialmente homogêneos.

3 Segundo Caldeira (2000), tanto os espaços residenciais fechados quanto os

comerciais, como os shopping centers, são enclaves fortificados e utilizam

meios literais de separação, em oposição a heterogeneidade social.

Os movimentos tornam-se cada vez mais vigiados e controlados. Temos, neste caso, um processo de diferenciação social dentro do espaço intraurbano, pautado na valorização dos espaços privados e restritos e na desvalorização do que é público e aberto na cidade. O individualismo, o estranhamento, a atitude

blasé, a evitação e a indiferença marcam a sociabilidade urbana, que acabam por criar distâncias sociais.

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PARTE II

DIFERENÇAS

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O que é formal?

A divisão do trabalho no Brasil, entre formal e informal, remonta ao início do século XX, quando as cidades brasileiras tornaram-se divididas e segmentadas, pautadas por um processo de segregação socioespacial, já descrito. As mudanças no mercado de trabalho nesse período foram responsáveis por, pouco a pouco, acentuar essas divisões internas da sociedade, categorizando os trabalhadores. Baseando-se em um novo código de leis que estabelecia regras de trabalho e concedia direitos aos trabalhadores, temos a criação do setor considerado formal, que cumpria as condições impostas pelas leis garantindo seus direitos, em oposição ao informal, que ficava às margens. Ou seja, tornou-se informal aquilo que está fora da esfera jurídica do Estado, seja para iniciativa pública ou privada. (Figuras 3 e 4)

Malaguti (2000), por sua vez, questiona a validade dessa dualidade, exemplificando casos cotidianos de serviços informais dentro do setor formal e serviços formais dentro do setor informal. Um exemplo é o uso de máquinas de cartão de crédito, um mecanismo formal de pagamento adotado em diversos estabelecimentos informais. Tanto uma classificação quantitativa, que classificaria o setor considerando a legalidade da maior parte

Figura 3 – O informal frente ao formal: barracas montadas em frente as lojas do calçadão da Rua General Carneiro – São Paulo. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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das atividades, quanto uma classificação qualitativa, levando em conta o quão fundamental são cada uma dessas atividades, são imprecisas e insuficientes.

Formalidade e informalidade, portanto, coexistem, subsidiam-se, interpenetram-se e são indissociáveis, evidenciando a necessidade de novos conceitos, uma vez que essa dualidade é falha. Seguindo este princípio e partindo da necessidade de reverter a imagem negativa que informal agrega a este setor, nomearemos tais atividades, neste trabalho, como o comércio no espaço público.

Informal ou ilegal

Se o espaço público está desvalorizado, consequentemente o comércio que nele acontece, também. Numa mão dupla, a presença desse comércio passou a ser considerado mais um elemento de degradação do espaço público, o que tem levado muitas cidades brasileiras a promoverem uma perseguição a esses comerciantes ou tentarem organizá-los em espaços projetados.

Esse tipo de ordenação espacial está intrinsicamente ligado a uma tentativa de formalização desse tipo de atividade. Isso

porque o fato desse comércio ser considerado como informal

também o agrega uma forte carga negativa. Na sociedade brasileira, marcada por profundas desigualdades, setores privilegiados impõem um conjunto de valores e definem o que deve ser socialmente aceito. É visível o uso de instrumentos para deslegitimar e criminalizar esse setor da atividade comercial. Além disso, casos frequentes de ilegalidade têm contribuindo negativamente para sua imagem, associando comércio informal ao

comércio ilegal (Figuras 5 e 6). A generalização contribuiu para permanência do preconceito e criminalização da atividade, além da não inclusão no planejamento urbano, programas de renda e suporte aos trabalhadores.

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organização desse comércio, além da valorização dos comerciantes. O histórico da aplicação desta lei revela ainda posturas distintas. Na gestão da prefeita Erundina (1989 – 1992), período da criação da lei, houveram políticas afirmativas. Em outros períodos, como na gestão de Serra-Kassab (2005 – 2012), políticas repressivas que violavam a própria lei, numa forte perseguição não apenas aos comerciantes sem licença, mas também contra aqueles que tinham autorização.

Em 2005, por exemplo4, os comerciantes que ocupavam a

Praça Fernando Costa, no centro de São Paulo, foram retirados e realocados nos arredores para que a praça pudesse ser reformada. No entanto, das 600 barracas que existiam no local, apenas 358 puderam voltar. Devido à ausência do Termo de Permissão de Uso – termo necessário para exercer a atividade – muitos dos comerciantes foram impedidos de voltar ao seu antigo local de trabalho. (Figura 7)

Já a Feira da Madrugada, que acontecia no Brás, era uma

4 Disponível em: <http://folha.uol.com.br/cotidiano> Acesso em 22/10/2014.

Figura 5 – Comerciante vende celulares possivelmente contrabandeados no Viaduto Santa Ifigênia – São Paulo. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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das mais tradicionais feiras de rua da cidade. Funcionando das 2h30 até às 16h, movimentava a madrugada das ruas desertas do centro, recebendo diariamente milhares de compradores. Atualmente completaria 13 anos, mas há 8 deixou as ruas do bairro para ocupar um terreno público de 120mil m². No ano de 2013, o novo espaço foi fechado por sete meses para reformas, onde foram instalados boxes de concreto e outras melhorias na infraestrutura do local. Mas dos 4.225 boxes, apenas cerca de 2 mil reabriram. Isso porque a Prefeitura exigiu a regularização dos comerciantes e o pagamento do IPTU, além de expulsar outros por suposta aquisição ilegal do ponto comercial. (Figura 8)

A fiscalização continuou rígida e em maio de 2014 foi anunciado mais uma vez o fechamento da feira para nova regularização. Com a justificativa de que a feira teria sido invadida por comerciantes irregulares, só poderão retornar ao local aqueles que estiverem em posse do Termo de Permissão de Uso5. Enquanto

isso, os comerciantes regulares ficam à mercê das decisões do poder público, que demonstra uma falta de habilidade e também

5 Disponível em: <http://feiradamadrugadashopping.com.br> Acesso em

02/07/2014.

Figura 7 – Comerciantes da Praça Fernando Costa, após reformas – São Paulo. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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flexibilidade no que se refere a esse tipo de atividade.

No caso de cidades de porte médio, os frequentes alvos de ações políticas e urbanísticas são os chamados camelódromos. Por ocuparem geralmente uma praça central, agrupados em grande número, são encarados como problemas urbanos. (Figuras 9 a 12)

Presidente Prudente (SP) tem um histórico de descaso com esse tipo de comércio. Seu camelódromo atualmente ocupa a Praça da Bandeira, localizada ao lado da Estação Ferroviária. Os comerciantes foram realocados para ali, em 2001, após serem retirados da principal praça da cidade, a Praça 9 de Julho, localizada ao lado da Prefeitura, após uma ação de revitalização

dessa praça central. A Praça da Bandeira, por sua vez, tem um histórico de degradação. Como descreve Sposito (1983), funcionava como esplanada da Estação Ferroviária, mas a obsolescência do transporte ferroviário levou ao seu consequente desuso. Na década de 80, a construção do viaduto Tannel Abbud sobre a praça, para transpor a linha férrea, alterou profundamente seu desenho original. A realocação dos comerciantes para esta praça expressa uma clara tentativa de limpeza de uma (Praça 9 de Julho) às custas da imagem cada vez mais degradada da outra

Figura 9 – Praça da Bandeira ocupada atualmente pelo camelódromo

Presidente Prudente (SP). (Fonte: autor / Ano: 2013)

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(Praça da Bandeira). Uma vez concentrados, os comerciantes foram instalados em boxes ordenados e, sobrepondo a antiga praça, instalou-se o que foi chamado de Shopping Popular.

Outras cidades como São José do Rio Preto (SP) e Catanduva (SP), pautadas na mesma justificativa de revitalização de suas praças centrais – o que explícita a imagem negativa que esse tipo de comércio provoca – removeram os comerciantes e os realocaram para outros locais.

Em São José do Rio Preto, um dos motivos para realocação dos comerciantes foi facilitar a fiscalização. Enquanto estavam instalados na praça central Dom José Marcondes, a prática de compra e venda das barracas passou a ser recorrente. Além de ilegal, uma vez que trata-se de um terreno público, os preços chegavam a R$10 mil reais por metro quadrado, valor semelhante as áreas mais valorizadas da cidade. Em 2008, os comerciantes foram retirados da praça e instalados no piso superior da rodoviária, num espaço com 160 boxes e uma praça de alimentação. No entanto, a venda ilegal de boxes continuou.

Figura 11 – O local é chamado de Shopping Azul– São José do Rio Preto (SP). (Fonte: autor / Ano: 2014)

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Segundo denúncia feita pelo jornal local Diário da Região6, em

2011, cerca de 17 pontos já haviam sido vendidos, por valores que chegavam até R$50 mil reais. Para contornar a ilegalidade, prevista na lei 9.678/2006 que proíbe a venda desses pontos comerciais, a aquisição era realizada mediante propina para um funcionário público da Empresa Municipal de Urbanismo.

Assim, vemos que a ausência de políticas inclusivas cria um nicho de ilegalidade que é explorado por representantes públicos. As leis e ações urbanas que buscam regular esse tipo de atividade mascaram uma tentativa de inclusão, quando, na verdade, são instrumentos de exclusão desses comerciantes.

O comércio na praça

Enquanto o Poder Público se esforça para expulsar os comerciantes das suas praças centrais, nas praças de bairro este

6 Disponível em: <http://diárioweb.com.br> Acesso em 17/07/2014.

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comércio, em alguns casos, ainda é permitido, revelando seu potencial. Analisamos neste trabalho duas praças em cidades de porte médio: a Praça Mário Eugênio, na cidade de Presidente Prudente (São Paulo, Brasil), e a Praça Ricard Vinyes, na cidade de Lleida (Catalunha, Espanha), duas cidades inseridas em contextos sociais e econômicos distintos7.

Em ambos os casos adotamos metodologia semelhante. Conversamos com moradores e comerciantes locais, além de realizarmos diversas observações de campo e levantamento fotográfico, afim de verificarmos as mudanças desses espaços ao longo do dia. Nossa busca era por registrarmos a sociabilidade acontecendo em espaços exclusivamente públicos, a partir do funcionamento do comércio no local. Repetimos os trabalhos de campos ao menos três vezes, em diferentes dias da semana, em horários distintos, afim de avaliar possíveis diferenças entre dias úteis e finais de semana.

7 O trabalho de campo realizado na Praça Mário Eugênio é resultado da Iniciação

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A Praça Mário Eugênio está localizada no bairro Jardim Bongiovani, que devido sua concentração comercial pode ser considerado um sub-centro comercial da cidade de Presidente Prudente (Figura 13). Apesar dessa intensa atividade comercial no bairro, a praça localiza-se afastada dos principais eixos que concentram essas atividades e, portanto, seu entorno é tipicamente residencial, com residências unifamiliares. (Figura 14) A partir das entrevistas, notou-se a importância simbólica que a praça ainda mantém no imaginário de seus moradores: Era

uma praça tranquila. Frequentada pelas babás com as crianças ou

mães que levavam os filhos. 8 Além da sua importância dentro da dinâmica social do bairro, tanto para os adultos: Havia uma integração muito grande, isso é uma coisa que a gente percebe que

se perdeu. [...] Parece que as pessoas não ficavam dentro de casa!

Elas saiam, iam na praça e, como eu, circulavam por ali . Como também para as crianças: É lá que ela [filha da entrevistada]

encontrava os meninos, o pessoal que estudava... e é lá que

começou a vida social da minha filha. 9

8 Entrevista com ex-moradora do bairro Jardim Bongiovani, em 07/02/2013. 9 Entrevista com moradora residente há 40 anos no bairro, em 10/02/2013.

Figura 13 – Mapa da localização da Praça Mário Eugênio – Presidente Prudente (SP). (Fonte: Google Maps / Elaboração: autor)

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No entanto, a partir das observações de campo, verificamos atualmente uma outra situação. Ao longo de todo o dia, notou-se um fluxo muito baixo de pedestres que cruzam a praça ou algumas poucas crianças que vão até o playground brincar. Assim, a praça poderia ser considerada uma tranquila praça de bairro, pouco utilizada. A mudança, contudo, acontece à noite, após às 20:00. Como vemos nas Figuras 15 e 16, duas fotografias tiradas no mesmo dia, um quiosque de lanches é responsável por movimentar essa praça, todos os dias da semana.

Instalado fixamente na praça, o quiosque conta com uma infraestrutura que inclui até mesmo um telão. Numa única noite, foi verificado um público de até 50 pessoas, que se espalham pela praça sentados nas mesas, enquanto as crianças enchem o

playground. Segundo conversa com um dos donos do quiosque, tudo é feito com autorização da Prefeitura.

Apesar de dinamizar o espaço que, por um lado, poderia até ser considerado inseguro à noite, os moradores que residem ao redor da praça reclamam do cheiro dos lanches e do barulho que invade todos os dias suas casas, o que revela, por outro lado, um uso incompatível com o entorno.

Figura 15 – Praça Mário Eugênio, às 15:00, em 11/07/2014 – Presidente Prudente (SP). (Fonte: autor)

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Localizada na chamada Zona Alta de Lleida, a Praça Ricard Vinyes encontra-se numa grande área de concentração comercial, resultado da expansão do centro da cidade antiga, após a derrubada das muralhas. Diferente da Praça Mário Eugênio, todo o entorno da Praça Ricard Vinyes é densamente ocupado por edifícios residenciais de múltiplos pavimentos com o térreo comercial – uso misto – o que aumenta a densidade do local e torna mais intenso o fluxo de pedestres e veículos. (Figuras 17 e 18)

Esta praça também possui um importante papel simbólico. Recordando-a desde sua infância, um de nossos entrevistados10 a

descreve: Eu me recordo das crianças jogando futebol. Sim, me lembro que a praça sempre foi muito utilizada . E ainda hoje mantém sua importância: É um ponto de encontro. Por exemplo,

se te falo de uma praça em Pardiñes [bairro da cidade de Lleida], só conhecerão as pessoas de Pardiñes. Mas se digo Praça Ricard

Vinyes, todos a conhecem . O desenho da praça passou modificações ao longo do tempo. O primeiro projeto que tivemos

10 Entrevista com ex-moradora do bairro Ricard Vinyes, em 11/02/2014.

Figura 17 – Mapa da localização da Praça Ricard Vinyes – Lleida, Espanha. (Fonte: Google Maps / Elaboração: autor)

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acesso data de 1968 e uma posterior reurbanização ocorreu em 2008. A importância da praça para o comércio local resultou na participação dos comerciantes no projeto de remodelação, mediante a ação da Associação dos Comerciantes da Zona Alta. Segundo entrevista com o atual Presidente11, todos estavam de

acordo com as reformas e puderam opinar.

Essa remodelação favoreceu diretamente os comerciantes dos cafés e restaurantes ao redor da praça, uma vez que foram implantados terraços para a colocação de mesas e cadeiras, o que tornou a praça ainda mais dinâmica. Além disso, na praça acontece um mercadillo de rebajas, onde os comerciantes colocam à venda produtos de coleções antigas, por preços mais baixos. Os produtos são expostos por toda a praça, há música e a praça se enche de gente. Evidencia-se, assim, tanto a importância da praça para o comércio local, mas também como esse comércio é capaz de dinamizar esse espaço, como vemos nas Figuras 19 e 20, duas fotografias tiradas no mesmo horário, em dias diferentes.

11 Entrevista com Miquell Balleste, Presidente da Associação dos Comerciantes

da Zona Alta e proprietário de uma loja na Praça Ricard Vinyes, em 12/02/2014.

Figuras 19 –Praça Ricard Vinyes, às 11:00, em 01/02/2014 – Lleida, Espanha. (Fonte: autor)

Imagem 20 – Praça Ricard Vinyes, às 11:00, em 13/02/2014, durante o

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Outro exemplo em que ainda permite-se legalmente que o comércio no espaço público aconteça são as feiras. Historicamente associadas à feriados religiosos e datas comemorativas, as feiras são uma das mais antigas manifestações desse comércio e até hoje permanecem em muitas de nossas cidades, seja no Brasil ou no exterior, e mantém características semelhantes a de séculos atrás, assumindo o formato de barracas e tendas.

Em Presidente Prudente (SP), registra-se12 que a feira

acontece desde 1960, em uma das principais avenidas da cidade, a Avenida Manoel Goulart (Figuras 21 a 24). No ano de 1997, passou a ser regulamentada pela Lei nº4.866/1997, que lançou diretrizes para o seu funcionamento. A lei definiu como se daria o cadastramento dos feirantes, que anualmente deveriam inscrever-se mediante pagamento de uma taxa, além de estabelecer regras para a instalação das barracas, as dimensões, os recuos, o alinhamento e os produtos a serem comercializados. Acontece aos sábados, com início no fim da tarde até a noite, e aos domingos, apenas pela manhã.

12 Disponível em:<http://presidenteprudente.sp.gov.br> Acesso em 30/06/2014.

Figura 21 – Feira da Avenida Manoel Goulart – Presidente Prudente (SP). (Fonte: autor / Ano: 2014)

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A feira em Presidente Prudente tornou-se um evento na cidade. Reúne centenas de pessoas, transformando umas das mais movimentas avenidas da cidade em uma grande rua de pedestres. Com uma variedade de produtos, além das frutas, legumes e verduras, é possível encontrar confecções, artesanatos, roupas e também os produtos alimentícios preparados na hora, em trailers, como pastéis, churros, caldo de cana e as tapiocas, as preferidas da feira.

Esse sucesso das feiras explica, em si próprio, o motivo pelas quais elas são autorizadas, na qual o Poder Municipal busca meios de lucrar. Em grandes cidades, por exemplo, as taxas pagas à Prefeitura pelos comerciantes, para que tenham permissão de se instalar, chegam a valores altíssimos, tanto no Brasil quanto no exterior. Assim, as feiras tornaram-se um negócio altamente lucrativo e que se distanciam cada vez mais daquele simples feirante. No Brasil, os exemplos são diversos: no Rio de Janeiro, a feira que acontece à noite nos Arcos da Lapa mistura-se à agitação e boemia do bairro (Figura 25). Já em Cuiabá, a feira localizada próximo à Catedral Metropolitana é especializada em artesanatos locais (Figura 26).

Figura 25 – A feira noturna nos Arcos da Lapa – Rio de Janeiro. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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As feiras também são famosas ao redor do mundo. A fama de algumas, inclusive, as tornam verdadeiros pontos turísticos. Em Amsterdam, por exemplo, a Albert Cuyp Market acontece todos os dias no bairro De Pijp, há mais de cem anos. Considerado um dos maiores mercados a céu aberto da Europa, com cerca de 260 barracas, é possível encontrar praticamente tudo o que procurar, o que atrai milhares de turistas e moradores. Por acontecer numa rua comercial, algumas barracas são de responsabilidade do próprio lojista da rua, que as utilizam como uma porta de entrada e ampliação do espaço da sua loja na calçada. (Figura 27)

Já em Roma, o comércio mais uma vez passou a ocupar a simbólica Piazza Navona. Desde o século XV, o mercado tradicional da capital passou a acontecer nesta praça, mas em 1869 foi transferido para o Campo de’ Fiori13. Atualmente, é nela que acontece a mais tradicional feira natalina da cidade (Figura 28). Em Florença, a Feira de São Lourenço torna-se passagem obrigatória para aqueles que se dirigem à Igreja de São Lourenço (Figura 29).

13 Disponível em:<http://turismoroma.it> Acesso em 22/10/2014.

Figura 27 –Albert Cuyp Market em De Pijp– Amsterdam, Holanda. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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As feiras não são o único exemplo em que o Poder Público utiliza deste comércio para obter lucros. Cidades turísticas são o exemplo mais evidente (Figura 30). Cada vez mais comerciantes, antes atraídos pelo grande fluxo de pessoas em pontos turísticos, perdem espaço para estruturas formais, construídas pela própria Prefeitura, mas que se destinam à quem detém de capital suficiente para adquirir o ponto comercial.

Instalados em localizações privilegiadas, muitas cidades passaram a edificar quiosques em parques, praças e praias, para posteriormente venderem tal ponto comercial. Justificam-se com base na tentativa de organização e ordenação desse comércio e por serem estruturas projetadas, oferecem melhores condições de trabalho. Como exemplo, temos os quiosques da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, projetados pelo arquiteto Índio da Costa. O projeto faz parte da remodelação dos mais de 300 quiosques da orla marítima carioca, realizado pela Orla Rio, empresa vencedora da licitação, feita em 1999, pela Prefeitura do Rio (Figuras 31). Com 5m de diâmetro sobre um deque de 336m², os quiosques buscam a integração de equipamentos

Figura 30 – Comércio e turismo se misturam em meio aos produtos expostos na Fontana di Trevi– Roma, Itália. (Fonte: autor / Ano: 2013)

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públicos como serviços de alimentação e sanitários. Um subsolo de 386m² abriga áreas de apoio e serviços – cozinha, estoque, depósito de lixo, sanitários, caixa d’água e instalações em geral. Para minimizar o impacto na paisagem, os fechamentos são de vidro. A cobertura em três níveis de lona de vidro permite a ventilação e iluminação natural do quiosque.

No entanto, há que se destacar quem são os novos proprietários desses sofisticados quiosques. Localizados numa das áreas mais valorizadas da cidade carioca, foram vendidos para empresas como Coca-Cola, Rede Globo, Cervejaria Brahma, entre outras (Figura 32). O antigo vendedor de água de coco é então expulso do seu tradicional local de trabalho.

Podemos citar outros exemplos de cidades que apostaram na padronização de quiosques em espaços públicos para sua posterior comercialização, como São Paulo e Madri (Figuras 33 e 34). Na Avenida Paulista, por exemplo, é possível encontrarmos desde um comerciante vendendo seus produtos em um pano no chão até as bancas de jornal padronizadas e construídas ao longo de toda a avenida.

Figura 32 – Grandes empresas ocupam o espaço dos antigos comerciantes

locais – Rio de Janeiro. (Fonte: indiodacosta.com / Ano: 1999)

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O comércio e a cidade

Este comércio, por sua vez, coloca a cidade em discussão. Na cidade capitalista, o uso e ocupação do solo ficaram condicionados à capacidade econômica, uma vez que a terra passou a estar vinculada à um preço. No entanto, isto não garantiu o acesso a todos igualmente. Pelo contrário, a privação do direito à cidade consolida uma sociedade cada vez mais segregada.

No Brasil, Malaguti (2000) descreve que o processo de modernização pela industrialização tardia relegou ao segundo plano a realização de reformas estruturantes que providenciassem a redução da desigualdade social, deixando um legado histórico permanente de concentração da renda e da terra. As desigualdades aparecem no comércio no espaço público a partir da discriminação e criminalização da atividade, com políticas públicas muito mais exclusivas, do que inclusivas. Quando permitida, destina-se na maioria das vezes aos setores que detém de capital suficiente para pagar os altos preços impostos.

Surge a necessidade de vincular os princípios da função social da cidade, garantidos no Estatuto da Cidade, a uma gestão

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democrática. E ainda, enxergar esses comerciantes como agentes capazes de transformar os processos de urbanização não-democráticos, que são impostos pelo capitalismo.

O ato do vendedor de artesanatos estender um pano na calçada para vender seus produtos transgride os princípios da renda da terra. Por estar num espaço público, flutua sobre as lógicas do mercado e mostra ser possível ocupar a cidade na sua totalidade, já que encontra-se num espaço que, por definição, não tem preço (Figuras 35 e 36).

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PARTE III

O COMÉRCIO NO

ESPAÇO PÚBLICO

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Os diferentes tipos de estrutura

Ao longo de todos os registros feitos desse comércio no espaço público, acontecendo nas mais diversas cidades, percebemos os mais variados tipos de estruturas que dão suporte para essa atividade. Das mais simples às mais elaboradas, em diferentes cantos das cidades. Em todos os casos, contudo, a essência sempre permanece: a relação intrínseca que esse comércio tem com a cidade.

Os panos estendidos no chão são uma das maneiras mais simples, mas recorrentes, de expor os produtos. Os comerciantes de artesanatos são os casos mais comum encontrados. Normalmente ocupam toda a extensão de uma rua comercial ou uma ponte movimentada e expõem seus produtos enquanto confeccionam outros, no local. Em nosso trabalho de campo, encontramos famílias inteiras trabalhando, na maioria imigrantes. No caso dos panos, estes podem possuir cordas elásticas nas extremidades para que, a partir de um puxão, se transformem na própria sacola para o transporte da mercadoria. Essa facilidade na montagem/desmontagem é explorada principalmente pelos comerciantes que vendem produtos ilegais, já que a qualquer sinal de fiscalização precisam rapidamente recolhê-los. (Figuras 37 a 42)

Figura 37 – Comerciantes de artesanatos nas calçadas da Rua 25 de Março – São Paulo. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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Uma vez que os produtos encontram-se no chão, os vendedores normalmente ficam em pé, segurando algumas amostras para chamar a atenção dos transeuntes. Outra maneira pouco mais elaborada, mas bastante comum, são as caixas de papelão. Utilizando a caixa como suporte, realiza-se um corte na diagonal para a colocação de um tampo, que também pode ser de papelão, onde se expõe os produtos, de modo a ficarem mais próximos do campo de visão do pedestre. (Figura 43)

As demais estruturas possuem um caráter mais permanente no local em que se fixam. Fáceis de serem transportadas, temos as mesas dobráveis. Normalmente feitas de madeiras, são leves e podem ser facilmente carregadas. Permitem que os produtos sejam expostos de maneira mais organizada, em uma altura adequada, na qual o comerciante pode ainda se sentar. No entanto, devido muitas vezes a falta de cobertura, o comerciante e seus produtos ficam expostos às adversidades climáticas, como o forte calor e chuvas. (Figuras 44 e 45)

Já as barracas são os exemplos mais comuns desse comércio no espaço público e apresentam uma imensa variedade. Usualmente são utilizadas barras de alumínio, um material leve,

Figura 43 – Comerciantes se alinham com seus expositores de papelão – Vaticano. (Fonte: autor / Ano: 2013)

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soldadas e articuláveis, mas também podem ser de madeira. O balcão expositor dos produtos normalmente é feito com um tampo de madeira. Na lateral da barraca, no caso de artigos diversos, utiliza-se uma tela para prender e expor mais produtos. As coberturas frequentemente são de lona ou tecido. O transporte precisa ser feito através de veículos grandes, como pequenas carretas, kombis ou furgões, devido o comprimento dos perfis da estrutura.

Por serem um pouco mais complexas, exigem que o comerciante despenda um bom tempo para sua montagem. As barracas podem ser fixas, permanecendo no local por um determinado período de tempo ou desmontadas diariamente. O transporte, portanto, é um fator essencial a ser considerado.

Em Dublin (Irlanda), por exemplo, as barracas que diariamente ocupam as ruas do centro da cidade, na feira durante o dia, não são desmontadas ao final do expediente. Devido à dificuldade de transportá-las, os comerciantes retiram seus produtos mas deixam as estruturas montadas no local. (Figuras 46 e 47).

Figura 46 – Barracas ocupando as ruas do centro da capital irlandesa – Dublin, Irlanda. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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Em Presidente Prudente (SP), uma vez que a Prefeitura estabelece apenas uma hora para a montagem e desmontagem das barracas, elas necessitam ser simples. Essa simplicidade, por sua vez, traduz-se em precariedade. A cobertura pode ajudar na proteção contra o sol, mas é muito pouco eficaz quando se trata da chuva e do vento. Na feira da Avenida Manoel Goulart, por exemplo, num dia de chuva, os feirantes optam por retirar a lona da cobertura para cobrir e proteger seus produtos, enquanto passam a trabalhar sem proteção. (Figuras 48 e 49)

Práticas e baratas, as barracas compartilham uma característica em comum: simplicidade (Figura 50) e a busca dos comerciantes em explorarem ao máximo a capacidade de exposição das mercadorias, ainda que isso signifique reduzir as suas condições de trabalho. Nesses pequenos espaços, a linguagem em comum é o excesso. (Figuras 51 e 52)

Outra forma bastante comum desse comércio no espaço público acontecer é através de carrinhos transportáveis. Vendedores de pipoca, algodão doce, sorvetes, espalham-se por

Figura 48 – Desmontagem de uma barraca na Feira da Avenida Manoel Goulart – Presidente Prudente (SP). (Fonte: autor / Ano: 2014)

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toda a cidade, principalmente nas praças e parques. Por serem estruturas móveis, podem atingir um público maior, comercializando em diferentes áreas da cidade ao longo de um mesmo dia. No entanto, os comerciantes sofrem com o desgaste físico, não possuem proteção contra as adversidades climáticas e enfrentam dificuldades de locomoção em partes da cidade pouco acessíveis.

Existem ainda os veículos automotores cuja carroceria é adaptada em uma cozinha que permite que os alimentos sejam preparados em seu interior. Temos, assim, as mais diversas possibilidades: carrinhos de cachorro-quente, lanche, tapioca, churros, etc. Uma vez que trata-se de um veículo, a locomoção é facilitada, além de oferecer uma infraestrutura um pouco mais adequada. Atualmente esse tipo de estrutura tem se popularizado nos chamados food trucks. Além de chamarem a atenção graças ao seu formato diferenciado, muitas vezes personalizados, em geral diferenciam-se dos carrinhos tradicionais por oferecerem uma culinária gourmet. (Figuras 53, 54 e 55)

Figura 53 – Os carrinhos podem ter os mais variados formatos – Lisboa, Portugal. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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Por outro lado, dado seu formato, esses veículos limitam-se apenas a venda de alimentos. Uma outra opção são estruturas pré-fabricadas, na qual se destacam os containers, que apesar de possuírem uma dimensão padrão, oferecem possibilidades diversas quando são utilizados como estrutura para a atividade comercial. O preço, a facilidade de instalação e, atualmente, a possibilidade de personalização, têm as popularizado cada vez mais.

A rede multinacional Container, que tem se instalado em diversas cidades brasileiras, principalmente em estacionamentos de shopping centers, atende grandes marcas de roupas. Utilizando-se de uma articulação e sobreposição de containers, oferecem espaços que vão de 15m², com apenas um container, até 120m², com oito containers.

Também é possível encontrar containers para a venda de alimentos, como a rede canadense Muvbox, que oferece uma série de modelos com design personalizável para restaurantes, bares e cafés, com todo o aparato necessário. A proposta é que, durante seu funcionamento, as laterais da estrutura sejam abertas, servindo como uma plataforma para mesas e cadeiras. Ao final, o container é fechado e tudo é guardado em seu interior. (Figuras 56, 57 e 58)

Figura 56 – Estruturas metálicas pré-fabricadas instaladas na margem do Rio Sena – Paris, França. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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O comércio como alternativa

Após os registros e análises dos mais variados tipos de estrutura que esse comércio no espaço público pode assumir, trazemos agora exemplos que revelam seu potencial para revalorização dos espaços em que estão inseridos. Enquanto em algumas cidades o comércio no espaço público é perseguido e criminalizado, outras passaram o enxergar como transformador e uma alternativa para revalorização de espaços degradados. Em lotes públicos ou privados, esse comércio ganha seu espaço na busca por atrair pessoas e dinamizar esses locais.

Igualada, por exemplo, munícipio da Espanha, localizado na região da Catalunha, tem experimentado uma transformação de um velho bairro industrial a partir do comércio. Durante séculos, fábricas têxteis e curtumes se instalaram no bairro Rec e movimentaram a economia da cidade. Por volta do século XX, tal atividade entrou em declínio e as fábricas e galpões gradualmente foram abandonadas. Mas uma iniciativa trouxe novamente a vida para o local. Desde 2009, o bairro dá lugar para uma série de lojas

14 Lojas pop up ocupam espaços com infraestrutura temporária, durante um curto

período de tempo, buscando atingir o público momentâneo local.

pop up14, num evento chamado Experimental Rec. (Figuras 59, 60 e 61)

No formato de containers e outras infraestruturas temporárias, diversas lojas de roupa se espalham pelas ruas do bairro, propondo linhas alternativas de vestuário. Também são promovidas atividades culturais, em diferentes partes do bairro, na busca de ocupar todo o espaço. Organizado duas vezes ao ano, o evento que começou timidamente tornou-se hoje referência de moda e cultura na Catalunha e atinge um público de cerca de 100.000 pessoas. Recentemente, o evento tem se expandido para além do bairro. No chamado Off Rec, as lojas do centro tradicional, buscando aproveitar esse público que se desloca até a cidade, oferecem promoções ao longo de todo o evento.

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que sazonal, foi possível reabilitar e dinamizar o antigo bairro industrial15.

Numa outra escala, o Butantan Food Park é uma iniciativa privada de transformar um antigo estacionamento, no bairro Butantã, São Paulo, em uma praça de alimentação a céu aberto. A iniciativa foi consolidada após a aprovação do decreto em São Paulo, assinado em 2014, que regulariza e define regras para a venda de comida em estruturas móveis nas ruas da cidade.

Nesse novo parque gastronômico, comerciantes podem alugar um espaço para vender comida em barracas, trailers e nos famosos food trucks. O local possui ainda mesas para o público e um container transformado em banheiro. Oferecendo comidas do tipo gourmet, tornou-se um novo um ponto de encontro alternativo para os paulistanos, e têm atraído público tanto de dia quanto de noite (Figura 62).

Uma iniciativa semelhante acontece na Rua Oscar Freire, em São Paulo. O Instituto Mobilidade Verde em parceria com a

15 Disponível em <rec0.com> Acesso em: 30/07/2014.

Figura 60 – Lojas pop up em containers ocupam todo o bairro Rec – Igualada, Espanha. (Fonte: rec0.com / Ano: 2014)

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incorporadora Reud transformaram uma rampa de acesso de um estacionamento particular em um espaço de lazer aberto ao público, com bancos e jardins. Todos os dias, o local é ocupado por um food truck diferente, movimentando e atraindo pessoas para o local. (Figura 63)

O espaço público em discussão

Como destaca Gehl (2013), nós moldamos a cidade e depois a cidade nos molda. Assim, quanto mais humano for o espaço urbano, mais valorizada será a escala humana. Uma cidade de pessoas para pessoas. É nesse sentido que, indo além de buscar como o comércio no espaço público acontece, trazemos referências que buscam questionar o modo como ocupar este espaço.

Ações como do grupo Raumlabor Berlim tem colocado tais discussões em prática. Com sede na Alemanha, o grupo aborda questões de renovação e transformação urbana. Com intervenções no mercado público Market Hall IX, em Berlim, por exemplo, o grupo propôs stands com base modular que permitem diversas

Figura 62 – Antigo estacionamento tornou-se o novo point alternativo no bairro Butantã – São Paulo. (Fonte: autor / Ano: 2014)

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possibilidades de expansão, com um layout adaptável de acordo com as necessidades do comerciante e criando espaços de uso coletivo. Tais adaptações podem ser permanentes ou temporárias, de modo que o mercado é auto-construído e está em constante mudança, num ambiente vivo e dinâmico. (Figuras 64 e 65)

Outro exemplo são os brasileiros do grupo Bela Rua, que também têm proposto uma série de projetos urbanos e intervenções participativas, que buscam incentivar as pessoas a transformarem a cidade. Dentre suas iniciativas, a (Rua)³ oferece uma proposta diferenciada: um cubo itinerante que, graças a sua estrutura articulável, pode abrigar diferentes atividades, transformando qualquer espaço público em um lugar de convívio, arte e lazer. Sua primeira experiência aconteceu, em 2014, na Praça Oliveira Penteado, em São Paulo. Com uma estrutura metálica e paredes de 2,70m, o cubo permaneceu instalado por três semanas. Durante este período, todos os dias haviam toalhas de picnic, livros e brinquedos, além de uma programação cultural de atividades que utilizavam o cubo como suporte. (Figura 66)

Esse questionamento e transformação dos espaços, contudo, não são exclusivos de grupos e ONGs. Na busca por

Figura 64 – Possibilidades de ampliações das barracas propostas pelo grupo

Raumlabor Berlim. (Fonte: raumlabor.net / Ano: 2011)

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humanizar o uso da rua, a Prefeitura de São Paulo regulamentou a implantação de parklets na cidade, ampliando a oferta de espaços públicos destinados à permanência, em desestímulo ao uso do automóvel. Segundo decreto nº 55.045/14 de São Paulo, parklet é uma extensão temporária do passeio público, realizada por meio da implantação de uma plataforma sobre a área antes ocupada pelo leito carroçável da via pública, equipada com mobiliário para repouso e recreação. (Figura 67)

O primeiro parklet foi instalado em São Francisco (EUA), em 2005, e tinha como objetivo propiciar a discussão sobre a cidade para as pessoas e, desde então, tem se popularizado. Seu baixo custo e facilidade de montagem o tornam uma alternativa para a carência de espaços públicos e de convivência. Sua instalação depende da iniciativa dos próprios cidadãos, o que estimula os processos participativos na cidade16. Em São Paulo, a

primeira iniciativa aconteceu em 2013, e posteriormente em 2014, quando implantado ao lado do Conjunto Nacional. A boa avaliação permitiu a Prefeitura transformar a ideia em política pública.

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Disponível em:<http:// prefeitura.sp.gov.br/parklets> Acesso em 01/08/2014.

Figura 66 – Quando aberto, o cubo propicia diferentes possibilidades de interação – São Paulo. (Fonte: belarua.com.br / Ano: 2014)

Figura 67 – Como instrumento urbanístico, os parklets simbolizam pequenas

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PARTE IV

PROPOSTA

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Por quê intervir?

A falta de políticas públicas de inclusão do comércio no espaço público coloca estes comerciantes numa situação de precarização e vulnerabilidade. Eles se mantêm excluídos do sistema de seguridade social, dos canais de diálogo institucionalizados e de condições adequadas de saúde e segurança do trabalho.

Por trabalharem nos espaços públicos da cidade, esses comerciantes são vítimas de ações violentas da polícia e dos fiscais. Essa exposição leva a diversos problemas decorrentes do estresse e do medo de terem seus produtos apreendidos. Devido às más condições de trabalho, foram identificados nesses comerciantes, a partir de conversas, problemas como hipertensão, dores de cabeça, problemas cardiológicos, dores de estômago e dores nas costas e nas pernas devido ao longo período em que permanecem em pé.

O cotidiano de violações vivenciados por eles, por meio de ações de um poder público que criminaliza este tipo de atividade exercida pelas camadas mais populares, guarda relação direta com a imposição de um modelo de cidade que prioriza interesses privados e individuais. O papel do poder público é decisivo na viabilidade dos processos de segregação, uma vez que promove

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ações de higienização social e do espaço, exemplificados na parte anterior. Busca-se privilegiar determinados setores do capital a partir da defesa da propriedade privada, em detrimento da função social da cidade.

Para esse comércio no espaço público, os efeitos da segregação socioespacial se manifestam por meio da proibição das atividades, expulsão dos espaços públicos e controle social. A inclusão dessa atividade no planejamento urbano possibilitaria a elaboração de políticas que assegurassem a continuidade dessa atividade, responsáveis por dinamizar os espaços nas cidades.

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O que propor?

Tendo em vista todas as questões históricas, sociais, políticas e estruturais apresentadas até o momento, propomos: Uma estrutura que dê suporte às atividades comerciais, disponibilizada pelas Prefeituras para ser alugada e instalada, por um determinado período, em praças e ruas, dimensionadas de acordo com a necessidade de cada comerciante. Politicamente, nossa preocupação é que tal proposta funcione como um instrumento de inserção desse setor marginalizado. Os trabalhos de campo e estudos de caso, apresentados ao longo desse trabalho, revelaram a necessidade de solucionarmos três pontos que julgamos principais:

1. Cadastro e documentação

É preciso viabilizar a realização da atividade. A ilegalidade está presente neste setor, mas como verificamos, esta situação não representa boa parte da realidade. Contudo, a carga negativa agregada ao trabalho informal resulta em preconceito da sociedade

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e constantes violações dos direitos desses comerciantes por parte do Poder Público. É preciso reverter esse paradigma. São necessárias mudanças nas ações públicas, que costumam apenas mascarar uma tentativa de inclusão. Por um lado, quando atendem o pequeno comerciante a partir da construção de espaços projetados, como os camelódromos ou Shopping Popular, mostram-se ineficientes e revelam uma ausência de percepção do Poder Público em relação a importância desse comércio para o espaço em que estava antes inserido. Por outro, quando propõem estruturas no próprio espaço público (como no projeto da nova Orla carioca), exploram a valorização desse novo ponto comercial, tornando-o inacessível ao antigo pequeno comerciante.

A proposta dessa estrutura, que poderá ser alugável e disponibilizada pela própria Prefeitura, busca reverter isso. O cadastro dos comerciantes que já acontece em algumas Prefeituras, como verificamos17, é ideal desde que seja abrangente e flexível, e

não coibidor, como costuma ser recorrente em casos como o da

17 Esse tipo de cadastro já existe em algumas cidades. Em São Paulo, na forma

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Feira da Madrugada, em São Paulo. Além disso, para evitar a aquisição da estrutura por grandes empresas ou mesmo a formação de franquias, o cadastro deve ser feito a partir de uma documentação específica. Para comprovar que não possui outro tipo de negócio em seu nome, o requerente deve solicitar na Junta Comercial uma Certidão Negativa de Pessoa Física e apresentar junto com seus documentos pessoais no órgão municipal que se tornará responsável pelo cadastro. Para evitar a especulação, como relatamos no caso do camelódromo em São José do Rio Preto, a estrutura não poderá ser comercializada e será intransferível.

2. Zoneamento

É necessário um planejamento. O comércio no espaço público é capaz de dinamizar os espaços, como constatamos nos trabalhos nas praças Mário Eugênio (Presidente Prudente, SP) e Ricard Vinyes (Lleida, Espanha), além de ser uma alternativa para revitalização de espaços, como em Igualada (Espanha). No entanto, é preciso garantir um uso compatível com o entorno (Figura 69), para que este não se torne um transtorno para os moradores locais, como vimos no caso de Presidente Prudente.

O ideal é a realização de um mapeamento de uso e ocupação da cidade, para que possa ser feito um zoneamento. Deve-se levar em conta as principais características do entorno: área residencial ou comercial, tipos de comércio existentes e seus produtos comercializados, hierarquia das vias e fluxos. A partir desse estudo, deve ser estabelecido tanto os espaços em que a estrutura poderá ou não ser instalada na cidade, como também o tipo de produto a ser comercializado e o horário limite de funcionamento, classificando estes espaços de acordo com o horário mais adequado de funcionamento e a categoria de comércio.

Em áreas residenciais, um horário adequado de funcionamento seria até às 18:00, por exemplo. Em áreas comerciais, até às 22:00 seria ideal para manter agitadas áreas que costumam ficar desertas durante a noite, ou ainda funcionar até de madrugada, em ruas tipicamente voltadas ao lazer noturno.

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3. Estrutura

Quanto menor a estrutura do comerciante, mais vulnerável ele se encontra. Essa vulnerabilidade não é apenas social, mas também física. As feiras que possuem regras rígidas de tempo para a montagem/desmontagem exigem estruturas simples, tornando-as precárias. Na feira em Presidente Prudente (SP), por exemplo, os comerciantes carecem de condições mínimas de trabalho, sem espaço para repouso, acesso aos banheiros ou às vezes sem uma cobertura, o que os deixa expostos às adversidades climáticas. Mas a despeito de todos esses problemas, estes ainda são os modelos que são considerados como padrão para feiras e disponibilizados pelo próprio Ministério da Agricultura (Figura 70). No caso dos comerciantes que se instalam nas praças ou calçadas, a ausência de condições mínimas e regras de funcionamento, permite que a situação se torne ainda mais precária.

Para pensarmos em uma nova estrutura que dê suporte adequado as atividades comerciais, é preciso levar em conta que estas poderão ser instaladas tanto em praças quanto nas ruas, no formato de feiras ou ocupando as vagas de estacionamento (Figura 71).

Figura 70 – Barraca disponibilizada pelo Ministério da Agricultura apresenta carências infraestruturais. (Fonte: agricultura.gov.br / Ano: 2014)

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Assim, nossa primeira proposta partiu de uma estrutura conjunta, toda articulável (Figura 72). No entanto, esta apresentou uma série de problemas. Primeiro, seu formato fixo restringiria as possibilidades de diferentes atividades, não permitindo que cada comerciante utilizasse a estrutura de acordo com suas necessidades específicas. Essa falta de flexibilidade traria reflexos também no transporte, dado o tamanho e o peso de toda a estrutura conjunta.

Partimos então para a proposta de elementos desassociados, tanto da estrutura que daria suporte a atividade comercial, quanto da cobertura. A solução permitiria assim, maior flexibilidade estrutural. Pensamos inicialmente em boxes, com conjuntos de peças que poderiam se encaixar de diferentes maneiras, aumentando o número de possibilidades da estrutura (Figura 73). A cobertura também seria dividida em peças menores, toda encaixável. Seu formato em escama possibilitaria não apenas encaixes resistentes mas uma grande variabilidade de formas (Figura 74).

No entanto, tais soluções acabaram se revelando ineficientes. Primeiro, porque deveria ser elaborado um box de para cada tipo de comércio especificamente, com os tipos de

Figura 72 – Croqui da proposta de estrutura conjunta. A estrutura seria articulável e se desdobraria formando o espaço comercial. (Elaboração: autor)

Referências

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