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As Mulheres Medicas

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Academic year: 2021

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I S MEDICAS

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

A P R E S E N T A D A Á

ESCOLA IHEDICOCIRURGICA DO PORTO

E DEFENDIDA

EM JULHO DE 1879

SOB A PRESIDÊNCIA

DO EXC.m 0 SNR.

MANOEL RODRIGUES DA SILVA PINTO LENTE DA 8.» CADEIRA

PELO ALUMNO

JOSÉ JOAQUIM BARBOSA DE ARAÚJO JUNIOR

PORTO

IMPRENSA POPULAR DE A. G. VIEIRA PAIVA

67 — Rua do Romjardim — 67 1 8 7 9

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P " ^ - — " " '" ■■

I-1

A Escola nao responde pelas doiilrinas expendidas na Dissertação e enuncia­ das nas proposições.

(3)

0 I L L .m" g EXi:.m o SNB.

ANTONIO D'AZEVEDO MAIA

CORPO CATHEDRAIICO

L E N T E S P R O P R I E T Á R I O S OS 1 1 1 . " " E IiXC."1»' SNIIS.

!.» Cadeira—Anatomia descriptiva e

o » /eía­ ' Wu' •••.•■ •. J o S o Pereira Dias Lebre.

II Ladeira ­ Physiolosia Dr. J0 sé Carlos Lopes. 3.a Ladeira —Historia natural dos me­

dicamentos. Materia Medica João Xavier d'Oliveira Barros. *.a Cadeira — Pathologia externa ethe­

rapeulica externa Antonio Joaquim de Moraes Caldas. 5. Ladeira —Medicina operatória.... Pedro Augusto Dias.

o." Ladeira —Partos, moléstias das mu­ lheres de parto e dos recem­nasci­

7 a n í S l i . ' . " ' D «■•,•••••■••; V D r­ Agostinho Antonio do Souto. 7." Ladeira — Pathologia interna e the­

ft a „r a'e u t i r a j,"íe i n a­■ ■ • • Antonio d'Oliveira Monteiro.

o . padeira ­Clinica medica Manoel Rodrigues da Silva Pinto. , ' ■ , ,(ía'l e!r a ­ Pl n' C cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta. „ , ^a tf.''a­ Anatomia patholonica... Manoel de Jesus Antunes Lemos. H . " La>leira — Medicina legal, hygiene

privada e publica e toxicologia ge­

i 9 a íí, i ': — i>' Vu' i " •' **r­ J°s* F. Ayres de Gouveia Osório.

12.a Cadeira — Pathologia geral, semeio­

logia e historia medica Illidio Ayres Pereira do Valle Pharmacia Felix da Fonseca Moura.

L E N T E S J U B I L A D O S o . . ­ .. [ Dr. José Pereira Reis. Secção medica Dr. Francisco Velloso da Cruz.

( José d Andrade Gramaxo. o„„ ~ ■ ■ i Antonio Bernardino d'Almeida. Secção cirúrgica Luiz Pereira da Fonseca.

( Conselheiro Manoel M. da Costa Leite. L E N T E S S U B S T I T U T O S

Secção medica ) Antonio d'Azevedo Maia. " ) Vicente Urbino de Fi eitas.

Secção cirúrgica ) Augusto Henriques d'Almeida Brandão. í Vago.

L E N T E D E M O N S T R A D O R Secção cirúrgica Vago.

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A

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MEU DICTD PRESIDENTE

M E S T R E E A M I G O

0 EXC.» SNR.

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AOS

MEUS PARTICULARES AMIGOS

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INTRODUCÇAO

Percorrendo os numerosos e importantíssi-mos assumptos que o estudo da hygiene offere-ce á nossa attenção, encontramos, primando pe-la sua importância social e pepe-la nobreza que o reveste, a educação do homem. Levados gosto-samente pela sympathia que um tal assumpto nos despertou no espirito, tivemos como pri-meiro intento o fixar os olhos da nossa mui li-mitada intelligencia, sobre um tão bello ponto de vista, julgando que d'esté modo amenisaria-mos a imperiosa obrigação que tinhaamenisaria-mos a des-empenhar. Foi por tal motivo que chegamos a ensaiar alguns passos n'este campo, que, também pela sua fecundidade, a imaginação nos representou como bastante accessivel.

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Mas — errare humanum est — trahiu-nos a imaginação, e logo aos primeiros passos reco-nhecemos a deficiência dos nossos recursos pe-rante a propria fecundidade e a vastidão im-mensa d'um tal campo,

A educação, isto é, a formação moral do ho-mem, ou ainda melhor, a formação moral da es-pécie humana, é materia extensíssima que só ás primeiras intelligencias é dado percorrer com proveito. Além de requerer conhecimentos se-guros e precisos da organisação e physiologia dos individuos que estuda, suppõe a acquisição mais completa de profundos conhecimentos da vida moral nas suas manifestações individuaes e na evolução das sociedades. Ora, a reunião de todos estes conhecimentos já de per si só é o ca-bedal suficiente para constituir uma das mais vastas e mais árduas sciencias — a anthropolo-gia.

Fomos, portanto, forçados a abandonar o es-tudo da educação em geral, como trabalho alta-mente desproporcionado com as nossas facul-dades e também pouco compatível com o tempo tão breve e tão preoccupado de que podemos

dispor. Não querendo, porém, abandonar com-pletamente o assumpto que era do nosso gosto, procuramos limital-o, escolhendo uma das suas divisões que mais merecesse a nossa attenção e o nosso trabalho. Foi assim que preferimos este que aqui apresentamos com o título de —

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lheres medicas. — E preferimol-o por dois

moti-vos : primeiro, porque, como já dissemos, não desejávamos abandonar de todo o assumpto; segundo, porque a questão, além de ser alta-mente interessante, possue também a vantagem de ser palpitante de actualidade.

A questão das mulheres medicas já é, ef-fectivamente, hoje em dia, uma questão prati-camente resolvida em alguns paizes, e em todos os mais adiantados é um problema de organi-sação scientifica, para a resolução do qual con-verge a actividade dos primeiros pensadores.

Que não tem sido de todo perdida esta acti-vidade provam-n'o as différentes determina-ções officiaes de legislação vigente em algumas nações que mais se avantajam em civilisação. Mas, ainda que assim não fosse, ainda mes-mo que este problema nunca tivesse recebido a solução pratica, que representa, por assim di-zer, a sancção do seu valor social, e que nunca houvesse transposto o gabinete do sábio ou do legislador, seria isso motivo sufficiente para perder o próprio merecimento e os incontestá-veis direitos com os quaes requer a mais solici-ta consideração?

Trata-se, effectivamente, de um assumpto que não cede em valor aos mais preponde-rantes tanto da vida social como da vida indi-vidual:— a educação intellectual da mulher; a sua educação scientifica ; a direcção das

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facul-dades do seu espirito, assim preparado e culti-vado para a posse da mais util e mais necessá-ria de todas as sciencias — a medicina—, pa-ra a mais venepa-randa e sympathica de todas as artes — a arte de curar—.

E se encararmos á sua devida altura o objecto a que este assumpto se refere, ainda o interesse é muito maior: o espirito feminino, esta entidade que por toda a parte e em todo o trajecto da vida se encontra, que por esse motivo nos parece tão commum, tão conhecida, quando, realmente, ella é desconhecida e até por muitos desprezada ou negada!

O espirito feminino ! ! ! Poucos são os que se lembram de semelhante cousa! Poucos se importam da cultura d'um terreno que consi-deram improductivo, ou pelo menos, cujos fru-ctos prováveis nem sabor têem, porque elles o não sabem apreciar, nem lhes despertam as es-peranças que também não sabem comprehen-der. Desconhecem o papel importante que a mulher sempre e apesar de tudo tem desempe-nhado na vida do homem, e não se querem lembrar de que quanto mais bem dirigida fôr a educação intellectual da mulher tanto mais benéficos e valiosos resultados advirão para a educação futura do homem.

Receiam talvez commetter um attentado con-tra a moda, pedindo, para a mulher, os pesa-dos e pouco vistosos ornamentos do saber ;

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ceiam talvez alterar-lhes desfavoravelmente os sentimentos próprios da sua natureza, invadin-do os seus invadin-dominios com a austeridade da scien-cia.

Quem sabe ? Talvez que nenhum d'estes mo-tivos seja o verdadeiro ; é possivel que o medo do ridículo, de defender um disparate, actue so-beranamente em muitas consciências. Mulheres medicas ! mulheres sabias ! Pois não será desde logo para temer que o benevolo apologista da sciencia feminina recebesse o merecido castigo de Molière, quando este diz:

Il n'est pas bien honnête, et pour beaucoup de causes, qu'une femme étudie et sache tant de choses.

Former aux bonnes mœurs l'esprit de ses enfants; faire aller son ménage, avoir l'œil sur ses gens, et régler la dépense avec économie,

doit être son étude et sa philosophie?

(MOLIÈRE — Les femmes savantes).

Sabemos isto tudo; sentimos isto mesmo; mas pedimos mais que isto. E se o fazemos, não

é por espirito de systeina ou intentos de

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intel-ligencia feminina seja tão injustamente despre-zada quando do seu aproveitamento e com o seu valioso concurso resultaria um verdadeiro progresso para a humanidade. E se é julgado um contrasenso o defender estas idéas, quanto mais o não será pensar, dizer ou ouvir proferir com mostras de contentamento esta sentença al-tamente injuriosa para a mulher.

« . . . une femme en sait toujours assez, «quand la capacité de son esprit se hausse

« à connaître un pourpoint d'avec un haut-de-chausse. » (Ibidem).

Aquelle que assim pensa da intelligencia fe-minina não é muito duramente tratado se lhe chamarmos ingrato e calumniador : ingrato por que desconhece, ou finge desconhecer, que foi a mulher a primeira mestra do seu espirito, que é a ella que deve a entrada e não poucas vezes a vocação decidida para a carreira intellectual que talvez o immortalise ; calumniador, por que arroja ao desprezo de todos um dos mais bellos dotes da mulher, a intelligencia, privando-a das suas vantagens e negando-lhe até a faculdade de aprender.

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PRIMEIRA PARTE

Negar á mulher a capacidade scientifica, mesmo em todo o rigor da expressão, seria um erro grave de psychologia; seria repudiar ou-• sada e intencionalmente, numerosos e

brilhan-tes exemplos que a historia universal tem cons-tantemente offerecido á nossa admiração.

A intelligencia e a imaginação, estes dous elementos activos de sciencia, pertencem tam-bém ao bello sexo. Em dote commum lhe fo-ram dados pelo creador; e se não attingem ha-bitualmente o alto gráo em que se revelam no nosso sexo, é por defeito de boa educação intel-lectual, ainda mais do que por indole propria e característica d'aquellas faculdades naturaes.

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infe-lizmente, um problema que ainda espera solu-ção.

A civilisação da nossa epoclia, com toda a sua actividade, ainda se não compenetrou devi-damente da importância capital d'esté defeito, d'esta lacuna immensa na sociedade, qual a da ignorância em que a negligencia, talvez o egoismo e a systematica obsecação da rotina tem deixado atrophiar-se a razão da mulher.

Condemnada por nossos hábitos e leis a ser escrava moral do homem, parece que de pro-pósito lhe inutilisam a actividade intellectual

propria. , A razão, este bello distinctivo da espécie

humana, esta qualidade incomparável que tor-na o homem semelhante á Divindade, é consi-derada como uma superfluidade no espirito fe-minino ; a sua cultura é quasi inteiramente des-curada, senão desprezada. D'aqui resultam, en-tre outros males, a notável, a desanimadora tri-vialidade que, ordinariamente, revelam na sua conversa muitas senhoras mesmo de educação a que a moda dá o nome de esmerada. E cus-toso, é commovente, é muitas vezes altamente constrangedor, o encontrar-se um homem illus-trado em uma luzente roda de senhoras,, e ver-se obrigado, para que a sua conversação não provoque bocejos intermináveis, a percorrer em variações insípidas os estreitos limites do superficialismo em que estes espiritos, pouco

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cultos, sem culpa propria, se agitam fatal-mente.

Esta deficiência mental da mulher da nossa epocha é bem dolorosa e sentidamente com-mentada por Topffer. Seja-nos permittido citar as suas palavras que, salvas honrosissimas ex-cepções, são a exacta expressão, de uma pun-gente verdade.

Diz este amável e judicioso auctor:

«Já deixei de frequentar a sociedade, mas não cesso de ouvir noticias d'ella, e ouço dizer constantemente que as honras da conversação com as senhoras sào geralmente conferidas aos parvos; quero dizer, que só elles é que possuem aquella somma de bagatellas, aquella fluência de phraseado ôco, que regalam o paladar das senhoras do nosso tempo, como se fora o único alimento que o seu estômago sabe digerir. E, não obstante, todas estas senhoras têem uma, duas, três, algumas vezes quatro prendas intel-lectuaes de recreio, conversam de tudo e de bellas artes também. . .

«Conversam de tudo, é facto; porém, não se interessam por cousa alguma do que dizem, comprehendem pouco, e nada ponderam. É is-to frucis-to da educação. Salvos os princípios se-veros que protegem os seus costumes e prepa-ram as suas virtudes domesticas, tudo n'ellas é superficie, apparencia, tudo mira a certo realce exterior, inteiramente estranho ás cousas que

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aprendem, ás artes que cultivam. Lêem para ostentar que leram, aprendem musica para bri-lharem após o chá ou para dominarem o com-passo d'uma quadrilha; desenham, por vezes bem, por que ê um dos tons d'uma educação esmerada.

«De tudo isto, provêem esses talentos sem alma, animados pela vaidade pura, talentos inúteis na solidão, sem raizes no espirito, e que morrem com o casamento. Ora, como nós não somos na sociedade senão aquillo que nos fize-mos no isolamento, nasce da mesma causa aquelle phraseado desgracioso e mortiço, que, por ser banal, não se despoja de pretensões e pedantismo. E moeda corrente que se troca de preferencia com os ineptos e imbecis, porque só estes possuem o monopólio da estimada fa-zenda; ou também com as pessoas sensatas, porque estas têem obrigação de gastar da mes-ma, sob pena de se não fazer caso d'ellas, o que muitas vezes constituiria um castigo bem severo para o próprio coração. »

Era com o grato desejo de que os factos deixassem de justificar estas palavras de To-pffer, que nós quizeramos vêr a educação intel-lectual da mulher erguida até á sua verdadeira altura, porque só assim poderá ella attingir a perfeição a que tem incontestável e merecido direito como membro harmonisador e conser-vador do verdadeiro fundamento da sociedade;

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a familia. Compete á mulher completa e perfeita, á esposa, o administrar o interior de sua casa com ordem e elegância; governar os seus do-mésticos com firmeza e humanidade; amenisar com o perfume sempre vivo e suave da sua presença as agruras da muitas vezes espinhosa lida da vida do homem; ser a companheira de-dicada e bondosa dos prazeres e penas do seu consorte; unir a sua alma á d'elle para o con-fortar e robustecer nos tão frequentes momen-tos de desanimo, a que o mais forte nem sem-pre pôde furtar-se. Em uma palavra, é, sem a menor duvida, de primeira necessidade e de ca-pital importância que a mulher viva unida ao homem com o coração e vontade.

Porém, não se imagine que só com isto se terá obtido da mulher tudo quanto ella natural-mente pode dar ; não se julgue que ella terá sa-tisfeito o seu programma de companheira inti-m a ; pois n'esse prograinti-minti-ma, tal qual o traçainti-m e mal desempenham os educadores da mulher, falta uma parte indispensável. No ideal da mu-lher, da esposa, deve entrar como fundamento a igualdade, a equivalência. E imperfeita a mu-lher que não pôde acompanhar a seu marido em toda a carreira da sua vida material e mental ; que não se eleva ao nivel d'elle por meio de uma educação que desenvolva todas as faculdades da sua alma.

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completa forma da amizade, e se a amizade já no seu género é um sentimento essencialmente

unitivo, claro está que todas as vezes que um motivo plausível quebrar, mesmo momentanea-mente, aquella indissolúvel união, os cônjuges perderão, n'essas circumstancias, o direito e o gozo da sua mutua companhia; e o affecto que os prende correrá então o perigo de resvalar fa-talmente até á insipidez; talvez que até aos dis-sabores da indifferença.

Não é este um caso hypothetico ; infelizmen-te observa-se quotidianameninfelizmen-te, e é susceptível de se dar sempre que entre os dois casados hou-ver disparidade intellectual. E muito mais se o homem, por habito profissional ou indole pro-pria, pertencer ao numero d'aquelles que vivem do espirito e se aprazem sobremaneira em fre-quentar as sublimes e gratas regiões do pensa-mento.

Para este, quando no pacifico lar domestico repousa das canceiras da vida, quando no sus-pirado silencio do gabinete, desprende as azas da sua intelligencia e se abandona aos encantos d'esta fada que, n'um relance, o transporta a to-da a parte, a todos os tempos, a toto-das as situa-ções, a todas as scenas do universo, para este, repito, deve ser bem penosa e bem triste a ne-cessidade de abandonar então a esposa que o não pôde acompanhar ; ha de ser para elle bem cus-toso o privar-se, no gozo de tão sublimes

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cias, da doce communhão do seu mais intimo amigo, que não saberá ou não poderá compar-tilhal-as. É isto uma verdade : para o homem que assim vive da intelligencia, devem haver momentos em que a affavel presença da esposa será como a solidão absoluta do desterro, como a pungente saudade da ausência, até como o re-morso cruciante d'um crime. É uma verdadeira tormenta moral em que a alma se rasga e des-pedaça, é uma collisão cruel das suas mais po-tentes faculdades, é um duríssimo julgamento a que o desgraçado amor assiste, é a sentença de divorcio com a qual a intelligencia fulmina o co-ração.

Lamentando e exprobando aos modernos educadores da mulher este verdadeiro desastre social, da infância perpetua a que condemnam o espirito feminino, não procuramos insinuar que haja n'elle perfeita equivalência, na qualida-de e alcance das suas faculdaqualida-des, com o espiri-to do homem. A perfectibilidade em ambos ó mui extensa ; a sua marcha progressiva não segue, porém, a mesma linha. Existem divergências de methodo e termo das respectivas progressões.

E como, no presente empenho, miramos di-rectamente a uma especialidade da progressão intellectual feminina, em comparação com a do homem, será reforço para as bazes do nosso es-tudo a exposição mais demorada dos caracteres distinctivos de uma e da outra.

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Tomemos fôlego de mais longe.

Digamos algumas palavras sobre materia que parece aqui redundante, porém que mais tarde nos vae prestar serviços. Fallemos das dif-ferences corpóreas.

O corpo humano é instrumento, é adorno, é interprete. Como instrumento, o organismo mas-culino sobreleva indubitavelmente o da mulher. Os membros locomotores do homem, mais vi-gorosos, transportam-no mais longe e mais ra-pidamente ; os seus braços musculosos erguem e sustentam maiores pesos ; o seu peito despren-dem sons mais intensos e o seu estômago, con-sumidor enérgico, restaura-lhe mais abundante-mente as suas forças.

Olhado, porém, o corpo como ornamento e como órgão de expressão, o outro sexo leva a palma. Um bello rosto de mulher é, sem duvi-da, a obra mais perfeita da creação. O corpo da mulher, o rosto principalmente, é, por as-sim dizer, milhares de vezes mais eloquente, mais expressivo do que o do homem.

A physionomia masculina, o gesto masculi-no, possuem, com certeza, uma singular ener-gia de expressão; a feminina é incomparável em flexibilidade, riqueza, variedade e grada-ções expressivas. O homem tem dez olhares, a mulher tem mil; o homem tem um sorrir, a mulher tem infinitos. A voz, sobretudo, a voz, que é sonora, porém mais grave no nosso sexo,

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abunda na mulher em semi-tons e quartos de tom, que reflectem, como outros tantos echos, todas as vibrações do coração e do pensamento. Portanto, em relação ás qualidades somáticas, o homem é superior em força; a mulher em de-licadeza.

Examinemos agora a sua actividade espiri-tual.

Como condição auxiliar d'esté estudo, pare-ce que deveríamos começar pela comparação do instrumento material da referida actividade.

A confrontação entre o cérebro do homem e o da mulher não vem, infelizmente, dar luz alguma que nos permitia deducções completas nem seguras.

E este um dos casos em que a anatomia não acompanha a physiologia; em que o co-nhecimento da constituição estructural do ór-gão nada diz ainda ao nosso espirito que justifi-que a sciencia das suas especiaes e reconhecidas funcções. Portanto, se na explicação das func-ções fundamentaes, a organisação é muda, quanto mais o não será na justificação das suas differenças, ás vezes bem tenues e fugazes.

E, effectivamente, o que n'este caso se ave-rigua.

Os caracteres que differenceiam anatomica-mente o cérebro da mulher, são insignificantes ou nullos ; são differenças de massa e de peso.

Os únicos fundamentos anatómicos de dis-3

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tincções de actividade ou de localisações de fa-culdades, além de serem ainda muito pouco nu-merosos os que se conhecem e de estarem esses mesmos ainda mal determinados, resultam todos de condições especiaes de estructura ; e é justa-mente em estructura que o cérebro dos dois se-xos se apresenta com os mais apreciáveis cara-cteres de identidade.

Por conseguinte, não fallando nas conce-pções, por ventura extravagantes dos sectários da doutrina de Gall, e não aventurando passos incertos no terreno pouco amplo e mal seguro ainda, das modernas doutrinas de localisações da actividade cerebral, seguiremos o caminho, mais patente e claro, da observação dos próprios fa-ctos da actividade espiritual da mulher e, sobre elles, por serem fundamentos muito mais posi-tivos, iremos basear a nossa discussão.

O primeiro objecto que se offerece á nossa analyse é a—intelligencia—ou, por outra, a, razão com os seus severos attributos e a imagi-nação com a sua risonha e volúvel comitiva.

Fallaremos nós, logo a principio, d'aquella razão pratica e de uso quotidiano que consiste na acertada organisação da vida habitual, eqne tem, como dependências obrigadas, o espirito de ordem, a previdência no governo interno, e a arte de harmonisar a receita com a despeza domestica? Definir esta espécie de razão valia o mesmo que apontal-a como apanágio natural da

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mulher. Podíamos talvez concluir d'ahi, que a mulher, adquadamente preparada com uma educação mais ampla, poderia lançar mão dos negócios privados, da administração de fundos, com uma prudência de detalhes e com uma pre-caução tão minuciosa que o vigor do espirito masculino muitas vezes não comporta. O homem é melhor calculista do que a mulher; esta é me-lhor pratico. O primeiro sabe meme-lhor alcançar fortuna ; a mulher, porém, é superior em con-serval-a.

A razão é também aquelle acerto de juizo que, nas occasiões difficeis, nos permitte a esco-lha da mais prudente deliberação. O homem e a mulher n'este ponto revelam qualidades e defeitos totalmente encontrados : o homem dei-xa-se levar mais pelo calculo e pelo interesse pessoal, a mulher pela paixão e pelo sentimen-to ; esta delibera por instincsentimen-to, aquelle por re-flexão; o homem vê a verdade, a mulher sen-te-a. Se pedirmos um conselho a uma mulher, a sua resposta 'resaltará subitamente, com um sim ou um não, como uma centelha pelo cho-que do silex. Não a obriguemos, porém, a ana-lysar os motivos do seu alvitre, talvez que ella propria os ignore, talvez que não podesse apre-sentar senão razões sem valor ; e não obstante, ella tem razão.

Pouco habituada ao severo exercício da ló-gica, pouco propensa á deducção rigorosa das

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ideas, se é sensata é por inspiração; como por inspiração, se é poeta. Ao contrario, o homem tem por base principal do seu bom senso a re-flexão; conselheiro seguro, porém mais vagaro-so, precisa, para esclarecer os outros, de dar primeiro luz a si próprio; é-lhe necessário com-parar analyticamente o pró e o contra. E quan-do tem razão é depois de raciocinar.

Da razão depende ainda esta faculdade que nos serve para conhecermos os outros e para nos conhecermos a nós mesmos. O

conheci-mento dos outros tem dois fins: —os homens e o homem, o individuo e a espécie.

A penetração feminina é de uma subtileza sem igual para avaliar os individuos. Os meno-res movimentos do coração, os mais secretos ridículos, as pretensões mais occultas, são-lhe tão patentes como factos exteriores. Todo o systema de defeza e de dominação da mulher, baseia-se n'esta sciencia; e tão profunda é esta que lhe basta muitas vezes para contrabalan-çar o império das leis e dos costumes.

É com esta arma omnipotente que a esposa consegue frequentes vezes libertar-se e que a vaidosa impera. Porém, não finalisa ainda aqui a sagacidade feminina. A mulher investiga ad-miravelmente os homens a quem conhece e não conhece o homem em geral. Quasi tudo lhe é obscuro na espécie, nada lhe escapa no individuo.

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Quando pois se trata de se alevantar á ge-neralisação das idéas de detalhe, quando d'es-sas idéas fôr preciso deduzir as leis philosophi-cas da alma humana, a exposição scientifica das nossas faculdades, ou ainda a sciencia dos grandes movimentos d u m a massa, d'uma na-ção, d'uma sociedade, a mulher desvanece-se e o homem apparece. O mundo dos factos ab-sorve-a tanto que lhe esconde o mundo das idéas. Esta asserção é plenamente confirmada pela maneira como a mulher se conhece a si propria. A mulher possue um conhecimento incrível dos seus sentimentos e até mesmo das suas physionomias. Graças a esta sensibilidade eléctrica que se impressiona com o imperceptí-vel, ella acha tempo de sentir mil vezes mais que o homem, e de sentir que sente. Todo o repertório da elegância, a sciencia dos olhares, as inflexões da voz e dos gestos, tudo isto nos mostra que a mulher é um ente que assiste aos mais insignificantes detalhes da sua vida.

Parece que ha um espelho, invisível para todos, que as está constantemente reflectindo a seus próprios olhos. E, apesar d'isso, ella não se possue scientificamente ; não sabe talvez defi-nir-se.

Assim costuma acontecer : o génio da ana-lyse exclue quasi sempre o génio da synthèse. Á intelligencia humana é tão imperfeita no meio

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da sua grandeza que tropeça nos limites da pro-pria superioridade.

Comprehende-se, portanto, que os systemas metaphysicos, as abstracções, as ideas geraes e politicas de pátria, de igualdade, hajam de ser indifférentes ou estranhas á mulher. Mas ha um meio de lh'as fazer calar na intelligencia : é o de lh'as insinuar pelo coração.

A mulher pôde elevar-se pelo estudo, até á razão que comprehende; porém poucas vezes até á razão creadora. A historia não aponta des-coberta alguma em mathematica, nem theoria metaphysica, que a mulher possa reclamar co-mo propriedade sua.

Na Grécia antiga, quando os discípulos fe-mininos affluiam ardentemente ás grandes esco-las de philosophia, quando Pythagoras contava uma numerosa assembléa de mulheres na clas-se dos clas-seus alumnos, não appareceu um só syste-ma philosophico disyste-manado de cérebro femini-no. A força da sua intelligencia desvanecia-se, como sempre, no limite em que a creação co-meça.

Em summa, a intelligencia tanto pertence á mulher como ao homem ; e se em ambos diffè-re, é mais em qualidades proprias do que em simples proporções de valor.

Ainda assim, esta differença tão bem equi-librada não pôde constituir igualdade ; a

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lher poderá primar nas qualidades secundarias ; o homem, porém, domina em attributes supe-riores.

Diga-se, comtudo, que estes attributes de preexcellencia não cabem senão a alguns raros eleitos, não competem senão a posições exce-pcionaes, e resaltam portanto fora e muito so-branceiros á regra geral. Mas não é necessário o génio para constituir uma creatura intelli-gente.

Temos, pois, todo o direito de affirmar que a intelligencia feminina pôde elevar-se, em ge-ral, até á altura da sciencia, inclusivamente das sciencias abstractas. Pôde a mulher chegar a ser sabia, em toda a accepção da palavra; e quando a tempera do seu espirito fôr excepcional-mente extraordinária, pôde ser sabia sem pre-juízo dos attributes femininos do seu espirito, nem das qualidades do seu caracter e coração. Immensos exemplos nos offerece a historia de todos os tempos. Começando na rainha de Sabá de biblica memoria, passando pelas hete-ras do século de Pericles, relanceando a sabia Catharina que no tempo de Ptolomeu assom-brou o corpo académico de Alexandria, e en-carando pontos mais próximos da nossa epo-cha, resaltam na historia moderna e contem-porânea, vultos femininos de subido valor litte-rario, artístico e scientifico em todos os géne-ros.

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Enumeral-os todos seria inútil, porque a sua gloria, mais ainda que o attractivo da cu-riosidade, bem luminosos os tornam aos olhos d'aquelles que consultam a historia. Faremos menção, comtudo, de algumas d'estas mulheres que pelo seu saber extraordinário mais se dis-tinguiram.

A celebre Christina, rainha da Suécia, foi a admiração do século 17.° Os seus conhecimen-tos scientificos eram universaes, bem como os seus conhecimentos litterarios. A philosophia, as mathematicas, as sciencias physicas e natu-raes eram-lhe tão familiares como as linguas cultas antigas e contemporâneas. Este talento extraordinário não era, como alguns dizem de Pico de la Mirandola, o fructo monstruoso de uma memoria immensa; era um verdadeiro ta-lento que enchia de consideração os reconheci-dos e afamareconheci-dos sábios da sua epocha e que me-receu o tributo de admiração e respeito de gé-nios como Pascal. Se a perversidade do seu ca-racter, tão extrema como os seus dotes intelle-ctuaes, não houvesse arrojado uma nódoa in-delével ao brilhante nome d'esté régio talento, talvez que não hesitássemos em apresental-a como o prototypo da mulher sabia.

Mais especialisadas aptidões, porém não me-nos respeitáveis no seu género, encontramos em Madame Dacier. Ainda hoje os hellenistas de to-dos os paizes tecem merecido elogio e acatam

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com reverencia uma obra importantíssima de seu labor: — a traducção dos poemas de Ho-mero —.

Rollin, Coignet, La Harpe, Villemain e mui-tos outros erudimui-tos que apreciaram as produc-ções litterarias de Madame Dacier, confessam que, na sua epocha, a antiga lingua dos hellenos não tinha em França mais abalisado interprete. No mesmo tempo, a sociedade ou academia litteraria do Palácio Rambouillet, onde os grandes talentos d'entao se reuniam, constituia-se e animava-constituia-se pelo impulso intelligente da ce-lebre marqueza que lhe deu o nome.

E de todos bem sabido quão relevantes ser-viços prestou ás letras esta séria e laboriosa academia particular, que assim rivalisava em esplendor e proveito com as melhores acade-mias litterarias do mundo.

Quem ha que não venere com igual respei-to Madame de Sevigné, a baroneza de Stael, George Sand, Madame de Motteville, Mademoi-selle de Montpensier, e tantas outras não menos illustres ?

Na epocha contemporânea, empenham-se os jornaes em celebrar o talento extraordinário e universal da celebre Sarah Bernhardt, que em Paris e Londres attrahe ao seu fulgor artistico e scientifico as principaes notabilidades sabias do nosso tempo.

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BOSQUEJO HISTDEina

No período mythologico das tradições an-tigas, apparecem certas deusas e outras di-vindades de segunda ordem, occupando-se de sciencias naturaes e principalmente — das

virtu-des das plantas—, o que constituía a materia

medica d'aquellas remotas eras. Estas divinda-des soccorriam os mortaes, particularmente as mulheres, nas suas enfermidades.

Os Egypcios contam que a sua famosa Isis descobrira muitos medicamentos. Juno, com o nom,e de Lucina ou Diana, era entre os Gregos advogada das parturientes. Hygiea, Ocyroe, eram sabias em medicina. Medea possuia o se-gredo da rejuvenescencia. Circea era hábil ma-nipuladora de venenos. Hecamedea, Agamedea,

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a propria Helena, segundo Homero, curavam os guerreiros feridos nos combates.

E se consultarmos a Biblia, veremos que ella nos faz notar Pulia e Sciphra como eximias parteiras.

Nos tempos históricos da Grécia, apparece a famosa Agnodice, que, pela sua resoluta abne-gação em soccorrer as pessoas do seu sexo que o pejo intimidava na presença dos medicos, é, no seu tempo, a digna representante da moder-na reacção contra o exclusivismo masculino da profissão medica. Qualquer que seja o mereci-mento da historia d'esta Agnodice, é indubitá-vel que entre os Gregos existiam realmente mu-lheres que exerciam profissionalmente, não^só a obstetrícia, mas também toda a medicina. E o que claramente se deprehende dos escriptos do próprio Hypocrates.

Plino, Galeno, e os compiladores dos últi-mos séculos da antiguidade, conservaram-nos também um certo numero de nomes de diversas mulheres medicas.

Entre outras mais são mencionadas : Olym-pias, Thebana, que possuía o segredo de uma composição sua com a qual provocava o abor-to. Lais, Sotera, Elephantis e Sotira, são tam-bém referidas pelos mesmos compiladores.

Uma certa Cleopatra, recordada por Gale-no Gale-no seu livro sobre a—composição dos

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numero de formulas, sobretudo para as doen-ças do tegumento capilifero.

Actio conservou numerosos fragmentos de uma obra de Aspasia, outra medica, de que o assumpto eram as — doenças das mulheres—.

No dizer de Bzovio, viveu no 5.° século uma santa Nicerata, mulher sapientissima em materia de medicina, a qual parece que foi a mesma que curou de uma dôr de estômago a S. Chrysostomo.

Em summa, diga-se o que se quizer acerca do valor scientifíco d'essas mulheres ou da au-thenticidade dos seus escriptos, o que não pa-dece duvida é que a medicina exercida por pes-soas do outro sexo, era de uso commum na an-tiguidade, especialmente em Roma.

Na idade media este costume tradicional conservou-se, pelo menos em alguns paizes.

Tornaram-se de uma celebridade mui notá-vel as mulheres da Escola de Salerno, a ponto de não se arrecearem de discutir em assumptos medicos com os mais abalisados sábios na ma-teria. Na mesma Escola floresceu a famosa Trotula de Ruggiero, de que chegaram até á nossa epocha vários opúsculos bem dignos de menção; entre outros — De mulierum passioni-bus — De ornatu et partium ejus, adque fadem dealbandam.

Além d'esta Trotula, ainda se conhecem varias outras mulheres que tinham alcançado

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na Escola de Salerno magnifica reputação, co-mo foram Abella, que escreveu duas obras, uma— De atra bile—, outra — De natura

se-minis humani; Calenda, que alcançou o gráo de

doutor; Mercuriada que exerceu a medicina e a cirurgia, deixando varias obras do seu labor; e muitas outras que nos será dispensado men-cionar.

Na Allemanha apparece a celebre Hilde-garda de Bingen, fallecida em 1180, a qual, entre vários escriptos medicos que compoz, tor-nou-:se principalmente conhecida pela sua —

Physica —.

Em França, um decreto authentico, datado de 1311, dirige-se officialmente aos cirurgiões do sexo feminino; o que, junto a outros docu-mentos de igual força, prova bem claramente que n'esse tempo existiam mulheres que exer-ciam a profissão da cirurgia, protegidas por tí-tulos legaes. Este costume foi-se desvanecendo pouco e pouco até poder dizer-se que de todo se extinguiu. Na epocha contemporânea en-contram-se certamente algumas mulheres sa-bias, que por uma tendência especial se appli-cavam ao estudo das sciencias naturaes, e até mesmo da medicina ; porém, d'entre essas, pou-cas ou quasi nenhumas se dedicavam á pratica medica.

Na Inglaterra, Anna Wolley escreveu um

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século. Isabel de Kent, outra sabia medica in-gleza, publicou também debaixo do seu nome em 1670 — A ckoise manual, or Sare secrets in

Physilc and Surgery.

No século 18." e na primeira metade do actual as mulheres medicas tornam-se de cada vez mais raras. Comtudo podem e devem ser . apontadas como taes : em Inglaterra, Catharina Bowles, que se tornou muito conhecida pela sua grande habilidade cirúrgica, especialmente no tratamento das hernias e do hydrocele. Miss Stephens, que vendeu ao parlamento inglez um pretendido remédio contra a pedra por 5:000 libras. Lady Worthley, a quem se deve na Eu-ropa a importação da inoculação vaccinica. — Na Italia, a Marqueza Buttelini tornou o seu paiz credor d'um serviço idêntico. — E ainda algumas outras mulheres celebres na Italia e na Allemanha.

A epocha contemporânea offerece-nos al-guns nomes illustres, dignos de menção distin-cta : Madame Lachapelle que não se dedicou se-não á obstetricia, propriamente dita. Madame Boivin, que pelo seu saber mereceu que a Uni-versidade de Marburgo lhe offerecesse o diplo-ma de doutor.

Em idênticas circumstancias encontra-se na Allemanha a sabia Heidenreich, doutora em partos. No começo d'esté século, Madame Bru-ckner, viuva do medico d'esté nome,

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applicou-48

se com êxito brilhante ao tratamento de vários vicios de conformação, particularmente dos

pês-botos, por meio de apparelhos de sua propria

invenção.

Passaremos sem referir varias outras mu-lheres medicas, cujo nome a historia nos legou, por não serem de maior fama que as preceden-temente notadas.

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O ESPIRITO RmHO 1 AS SCIEMAS MEDICAS

Entremos agora mais intimamente no nos-so assumpto. Vejamos, já não nos-somente a capa-cidade scientifica do espirito da mulher, mas especialmente as suas disposições particulares para a acquisição e pratica das sciencias medi-cas em toda a sua extensão.

O estudo que precedentemente fizemos da compatibilidade da intelligence feminina com a sciencia, e conjunctamente os factos que fo-ram apresentados na parte histórica da presen-te questão, sem duvida que concorrem para dar, à priori, uma solução affirmativa ao pro-blema; são favoráveis á idéa das — mulheres medicas —. De facto, nenhumas outras razões e provas se tornariam necessárias se

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mos simplesmente o caso na sua generali-dade.

A medicina, como sciencia, é accessivel ao espirito feminino, e isto porque este espirito pôde elevar-se á altura de qualquer das

scien-cias humanas já constituidas e concorrer mes-mo, até certo ponto, para o adiantamento d'es-sas mesmas sciencias, como na primeira parte do nosso trabalho expendemos extensamente.

A medicina, como pratica, é também ac-cessivel á mulher, porque esta pratica é sobre-tudo intellectual e artística; e nos casos mais frequentes, mesmo da pratica cirúrgica, não é exigido um vigor manual superior áquelle de que a mulher ordinariamente dispõe. Porém, apesar da confiança que incutem estes argu-mentos, não deixam de surgir varias dificulda-des que os abalam bastante ; que no espirito de alguns escriptores chegam mesmo ao ponto de lhes annullar toda a força. Mas também, como compensação, algumas particularidades se en-contram no decurso d'esté debate que muito servem, a nosso vêr, para animar o espirito fe-minino no seu louvável empenho de alcançar a sciencia medica.

Tem effectivamente muito valor na discus-são do nosso assumpto a consideração attenta e demorada d'estes prós e contras, d'estas vanta-gens e desvantavanta-gens; porquanto, da pondera-ção d'estes motivos particulares, muito mais do

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que de simples illações geraes tiradas dos prin-cípios estabelecidos, é que deverá decorrer e depender a conclusão final.

Apresentaremos, pois, e em seguida discu-tiremos brevemente alguns d'estes motivos fa-voráveis ou contrários ao nosso caso.

Começaremos por aquelles que se deduzem da sensibilidade que deve encontrar-se no espi-rito do medico.

— Não duvidam alguns auctores asseverar que — em igualdade de sciencia, o melhor me-dico é aquelle que tiver o coração mais sensível. D'onde deduzem immediatamente que a mulher

é o verdadeiro medico. Assim é, continuam

les, entre todos os povos bárbaros. Entre el-les é a mulher que sabe os segredos dos

sim-ples e que os applica. O mesmo se verificou em

tempo nos povos não bárbaros e até de alta ci-vilisação. Na Persia, a depositaria de todas as sciencias foi a mãe dos Magos. Na verdade, o homem, que é muito menos compassivo e que por effeito da sua educação mais philosophica e generalisadora, se consola muito mais facil-mente dos infortúnios do individuo, é infinita-mente menos próprio do que a mulher para incutir a confiança e a tranquillidade no animo do doente—,

— Pois é n'esta mesma facilidade que está o defeito e o inconveniente. O medico' precisa de ter o espirito livre para o trabalho da

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refle-52

xão ; carece de ser quasi inabalável por qual-quer impressão que o perturbe, porque esse abalo comprometteria seriamente o exercício da sua intelligencia e aniquilaria, portanto, a scien-cia, o desempenho das funcções do medico. A mulher, em geral, é incapaz de semelhante ab-stracção intellectual; deixa-se invencivelmente enternecer, soffre o contagio nervoso dos males dos outros e com elles deixa-se também adoe-cer moralmente.

Portanto, deixa de ser medico e torna-se um doente. Ha effectivainente certos accidentes cruéis, sangrentos, até repugnantes, que nin-guém se atreveria a collocar ante os olhos de uma mulher, pelo menos em certas epochas do mez, ou nos periodos da gestação. Já se vê, portanto, que, debaixo do ponto de vista da sen-sibilidade, a mulher, em geral, não foi bem pro-priamente organisada para medico, e não pôde assumir as funcções de director scientifico na .empreza do tratamento de muitas doenças, que,

por sua natureza, são altamente commovedo-ras. O seu espirito deixa-se naturalmente domi-nar pelo coração; e não foi á mulher que a na-tureza concedeu-o triste, porém muito util, pri-vilegio de fazer calar a voz da sensibilidade.

A mulher, na presença d'aquelles lamentá-veis desastres, estremece, condoe-se; em vez de pensar,'debulha-se em pranto. O homem, com-move-se, é verdade, mas comprime o coração;

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e no meio dos mais horrorosos espectáculos possue a coragem de salvar da tormenta as fa-culdades da sua intelligencia : pôde ainda pen-sar.

E este o verdadeiro medico, por indole pro-pria do seu espirito —.

Porém, apesar d'estas objecções apresenta-das, forçoso será confessar que esta força de abstracção, que caractérisa o espirito masculi-no, não é sempre um simples resultado do des-envolvimento natural das suas faculdades in-genitas; a educação e a influencia do meio são também muitíssimos eíficazes para a formação d'essa qualidade.

É bem sabido de todos que, em o nosso se-xo, são frequentes os casos de notável excepção á regra geral.

Da mesma forma, não faltam exemplos de análogas excepções no sexo particularmente sensivel. E, se n'esses dois grupos de anoma-lias, forem investigadas as causas de aberração que os differenceia, vêr-se-ha que não existem outras além das precitadas — reacção constan-te do meio moral em que vivem e impulso ex-traordinário da educação que os formou.

Portanto, não admira, nem, na verdade, ê simplesmente imaginário, que um ou outro es-pirito feminino, naturalmente de boa tempera, seja levado até ao gráo de abstracção de sensi-bilidade, mais frequente no nosso sexo, pelg

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potentíssimo esforço d'aquelles dois agentes — meio e educação —. E muito mais, se este tra-balho de educação fôr logo desde a infância encaminhado para aquelle effeito ; se, logo que o espirito de mulher principia a desabrochar, forem cultivadas principalmente as suas facul-dades intellectuaes, e a educanda se habituar, portanto, a pensar mais do que a sentir, a pre-ferir os exercicios de raciocínio ás commoções do sentimento.

N'estas condições suppômos nós que se encontrariam as mulheres excepcionaes de que tratamos.

Estas considerações levam-nos, por conse-guinte, a affirmar que se por um lado a mulher é, por natureza, contrariada no estudo e sobre-tudo na pratica da medicina, ainda assim, tan-to um como a outra, são-lhe muitan-to possíveis de alcançar.

—A titulo de commentario, faremos também notar que se na direcção da obra medica, a mu-lher é pouco favorecida, cumpre acrescentar que, em compensação, no desempenho do traba- " lho de tratamento, não pôde ella ser excedida. A mulher, muito embora não nasça medica, é sem-pre naturalmente o melhor, o verdadeiro enfer-meiro. Porém, não é sob este ponto de vista que presentemente a consideramos, e portanto pas-saremos adiante—.

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nosso assumpto, é a grande questão da igual* dade physica e moral do homem e da mulher e do papel que a esta cumpre desempenhar na so-ciedade.

«A natureza, diz Montanier, por mais que se cansem e digam certas mulheres e alguns es-píritos fortes, a natureza traçou á mulher o seu programma social, e impõe-lh'o imperiosamen-te. A mulher foi sobretudo destinada a ser es-posa e mãe, a viver no interior de sua casa, oc-cupando-se do governo d'esta e da sua familia. Se é plausivel que a mulher abrace uma carrei-ra profissional que lhe permitta a permanência em sua casa, por outro lado a mulher, mesmo quando goze de abundância em recursos de subsistência, deve fugir d'aquellas carreiras nó-madas que a tragam constantemente afastada da sua familia, correndo por montes e valles. A carreira medica é particularmente d'esta ordem ; e é impossível que uma mulher medica seja es-posa e mãe.

» A mulher medica será, portanto, sempre, uma excepção muito poucas vezes realisada ; é necessária muita coragem e abnegação para que a carreira medica tente muitas mulheres, e esta carreira será seguida só por aquellas que sentirem uma vocação especial e irresistível.

«Em França, prosegue o citado auctor, existem vinte mil medicos, aproximadamente; seriam portanto precisas, pelo menos, dez mil

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mulheres para substituírem dez mil medicos na clinica das pessoas do sexo feminino.

»E a troco de qne sacrifícios poderia ser at-tingido este avultadíssimo numero?

«A questão da maternidade e do casamento é importantíssima para o progresso das nações; e, como vimos, a profissão medica, contra-riando nas mulheres o exercício regular e util d'estas suas capitães funcções, seria por isso mesmo uma causa muito poderosa de depaupe-ramento da população, sobretudo n'esta epo-cha em que o celibato criminoso e egoista, junto á mortalidade extraordinária das crianças, es-tão concorrendo com toda a força para o mes-mo desastroso fim. »

Até aqui fallou Montanier ; e as suas razões são, sem duvida, extremamente sensatas, e além d'isso, a conclusão dos seus argumentos está perfeitamente cohérente com o resultado que já precedentemente nós tínhamos colhido das con-siderações que fizemos, attinentes á sensibilida-de relativa sensibilida-de ambos os sexos.

E plenamente evidente que nunca o nume-ro das mulheres medicas seria mesmo igual ao dos medicos do nosso sexo.

Oppõe-se á realisaçâo d'esté facto os culos da organisação moral da mulher, obstá-culos que bem nos convencemos de serem fun-damentaes; e não menos contrarias lhe são as difnculdades enormes que uma propria e livre

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vocação feminina encontraria na realisação das aspirações excepcionaes do seu espirito.

Porém, não é menos verdade, que exigir um numero de medicas igual ao dos medicos, é ul-trapassar os limites da utilidade da instituição, e requerer muito mais do que aquillo que se afigura necessário, mesmo na mente dos seus mais acérrimos propugnadores. O numero das mulheres medicas seria sempre forçosamente restricto ; e por conseguinte, não compromette-ria secompromette-riamente o desenvolvimento da população ; dado mesmo o caso da incompatibilidade das funcções medicas com as funcções de familia, — o que está longe de perfeita demonstração. E esse mesmo numero, por diminuto que fosse, não deixaria de corresponder ás reclama-ções, ás verdadeiras e imperiosas reclamações da clinica feminina.

Ao escrever esta ultima phrase, desvenda-mos outra e forte objecção, a que vadesvenda-mos tam-bém responder.

Esta objecção é a seguinte : — Pondo de par-te, dirão alguns, a satisfação das excepcionaes aspirações do espirito d'essas mulheres, pergun-ta-se que proveito resultaria para o publico dos serviços que ellas lhe offerecessem ? No trata-mento dos individuos do sexo masculino é cla-ro que não lhes seria possível, nem muitas ve-zes decente, que hombreassem com os medicos e os substituissem. No tratamento das pessoas

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do seu sexo deixariam também de prestar ver-dadeira utilidade, porque o seu numero, forço-samente diminuto, não conseguiria acudir a to-das as necessidades da clinica ; e portanto, vis-to serem tão pouco numerosas para as que se-riam precisas, o mesmo importaria que não hou-vesse nenhuma mulher medica —.

A primeira parte, confessamos francamente que é irrespondivel. Para homens querem-se medicos, e por todas as razões.

Estas são tão obvias que enumeral-as mes-mo seria supérfluo.

Em quanto á outra e segunda parte da ob-jecção, convém attender a que não são tão in-compatíveis as exigências da profissão medica com os melindres da delicadeza e pudor femi-ninos, que um medico não possa tratar conve-nientemente do maior numero dos doentes d'es-té sexo que a elle se confiem. Os retrahimentos, as recusas, as denegações, os logros, que n'es-tas circumstancias comprometteriam o diagnos-tico, por falta de elementos suíficientes para o formar, dão-se na realidade rarissimas vezes. A mulher de mais nervosa pudicicia, comtanto que lhe reste um vislumbre de força de bom senso, encontrará sempre um medico que lhe mereça justamente toda a sua confiança; e, honrosa-mente para a nossa classe, estes medicos não são raros.

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nu-mero das timoratas invencíveis e refractaria-mente desconfiadas, para quem o medico da mais austera probidade será sempre um terrível inquisidor ; e para essas, virão muito a propósi-to os cuidados do medico do mesmo sexo.

É para estas mimosas sensitivas que a scien-çia acudirá, e muito proveitosamente, com mão feminina; e como se vê, não serão necessárias muitas mãos para prestar auxilio a todas.

Deixa, portanto, de valer a referida objec-ção ; e torna-se evidente que está bem longe da verdade a exigência de Montanier, quando sup-põe necessário um numero de mulheres medicas igual ao dos medicos do nosso sexo. E não me-nos patente se torna este outro facto da gran-de utilidagran-de que, nos referidos casos excepcio-naes, teriam essas distinctas mulheres.

Uma das maiores diffículdades praticas que se oppõem seriamente á realisação do tirocinio escolar das mulheres medicas, difficuldade que tem preoccuppado muito os ânimos de vários pensadores e estadistas na Inglaterra e na America, justamente n'estes paizes em que os estudantes do sexo feminino se apresentaram á matricula em numero considerável, é — a pro-miscuidade de ambos os sexos nos amphithea-tros anatómicos, e nos hospitaes —.

— Effectivamente, as dissecções poderão ser feitas em communidade ? As lições de

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phy-60

siologia, de pathologia, de cirurgia, poderão por ventura ser expendidas diante d'um audi-tório composto de senhoras e de estudantes? O professor, por um sentimento muito natural de respeito e decência, não se veria obrigado a suspender o discurso ao roçar por certas minu-ciosidades ; a resumir até á deficiência algumas descripções pouco recatadas? Na pratica cirúr-gica, um grande numero de operações pratica-das em indivíduos do sexo masculino, exigem que o corpo esteja descoberto ; o professor tem de dar explicações, nas quaes lhe será impossí-vel entrar defronte de pessoas do outro sexo. Isso seria evidentemente uma offensa grave ir-rogada officialmente aos delicados sentimentos do pudor. O cirurgião vêr-se-hia, portanto, em-baraçado na sua marcha, em detrimento da sciencia e do próprio paciente—.

Este motivo de desanimo é, na verdade, ponderoso ; e não pomos duvida alguma em de-clarar ao sábio Beaugrand, que o formulou qua-si com as proprias palavras com que nós o aca-bamos de exarar, a impressão bem forte que o mesmo motivo nos incute no espirito, e o quan-to, com essa primeira impressão, ficam abaladas as nossas convicções e esperanças.

Não tarda, porém, que a reflexão nos acal-me, e que ao embate de tão encontradas razões succéda uma conciliação esperançosa. Retome-mos, por isso, a objecção apontada.

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Pretendem que o estudo das sciencias me-dicas é desmoralisador para o sexo feminino por dois motivos : primeiro, em attenção á des-composta e indecente nudez do seu objecto ; se-gundo, por effeito da promiscuidade obrigatória de ambos os sexos.

A isto responderemos, que essa desmorali-sação é muito mais apparente do que real ; e que Beaugrand foi muito timorato e talvez bas-tante injusto.

Na verdade, quem é que se lembrará de chamar indecente e desmoralisadora á propria verdade ? Aonde está a indecencia, — é na nu-dez da realidade ou na perversão do sentimento?

Nós, seguindo as convicções de Clarke, não julgamos, por forma alguma, que os estudos

medicos sejam propelentes á desmoralisação do coração das jovens discípulas; antes pelo con-trario temos por indubitável que a analyse dos

factos do mundo real, a meditação nos grandes phenomenos da vida, é o mais acertado e effi-caz impulso que os espíritos jovens podem re-ceber para a formação da sua moralidade e con-firmação do seu bom senso.

E que melhores fundamentos para a mora-lidade, para a moralidade sincera e verdadeira, do que a contemplação da luz pura da verda-de? Serão, por ventura, mais conducentes a es-se supremo fim da educação, os sonhos de ter-ror com que nos amedrontam a infância da

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i

da, as phantasias monstruosas que nos apavo-ram a infância do espirito? Ou terá mais am-plos direitos de moralisadora a dissolvente e inepta leitura de grande numero de roman-ces?

Com certeza que não poderá furtar-se á ac-cusação de injuriosa e blasphéma, aquella voz que préconisai* como corrupta e destruidora a lição benéfica e edificante dos livros vivos que a natureza nos offerece a todos. Esta fecunda mãe do nosso corpo, é igualmente a melhor edu-cadora do nosso espirito; e nunca methodo al-gum ou systema de educação racional e pratica deixou de respeitar a sua verdadeira e única base possivel, — os factos positivos da natureza do educando —.

Portanto, longe de trepidarmos perante a adopção d'esté methodo, vimos, pelo contrario, reclamal-o como o único verdadeiro, o único seguro, o único que é capaz de garantir a mais solida moralidade.

Não permittimos somente e approvamos que a mulher intelligente estude a natureza ; deseja-mos que a escute sempre, que se inspire sem-pre que possa ser nas suas lições, e que a não troque por outros motivos, por mais formosos que a sua phantasia lh'os enfeite.

Assim, longe de arriscar a sua belleza mo-ral, dar-lhe-ha mais firmes raizes no seu

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es-Porém, não negamos que esse proveito real que a mulher aufere do estudo dos phenomenos naturaes, possa ser compromettido, annullado até, pela acção perversiva, também muito real, do meio em que viver. A promiscuidade dos se-xos seria o peor d'estes meios de dissolução. Nós também, com Clarke, não podemos sup-portai* a idéa de jovens de ambos os sexos per-scutando juntos, sob a mesma banca de auto-psia, os órgãos mais secretos da geração; não queremos vêl-os debruçados sobre o mesmo ca-dinho, ou sobre o mesmo microscópio, analy-sando os princípios constituintes da ourina, ou discutindo os mysterios da syphilis.

Em Edimburgo, na Philadelphia mesmo, consta que se praticaram factos altamente re-prehensiveis por certos estudantes para com as suas companheiras de estudo ; factos lamentá-veis, sem duvida, porém na realidade bem diffi-ceis de evitar.

Por isso, mesmo na America, paiz da mais ampla liberdade, os estudos medicos das mulhe-res soffrerarn sérias diíficuldades ; e se vingaram na Philadelphia foi porque n'esta cidade se ins-tituiu, por subscripção, uma escola de mulhe-res, (Women's Medical College) para o estudo da medicina, dirigido por doutores do seu sexo.

Julgamos, comtudo, que, comquanto seja este o melhor meio de obstar aos inconvenien*

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tes da promiscuidade dos sexos, e o único pra-ticável todas as vezes que a affluencia das dis-cípulas fosse considerável, talvez não seja mui-to difficil, nem altamente dispendioso, o modifi-car um pouco a organisação dos actuaes esta-belecimentos de educação medica, com o fim de garantir as alumnas dos incommodos e irre-verências que acima foram apontados.

O melhor plano d'esta modificação seria o ensino em cursos livres, e a admissão das alum-nas, que os frequentassem, aos exames ou actos nos estabelecimentos de instrucção official. Isto para o caso em que todos os annos se apresen-tasse, regularmente, um numero razoável de matriculandas ; e em que estas, portanto, come-çassem a affluir, já também pelo attractivo do exemplo, muito mais do que por impulso d'uma vocação irresistível. Porque, n'este ultimo caso, o mesmo vigor de vontade que levasse ás es-colas da sciencia medica, estes raros espíritos femininos, seria o bastante para os tornar so-branceiros e invulneráveis ás influencias des-moralisadoras do livre ambiente dos seus con-discípulos, e para lhes garantir o transito illeso e illibado em todos os cursos que houvessem de seguir em promiscuidade.

E, para mais, convém notar-se, que os alumnos de medicina, pelo menos os das nossas escolas, não se encontram por tal forma isolados do meio social de polida civilidade, que

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desço-nhecessem os deveres que lhes imporia o tracto especial com jovens condiscípulas. Entre nós, não conhecemos os terriveis carabins da facul-dade de medicina de Paris ; e ha também muito tempo que findou aquella geração dos antigos estudantes da Universidade de Coimbra, cuja fama pavorosa a historia se encarregou de transmittir até nós. Os alumnos de medicina da nossa epocha são, geralmente, indivíduos sé-rios, commedidos por indole e educação intel-lectual, e sobretudo cordialmente bondosos.

Portanto, o perigo é mais imaginário do que real; e a prova é que, em todos os pontos do mundo scientifico em que os princípios de liberdade ou a insistência feminina levaram es-ta idéa a uma realisação complees-ta, tem-se noes-ta- nota-do que a pratica vae desfazennota-do plenamente os anteriores receios e todas as presuppostas diffi-culdades.

As Universidades de Londres, de Cambri-dge, de Edimburgo, de Vienna d'Austria, d'Hel-singfors, de Moscow, de S. Petersburgo, matri-culam annualmente nos seus cursos medicos um bom numero de discípulas.

Na Gazeta Hebdomadaria de Medicina e

Ci-rurgia (de agosto de 1872) refere-se que só a

faculdade de medicina da Universidade de Zu-rich contava em 1872 o numero de 51 alum-nas; de modo que o contingente feminino da dita faculdade constituía a quarta parte do

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mero total dos aluamos que frequentavam, n'es-sa epocha, os seus différentes cursos. Seis d'es-tas alunmas tornaram-se distincd'es-tas e occupam actualmente logares eminentes.

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0 0 3 S T 0 I L T J S Â O

Confiados, pois, no valor das razões e argu-mentos que foram apresentados em todo o de-curso do presente trabalho, julgamos poder ti-rar como conclusão final as seguintes proposi-ções, que adoptamos como legitimas e proprias :

t

1.* — A intelligencia feminina possue em alto gráo a capacidade scientifica.

2.a— Em todas as epochas o espirito feminino

tem ornado e ennobiiscido, com o seu contingente, as sciencias em geral, e a medicina em particular.

3.a—Este contingente é, naturalmente, muito

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' . - i ■■■

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4.a—Em medicina convém animar a idea dos

estudos medicos seguidos por senhoras, não só como preito á liberdade do espi­ rito, mas também como impulso a hon­ rosas e mui apreciáveis vocações, e principalmente como meio efficaz e úni­ co de eliminar os inconvenientes e de­ feitos, por vezes bem graves, da clini­ ca d'uma parte dos doentes do sexo fe­ minino, quando exercida por homens. 5.a — O mais perfeito e pratico d'esses planos

de reforma, seria a instituição de cur­ sos livres, sendo os actos feitos nos es­ tabelecimentos de instrucção official.

;

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H i s t o l o g i a . — A composição chimica do tecido

ós-seo é invariável nas suas proporções.

P h y s i o l o g i a . — A agua é um alimento plástico. M a t e r i a m e d i c a . — A acção dos balsâmicos sobre

as mucosas é simplesmente local.

P a t h o l o g i a e x t e r n a . —Reprovamos qualquer

tra-tamento na hydrocephalia.

M e d i c i n a o p e r a t ó r i a . —Para a hémostase

defi-nitiva preferimos a torsão.

P a r t o s . — A perforação das membranas do ôvo é

um meio infallivel de provocar o aborto.

P a t h o l o g i a i n t e r n a . — O facto inicial da ulcera

simples do estômago não é a acção do sueco gástri-co sobre a mugástri-cosa, mas sempre uma perturbação cir-culatória local.

P a t h o l o g i a g e r a l . —Não admittimos a

exponta-neidade mórbida.

A n a t o m i a p a t h o l o g i c a . — Praticamente, não ha

vantagens na distineção entre infiltrações e degene-rações.

H y g i e n e . — O dote mais valioso que a geração

actual pode legar para o progresso das gerações fu-turas, é a elevação, á sua verdadeira e merecida al-tura, da educação intellectual da mulher.

Pode imprimir-se.

0 CONSÍLHEinO-DIllEUTOH,

Costa Leite.

Vista.

Referências

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