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Experiências de educadores: convite para reflexão sobre a formação contínua

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Academic year: 2017

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EXPERIÊNCIAS DE EDUCADORES:

convite para reflexão sobre a formação contínua

São Paulo

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Camila Serino Lia

EXPERIÊNCIAS DE EDUCADORES:

convite para reflexão sobre a formação contínua

Dissertação submetida à UNESP, como requisito parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Artes para obtenção do título de Mestre em Artes.

Área de concentração: Artes e Educação

Linha de Pesquisa: Mediação cultural: histórias, políticas, metodologias

Orientação: Profª Drª Rejane Galvão Coutinho

São Paulo

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Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP

L693e

Lia, Camila Serino, 1972-

Experiências de educadores: convite para reflexão sobre a formação contínua - São Paulo, 2012.

129 f. ; il.

Orientador: Rejane Galvão Coutinho

Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2012.

1 Formação contínua. 2. Arte e educação. 3. Patrimônio cultural. I. Coutinho, Rejane Galvão. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título

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Termo de aprovação

___________________________________________

Profa. Dra. Rejane Galvão Coutinho Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação Instituto de Artes – Unesp

___________________________________________

Profa. Dra. Luiza Helena da Silva Christov Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação Instituto de Artes – Unesp

___________________________________________

Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa Universidade Regional do Cariri

Suplentes

Profa. Dra. Rita Luciana Berti Bredariolli Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação Instituto de Artes – Unesp

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Agradeço

À Rejane, pela orientação e amizade.

À professora Luiza Christov e aos colegas de mestrado da UNESP, pelas aulas cheias de vida.

Ao professor Fabio Rodrigues, por seu olhar meticuloso e pelas indicações teóricas.

À Paula e Eliane, pelas conversas sobre mestrado e pela experiência em Inhotim.

À Valéria Alencar e Guilherme Nakashato, pelos conhecimentos compartilhados.

Ao pessoal da pós-graduação UNESP, em especial à Marisa, Marli, Angela, Thiago e Fabio.

À Débora Vieira pela revisão cuidadosa.

À Luciana Rocha pela tradução do resumo.

Ao coletivo Arteducação Produções, pelas histórias que vivemos juntos.

Às queridas Ana Amália e Heloísa Margarido, pela formação.

A todos os educadores do Centro Cultural Banco do Brasil e do Museu da Cidade de São Paulo, pelas experiências compartilhadas.

À Edna, à Tatiana, à Jaqueline, à Valéria, ao Adonay, à Kátia, à Kakau e ao André Douek pelos caminhos trilhados no dia-a-dia do projeto educativo do MCSP

Às colegas da primeira turma do projeto Redefor, Christiane, Eneila, Maristela, Nancely, Simone, Silvana e Rita, pela formação para formar.

Aos colegas e alunos do curso de licenciatura em Artes Visuais da Estácio, em especial Erick, pelas conversas sobre o ensino e a arte.

À Teresinha Pinheiro, pelo cuidado com a alma e coração.

Aos meus professores de natação Wilson e Isabel, por ensinar sobre a persistência.

Às amigas Angela, Chris, Melina e Rita.

E, por fim, aqueles que são essenciais à minha vida: minha querida filha Thais; meu grande amor Almir; meus pais Ruy e Eliane, meus irmãos Marília, Mauricio e Ricardo e seus

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RESUMO

Essa pesquisa tem como objetivo compreender percursos e processos de formação contínua para a mediação cultural a partir de investigação e reflexão sobre as experiências de educadores que atuam no âmbito de instituições culturais e museológicas da cidade de São Paulo. As experiências apresentadas são analisadas por suas dimensões formativas e em sua imbricação com o contexto dessas instituições e também com as práticas de mediação cultural dos educadores, situadas em específicos cenários dos projetos educativos de duas instituições da cidade de São Paulo: O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no período de 2001 a 2007 e o Museu da Cidade de São Paulo (MCSP), no período de 2008 a 2011. Parte-se da narração de experiências de formação da autora como arte/educadora com foco naquelas vivenciadas junto ao coletivo Arteducação Produções no CCBB, considerando relações entre as práticas e fundamentos de mediação cultural com as de formação inicial e continuada. Em seguida são apresentadas as experiências de formação de educadores situadas no âmbito do Projeto de Educação Patrimonial no MCSP e tecidas relações com as concepções de patrimônio, cultura e mediação cultural. Finalmente, a visão dos educadores do projeto educativo do MCSP possibilita análise e reflexão de novos sentidos sobre a formação contínua, a partir de material coletado em dinâmicas de grupo focal. As experiências e reflexões partilhadas ao longo da pesquisa apontam para uma compreensão mais minuciosa dos percursos e processos de formação contínua e de suas relações e implicações com a mediação cultural, bem como para a necessidade de práticas de formação incorporadas no cotidiano de trabalho dos educadores nas instituições culturais.

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RESUMEN

Esa pesquisa tiene como objetivo comprender trayectos y procesos de formación continua para la mediación cultural a partir de investigación y reflexión acerca de las experiencias de educadores que actúan en el ámbito de instituciones culturales y museológicas de la ciudad de São Paulo. Las experiencias presentadas son analizadas por sus dimensiones formativas y en su imbricación con el contexto de esas instituciones e incluso con las prácticas de mediación cultural de los educadores, situadas en específicos escenarios de los proyectos educativos de dos instituciones de la ciudad de São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), en el período de 2001 a 2007 y el Museu da Cidade de São Paulo (MCSP), en el período de 2008 a 2011. Se parte de la narración de experiencias de formación de la autora como arte educadora con foco en aquellas practicadas junto al colectivo Arteducação Produções en el CCBB, considerando relaciones entre las prácticas y fundamentos de mediación cultural con las de formación inicial y continuada. Luego se presentan las experiencias de formación de educadores situadas en el ámbito del Projeto de Educação Patrimonial (Proyecto de Educación Patrimonial) en el MCSP y tejidas relaciones con las concepciones de patrimonio, cultura y mediación cultural. Finalmente, la visión de los educadores del proyecto educativo del MCSP posibilita análisis y reflexión de nuevos sentidos sobre la formación continua, partiendo de material colectado en dinámicas de grupo focal. Las experiencias y reflexiones compartidas a lo largo de la pesquisa apuntan para una comprensión más minuciosa de las trayectorias y procesos de formación continua y sus relaciones e implicaciones con la mediación cultural, bien como para la necesidad de prácticas de formación incorporadas en el cotidiano del trabajo de los educadores en las instituciones culturales.

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MEMORIAL DE IMAGENS

Registro pessoal, fotografia, cidade de São Paulo.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Tipos de respostas dos educadores ao convite de

participação para o grupo focal. 83

Gráfico 2 - Tempo de atuação dos educadores participantes

do grupo focal no projeto educativo, em meses. 84

Gráfico 3 - Nível de formação acadêmica dos educadores no

ingresso do projeto. 90

Gráfico 4 - Nível de formação acadêmica dos educadores na data

da dinâmica dos grupos focais. 90

Gráfico 5 - Áreas de formação acadêmica dos educadores na data

da dinâmica dos grupos focais. 91

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Tempo de atuação de cada um dos educadores

participantes do grupo focal no projeto educativo, em meses. 85

Tabela 2 - Tempo de atuação dos educadores participantes do grupo

focal no projeto educativo, por grupo focal, em meses. 86

Tabela 3 - Quantidade e nomes das unidades onde atuaram os

educadores participantes do grupo focal. 87

Tabela 4 - Formação acadêmica dos educadores participantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 16

1. A FORMAÇÃO DE SI 23

1.1. Percebendo as experiências: em busca de harmonia 30

1.2. Experiência como crescimento e amadurecimento 37

2. A FORMAÇÃO DO OUTRO 46

2.1. Sobre o cenário da experiência: primeiros matizes 49

2.2. Investigando alguns matizes sobre a formação dos educadores 70

3. A FORMAÇÃO COM O OUTRO 80

3.1. As rodas de conversas e os caminhos para onde levaram 91

3.2. Forma, fôrma, deforma: considerações iniciais dos educadores sobre formação e formação contínua 94

3.3. Viver e narrar experiências de mediação: possibilidades de aprender e refletir 100

3.4. Trocas entre os educadores: o espaço da formação em sua intimidade 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS 117

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Caligrafia. Arte do desenho manual das letras e palavras. Território híbrido entre os códigos verbal e visual. - O que se vê contagia o que se lê. Das inscrições rupestres pré-históricas às vanguardas artísticas do século XX. Sofisticadamente desenvolvida durante milênios pelas tradições chinesa, japonesa, egípcia, árabe. Com lápis, pena, pincel, caneta, mouse ou raio laser. - O que se vê transforma o que se lê. A caligrafia está para a escrita como a voz está para a fala.

Arnaldo Antunes

A poesia de Arnaldo Antunes me inspira a escrever um texto para dar corpo às experiências, inquietações e reflexões sobre percursos de formação contínua de educadores que atuam na área da mediação cultural, ao relacionar e entrelaçar palavras e imagens que compõem a minha história como arte/educadora com as de outros sujeitos, lugares e acontecimentos. A escrita de um texto que é também de uma narrativa, nesse caso, da minha própria e de muitas outras sobre as quais o processo desta pesquisa de mestrado produziu um movimento de conhecimento que pode ser relacionado com a ideia de “um movimento em espiral que se adensa, como quando jogamos uma pedra na água e ela produz uma série de ondas em círculos concêntricos na superfície e no entorno de seu mergulho” (COUTINHO, 2004, p. 148).

As histórias, experiências e situações narradas nesta pesquisa são delineadas a partir de alguns percursos de formação de educadores situadas em específicos cenários da mediação cultural, vivenciadas e observadas em projetos educativos de duas instituições culturais da cidade de São Paulo: O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no período de 2001 a 2007 e o Museu da Cidade de São Paulo (MCSP), no período de 2008 a 2011.

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XX, a implantação e crescimento de departamentos, serviços ou setores de educação, cujas ações irão especializar-se nos processos de recepção e mediação de público.

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Sob incentivos de renúncia fiscal, a maioria desses espaços busca ampliar o acesso de todos aos bens culturais sob a bandeira da “democratização das artes e da cultura” justificando assim a presença de mediadores culturais (COUTINHO, 2009, 172). Contudo, se a demanda pela recepção de um público cada vez maior e diverso favorece a criação ou o aumento da contratação de educadores, seja como profissional ou estagiário, ela também implica desafios para os setores e programas educativos que entendem que a qualidade de suas práticas de mediação cultural possui relação intrínseca com o desenvolvimento e aprimoramento continuado das práticas e saberes de suas equipes.

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A relação entre os cenários do CCBB e do MCSP se dará também pelo fato dos projetos educativos terem sido coordenados por uma mesma equipe, o Arteducação Produções (AEP), um grupo independente formado por educadores, artistas e produtores culturais que realiza projetos e consultorias de ações educativas para instituições culturais, do qual faço parte e venho compartilhando experiências e refletindo sobre arte/educação, mediação cultural e formação.

Inicialmente a pesquisa pretendia abordar somente a formação dos educadores do MCSP, mas, como o meu olhar sobre este cenário é constituído e influenciado por camadas de outras experiências de meu percurso como arte/educadora, na investigação e reflexão sobre a formação do outro a minha própria está implicada e ao ser narrada, faz desta pesquisa uma possibilidade formativa. Segundo as idéias de Antonio Nóvoa e Matthias Finger (2010) sobre o papel do método autobiográfico na formação de educadores e formadores, “dificilmente poderemos pretender interferir na formação dos outros, sem antes termos procurado compreender o nosso próprio processo de formação” (2010, p. 26). O contato com as idéias desses autores me levou a leituras de outros como Pierre Dominicé (2010) e Marie-Christine Josso (2010), contribuindo para a percepção de minha atuação e formação como educadora a partir do diálogo com diferentes perspectivas e abordagens de investigação.

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Adèle Chiené e Marie-Christine Josso (2010) foi articulado às pesquisas de formação de educadores de Rejane Galvão Coutinho (2009) e Luíza Helena da Silva Christov (2012), concorrendo para a delimitação e organização das experiências formadoras e, na compreensão e reflexão sobre o papel da narrativa na formação. Ao imbricar aspectos de formação contínua com as práticas de mediação, situo ideias de Coutinho (2009) sobre esse tema a partir de suas pesquisas realizadas sobre os projetos desenvolvidos pelo AEP no CCBB.

A experiência como supervisora no MCSP é posterior a do CCBB e foi marcada fortemente no inicio da implantação do seu projeto educativo pelas concepções e práticas vivenciadas no CCBB. Como as minhas perspectivas e do AEP para a concepção inicial e desenvolvimento de um novo projeto educativo sofreu essa influência, a necessidade de revisão dessa referência como modelo diante de um novo contexto foi perpassada por momentos de crise e conflito. A ideia de que não existem modelos de práticas de formação e de mediação é questão importante de minhas reflexões nessa pesquisa e intenciona levar a perceber os diferentes matizes dos percursos e processos de formação experimentados e imaginados em cada contexto da mediação cultural das instituições culturais abordadas na pesquisa.

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dos autores já mencionados. No decorrer desse capítulo, recortes de relatos reflexivos dos educadores registrados ao longo do projeto são tecidos às questões e reflexões abordadas, contribuindo para uma aproximação mais intima de suas práticas e ideias. Esse capítulo é nomeado de “A formação do outro” por apresentar a minha interpretação sobre a formação dos educadores do MCSP como novos sujeitos da pesquisa.

A percepção de que os processos de formação de educadores não precisam submeter-se a um modelo ou padrão ampliou-se a partir do amadurecimento da ideia de que a formação contínua é um processo dinâmico e orgânico que implica em movimento dos sujeitos nela envolvidos. Dessa forma, interessou-me compreender a visão dos educadores do MCSP sobre a sua própria formação. Como eles, sujeitos dos processos de formação, a percebem e entendem? Como a experiência no MCSP incidiu ou ainda incide na formação? Para acolher novas visões e narrativas, educadores desse projeto foram convidados para participar de dinâmicas de grupo focal, gerando material para o capítulo seguinte.

No terceiro capítulo, finalmente, intitulado “A formação com o outro”, foram identificados, por meio da análise quantitativa e qualitativa do material reunido, os principais temas e questões abordados nas conversas, organizados em três categorias que dimensionam as ideias de formação e formação contínua dos educadores; as experiências de mediação e seu papel na formação e, por último, as experiências de formação vivenciadas com os colegas de profissão no âmbito do projeto.

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interpretar as minhas experiências formadoras e as vivenciadas no MCSP. O estudo de suas concepções possibilitou delinear as qualidades das experiências situadas na pesquisa, pois ampliou a percepção sobre seus aspectos mais íntimos e sutis, seus ritmos e movimentos. O próprio processo de narrar e refletir sobre a formação contínua por meio dessa pesquisa é percebido como uma experiência estética e, como tal, consumada nas considerações finais.

Por fim, é importante dizer sobre a incorporação às narrativas de imagens feitas a partir de registros fotográficos realizados por mim no âmbito dos projetos no CCBB e MCSP com o intuito de ilustrar, complementar, elucidar e ampliar interpretações sobre as ideias discorridas por meio de processo de investigação e construção de significados que pode ser compreendido como opção metodológica. O acesso visual constante e o processo de seleção das imagens refrescaram a minha memória e a atribuição de novas leituras sobre experiências passadas, enriquecendo o processo de uma escrita descritiva e reflexiva.

Todas as imagens fazem parte de um conjunto organizado em acervo pessoal com matrizes em formato analógico e digital que ao longo das minhas atividades profissionais vem sendo ampliado.

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Aquilo em que cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles de que se recorda

Pierre Dominicé

Daquilo que escapa ao registro fotográfico, as lembranças e as experiências possibilitam tramar a vida dos outros com a nossa própria. Na família e na infância, lugares das afetividades e das brincadeiras, minhas lembranças traçam vínculos com meus avós, pais e irmãos, revelando que as minhas escolhas com a arte e com a educação não aconteceram por acaso. A memória pode trazer à consciência experiências passadas cujas visualidades, cheiros e sensações não se desgarram das minhas escolhas e experiências mais recentes, levando-me a perceber como a configuração de nosso ser envolve-se das dimensões artísticas, estéticas, culturais e afetivas que a vida nos proporciona.

Segundo Rejane Galvão Coutinho, “as memórias do espaço de intimidade das relações familiares são fortes e significativas na composição das referências artísticas e estéticas que se situam na essência de cada sujeito” (2008, p. 148). Nesse sentido, também é possível pensar as memórias das relações familiares como uma memória cultural dos fazeres tradicionais mais artesanais, arcaicos e ritualísticos (SANTAELLA, 2008) dos espaços das intimidades, que ora se preservam, ora se transformam diante e com os nossos olhos. Lembro de meu avô geralmente vestido de branco, pois era médico, esculpindo figuras de madeira nos momentos de lazer. O conhecimento sobre a técnica da escultura provavelmente foi aprendido num curso que realizou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, e confluía com sua habilidade, sensibilidade e respeito para com a matéria-prima, a madeira. Como herança e lembrança, tenho guardadas algumas de suas ferramentas e uma sensação agradável quando sinto cheiro de madeira. Dos fazeres caseiros de meu pai, ficaram guardadas na memória imagens dos consertos e das invenções das pequenas coisas da casa, de sua caixa de ferramentas bem organizada e de uma mesa forrada de feltro verde onde ele confeccionava com destreza pequenos aviões com delicada madeira balsa1. Com um estilete afiado, cortava as madeiras em linhas retas e

curvas com tanta exatidão e perfeccionismo que a cena absorvia meu olhar e instigava-me a imaginar as suas histórias da infância sobre construções de seus carrinhos de rolimã.

Ao lembrar e escrever sobre essas experiências da infância, entre tantas outras que poderiam ser escritas, percebo traços de certo modo particular de olhar o mundo ao meu redor: contemplativo, silencioso, encantado, atento. Um olhar que observa, absorve, aprende. Mais tarde, em minha juventude, esse olhar quase natural e inocente seria

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impulsionado - pelo desejo de comunicação e compreensão do mundo e seus sujeitos - a expressar-se por meio da fotografia que, em ensaios e registros de experiências profissionais, iria se configurar como linguagem na vida adulta.

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Esse breve percurso de vida, que também é o do meu olhar, possibilita-nos perceber uma relação entre o modo singular como nos formamos com o nosso modo de ser, estar e perceber o mundo, configurado desde a infância a partir de escolhas e decisões que nos diferenciam uns dos outros, como Sandra Richter nos provoca a pensar, pois, “as experiências distintas em nosso viver fazem diferença na corporalidade, na sensibilidade, na capacidade de ver, sentir e ouvir, isto é, de imaginar, perceber e agir” (2005, p. 19). Rememorar e escrever sobre o percurso de meu olhar “mobiliza a minha memória” e gera associações com aquilo que em mim é formador no meu percurso de vida, propiciando avançar numa narrativa mais integral das minhas experiências de formação como educadora.

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“representados, retirados do esquecimento pela associação ou extraídos de uma lembrança recente” (2010, p.135). Ao narrar, o autor torna-se interprete de suas próprias experiências de formação e elabora um texto que “oferece-se à interpretação dos leitores possíveis, e, também, à do leitor-autor” (2010, p.133).

Nesta narrativa, há um esforço em traduzir em palavras as minhas experiências formadoras. Esse esforço ocorre em direção a dois caminhos que se cruzam: um é o caminho de compreender os processos de formação. Segundo Marie-Christine Josso, para sintetizar de que forma “as situações, as relações, as atividades e os acontecimentos narrados foram formadores” (2010, p.71), podemos utilizar o conceito de integração:

Formamo-nos quando integramos na nossa consciência, e nas nossas atividades, aprendizagens, descobertas e significados efetuados de maneira fortuita ou organizada, em qualquer espaço social, na intimidade com nós próprios ou com a natureza (JOSSO 2010, p 71).

A decisão por abordar e articular, nesta pesquisa, percursos de minha formação e de outros educadores, pode ser entendida como a forma como articulei as “aprendizagens, descobertas e significados” vividos e percebidos em nossas experiências, para buscar uma compreensão mais clara e complexa e, portanto, talvez, mais integrada, da ideia de formação contínua. Entretanto, narrar em palavras as “aprendizagens, descobertas e significados” exige ainda percorrer outro caminho: o de selecionar as experiências, operação sobre a qual Luiza Christov nos ajuda a pensar:

Narrar é sempre uma decisão que seleciona, prioriza, escolhe o que contar. Justamente nesta escolha, neste recorte e no esforço teórico por ele exigido reside o potencial reflexivo da narrativa. Trata-se de um trabalho que põe em jogo memória e decisões sobre o memorável. Trata-se de um trabalho do pensar, de quem pensa e questiona o vivido (CHRISTOV, 2012).

Escolhemos e decidimos sobre o que contar e também com quem contar, os autores que fundamentam nossas ideias, os pesquisadores e educadores com os quais compartilhamos experiências; para quem contar, o leitor-estudante, o leitor-educador, o leitor-formador, por exemplo e, escolhemos a forma de contar: os percursos das palavras e, neste caso, o das imagens também.

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Por um lado, como passagem da atividade mental interior para a sua transmissão pela linguagem; por outro, como passagem de um “vivido”, no qual se encontra uma aglutinação de emoções, sentimentos, imagens e ideias, e uma ordenação desses componentes, para que a narrativa seja inteligível para um terceiro (2010, p. 69).

Inteligível para terceiros, assim como também para o próprio narrador, a narrativa oferece a possibilidade de identificar e compreender aqueles componentes entendidos como formadores, mobilizadores. Segundo Josso, estes componentes são “fatos” reunidos em períodos de existência que a narrativa articula entre si, sendo que a articulação entre esses períodos ocorre em torno do que a autora nomeia de “momentos-charneira2 “:

[...] designados como tal porque o sujeito escolheu – sentiu-se obrigado a – uma reorientação na sua maneira de comportar, e/ou na sua maneira de pensar o seu meio ambiente, e/ou pensar em si por meio de novas atividades. Esses momentos de reorientação articulam-se com as relações de conflito, e/ou mudanças de estatuto social, e/ou com relações humanas particularmente intensas, e/ou com acontecimentos socioculturais (familiares, profissionais, políticos, econômicos). [...] Nestes momentos-charneira, o sujeito confronta-se consigo mesmo. A descontinuidade que vive impõem-lhe transformações mais ou menos profundas e amplas (2010, p. 70).

Para Antônio Nóvoa, esses momentos são chamados de “momentos-ruptura”, cuja articulação se daria através da reconstrução retrospectiva de um dado percurso de vida na narrativa (auto) biográfica, compreendida como abordagem de formação e investigação. Nóvoa propõe que o processo de formação ocorra pela reflexão retroativa sobre elementos de dois outros processos anteriores: o processo de aprendizagem, compreendido pela “aquisição de técnicas e da capacidade de manipulá-las” e, pelo processo de conhecimento, compreendido “pela integração de sistemas simbólicos (normas, ideologias, valores)” (2010, p.172-173). A identificação e reflexão sobre estes “momentos–ruptura” levaria a uma tomada de consciência dos processos de formação e, à realização de uma nova ação.

Ao falar em processo de formação de adultos, Nóvoa sublinha que “os adultos se formam por meio das experiências, dos contextos e dos acontecimentos que acompanham a sua existência.”. A partir desse entendimento, para o autor:

A abordagem biográfica reforça o principio segundo o qual é sempre a própria pessoa que se forma e forma-se à medida que elabora uma compreensão sobre o seu percurso de vida: a implicação do sujeito no seu próprio processo de formação torna-se assim inevitável. Desse modo, a abordagem biográfica deve ser entendida como uma tentativa de encontrar uma estratégia que permita ao indivíduo-sujeito tornar-se ator do seu processo de formação, por meio da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida (2010, p.168).

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Vista por esse prisma, a formação do adulto é continua e depende da apropriação que ele faz de seu próprio processo de formação. Contudo, é necessário pensar que a formação é contextualizada e, segundo Nóvoa, “depende dos apoios exteriores que ajudam, estimulam, e inspiram percursos individuais“, e que a formação “é um espaço de socialização e está marcada pelos contextos institucionais, profissionais, socioculturais e econômicos em que cada um vive” (2010, p. 172).

Na narrativa que busco elaborar neste capitulo, o desafio é explicitar as transformações que operei por meio de aprendizagens e conhecimentos específicos, os quais, segundo estes autores, estão localizados em determinados contextos: situações, acontecimentos, interações e atividades. Como proposta para organizar a narrativa, Nóvoa sugere um determinado eixo de investigação, que impediria, segundo o autor, certa “derrapagem” ou “pendor psicanalítico” na abordagem biográfica. Esses eixos de investigação foram elaborados a partir de uma experiência de formação chamada PROSALUS3, ocorrida em várias regiões de Portugal ao longo do ano de 1986, num

contexto específico e que, por isso, o autor admite a hipótese de haver outras propostas (2010, p. 176). Esses eixos, transcritos do autor, seriam:

Estruturação e ciclos – entendida como a globalidade de um percurso de vida, será

que a biografia educativa permite detectar etapas, momentos formadores, pontos de ruptura, fases de transição, ciclos, que modificam e estruturam as relações do saber e à atitude face à profissão?

Mapa das relações – Que pessoas influenciam a trajetória de vida, que

desempenham papel importante no itinerário intelectual ou na concepção de vida profissional? Essas pessoas acompanham todo o percurso de vida, ou intervêm apenas num dado momento? Elas são sempre reais, ou, por vezes, são também imaginárias?

Espaços e meios sociais – Cada pessoa constrói-se ao sabor de contextos sociais,

de universos simbólicos ligados a organizações (escolares, religiosas, etc.) e locais (rurais e urbanos). Esse meio físico e social desempenha um papel formador? Quando e como? Esses espaços de vida forjam a representação que nós temos da realidade? De que modo?

Percurso escolar e educação não formal – O percurso escolar imprime uma certa

orientação à vida de cada um: de que forma esse percurso se articula com outros espaços educativos (família, grupos de jovens, experiência de vida, etc)? O que ficou da escola após vários anos de vida social e profissional? Onde se faz a “educação” que não concede diplomas, nem certificados? Qual a relação entre a educação formal e a educação não formal?

Formação continua e origem social – O nosso percurso escolar e profissional está

ligado à nossa origem social: de que modo encaramos as ações de formação continua e/ou de educação permanente? Quais são as razões que nos levam a querer ultrapassar um nível de formação de base e a querer ir mais longe, do ponto de vista cultural e acadêmico? Qual é a nossa cultura de base e de que modo evolui o nosso universo cultural?

3

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Todos estes eixos podem incidir sobre a minha formação, de modo mais ou menos evidente e intenso. Entretanto, o primeiro eixo proposto, o das estruturas e ciclos, parece-me muito significativo, pois possibilita a identificação e compreensão de moparece-mentos formadores narrados ao longo da dissertação. São momentos de passagens, rupturas ou revisões de minhas concepções e práticas sobre a formação continuada de educadores em articulação com outras experiências interpretadas e narradas por mim. O processo de mestrado em si, ao ser finalizado, ou consumado, também representaria a configuração de um ciclo em minha formação.

Para qualificar e selecionar as experiências que são significativas num percurso de formação e compreendê-las como parte ou todo dos momentos formadores que situo nesta pesquisa, construo uma conversa com as ideias de John Dewey (1925 – 1953) sobre o conceito de experiência. A tentativa é de que suas ideias ofereçam pistas para uma contextualização e problematização, mais do que uma busca por respostas e, pistas sobre as qualidades das experiências. Lembrando Christov, a “habilidade de ler a nossa experiência amplia a habilidade de compreender autores e, por outro lado, o conhecimento dos autores e de outras experiências auxiliam a compreensão sobre nossa prática” (2012).

Por ser a obra de Dewey bastante significativa, baseio minha leitura sobre alguns de seus escritos nos campos da filosofia da educação e da filosofia das belas-artes (estética), respectivamente em Experiência e Educação e Arte como Experiência4, que nos oferecem condições para compreender o seu conceito de experiência e de experiência estética. A escolha do capitulo Ter uma Experiência como foco, do segundo livro citado, tem uma razão especial de ser feita: em sua tradução anterior à recente edição da Martins Fontes, publicado pela editora Abril na coleção Os Pensadores, Tendo uma Experiência foi um texto lido e discutido em algumas reuniões de formação de educadores no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Portanto, trata-se de um texto que faz parte da minha formação. Tão importante quanto esse motivo, o conceito de experiência estética também permeou algumas disciplinas realizadas ao longo do mestrado no Instituto de Artes, junto às professoras Rejane Galvão Coutinho e Luiza Helena da Silva Christov. Dessa forma, a escolha privilegia momentos importantes de formação e, também é uma demonstração de afeto às professoras.

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1.1. Percebendo as experiências: em busca de harmonia

No ano de 1991 ingressei no curso de Bacharelado em Artes Plásticas na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Foi um marco. A convivência com pessoas de mesmos interesses, o espaço e o tempo para fazer e conversar sobre arte, as pesquisas em bibliotecas as quais antes não conhecia, a consulta ou aquisição de livros interessantíssimos e a exploração de novos materiais e técnicas revelavam-se como um mar de possibilidades artísticas e estéticas. Já nas aulas “práticas”, ou de ateliê, o contato com o desenho foi um pouco sofrido, pois era exigido, pelos professores ou talvez por mim, um caminho para a figuração sobre o qual eu tinha certa dificuldade. Diferentemente da elaboração de figuras, a exploração da plasticidade dos materiais e das cores oferecia-me maior possibilidade expressiva. Não sei ao certo, mas tenho a sensação de que encontrei um caminho, ou uma confluência, entre a figuração e a expressão por meio da linguagem da fotografia. No último ano da graduação, recuperei uma câmera fotográfica que pertencera à minha mãe. Guardada havia muito tempo, a câmera estava repleta de fungos, sem condições de ser usada. Foi preciso levá-la para ser consertada e higienizada antes de apropriar-me dela como um legado.

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transformação desse espaço, de via de carros para uma via de pessoas, barracas, frutas, legumes, cores e cheiros instigava meu olhar a concentrar-se no registro de suas mutantes nuances de luz e cor ao longo da manhã. Compreendi naquele momento a rua como um cenário e, mais tarde, associei-a às exposições de arte onde passei a visitar e trabalhar: os espaços expositivos, assim como a rua, transfiguram-se de sentidos com os novos objetos que nele passam a habitar, provocando diferentes e complexas experiências estéticas e sensoriais (CASTILHO, 2008). Desde então, das câmeras analógicas às digitais, a fotografia tem sido cúmplice de momentos importantes de minha vida.

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O diálogo e a apropriação dos espaços como os expositivos pelo meu corpo e sentidos revelaram, e continuaram revelando, diferentes qualidades estéticas que, na memória de meu corpo, constituem-se como camadas de pele que, por sua porosidade, são vias de movimentos e conexões. A consciência, a partir de minhas próprias experiências, de que elas não estão isoladas, mas contextualizadas, pois formam um conjunto maior que é o próprio processo de viver em sua inteireza, é possibilidade para compreender como o conhecimento e o percurso com a arte e com a cultura se constroem e configuram-se em nossa formação.

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educação em museus ou educação não-formal. As disciplinas situavam a educação no âmbito da educação formal, pela qual, na época, não sentia nenhum preparo. Entretanto, algum tempo depois de formada, enviei meu currículo para o processo de seleção de monitores (na época assim se falava) para a XXIV Bienal de São Paulo, que ocorreu em 1998. Hoje tenho lembranças de como, naquele momento, a possibilidade de ter uma experiência profissional que me aproximasse da arte fora imensamente motivadora. A sensação de descoberta e conquista sobre um novo território, o da arte assentuavasse pelo frescor da arte contemporânea, pela juventude dos educadores, pela inocência do primeiro emprego, afinal, sabemos como é saborosa a oportunidade de atuar naquela área em que acabamos de nos formar. No meu caso, além de uma oportunidade de trabalho, seria também a chance de descoberta e identificação com a arte/educação. Outro marco ou, como Nóvoa propõe, uma nova etapa, ao dar início a uma trajetória como educadora a partir de exposições temporárias de arte, como a Mostra do Redescobrimento Brasil + 5005, em

2000 e a XXV Bienal de São Paulo em 2002, ambas no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo.

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Essas primeiras experiências como arte/educadora em ações educativas de grandes mostras representam um movimento significativo na minha formação principalmente no que diz respeito à ampliação de repertório. Meu conhecimento sobre o campo da arte foi intensificado pelos cursos de formação que antecediam a abertura das exposições e, ao longo delas, pela aproximação e convívio cotidiano com as obras de arte, pelas leituras de textos de história, critica e filosofia da arte, pelas trocas de saberes com os colegas e pelos processos de mediação com o público. Entretanto, a leitura que faço hoje sobre os temas e questões relacionados à educação abordados nos cursos de formação inicial, ou preparatórios6, e em encontros circunstanciais entre educadores, supervisão e coordenação

dos projetos educativos ao longo das exposições, é que foram breves e pouco incidiram sobre a minha abordagem com o público: a mudança de visitas discursivas e diretivas para dialógicas e criticas foi um aprendizado fruto de esforço pessoal e menos de interferências

externas provenientes de um processo de formação continuada subsidiado pelos setores educativos das instituições. A elaboração de roteiros de visita educativa as exposições e o preenchimento de relatórios como instrumento de avaliação exigidos em nosso cotidiano propiciaram alguns avanços em minha prática, à medida que indicavam critérios de qualidade e, de certo modo, modelos, mais do que meios para solucionar dificuldades ou favorecer um olhar critico e reflexivo sobre a forma de desenvolver a mediação com o público. A percepção e a compreensão das visitas educativas como mediação e o olhar mais critico e reflexivo sobre a minha prática começariam a ser impulsionados e desenvolvidos em experiências concomitantes com a equipe do Arteducação Produções no CCBB, cujos processos de formação, entre outros aspectos que serão abordados mais adiante, passaram a corresponder mais prontamente às minhas expectativas e necessidades como arte/educadora e, gradativamente, estabeleceram-se como uma forte referência.

Dessas experiências, o conhecimento sobre arte e cultura ofereceu inegável contribuição à minha formação e, reflete, sob certos aspectos, os temas enfatizados nos cursos de formação inicial, o foco de meu próprio interesse e das discussões com os colegas de trabalho ao longo das exposições. Reflete também a abordagem de minhas visitas educativas com o público: de concepção diretiva, pautadas e asseguradas num discurso informativo, segundo Coutinho, um discurso “unilateral e legitimador que afirma e confirma o lugar da obra e de seu autor – o artista – no mundo da arte” e “construído em torno das obras, um discurso absorvido da erudição dos historiadores, dos críticos e dos curadores” (2009, p.172). A autora compreende este modelo de visita como herança de uma prática tradicionalmente instituída nos museus, em que

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[...] a pessoa que conduz e orienta a visita não é ainda reconhecida como um especialista em arte, de preferência deve ser um iniciado em processo de especialização, alguém que absorve, reproduz ou reconstitui um discurso. Um tipo de aprendiz do mundo da arte (2009, p. 172).

Hoje percebo que esse profundo interesse pela arte proporcionado por essas primeiras experiências – seja por meio da apreciação, dos estudos ou das conversas sobre as obras – representava um desejo por conhecimento que também era nutrido por constantes sensações de prazer. A luz das ideias de Dewey, posso interpretar essas experiências como uma busca pelas “formas refinadas e intensificadas de experiência” que seriam as produções artísticas que atingiram certo status – por exemplo, de perfeição, prestigio ou admiração – inquestionável mas, que, no entanto, foram segregadas da experiência humana comum: “quando um produto artístico atinge o status de clássico, de algum modo, ele se isola das condições humanas em que foi criado e das consequências humanas que gera na experiência real da vida” (DEWEY, 2010, p. 59).

Na concepção de Dewey, a obra de arte como produto acabado, real – como um livro, um quadro, uma construção - é apenas uma parte de sua existência, pois ela não estaria desvinculada ou apartada da experiência humana que a constitui, por exemplo, nas sociedades antigas nas quais “a música e o canto eram partes intimas dos ritos e cerimônias em que se consumava o significado da vida do grupo” (2010, p.65). A arte, cuja origem se daria na experiência humana, pode ser percebida “nos acontecimentos e cenas que prendem o olhar e o ouvido atentos do homem, despertando seu interesse e lhe proporcionando prazer ao olhar e ao ouvir” (2010, p. 61-62). Para Dewey, a sociedade moderna criou abismos entre a experiência comum e a experiência estética; entre o produtor e consumidor, gerando assim uma aceitação do caráter meramente contemplativo da arte. Já na década de 1930 Dewey indicava como o capitalismo foi “influencia poderosa no desenvolvimento do museu como o lar adequado para as obras de arte, assim como na promoção da ideia de que elas são separadas da vida” (2010, p.67), pois atestam poder, posição no mundo econômico, boa posição no campo da cultura superior. Para o autor, “não apenas os indivíduos, mas também comunidades e nações evidenciam seu bom gosto cultural mediante a construção de teatros de ópera, galerias e museus” que, como espaços da arte, refletem e estabelecem ”o status cultural superior, enquanto sua segregação da vida comum reflete o fato de que elas não fazem parte de uma cultura inata e espontânea”. (2010, p.67-68).

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artísticas e que todas estas experiências se acumularam em mim e me levaram adiante na vida.

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Dewey, ao elaborar uma teoria sobre o lugar da estética na experiência, propõe a compreensão do que seja uma “experiência normal”, em sua forma mais elementar, determinada pelas “condições essenciais da vida”. Para tanto, ele nos pede atenção tanto sobre as funções que o ser humano compartilha com os animais, todos “criaturas vivas”, para realizar os mesmos ajustes basais em seu meio e para levar adiante o processo de viver, como para os seus contornos mais gerais:

[...] a primeira grande consideração é que a vida se dá em um meio ambiente; não apenas nele, mas por causa dele, pela interação com ele.

Nenhuma criatura vive meramente sob sua pele; seus órgãos subcutâneos são meios de ligação com o que esta além de sua estrutura corporal, e ao qual, para viver, ele precisa adapta-ser, através da acomodação e da defesa, mas também da conquista. A todo momento a criatura viva é exposta aos perigos do meio que o circunda, e a cada momento precisa recorrer a alguma coisa nesse meio para satisfazer suas necessidades. A carreira e o destino de um ser vivo estão ligados a seus intercâmbios com o meio, não externamente, mas sim de uma maneira mais intima (DEWEY, 2010, p. 74-75).

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meio circundante” e, ao mesmo tempo, “um pedido, uma busca no ambiente para suprir essa carência e restabelecer a adaptação, construindo ao menos um equilíbrio temporário” (2010, p.75). A vida em crescimento, para Dewey, consistiria em fases em que o organismo perderia e recuperaria a cadencia com ela, pela transição do descompasso temporário para um equilíbrio de suas energias com as das condições da vida. A recuperação desse equilíbrio nunca seria um mero retorno a um estado anterior, pois seria “enriquecida pela situação de disparidade e resistência que atravessou com sucesso” (p.75). A vida, ao continuar, não se contrai, mas se expande superando os fatores de oposição e conflito e transformando-os em “aspectos diferenciados de uma vida energizada e significativa” (p. 76). Nesse processo de adaptação orgânica, estariam localizados o equilíbrio e a harmonia atingidos através do ritmo, pela tensão e não pela inércia. A ordem, como equilíbrio estável, porém móvel, seria resultado das relações das interações harmoniosas que as energias têm entre si: uma criatura sensível acolheria a ordem, com uma resposta de sentimento harmonioso, toda vez que encontrasse uma ordem congruente a sua volta:

[...] isso porque só ao compartilhar as relações ordeiras de seu meio é que o organismo garante a estabilidade essencial à vida. E, quando esta participação vem depois de uma fase de perturbação e conflito, ela traz em si os germes de uma consumação semelhante ao estético (DEWEY, 2010, p.77).

Inspirada por Dewey permito-me sentir como uma criatura sensível em movimento de adaptação orgânica em busca de uma ordem que resultaria das interações realizadas nas experiências com as manifestações artísticas, os processos de mediação e os encontros com as pessoas. Estas interações revelariam tensões e adaptações com os diferentes cenários e pessoas sobre as quais percebo que fui buscando respostas a um “sentimento harmonioso”, em encontros com uma “ordem congruente” que foi sendo percebida ao longo das minhas experiências e narrativas desta pesquisa.

A intensidade da vida, segundo Dewey, estaria nos momentos de passagem da perturbação para a harmonia, e nunca num mundo totalmente perturbado ou acabado, de mero “fluxo”, onde a mudança não seria cumulativa e não se moveria em direção a um desfecho, ou num mundo acabado onde não haveria traços de suspense e crise. Para Dewey, “pelo fato de o mundo real, este em que vivemos, ser uma combinação de movimento e culminação, de rupturas e de reencontros, a experiência do ser vivo é passível de uma qualidade estética” (2010, p. 79-80). A experiência, quando é experiência, diz Dewey:

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com o mundo; em seu auge, significa uma interpenetração completa entre o eu e o mundo dos objetos e acontecimentos. Em vez de significar a rendição aos caprichos e à desordem, proporciona nossa única demonstração de uma estabilidade que não equivale à estagnação, mas é rítmica e evolutiva. Por ser a realização de um organismo em suas lutas e conquistas em um mundo de coisas, a experiência é a arte em estado germinal. Mesmo em suas formas rudimentares, contém a promessa da percepção prazerosa que é a experiência estética. (DEWEY, 2010. p.83 - 84).

O olhar investigativo e reflexivo para as qualidades de minhas experiências, sobre seus encontros e desencontros, passagens e rupturas, lutas e conquistas podem ser percebidos como movimento que impulsiona a crescimento e formação.

1.2. Experiência como crescimento7 e amadurecimento

Novos grupos e rodas foram nascendo e delineando mais experiências em minha história. Em 2001 fui selecionada para trabalhar como educadora no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo pelo Arteducação Produções (AEP). Uma característica importante do AEP é a busca de autonomia teórica e ideológica mesmo correspondendo às demandas das instituições e seus contextos específicos, com os quais vem desenvolvendo parcerias. A sua prática é marcada por seu caráter de formação e de autoformação dos membros que constituem a sua equipe e dos grupos de mediadores formados a cada projeto, numa perspectiva de desenvolvimento de propostas e produção de conhecimentos (COUTINHO, 2009).

Inicialmente integrei esse grupo como educadora para atuar nas ações educativas no CCBB e, no decorrer dos projetos nessa mesma instituição, experimentei outras atividades, como de supervisora e produtora, e na concepção de propostas e materiais de mediação para a ação educativa e encontros para professores. Essas funções foram desenvolvidas num cenário fértil: ao longo de diversas exposições de arte, junto a integrantes do AEP e de vários grupos de educadores que se formavam ao longo de cada exposição ou para um conjunto delas. Como contraponto aos processos de formação e mediação das grandes mostras citadas anteriormente, essa experiência subsidiou e ampliou a reflexão sobre as minhas práticas e concepções como arte/educadora e permitiu perceber minha formação de modo mais coeso e integrado.

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Contextualizar brevemente a instituição é necessário para entender em que panorama as proposições do AEP se inserem e em quais cruzamentos de valores, crenças e representações elas operam (COUTINHO, 2011). O CCBB, inaugurado em 2001, está localizado num edifício restaurado, onde funcionava a primeira agencia do Banco do Brasil do Estado de São Paulo, construída na década de 1920 pelo engenheiro-arquiteto Hippolyto Gustavo Pujol Junior, a partir da reforma de um antigo edifício localizado na esquina da rua Álvares Penteado com a rua da Quitanda, no centro da cidade de São Paulo. De arquitetura neoclássica, reflete a tensão entre a tradição e a modernidade característica da passagem do século XIX para o XX, visível nas ornamentações inspiradas na art noveau e art déco e na adoção de soluções inovadoras para a época, como o uso do concreto. O edifício foi, pois, adaptado para as funções de um centro cultural. No texto de apresentação de um catálogo sobre a obra de Pujol, patrocinado pelo Banco do Brasil e publicado em 2001 em função das comemorações de inauguração do CCBB-SP, comenta-se:

[...] o prédio que recebe o Centro Cultural é um signo de uma época, um verdadeiro monumento que evoca tanto a história de São Paulo quanto a do Banco do Brasil. Neste sentido, a obra de Pujol mantém viva a memória de um período de relativa normalidade econômica, de prosperidade pós-guerra, na qual as forças da produção se diversificam para dar vazão ao desenvolvimento industrial do pais. A riqueza proporcionada pela cultura do café assegura o papel de destaque de São Paulo, que passa despontar como principal pólo de progresso do Brasil (CCBB in: CARAM, 2001).

O restauro do edifício faz parte de um recente movimento de “revigoramento cultural” do centro da cidade, o qual enaltece o seu passado como metrópole e capital industrial e representa a relação de poder e saber que muitas instituições culturais e museológicas carregam. O Banco do Brasil teria como missão preservar um marco arquitetônico e uma identidade cultural, compreendendo que a cidadania passa necessariamente pela cultura e pela educação. Como centro cultural, o Banco do Brasil seria fomentador da arte e cultura ao proporcionar o acesso às obras de arte e ao formar cidadãos, onde os programas de ação educativa cumpririam o papel da recepção e formação do publico, como segue o texto de apresentação assinado pela instituição num material educativo desenvolvido pelo AEP para a exposição Yoko Ono, uma retrospectiva, em 2008:

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Como centro cultural, o CCBB abrange, desde a sua inauguração, uma programação diversificada de artes visuais, cinema, teatro, música e dança cujas temáticas são difundidas em workshops, oficinas e palestras para o público de diversas idades. As exposições em artes visuais são temporárias, com duração aproximada de dois a três meses cada, sendo cerca de quatro grandes exposições ao longo de um ano e, em paralelo e eventualmente, exposições de menor porte. A linha curatorial dessas mostras privilegia a arte e a cultura brasileira, em numero maior de exposições e, a produção artística internacional que costuma ser bastante destacada pela mídia, como por exemplo, Anish Kapoor, Ascension em 2007 e, mais recentemente em 2011 O Mundo Mágico de Escher.

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formato, o AEP desenvolveu ações educativas da maioria das exposições entre 2001 e 2006. Em 2007, o contrato do CCBB com a empresa foi firmado para um ano, para todas as exposições, sem interrupção. Além da ação educativa voltada para o atendimento ao público em geral e, em especial, das escolas e grupos agendados, as equipes eram responsáveis por desenvolver outras atividades em consonância com a programação, como encontros para professores e oficinas de artes aos finais de semana. De 2001 a 2007 o AEP desenvolveu diversos encontros para professores8, entre outros cursos e oficinas para o

público em geral, nas áreas de artes visuais, teatro e cinema. Recentemente, tornou-se frequente a permanência de uma única empresa para desenvolver esta variedade de atividades.

Nesse formato, nos primeiros anos o AEP formava uma equipe nova de educadores para a ação educativa de cada exposição, com contratos temporários. De uma exposição para outra ou em intervalos maiores entre um ano e outro, os educadores poderiam ser contratados novamente. Se o contrato do AEP com o CCBB fosse estendido, isso refletia na contratação dos educadores. Foi o que ocorreu em 2007, possibilitando, pela primeira vez, a permanência de uma mesma equipe, favorecendo a contratação em regime CLT. Para a formação de cada equipe, o AEP desenvolvia um processo de seleção amplo, por meio de análise de currículos de graduandos e graduados nas áreas de artes e humanas, com experiências variadas no campo da arte/educação. O processo de seleção procedia com entrevistas em pequenos grupos de aproximadamente 4 a 10 pessoas, numa roda de conversa propagada por questões que eram apresentadas pela coordenação e supervisão numa perspectiva dialogal. As conversas se propunham a dar relevo, pelas falas dos entrevistados, às suas experiências e ideias sobre educação, cultura e arte, assim como a sua capacidade de escuta, diálogo, reflexão e compreensão do ponto de vista do outro. Posteriormente, essas qualidades eram evidenciadas no novo grupo em formação, e desenvolvidas e instigadas tanto nos processos de formação inicial e continuada, entre a equipe de educadores e AEP, como ao longo dos processos de mediação cultural com o público nas exposições.

Anterior e paralelamente ao processo de seleção dos educadores, a equipe do AEP iniciava um processo de elaboração de estratégias de mediação que, no período de formação inicial, seriam apresentadas e discutidas com os novos educadores, que as desenvolveriam com o público nas visitas à exposição. Tendo como fundamento a Abordagem Triangular9, as estratégias visavam à articulação de suas três dimensões - a

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O formato desses encontros para professores variou ao longo dos anos, assim como suas nomenclaturas: em 2001 e 2002, Projeto Professor: Encontros no Centro; de 2003 a 2007, Diálogos & Reflexões com Educadores/Ver e Perceber a Arte.

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leitura, a produção e a contextualização - pensadas para serem desenvolvidas ao longo de uma visita, num processo transitório, cerca de uma hora e meia, num espaço circunscrito, o da instituição cultural (COUTINHO, 2009, p. 175). Por sua complexidade formal e conceitual, as estratégias ou propostas eram gestadas ao longo de cerca de dois meses antes da inauguração da exposição, pois implicavam um intenso processo que envolvia pesquisa sobre o universo da exposição, debates, experimentações e avaliações entre a equipe, além do tempo dedicado a produção de materiais – objetos, imagens, jogos - e da ambientação de determinado espaço da instituição, geralmente utilizado para o desenvolvimento da dimensão da produção na visita, quando, por suas qualidades especificas, necessitava de um espaço a ela reservado. A experiência de conceber propostas de mediação e desenvolvê-las junto ao público ampliou a minha compreensão e a do grupo sobre a Abordagem Triangular como prática de mediação cultural e possibilitou diferentes experimentações e articulações de suas dimensões de forma cada vez mais orgânica. Como reflexo desse entendimento, passamos a chamá-las de propostas prático-reflexivas10.

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museológico e divulgada com a publicação de seu livro A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991, também tem sido amplamente exercida em espaços escolares.

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Para conhecer algumas das estratégias de mediação cultural fundamentadas na Abordagem Triangular e concebidas pelo Arteducação Produções, sugiro a leitura dos textos Estratégias de mediação e a abordagem triangular, de Rejane Galvão Coutinho e, Estratégia de mediação para a exposição Morte das Casas – Nuno

Ramos, de Alberto Tembo, Camila Serino Lia e Christiane Coutinho, ambos no livro Arte/Educação como Mediação Cultural e Social organizado por Ana Mae Barbosa e Rejane Galvão Coutinho. São Paulo, Editora

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Com a seleção de novos educadores e formação de uma nova equipe, ocorria a formação inicial, entendida aqui como o período que antecedia a abertura das exposições, com duração que variava entre duas a quatro semanas11. Esse período marcava o inicio de

um processo de formação que se estendia ao longo de toda a ação educativa e que visava não só à ampliação de repertório e autonomia do discurso do educador, mas, buscava estimular, segundo Rejane Galvão Coutinho (2009, p.178), “a autoria de métodos de condução de mediação, o exercício da flexibilidade, da critica e da autocrítica para lidar com situações reais” e a reflexão “sobre as várias questões que o cotidiano da mediação envolve”. Para a autora, também integrante da equipe do AEP e uma das responsáveis pelo desenho da formação dos educadores12, o trabalho de formação do mediador deve ir “além

do domínio de um repertório e da articulação de um discurso”, pois, implica “um comprometimento desse sujeito com seu próprio processo de formação, na direção de uma autoformação reflexiva” (COUTINHO, 2009, p.178). A pesquisadora entende que a reflexão do mediador é favorecida pelas trocas de experiências ao longo do processo de formação e precisa ocorrer em relação as suas concepções de arte e cultura assim como sobre os significados que se elaboram na mediação por meio das interrelações entre as obras, o espaço da exposição e seus contextos e os sujeitos implicados na mediação, ou seja, o público e o próprio mediador (COUTINHO, 2009).

11 Em comparação com os processos de formação inicial das mostras citadas anteriormente, a duração da

formação inicial com o AEP no CCBB era menor, pois ocorria no intervalo entre a desmontagem de uma exposição e a montagem da seguinte, e também devido à condição financeira do projeto.Nesse período, a remuneração foi consequência de negociações junto à instituição patrocinadora, que passou a compreender que a formação integrava o cotidiano de trabalho. Essa condição nem sempre foi a das grandes mostras de arte: tanto nas experiências citadas nesta pesquisa das quais fiz parte como em contextos mais recentes, os

educadores recebem apenas uma “ajuda de custo”, persistindo uma ideia conservadora que distancia a

formação do trabalho. Para uma melhor compreensão sobre o perfil do educador que atua em instituições culturais e museológicas, sugiro leitura das pesquisas de Guilherme Nakashato (2009) e Valéria Peixoto de Alencar (2008) .

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Nesses momentos de formação, percebo como os desdobramentos e a criação de novas dinâmicas e processos de formação eram atravessados pelo crescimento e amadurecimento dos sujeitos neles implicados e em constante interação onde eu sentia que a minha formação implicava na formação do grupo e, vice-versa.

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construção de experiências validas” (2010, p. 41). No nosso caso, esse educador a que Dewey se refere seria o responsável pela proposição e condução dos processos de formação, o formador, que nos projetos das ações educativas assume a função de coordenação e supervisão. Entretanto, se compreendermos que nos processos de formação continua os sujeitos neles implicados estão em constantes interrelações, podemos supor que as escolhas em relação às circunstancias que modelam e conduzem as experiências efetuadas no interior desses processos seriam percebidas e conduzidas em conjunto e o crescimento seria coletivo. O crescimento, no sentido de desenvolvimento, seria para Dewey um exemplo do principio de continuidade que, junto ao de interação, determinaria a experiência:

[...] os dois princípios de continuidade e interação não se separam um do outro. Eles se interceptam e se unem. São, por assim dizer, os aspectos longitudinal e lateral da experiência. Diferentes situações sucedem umas as outras. Porém por causa do principio da continuidade, algo é levado de uma situação anterior para outra posterior. Conforme o individuo passa de uma situação para outra, seu, mundo, seu ambiente, se expande ou se contrai. Ele não passa a viver em outro mundo, mas uma parte ou aspecto diferente do mesmo mundo. O que ele aprendeu no processo de aquisição de um conhecimento ou habilidade em uma determinada situação torna-se um instrumento para compreender e lidar com a situação posterior. O processo continua enquanto a vida e a aprendizagem continuarem (DEWEY, 2010, p. 45).

O mundo ou o ambiente sobre qual Dewey trata seria “quaisquer condições em interação com necessidades pessoais, desejos, propósitos e capacidades de criar a experiência que se está passando” (2010, p.44-45). Educar, ou formar, no nosso caso, significaria ajudar a pessoa, seja jovem ou adulto, a extrair para si “de sua experiência presente tudo o que nela há no momento em que vivencia” (2010, p. 51), não sacrificando as potencialidades do presente pelas de um suposto futuro, mas estabelecendo “condições adequadas ao tipo de experiências presentes que produza um efeito favorável sobre o futuro” (2010, p.51). Hoje, ao narrar trechos de meu processo de formação, posso reconhecer que o grande aprendizado foi o de extrair de minhas experiências presentes tudo o que nela havia no momento em que eu as vivenciava.

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As palavras reinventam o que já foi vivido.

Luiza Christov

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Este capítulo conta sobre a transformação de uma experiência numa experiência

singular, sob inspiração das concepções de Dewey (2010), a partir de histórias, situações,

acontecimentos, encontros de formação vividos com outros educadores nas casas de taipa de pilão, de janelas de canela preta13, na casa de concreto e portas de vidro modernista,

unidades do Museu da Cidade de São Paulo (MCSP). Nele, desde 2008 ocorre um projeto educativo no qual se situam as principais inquietações e investigações desta pesquisa acerca da formação continuada de educadores que atuam com a mediação cultural. Ao assumir no início deste projeto a função de supervisora, preocupei-me em favorecer os processos e estratégias desta formação e percebi, ao longo dessa experiência, uma transformação que se dá no cruzamento de duas linhas de investigação: o da compreensão sobre a formação dos outros educadores, e o do meu próprio percurso de formação, que consuma um ciclo com esta escrita, como uma experiência singular. Um caminho para situar e delinear os contornos dessa experiência é destacá-la em minha formação, buscando referências em John Dewey (2010), que considera que a experiência tem começo e fim por que

[...] a vida não é uma marcha ou um fluxo uniforme e ininterrupto. É feita de histórias, cada qual com seu enredo, seu inicio e movimento para seu fim, cada qual com seu movimento rítmico particular, cada qual com sua qualidade não repetida, que a perpassa por inteiro. (...) É completa em si mesma, destacando-se por ter-se distinguido do que veio antes e depois (DEWEY, 2010, p.110, 111).

Imersos no fluxo da vida é quase impossível percebermos o início e o fim de cada história que, como uma nova experiência ou algo que está por vir, nos fosse sinalizado por

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um farol. Uma mudança de emprego, um novo projeto, uma exposição diferente, outras equipes e públicos às vezes não significam o inicio de uma nova experiência. Como percebê-la, então, em sua completude e singularidade? Para Dewey, a experiência singular possui uma unidade constituída por uma qualidade especifica que a perpassa por inteira, essa unidade

[...] não é afetiva, prática nem intelectual, estes termos são adjetivos que nos servirmos para interpretar uma experiência, ao repassá-la mentalmente depois que ela ocorre. Constatamos suas propriedades, mais ou menos dominantes, considerando uma em decorrência da outra como sua característica. Como investigações e especulações. Em sua significância final, elas são intelectuais. Mas, em sua ocorrência efetiva, também foram emocionais (...) no entanto a experiência não é a soma de traços diferentes, mas, como fases, variações móveis, não separadas e independentes e, sim matizes sutis de uma tonalidade penetrante e em desenvolvimento (DEWEY, 2010, p. 112, 113) .

Como matizes dessa experiência singular foi preciso garimpar e evidenciar as histórias, acontecimentos e situações cuja trama alimenta a problematização e reflexão sobre algumas qualidades da formação continuada que abordarei ao longo deste capítulo e do próximo, na tentativa de especular sobre sua possível unidade, ou significados. Como singular ela é uma experiência entre tantas outras possíveis que poderiam ser contadas por diferentes pessoas, pois representa as minhas escolhas e pontos de vista sobre esta formação, nesse momento. Segundo Christov, como narradora desta experiência crio um inventário ao escolher aquilo que me toca, e alimento uma reflexão formadora atribuindo sentidos ao que vivi e aprendi. No registro de uma experiência formadora ou de formação, o narrador

[...] acrescenta elementos de suas referências práticas, teóricas e culturais. (...) O escritor constrói o texto com o que tem, problematiza a partir de seu acervo e pesquisa para complementar a narrativa. Abriga reflexões epistemológicas e formadoras das práticas de escrita e narrativa de si, assinala possibilidades de transformação advindas da experiência e tenta compreender sentidos impressos em suas vivências (CHRISTOV, 2012).

Referências

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