RevBrasAnestesiol.2015;65(4):306---309
REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologia www.sba.com.brINFORMAC
¸ÃO
CLÍNICA
Hematoma
subdural
bilateral
secundário
a
punc
¸ão
dural
acidental
Sofía
Ramírez
∗,
Elena
Gredilla,
Blanca
Martínez
e
Fernando
Gilsanz
Servic¸odeAnestesiologiaeReanimac¸ão,HospitalUniversitárioLaPaz,Madri,Espanha
Recebidoem25demaiode2014;aceitoem4dejulhode2014 DisponívelnaInternetem29deabrilde2015
PALAVRAS-CHAVE
Dura-máter; Analgesiaepidural; Cefaleiapós-punc¸ão dural;
Hematomasubdural; Placadesangue epidural
Resumo
Apresentamosocasoclínicode umapaciente de25anosnaqualuma técnicaperiduralfoi aplicadaduranteotrabalhodepartoeposteriormenteapresentou cefaleiacom caracterís-ticasdecefaleiapós-punc¸ãodural.Foiiniciadotratamentoconservadoretampãodesangue peridural.Devidoàausênciademelhoriaclínicaeàmudanc¸adocomponenteposturalda cefa-leia,decidiu-sefazerumexamedeimagemcerebralquedemonstrouapresenc¸adehematoma subduralbilateral.
Acefaleiapós-punc¸ãodural érelativamentefrequente,mas afaltade respostaao trata-mentomédicoinstaurado,assimcomoamudanc¸aemsuascaracterísticaseapresenc¸adefoco neurológico,deve levantar asuspeitadepresenc¸a deum hematoma subduralque,embora infrequente,podechegaraserdevastadorsenãofordiagnosticadoetratadooportunamente. ©2014SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
KEYWORDS
Accidentaldural puncture;
Epiduralanalgesia; Post-duralpuncture headache;
Subduralhematoma; Epiduralbloodpatch
Bilateralsubduralhematomasecondarytoaccidentalduralpuncture
Abstract
Wereportthecaseofa25-year-oldwoman,whoreceivedepiduralanalgesiaforlabourpain andsubsequentlypresentedpost-duralpunctureheadache.Conservativetreatmentwasapplied andepiduralbloodpatchwasperformed.Intheabsenceofclinicalimprovementanddueto changesintheposturalcomponentoftheheadache,abrainimagingtestwasperformedshowing abilateralsubduralhematoma.
Thepost-duralpunctureheadache isrelativelycommon,butthelackofresponseto esta-blishedmedical treatmentaswell asthe changein itscharacteristicsandthe presenceof
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:sofiramirez@gmail.com(S.Ramírez).
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2014.07.002
Hematomasubduralbilateralsecundárioapunc¸ãoduralacidental 307
neurologicaldeficit,shouldraisethesuspicionofasubduralhematoma,whichalthoughisrare, canbelethalifnotdiagnosedandtreatedattherighttime.
© 2014SociedadeBrasileirade Anestesiologia.Publishedby ElsevierEditoraLtda.Allrights reserved.
Introduc
¸ão
A cefaleiapós-punc¸ão dural (CPPD) é acomplicac¸ão mais frequenteapós umaanestesia neuroaxial.1 Por sua vez,o
hematomasubdural(HSD)éumacomplicac¸ãoinfrequente,
maspotencialmentegrave,dapunc¸ão duralqueexigeum
diagnósticoetratamento precoce.Inicialmenteo
diagnós-tico deHSDé complicado,pois osprimeirossintomas são
semelhantesaosdeunaCPPD,masdiantedeumacefaleia
quenãorespondeaotratamentomédicohabitual,queperde
suascaracterísticasposturais,queéacompanhadadeoutras
alterac¸õesneurológicas,énecessáriosuspeitardapresenc¸a
de umaafecc¸ão intracraniana e fazer um examede
neu-roimagem com urgência que possibilite um diagnóstico e
tratamentocorreto.
Caso
clínico
Mulherde25 anos,tercípara, na39a
semanadegestac¸ão,
queingressounohospitaldevidoainíciodedinâmica
ute-rina.Entre osantecedentes pessoaisdestacouqueemseu
primeiropartonãoreceberaanalgesiaperiduralpor
impos-sibilidadedeaplicaratécnica.Comumadilatac¸ãocervical
de2cm,edepoisdeavaliac¸ãoginecológica,apaciente
soli-citouanalgesiaperiduralparacontrolaradordotrabalhode
parto.Comexplicac¸ãopréviadosriscoseapósassinaro
con-sentimentoinformado,foiaplicadaumatécnicaperidural.
Apósváriastentativas,comusodeumaagulhaTouhy18Ge
perdadaresistênciacomar,oespac¸operiduralfoilocalizado
nonívelL3-L4edeixou-seocateternessaposic¸ão.Apósum
testedeaspirac¸ãonegativo,administrou-seumadoseteste
de 3mL de bupivacaína 0,25% com adrenalina 1:200.000
semquesurgissemalterac¸õeshemodinâmicasnembloqueio
sensitivo ou motor imediato. A dose inicial foi de 10mL
de levobupivacaína0,25% e posteriormente uma perfusão
periduraldelevobupivacaínaa 0,125%+fentanil 2g.mL---1
a10mL.h---1foiconectada.
O trabalho de parto transcorreu sem intercorrências e
duashorasdepois,apóspartoeutócico,nasceuumamenina
de3.090g,comtestedeApgarde8aoprimeirominutoe9
aoscincominutos.Apósestadaprotocolizadaparavigilância
na áreadepós-parto, o cateter periduralfoi retiradoe a
pacientefoilevadaparaoquarto.
Com24horasdepós-partooServic¸odeAnestesiafoi
cha-madoporqueapacienteapresentavacefaleiaintensa,com
valorizac¸ão da dor em escala verbal simples (EVS) 9/10,
quepioravacomposic¸ãodepéequemelhoravaem
decú-bito.Emboranãosetenhaobservadopunc¸ãodadura-máter,
suspeitou-se de uma possível CPPD e com esse suposto
diagnóstico iniciou-se tratamento analgésico com
parace-tamol 1g IV/6h e dexcetoprofeno 50mg IV/8h. Passadas
48horasdoiníciodacefaleia,porpersistênciadossintomas
apesardotratamentomédicoadministradoecom
diagnós-ticodeCPPD,fez-setampãosanguíneoperidural(TSP)sem
intercorrências.Inicialmenteosresultadosforam
satisfató-rios,jáqueapacientereferiumelhoriadacefaleiadurante
asprimeirashoras, mas nodia seguinteapresentou
cefa-leianãoortostática,comintensidademáximaemdecúbito,
em EVS 10/10, associada a zumbidos e contratura
cervi-cal.Devidoà ausênciade melhoria clínica,com mudanc¸a
dascaracterísticasdacefaleiaeapósdescartarfoco
neuro-lógiconoexamefísico,solicitou-seressonânciamagnética
nuclear (RMN) cerebral e de coluna lombar, que
eviden-ciouHSDbilateralintracraniano(figs.1e2).OServic¸ode
Neurocirurgiafoiconsultadoeindicoutratamentocom
cor-ticoidesIV(dexametasona4mgIV/8h)esolicitoutomografia
computarizada(TC)decontroleemumasemana.
Com24horasdoiníciodotratamentocomcorticoides,a
pacientereferiumelhoriadacefaleia,EVS3/10e 48horas
depoisrelatou ausênciade cefaleiaououtra
sintomatolo-gia.A paciente permaneceu internada durante mais uma
semana,paratratamentomédicoevigilânciaclínica.ATC
cranianadecontrolemostroumelhoriadaslesõesedadaa
evoluc¸ãosatisfatória,comremissãototaldacefaleiaesem
presenc¸adefoconeurológico,decidiu-sepelaalta
hospita-larcomtratamentocorticoideviaoralemregimederetirada
308 S.Ramírezetal.
Figura2 Cortecoronalderessonânciamagnéticacerebralem queseobservahematomasubduralbilateral.
(dosesdecrescentes)durante20diasecontrolepelaequipe
deneurocirurgia.
Discussão
A incidência descrita na literatura de punc¸ão dural
inad-vertida após a aplicac¸ão de uma técnica peridural varia
de0,4-6%,2masapenas60%dessespacientesdesenvolvem
CPPD.3EmnossoServic¸odeAnestesiadoHospitalMaternal
LaPazosnúmerossãosemelhantes,comumaincidênciade
punc¸ãoduralacidentalde0,6%edeCPPDde56%.4
De acordo com os critérios diagnósticos estabelecidos
pelaInternationalHeadacheSociety,aCPPDcaracteriza-se
porseucaráterpostural,pioraaos15mindeposic¸ãodepé
ousentada emelhora em temposemelhantecomo
decú-bito;desenvolve-se dentrodoscincodiasapós apunc¸ãoe
desapareceespontaneamenteemumasemanaem95%dos
casosounas48horasseguintesàfeituradeumTSP.3
A HSD é uma complicac¸ão infrequente mas
potencial-mente fatal dapunc¸ãodural, como consequênciade uma
raquianestesiaoude umapunc¸ão duralacidental durante
técnica peridural.2 Embora a literatura recolha somente
casos isolados de HSD secundários a anestesia
neuroa-xial,estima-se que a prevalência dessa entidade seja de
1/500.000-1/1.000.000.5
OsmecanismospostuladosparaaCPPDeoHSDsão
seme-lhantes:aperdadelíquidocerebrospinal(LCE),atravésdo
orifíciocriadonadura-máter,causaumareduc¸ãodovolume
eposteriormentedapressãoespinhaleintracraniana.Essa
hipotensãointracranianaprovocaumdeslocamentocaudal
damedula ecérebro, comtrac¸ãodasestruturas cerebrais
sensíveis a dor, e origina assim a cefaleia. A drenagem
venosa do cérebro é feita através das veias nas pontes
durais, quevão docérebro até osseios durais e quetêm
suapartemaisfracanoespac¸osubdural,eéprecisamente
atrac¸ãodessas veias a causadoradeseu desprendimento
e surgimento posterior de um HSD e aumento da
pres-sãointracraniana.6Dessamaneira,nospacientescomHSD,
podem-seobservar duasfases clínicascomo consequência
das mudanc¸as geradas na pressão intracraniana:
inicial-mente apresentam cefaleia com um claro componente
postural(relacionadocomahipotensãointracraniana).Em
uma fase posterior apresentam aumento da intensidade
da cefaleia, com perda do componente ortostático, sem
melhoriacomotratamentohabitualdeumaCPPDeatécom
pioriaclínicaapósafeituradeTSPequepodeser
acompa-nhadodesinaisdefocalidadeneurológica(relacionadoscom
hipertensãointracraniana).1
O tratamento convencional da CPPD inclui a
administrac¸ão de analgésicos e antieméticos. Em caso
de cefaleia persistente apesar dessas medidas, pode-se
fazerumTSP,queéconsideradoatualmenteotratamento
definitivo dessa entidade clínica. O mecanismo postulado
para sua eficácia é duplo: inicialmente comprime o saco
tecal,aumentaapressãonocanallombarneuroaxial,que
conduz apassagem deLCEdocanal espinhalao crânio,e
com isso provoca melhoria da cefaleia; por outro lado, a
manutenc¸ãodo efeitoterapêutico é atribuídaàformac¸ão
deumcoáguloqueimpedeafugadeLCE.3
EmnossohospitalfazemosoTSPemcasodeCPPDgrave
quepersiste48horasapósapunc¸ãoeiníciodotratamento
analgésico.Oprocedimentoconsisteemfazerumapunc¸ão
peridural, preferencialmente no mesmo espac¸o
interver-tebral no qualse produz apunc¸ão dural acidental ouum
abaixo,eumavezlocalizadooespac¸operidural,
extraem--se, de maneira asséptica, 15-20mL de sangue autólogo
provenientesdeumaveiadoantebrac¸oeprossegue-secom
suainjec¸ão porviaperidural,toma-se cuidadopara
inter-romper ainjec¸ãose a paciente queixar-sede dor lombar
ounosmembrosinferiores.Posteriormenteapacientedeve
permaneceremdecúbitodorsalduranteumahoranaárea
deReanimac¸ão.
Comrelac¸ãoaodiagnósticodeHSDpós-punc¸ãodural
aci-dental, éimportanteressaltarquediantedeumacefaleia
que nãorespondeaotratamento habitual paraCPPD, que
perdeseucaráterpostural (ortostáticaanãoortostática),
que piora após a feitura de um TSP que reaparece após
tersofridoremissão,deve-sesuspeitardeumacomplicac¸ão
intracraniana e fazer um estudo de neurorradiologia
----TC ou RMN cerebral ---- para descartar a presenc¸a de um
HSD.7Quanto aessesexamesdiagnósticos,demonstrou-se
que tantoa TCcomo aRMNem fase isodensapodemnão
evidenciarapresenc¸adeumHSDeporissodevemser
fei-tos comcontrastepara evitarosfalsos negativosem seus
resultados.1,8Essefoioprocedimentoqueseseguiunocaso
denossapaciente.
O tratamento do HSDpode ser médicoou cirúrgico, a
depender do seu tamanho e da gravidade dos sintomas.2
Na maioria das vezes, hematomas pequenos (<5mm) e
pouco sintomáticos respondem clínica e radiologicamente
demaneirasatisfatóriacomotratamentomédico
conserva-dor.Poroutrolado,ospacientescomhematomasdemaior
tamanho e deteriorac¸ão neurológica acentuada
habitual-menterequerem drenagemcirúrgicaurgente.9,10 Emnosso
caso, a paciente nãoapresentoufocalidade neurológicae
porissodecidiu-seporumacondutaconservadora,emque
seobtiverambonsresultadosclínicos.
Em conclusão, após uma punc¸ão dural acidental, a
presenc¸adecefaleiaintensa,progressiva,commudanc¸aem
seu componente postural, sem melhoria ou até com
pio-ria após a feitura de um TSP e associada a outros sinais
neurológicos,deveserconsideradaumsinaldealertapara
umacomplicac¸ãointracraniana,assimcomooéoHSD.Essa
situac¸ãoéinfrequente,maspodechegarasercatastrófica
eproduzirsequelasneurológicaspersistenteseatémorte.
Por isso,é necessárioinsistir nodiagnóstico etratamento
Hematomasubduralbilateralsecundárioapunc¸ãoduralacidental 309
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
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