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O sertão imaginado nas Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ANA JUDITE DE OLIVEIRA MEDEIROS

O SERTÃO IMAGINADO NAS BACHIANAS BRASILEIRAS DE HEITOR VILLA LOBOS

NATAL-RN 2020

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ANA JUDITE DE OLIVEIRA MEDEIROS

O SERTÃO IMAGINADO NAS BACHIANAS BRASILEIRAS DE HEITOR VILLA LOBOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção de título de doutora.

Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Bastos Alves

Coorientador: Professor Doutor Eduardo Lopes

NATAL-RN 2020

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O SERTÃO IMAGINADO NAS BACHIANAS BRASILEIRAS DE HEITOR VILLA LOBOS

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de doutora.

Tese apresentada e aprovada em ____/____/2020. BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Lúcia Bastos Alves – Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Lopes – Coorientador

Universidade de Évora

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Alessandro Dozena – Examinador externo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Hermano Machado Ferreira Lima – Examinador externo

Universidade Estadual do Ceará

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Santana – Examinador interno

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

________________________________________________________________ Prof. Dr. Danilo César Guanais de Oliveira – Examinador externo

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Medeiros, Ana Judite de Oliveira.

O Sertão imaginado nas Bachianas Brasileiras de Heitor Villa- Lobos / Ana Judite de Oliveira Medeiros. - Natal, 2020.

196f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia Bastos Alves. Coorientador: Prof. Dr. Eduardo Lopes.

1. Sertão - Tese. 2. Bachianas Brasileiras - Tese. 3. Heitor Villa-Lobos - Tese. I. Alves, Maria Lúcia Bastos. II. Lopes, Eduardo. III. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 316:78 Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710

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À minha mãe, Noemi, que me mostrou o mundo e a música.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que manteve minha mente cativa àquilo que realmente interessava, aos valores éticos e morais que me fizeram ser quem sou. E que, apesar de transitar em campos tão vastos e complexos do conhecimento, conduziu-me a olhar sempre para o Alvo, o qual não me deixou outra saída, a não ser seguir em frente.

Assim, senti-me fortalecida a dedicar-me à pesquisa e à produção científica. Para isso, agradeço à Professora Doutora Maria Lúcia Bastos Alves, que me aceitou para os quatro anos de doutorado nas Ciências Sociais. Sabendo que a minha formação era em Música, e minha personalidade tão poética, incentivou-me ao diálogo entre as áreas com sua “alma musical”, como assim fora desde o mestrado. A Professora Maria Lúcia falou comigo nas horas certas, e quando não falou, confiou em mim naquilo que me propus a fazer, dando-me autonomia e liberdade para seguir. O que reconheço nesse percurso é o seu olhar atento para o meu voo.

Também tive o privilégio de ter um coorientador, o Professor Doutor Eduardo Lopes, da Universidade de Évora, Portugal, que me acolheu no período de doutoramento sanduíche, com toda simpatia e incentivo, caminhando lado a lado na construção da tese, um trabalho que tomava forma e liberdade. O Professor Eduardo encorajou-me a produzir e a divulgar esta pesquisa em eventos e periódicos, de modo que desenvolvemos uma parceria e amizade. Nesse período e processo, vi minha escrita tornar-se mais criteriosa e progressista, ele me trouxe o foco da Musicologia e me fez olhar para o século XXI, para o meu tempo. Esse foi um tempo de determinação e ousadia, de momentos alegres e outros nem tanto, de entusiasmo e de um desgaste mental, emocional e físico, de ajuntamento e de largos momentos de solidão, que me ajudaram na concentração, mas também, por vezes, me assaltaram o ânimo. Mas, fazer doutorado é permitir-se a mudanças. Sendo esse um caminho difícil a ser percorrido, reconheço que nunca estive realmente só, mesmo que aparentemente estivesse.

Agradeço aos meus familiares, Dagmar Júnior, Laura Fabíola, Daniel Vinícius e João Gabriel, que estiveram comigo, em todos os momentos, perto e também a distância de um oceano.

Às minhas amigas, que enquanto vivia em Portugal, estiveram à minha disposição por horas on-line, como Adriana Bezerra, Adriana Lóssio, Yunga Fernandes e Bárbara Semensato, que conheci em Évora e nos tornamos “amigas de infância”. Todas me ajudaram na tese e na vida pessoal.

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Em especial, a Andrea Diniz, que me acompanhou desde o início do meu deslocamento do Brasil para Portugal, e comigo esteve lá por alguns dias, um conforto. O produto de uma tese é também o resultado de muitas pessoas que nos cercam, não apenas de teóricos e dados tabulados mas também de histórias particulares, vividas, somadas, que não descartam a arte de ouvir e de sentir empatia, porque tudo o que fazemos sempre será para todos.

Agradeço aos meus colegas de doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Marcelo Henrique e Andrezza Medeiros, nesse processo, avançamos juntos e torcemos por cada vitória alcançada.

Às minhas amigas de Portugal, Edilaine Mattos, Inês Aranha, Rosângela Dutra e Christiane Atta, que nunca me negaram atenção e afeto.

Aos amigos da Universidade de Évora, Ana Margarida Pinto e Celso Bastos, uma vez que, juntos, dividimos nossas inquietudes em longas e divertidas conversas. Muito bom contar com eles, especiais mesmo. Reconheço, nunca estive só.

Esse também foi um período em que pude olhar para dentro e reorganizar os planos, refazer a vida, mudar de cidade, de país, ter duas casas, uma Natal e outra em Évora. Assim, conhecer de perto o jeito “português de ser”, em especial alentejano, de tradição moura. E esse “jeito” me forneceu pistas para a pesquisa, com proximidades culturais com o sertanejo do Nordeste, de fortes influências ibéricas, considerando as afinidades e as diferenças. Foi um momento de ver outras paisagens, conhecer outras pessoas, sair do lugar comum, do conforto das minhas referências e das ações previsíveis. Mas nunca sair do foco. Nesses anos, aprendi a “estar mais pronta para ouvir e mais tardia para falar”1, a recuar quando necessário, e

também a posicionar-me com mais ousadia, quando oportuno fosse.

Nesse tempo, eu me permiti viver sentimentos inesperados, a que comparo ao madrigal Zefiro torna de Monteverdi. Vivê-los faz parte da vida, de quem se lança com coragem de ser imperfeito e de demonstrar afeição sem medo. Esses anos foram de profundo aprendizado acadêmico, pessoal e espiritual, de mudanças significativas na vida.

Mas a realização da pesquisa que resultou nesta tese só foi possível porque tive do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte o financiamento e afastamento total das minhas atividades acadêmicas e artísticas, com tranquilidade para desenvolver meus estudos e minha capacitação. Por isso, meu especial agradecimento ao IFRN, no Campus Natal Central.

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Aos colegas de trabalho e aos meus alunos, que me apoiaram nesse período de ausência, sempre com palavras de estímulo e otimismo. Sobretudo, aos colegas professores de Música, que aplicaram a atividade experimental de análise musical com seus alunos, a partir da qual recolhi os dados da pesquisa. No IFRN, tenho quase uma vida, tenho muitos dos meus melhores anos, foi o meu primeiro e único emprego a que dediquei minha juventude e energia, e que a ele volto, não mais tão jovem, mas com a mesma alegria e entusiasmo do início.

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RESUMO

A considerar a influência da música popular e folclórica na Série Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), a tese traz uma perspectiva reflexiva sobre o Sertão nordestino. A Série Bachianas é uma obra musical, que em sua estrutura, remete à música Johann Sebastian Bach (1685-1750), por isso “bachianas”, e nela, cada suíte funde-se de maneira própria com a música folclórica e popular brasileira, especialmente o estilo do choro e a musicalidade sertaneja (NÓBREGA, 1971; KIEFER, 1997; CALDAS, 2010). A pesquisa traz um exame de quatro peças da Série: a Introdução Embolada, a Dança Lembrança do Sertão, o Coral Canto do Sertão e a Ária Cantiga, denominadas de Bachianas Sertanejas. A partir dessas peças, investiga a influência histórica e cultural (HOLANDA, 1982; ORTIZ, 2006; ALBUQUERQUE, 2011) que levaram o compositor a inserir ritmos e melodias característicos da região, como o baião e a canção popular “Ó mana deix’eu ir...”, a fim de compreender sua elaboração imaginária da região. Considerando a problemática da nordestinidade e da regionalidade (ANDRADE, 1989; CASCUDO, 2000)presentes na obra, a pesquisa busca desenvolver as abordagens da linguagem em si, como linguagem das coisas e do homem (BENJAMIM, 2011) e o exercício sociológico (MILLS, 1996) de “olhar” ou “ouvir” uma obra musical e suas possibilidades e conexões sociais. Ademais, sob uma perspectiva musicológica, considera como a internalização das características externas e como elas adquirem outros significados na interpretação, como conduzem o tema ou como se transformam a partir dele (KERMAN, 2011; LOPES, 2014). Dessa forma, a análise das peças da Série Bachianas Brasileiras tem por objetivo suscitar reflexões sobre outro olhar para a região através da linguagem musical.

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ABSTRACT

Considering the influence of popular and folk music in the Bachianas Brasileiras Series by Heitor Villa-Lobos (1887-1959), the thesis brings a reflective perspective on the northeastern Sertão. The Bachianas Series is a musical work, which in its structure, refers to the music Johann Sebastian Bach (1685-1750), therefore ‘bachianas’. In it, each suite merges in its own way with Brazilian folk and popular music, especially the Choro style and country music (NÓBREGA, 1971; KIEFER, 1997; CALDAS, 2010). For the research, four pieces of the Series were examined: Introduction Embolada, Dance Lembrança do Sertão, Choir Canto do Sertão and Aria Cantiga, called Bachianas Sertanejas. From them, we investigated the historical and cultural influence (HOLANDA, 1982; ORTIZ, 2006; ALBUQUERQUE, 2011), which led the composer to insert rhythms and melodies characteristic of the region, such as Baião and the popular song “Ó mana deix’eu ir…”, in order to understand his imaginary elaboration of the region. And, considering the problem of northeasternity and regionality (ANDRADE, 1989; CASCUDO, 2000) present in the work, the research was developed under the approaches of language itself, as language of things and man (BENJAMIM, 2011) and exercise sociological (MILLS, 1996), to ‘look’ or ‘listen’ to a musical work and its possibilities and social connections. And also, from a musicological perspective, which considers how external characteristics are internalized and acquire other meanings in the interpretation, either as it leads or as it transforms (KERMAN, 2011; LOPES, 2014). Thus, the pieces of the Bachianas Brasileiras Series were analyzed in order to raise reflections on another look at the region through musical language.

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RÉSUMÉ

Compte tenu de l'influence de la musique populaire et folklorique dans la série Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), la thèse apporte une perspective réflexive sur le Sertão nord-est. La série Bachianas est une œuvre musicale qui, dans sa structure, fait référence à la musique de Johann Sebastian Bach (1685-1750), donc «bachianas». Chaque suite y fusionne à sa manière avec la musique folklorique et populaire brésilienne, en particulier le style choro et la musique populaire (NÓBREGA, 1971; KIEFER, 1997; CALDAS, 2010). Pour la recherche, quatre pièces de la série ont été examinées: Introduction Embolada, Danse Lembrança do Sertão, le Chœur Canto do Sertão et Aria Cantiga, appelée Bachianas Sertanejas. À partir d'eux, nous avons étudié l'influence historique et culturelle (HOLANDA, 1982; ORTIZ, 2006; ALBUQUERQUE, 2011), qui a conduit le compositeur à insérer des rythmes et des mélodies caractéristiques de la région, comme le Baião et la chanson populaire «Ó mana deix’eu ir...», afin de comprendre son élaboration imaginaire de la région. Et, considérant le problème de la nord-est et de la régionalité (ANDRADE, 1989; CASCUDO, 2000) présent dans l'ouvrage, la recherche a été développée sous les approches du langage lui-même, comme langage des choses et de l'homme (BENJAMIN, 2011) et de l'exercice sociologique (MILLS, 1996), pour ‘regarder’ ou ‘écouter’ une œuvre musicale et ses possibilités et liens sociaux. Et aussi d'un point de vue musicologique, qui considère comment les caractéristiques externes sont intériorisées et acquièrent d'autres significations dans l'interprétation, soit en tant qu'elle conduit ou qu'elle se transforme (KERMAN, 2011; LOPES, 2014). Ainsi, les pièces de la série Bachianas Brasileiras ont été analysées afin de susciter des réflexions sur un autre regard sur la région à travers le langage musical.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 –Modelo de organização musical que deu origem à escala nordestina

Figura 1 – Estrutura do estudo ... 27

Figura 2 – Direcionalidade de narrativas para o conhecimento musical ... 30

Figura 3 – Alegoria “O ouvido”, fatores que auxiliam na compreensão da obra musical ... 31

Figura 4 – Ritmo do cateretê, caruru e calango (próximos ao baião) ... 63

Figura 5 – Modos gregos que deram origem à escala nordestina ... 66

Figura 6 – Base do ritmo de baião ... 67

Figura 7 – Variações rítmicas do Forró ... 68

Figura 8 – Variações rítmicas do xote e do xaxado ... 69

Figura 9 – Ritmo de Coco próximo ao Baião – Ritmo da Embolada ... 71

Figura 10 – Fragmento de “Luar do Sertão” ... 77

Figura 11 – Fragmento do canto “Bendito” ... 78

Figura 12 – Fragmento do canto em aboio ... 79

Figura 13 – Finalizações para a musicalidade nordestina ... 87

Figura 14 – Fragmento – “Baião” (Luiz Gonzaga) ... 87

Figura 15 – Fragmento do Coral Canto do Sertão (em ostinato) ... 94

Figura 16 – Melodia da canção sertaneja (em acordes) ... 95

Figura 17 – Melodia da canção sertaneja (redução) ... 95

Figura 18 – Introdução Embolada – primeira parte ... 113

Figura 19 – Introdução Embolada – segunda parte ... 114

Figura 20 – Trecho da Dança Lembrança do Sertão – tema em toada ... 116

Figura 21 – Trecho da Dança Lembrança do Sertão – na toada para piano ... 116

Figura 22 – Coral “Canto do Sertão” (primeira parte) ... 118

Figura 23 – Tema da Oferenda Musical de J. S. Bach (à direita). Tema no Prelúdio (à esquerda) ... 119

Figura 24 – Temas presentes no Coral Canto do Sertão ... 120

Figura 25 – Coral Canto do Sertão. Seção A. Ostinato (nota Si bemol). ... 121

Figura 26 – Canto da Araponga em ostinato duplicado ... 122

Figura 27 – Canto da Araponga em ostinato triplicado ... 122

Figura 28 – Canto da Araponga em ostinato quadriplicado ... 123

Figura 29 – Canto da Araponga em ostinato quadriplicado ... 124

Figura 30 – Diferentes recursos sonoros para ressonância ... 125

Figura 31 – Cadência final – Tirata ... 127

Figura 32 – Ária Cantiga (tema da canção popular) ... 128

Figura 33 – Ária Cantiga – Introdução Motivo germinal 3ª menor descendente e 2ª maior ascendente ... 130

Figura 34 – Pedal ... 131

Figura 35 – Ária Cantiga – parte B (com o tema do baião) ... 132

Figura 36 – Ária “Cantiga” – parte B (transformação textural do baião) ... 133

Figura 37 – Seção com o ritmo acentuado do baião sob o tema da Cantiga ... 134

Figura 38 – Oitavas repetidas em ênfase ao tema da canção popular, em paranomasia e gradatio ... 135

Figura 39 – Variação do tema Cantiga ... 135

Figura 40 – Cadência final, repetição do tema ... 136

Figura 41 – Aspectos uni e multidimensionais do som ... 148

Figura 42 – Valência e Atividade ... 151

(13)

Figura 44 – O modelo de emoção – afeto musical evocada: Imagination, Tension, Prediction,

Reaction and Appraisal, de Huron ... 154

Gráfico 1 – Respostas obtidas do Campus Natal Central ... 141

Gráfico 2 – Respostas obtidas do Campus Zona Norte ... 141

Gráfico 3 – Respostas obtidas do Campus João Câmara ... 142

Gráfico 4 – Respostas obtidas do Campus Santa Cruz ... 142

Gráfico 5 – Respostas obtidas do Campus Parnamirim ... 143

Gráfico 6 – Respostas obtidas do Canguaretama ... 143

Gráfico 7 – Percepção sonora, identificação e classificação de instrumentos e grupos ... 156

Gráfico 8 – Campus Natal Central: cognição, identificação de melodias e ritmos ... 157

Gráfico 9 – Campus Zona Norte: cognição, identificação de melodias e ritmos ... 157

Gráfico 10 – Campus João Câmara: cognição, identificação de melodias e ritmos ... 158

Gráfico 11 – Campus Santa Cruz: cognição, identificação de melodias e ritmos ... 158

Gráfico 12 – Campus Parnamirim: cognição, identificação de melodias e ritmos ... 159

Gráfico 13 – Campus Canguaretama: cognição, identificação de melodias e ritmos ... 159

Gráfico 14 – Afeto I – Valência ... 160

Gráfico 15 – Afeto I – Atividade ... 160

Gráfico 16 – Afeto II – Imaginação ... 161

Gráfico 17 – Afeto II – Constatação ... 161

Gráfico 18 – Assimilação da Introdução Embolada ... 163

Gráfico 19 – Assimilação da Dança Lembrança do Sertão ... 164

Gráfico 20 – Assimilação do Coral Canto do Sertão ... 165

Gráfico 21 – Assimilação da Ária Cantiga ... 166

Partitura 1 – Ária Cantiga – Bachiana nº 4 ... 53

Partitura 2 – Lundu da Marqueza de Santos – Villa-Lobos ... 73

Partitura 3 – Asa Branca – Luiz Gonzaga ... 73

Partitura 4 – Vida de Viajante – Luiz Gonzaga ... 80

Partitura 5 – Vem Morena (em ritmo de Coco/ Embolada) – Luiz Gonzaga e Zé Dantas ... 81

Quadro 1 – Cartografia da Introdução Embolada ... 163

Quadro 2 – Cartografia da Dança Lembrança do Sertão ... 164

Quadro 3 – Cartografia do Coral Canto do Sertão ... 165

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: NOTA SOBRE A TESE ... 16

1.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS (MODERATO) ... 16

1.2 A MOTIVAÇÃO DA PESQUISA ... 18

1.3 A QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO E SEUS ENCAMINHAMENTOS TEÓRICOS 20 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 25

1.5 A OBRA E O OUVINTE ... 27

2 PRELÚDIO: O TEMA DO SERTÃO NA PESQUISA ... 33

2.1 O SERTÃO IMAGINADO ... 37

2.2 O RETORNO À CULTURA POPULAR E O FOLCLORE NA MÚSICA BRASILEIRA ... 41

2.2.1 Sua influência na composição das Bachianas Brasileiras ... 48

2.4 VILLA-LOBOS, QUEBRANDO ESTEREÓTIPOS DO COMPOSITOR ... 54

3 PRELÚDIO: O SERTÃO DAS BACHIANAS ... 63

3.1 ASPECTOS MUSICAIS DA REGIÃO ENCONTRADOS NAS BACHIANAS BRASILEIRAS ... 63

3.2 O BAIÃO E OUTROS GÊNEROS MUSICAIS PRESENTES NAS PEÇAS (ALLEGRETO) ... 76

4 PRELÚDIO: O SERTÃO NAS BACHIANAS BRASILEIRAS (LARGO) ... 82

4.1 AS BACHIANAS EM ATO, A LINGUAGEM DA MÚSICA EM SI MESMA ... 82

4.1.1 A Topics Theory à musicalidade brasileira e nordestina ... 83

4.1.2 As Bachianas como “objeto” virtual ... 90

4.2 BACHIANAS EM POTENCIAL, PARA UM “OUVIR” SOCIAL ... 92

4.2.1 As Bachianas entre o poema e a narrativa ... 97

5 FUGA: AS BACHIANAS SERTANEJAS (PUNCTO) ... 112

5.1 INTRODUÇÃO EMBOLADA – BACHIANA Nº 1 ... 112

5.2 DANÇA LEMBRANÇA DO SERTÃO, DA BACHIANA Nº 2 ... 115

5.3 CORAL CANTO DO SERTÃO, DA BACHIANA Nº 4 ... 117

5.4 ÁRIA “CANTIGA”, DA BACHIANA Nº 4 ... 127

6 FUGA: AS BACHIANAS SERTANEJAS, UMA ATIVIDADE EXPERIMENTAL (CONTRAPUNCTUS) ... 138

6.1 O ALUNO OUVINTE DO INSTITUTO FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ... 138

6.2 ATIVIDADE EXPERIMENTAL DE AUDIÇÃO E ANÁLISE MUSICAL ... 140

6.3 TRÊS ASPECTOS OBSERVADOS NA ATIVIDADE EXPERIMENTAL ... 146

6.3.1 Percepção sonora ... 147

6.3.2 Cognição musical ... 149

(15)

6.4 ANÁLISE DAS BACHIANAS SERTANEJAS NA ATIVIDADE EXPERIMENTAL

... 155

6.5 RESULTADOS ... 166

6.6 DISCUSSÃO ... 169

7 CODA E CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 177

7.1 POSLÚDIO ... 182

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1 INTRODUÇÃO: NOTA SOBRE A TESE

Para ouvir as Bachianas na contemporaneidade, em sua estrutura afetiva, textual e histórica (autoria própria).

A escrita desta tese, que foi pensada musicalmente, segue sob a estrutura de

Introdução, Prelúdio e Fuga. Esse é o modelo encontrado na Série Bachianas Brasileiras,

de Heitor Villa-Lobos, proveniente de O Cravo Bem Temperado, de Johann Sebastian Bach2.

A Introdução, como Abertura de uma obra, está voltada à apresentação do objeto de estudo; à questão de investigação e seus encaminhamentos teóricos; ao delineamento da pesquisa e seu construto.

O Prelúdio, como peça que antecede o tema principal, divide-se nesta tese nas seções 2, 3 e 4. Na seção 2, constam aspectos físicos e sociais do Sertão, que inspiraram as peças musicais. A seção 3 aponta as características culturais e musicais da região, presentes nas Bachianas. Já a seção 4 mostra os aspectos teórico-metodológicos que guiaram a pesquisa.

Dando sequência, temos a Fuga, como parte polifônica e dialética dessa estrutura, que se divide nas seções 5 e 6. Delas constam o estudo do objeto sob “duas vozes”; sendo a seção 5 voltada à análise da obra escrita (puncto); e a seção 6, à análise da opinião do ouvinte a partir da apreciação da obra (contrapunctus). Ambos, em Fuga, são fundamentais para a compreensão e a reflexão da temática.

Por fim, temos a Coda e as considerações finais, além do Poslúdio, a fim de trazer conclusões sobre este estudo.

1.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS (MODERATO)

A presente tese, que traz o tema do Sertão nordestino, propõe-se a estudar quatro peças musicais da Série Bachianas Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos, com o objetivo de compreender como o tema foi trazido nessa obra pelo compositor. Estudar a música de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), em especial a Série Bachianas Brasileiras (1930-1945), foi um dos desafios encontrados na pesquisa: primeiro, por ser essa uma obra estudada e comentada desde a década de 1970 (NÓBREGA, 1971; KIEFER, 1986); segundo, por trazer contribuição composicional, de forma inovadora e inclusiva, que alia influências românticas e modernas com a música popular e folclórica (MARIZ, 1989; ANDRADE, 1989).

2 O Cravo Bem Temperado, escrito de 1722 a 1744, é uma coleção de música para cravo solo, composta por Johann Sebastian Bach em dois volumes. A obra foi inicialmente escrita para prelúdios e fugas, tendo por base os 24 tons (12 maiores e 12 menores), o temperamento da música em tons e semitons.

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A Série Bachianas Brasileiras consiste em uma obra sequenciada em nove suítes compostas para diversos grupos instrumentais e vocais. Sua estrutura remete diretamente à música de Johann Sebastian Bach (1685-1750), por isso “bachianas”. Cada suíte funde-se de maneira própria com a música folclórica e popular brasileira, especialmente o estilo do choro e a musicalidade sertaneja, com traços do impressionismo francês e do romantismo alemão (NÓBREGA, 1971; MARIZ, 1989; KIEFER, 1986).

A Série Bachianas tornou-se uma síntese entre a matriz musical brasileira e a linguagem de Bach como “um fundo folclórico de todas as nações” (CHATEUBRIAND 2006, p. 134), sendo observada como uma concepção universalista e profundamente eurocentrada (APPLEGATE, 1998). Dessa forma, orientou Heitor Villa-Lobos a olhar para o folclore musical, dando-lhe um tratamento “bachiano”, a fim de elevá-lo ao patamar universal, sendo, igualmente, parte do pensamento modernista de Mário de Andrade sobre a música nacional (KIEFER, 1986).

Apesar de a Série Bachianas Brasileiras não ostentar a mesma visibilidade no cenário musical que o Ciclo dos Choros (1919)3, nela, encerram suítes que se tornaram obras

primas da música brasileira. As mais populares são a Toccata O Trenzinho do Caipira e a Ária Cantilena, que seguem o esquema A-B-A, sendo originalmente a primeira mais desenvolvida. A “harmonia utilizada é de fundo clássico, ‘temperada com sal’ de 7ªs, 6ªs e 4ªs ajuntadas aos acordes e por frequentes notas de passagem e retardos” (NÓBREGA, 1971, p. 19).

A expressão “temperada com sal”, usada com frequência por Nóbrega, é trazida nesta tese a fim de lembrar os seguintes aspectos: o primeiro, sobre o “temperamento” da escala diatônica, de inspiração em O Cravo Bem Temperado, de Bach; e o segundo, referente ao “sabor” acentuado brasileiro, contido na fonte musical colhida, que serviu de inspiração para as peças. Dessa forma, foi-lhe atribuído um título duplo, um de denominação tradicional e outro da fonte brasileira, por isso Bachianas Brasileiras.

Ao longo da sequência das Bachianas, algumas peças apresentam, de forma mais viva, a feição brasileira, como a Introdução Embolada (1930) e a Giga Quadrilha Caipira (1942). Mas há, também, aquelas peças de andamento mais lento, que aparentemente sugerem uma versão mais tradicional “bachiana” e menos nacional. Elas deixam aparecer a feição brasileira, sem a expectativa rítmica e enérgica, mas na disposição dos temas de viola, dos

3 O Ciclo dos Choros consiste em um conjunto de composições para as mais diversas formações, passando por grupos camerísticos até grandes massas sinfônicas, com inspiração direta na música urbana do Rio de Janeiro da virada do século. Disponível em: www.museuvillalobos.org.br. Acesso em: 12 out. 2019.

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cantos sertanejos, da melancolia interiorana das toadas, como no Prelúdio Introdução (1931), da Bachiana nº 4; e na Ária Cantilena (1938), da Bachiana nº 5 (PIEDADE, 2007).

Para a pesquisa, foram estudadas as seguintes peças da Série Bachianas Brasileiras: a Introdução Embolada; a Dança Lembrança do Sertão; o Coral Canto do Sertão; e a Ária Cantiga, as quais denominamos de Bachianas Sertanejas. Nelas, observamos como o compositor inseriu estrategicamente elementos rítmicos e melódicos, por exemplo, o baião e temas de canções populares, permitindo, assim, a construção de um imaginário da região. E, dessa forma, apresentar o valor da música nas ciências sociais como criadora de imagens e metáforas que contribuem para a elaboração crítica da realidade.

1.2 A MOTIVAÇÃO DA PESQUISA

A partir da visibilidade dada por Heitor Villa-Lobos, a escolha dessas peças deu-se por dois motivos distintos. Primeiro, porque nelas se encontram características musicais mais salientes da região; como na Introdução Embolada, que faz alusão às emboladas e aos desafios4 de cantadores das feiras livres; e na Dança Lembrança do Sertão, que traz a melodia

principal em toada com características do ponteio da viola sertaneja; também no Coral Canto do Sertão, pode-se observar a alusão à temática da seca, sendo intermeado por uma canção católica de romaria e a referência musical em ostinato ao Canto da Araponga; seguido da Ária Cantiga, com um tema central da canção popular Ó mana deix’eu ir pr’o Sertão do Caicó e o ritmo acentuado do baião.

Reconhecidas as características musicais e físicas da região, o segundo motivo deu-se, porque, das quatro peças selecionadas, duas delas, o Coral e Ária, foram compostas originalmente para piano solo, instrumento de execução desta pesquisadora. Por conseguinte, temos mais proximidade com sua escrita, possibilitando debruçar-nos em uma análise mais acurada e no exame das peças.

Como professora de música, pianista e regente de coral, atuante desde o final da década de 1990, a obra de Heitor Villa-Lobos sempre permeou nosso campo de trabalho, sobretudo ao observar como o compositor trouxe para a literatura musical temas do folclore

4 A embolada e o desafio são ritmos, também gêneros musicais, como o baião, o xote e o xaxado e os ritmos de coco, são também chamados de coco de improviso ou coco de repente, que no Sertão tomam amplitude com a arte do improviso, composta por uma dupla de cantadores, que ao som enérgico e batucante do pandeiro, monta versos com métrica precisa, de sons rápidos e improvisados. Esses parceiros estabelecem um desafio para quem der a resposta mais rápida e ritmada, por isso, também ser chamado de desafio de cantadores com pandeiro ou viola.

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brasileiro, aliados a uma rebuscada técnica, seguindo tendências de sua época5. Em sua obra,

para piano e coral, mais voltada à educação musical, vemos como é possível salientar a beleza e a simplicidade da tonalidade e dos desenhos rítmicos, em meio aos atonalismos e polirritmos presentes no modernismo após a década de 1920.

Em nossa experiência, esse foi um dos pontos de referência de brasilidade que tanto considera o passado, como também se abre ao presente, sendo esse o motivo que nos levou a pesquisar a peça. Nisso, vemos que, apesar do reconhecimento singular de sua obra, essa ainda tem despertado interesse no século XXI, em plena era tecnológica, como uma “novidade”, em tempos de reducionismo musical comercial (PIEDADE, 1997; LOQUE, 2010). Para a pesquisa, provocam reações as discussões sobre definições regionais, tornando o tema cada vez mais vivo e presente nos dias de hoje.

Somos de uma época de livros contados em discos de vinil coloridos, com contos e fábulas musicadas6, que acompanharam paralelamente a educação musical, desde a infância.

Essa experiência muito contribuiu para uma escuta acurada e curiosa, senão, imaginária das histórias que ouvíamos. Passados muitos anos, como professora de música, decidimos compartilhar nas aulas tais experiências, a fim de desenvolver esse espírito musical crítico, imaginativo, e dele elaborar outras percepções. Era o interesse em ouvir a música para além dela mesma, para além do que a partitura e a execução instrumental poderiam proporcionar.

Foi então que surgiu a iniciativa de elaborar uma atividade de análise informal da música. Um exercício de audição e apreciação musical, por vezes, fechado, objetivo, para identificar instrumentos e linhas melódicas e rítmicas; mas também aberto, subjetivo, para suscitar no aluno sua capacidade interpretativa através dos sons. Dessa atividade, redirecionamos, com seus devidos recortes, para a pesquisa doutoral que será mais detalhada nas seções a seguir.

Sobre a escolha do tema do Sertão, esse surgiu em continuidade ao estudo realizado durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Na então pesquisa, foram trabalhadas a relação entre temas da música popular de tradição oral e a música contemporânea brasileira, o que resultou numa

5 A música no resgate da cultura popular e folclore, assim como fez Zóltan Kodály, na Hungria; e Tchaikovsky, na Rússia, segmentos do romantismo nacionalista, acentuado no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. 6 Pedro e o Lobo, de Sergei Prokofiev. Coleção Disquinho. Disponível em: https://youtu.be/vW9mZv8yqMU

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dissertação sobre a Missa de Alcaçus7 e as aproximações melódicas com os romances

medievais ibéricos (MEDEIROS, 2014).

A utilização de temas populares e folclóricos na música clássica brasileira tem sido objeto de estudos sociais e artísticos, oriundos dos movimentos romântico e moderno de finais do século XIX a meados do XX, provenientes dos estudos sobre indianismo, folclore e identidade nacional (KIEFER, 1997; ORTIZ, 2006; VOLPE, 2001; ANDRADE, 2015). Apoiada nesses estudos, a presente pesquisa não foge desse direcionamento, suscitando-nos a curiosidade e o interesse em ampliá-la na investigação de peças da Série Bachianas Brasileiras. Apesar de o tema do Sertão ter sido amplamente explorado na música de Heitor Villa-Lobos, buscamos trabalhá-lo nesta obra, sob a perspectiva da sua escrita e de sua reação auditiva como construção do imaginário da região.

O tema do Sertão, que inicialmente não fazia parte desta pesquisa, surgiu fruto do encontro entre o que viria aproximar a obra clássica da cultura popular e o exercício de um “olhar” ou “ouvir” sociológico (MILLS, 1996). No que diz respeito ao Sertão sonoro e imaginado, esse será escrito em letra maiúscula, como importância dada à região, que de tema periférico assumirá, por vezes, o tema central nesta tese. Nisso, vemos como a pesquisa é um campo aberto a descobertas, compondo o trabalho e conduzindo a linha de investigação.

1.3 A QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO E SEUS ENCAMINHAMENTOS TEÓRICOS

A questão de investigação que propomos no estudo das Bachianas Brasileiras, em especial, as Sertanejas, desdobrou-se nas seguintes perguntas: como a música apresenta a mesma região para além das definições construídas sobre ela? Como é possível “ouvir” o Sertão para além das canções populares e dos ritmos característicos, e que outras interpretações são possíveis de se obter da região? O que implica alterar esse “ouvir” ou “olhar” através da música? Quem daria as pistas para o reconhecimento dessa mudança? E ainda, que importância isso teria nos dias de hoje? Essas perguntas se seguiram durante a pesquisa sem perder de vista sua articulação contemporânea, o que nos oportunizou a acatar o tema e a direção que estava a ser tomada.

A partir delas, trabalhamos as peças como linguagem musical que fala por si mesma (HARNONCOURT, 1998; WISNIK, 1989). Desse modo, pode-se elaborar uma reflexão

7 A Missa de Alcaçus, composta por Danilo Guanais, em 1996, consiste numa obra para solistas, coro e orquestra, escrita para o Madrigal da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por ocasião das festividades da Semana da Música.

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sobre o que transmite sua notação, em relação à região observada. No estudo das peças, a proposição foi de percebê-las e as identificar sob diferentes perspectivas, não apenas a de apresentar uma descrição da região mas também a de fazer um exercício de intenção musicológica, em que se considera como são internalizadas as características externas, e como as peças adquirem outros significados na interpretação, seja como conduz o tema, seja como o transforma (KERMAN, 2010). O enquadramento musicológico buscou estabelecer um diálogo entre o período em que foi composta a obra, nos anos 1930, e a contemporaneidade, o século XXI, para, assim, compreender esse Sertão imaginado na Série.

Em observação e identificação das características musicais da região, essas foram classificadas e nomeadas a partir de como se movem e que significados guardam em relação ao tema. Os pontos de identificação, chamados de tropos; e as frases, de tópicas (RATNER, 1980; AGAWU, 1991; KERMAN, 2010), foram trabalhados como os elementos da fala no discurso (BAKHTIN, 1986). Em ajuste musicológico e foco no tema, a pesquisa desenvolve-se paralelamente sob essa perspectiva, a qual relaciona a música com a vida social, provocando reflexões de como se dá o fenômeno na sociedade e como ele é internalizado, podendo adquirir outros significados e outra interpretação (KERMAN, 2010; LOPES, 2014). Esse enquadramento permite-nos mover a pesquisa de outra forma, não apenas a concentrar-se no século XX, nos anos 1930, período em que foram compostas as Bachianas Brasileiras, a rever aquilo que já é identificável, como o nacionalismo romantizado da obra, mas também a direcionar ao século XXI, naquilo que ainda não é identificável, possibilitando compreender a obra e seu tema sob diferentes perspectivas e contextos.

Para a pesquisa, foram aplicados os princípios de uma nova musicologia, com posicionamento a partir de um pensamento crítico, uma vez que essa ciência, que estuda a música em todos os aspectos, esteve ao longo do século XX no Brasil em um direcionamento mais voltado ao exame de documentos musicais do que propriamente a uma elaboração crítica (ANDRADE, 2015). Portanto, ao trazer a pesquisa nessa perspectiva, buscamos uma reflexão sobre aquilo que venha contribuir para a superação de ideias que ainda reproduzem o “mito do Nordeste”. Dessa forma, buscamos, na crítica historiográfica, a ampliação das dimensões de sua análise musical. Essa seria, portanto, a compreensão de que uma composição não é apenas um objeto autônomo mas ainda um registro do pensamento humano ou o reflexo de uma época.

O primeiro desafio da pesquisa foi o exame das partituras, simultaneamente com todos os aspectos musicalmente possíveis: a teoria musical, sua análise e as considerações sobre o contexto histórico. O segundo foi investigar as peças das Bachianas Sertanejas como

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um “objeto” virtual (LOPES, 2014), isto é, a objetivação que fazemos da música, a dizer que tem profundidade, tem altura que “sobe” e “desce”, sendo essas construções, do ponto de vista cognitivo, um objeto em três dimensões – com altura, profundidade e textura –, metáforas que utilizamos para compreendê-la (LAKOFF; JOHNSON, 1980). Essa objetivação afirma que as metáforas não são somente utilizadas na linguagem poética mas também fazem parte da comunicação cotidiana, do sistema cognitivo humano, estando, dessa forma, no pensamento, e não apenas na linguagem. Ao trazermos metáforas à música, essas se destinam à comunicação mais ampla e de conexões com outras ideias em que há uma projeção de dois domínios conceituais: um cognitivo, de natureza concreta e experiencial; e o outro, sensorial, de caráter mais abstrato, em que ambos permitem compreender o domínio-alvo, o alcance da ideia musical, não necessariamente aquilo que é real mas também imaginado.

O terceiro desafio é, a partir dos dois anteriores, trazer a importância de ouvir uma obra do passado nos dias de hoje, não apenas como apreciação estética mas ainda a partir daquilo que ainda traz para a contemporaneidade, e como “fala” de uma região. É trazer à superfície como o compositor direcionou os sons e os diferentes sentidos em sua obra, permitindo ao ouvinte o desejo de incidir o olhar do outro para o Sertão.

Porque, considerando a música como linguagem, essa virtualidade acontece no tempo (kronos), é feita por pessoas e não vive para além de quem a ouve. Mas, como conhecimento, faz sentido no seu tempo (kairós), tanto no passado como no presente, indo além do tempo físico, tornando-se valorativa e singular, podendo adquirir diferentes significados (LOPES, 2014). Sendo, portanto, essa a forma como trazemos as peças das Bachianas Sertanejas, a fim de proporcionar um novo “olhar” e uma escuta sonora, seja de forma objetiva, concreta em sua notação; seja subjetiva, em sua interpretação.

Com a intenção de elucidar a questão de investigação já apresentada, quiçá responder-lhe ou apontar direções, recorremos a duas abordagens teórico-metodológicas como suporte ao argumento. Uma, em como a obra pode ser trabalhada em ato, isto é, em análise musical; e outra, trabalhada em potencial, naquilo que pode ser ou se transformar.

A primeira abordagem, para a análise da obra em ato, recorremos às Topics Theory (RATNER, 1980; AGAWU, 1991) redirecionadas às tópicas brasileiras, e essas, por sua vez, às tópicas nordestinas (PIEDADE, 2013). Trata-se de um estudo voltado à compreensão da música e de seus nexos culturais, com base na análise musicológica e na interpretação de pontos expressivos no texto musical. A análise musical, a partir dessa teoria, concentra-se na esfera melódica (temas, frases, motivos) e na rítmica, como forma (organização das estruturas

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musicais no tempo). A importância e a amplitude desse tipo de análise, como a obra em ato, ocorrem porque essa é uma ferramenta que dá luz ao texto musical propriamente dito, permitindo que a música fale por si mesma.

Na segunda abordagem, a análise da obra em potencial, buscamos compreender esse imaginário do Sertão a partir de um exercício sociológico, que se dá na pesquisa sob dois aspectos. O primeiro, do olhar natural em olhar social (MILLS, 1996), quando se refere ao desenvolvimento dos sentidos de esse “olhar” ou “ouvir” artístico. Esse movimento não se dá apenas na forma biológica como ainda em sua transformação social, constituindo-se em conhecimento que busca ir além da escuta, aprofundando a compreensão de sua essência, a construção de afetos, de identificações. Dessa forma, dá a oportunidade de tanto o olhar quanto o ouvir tornarem-se humanos; como também o objeto musical se tornar objeto social.

No segundo aspecto, trazemos a linguagem da arte na condição de linguagem das coisas (BENJAMIN, 2011), no que se refere à nomeação dada a como as coisas animadas e inanimadas podem comunicar, trazer em si mesmas seus significados. Essa abordagem compara a audição da obra com a literatura, intermeada pelo tema em discussão, a fim reavaliar a necessidade de a imaginação humana não estar distante da científica, consequentemente, trazendo o construto extraído das Bachianas Brasileiras como objeto musical vivo e aberto. Ambas as abordagens teóricas ainda são intermeadas pela discussão sobre definições do Nordeste (HOLANDA, 1982; ORTIZ, 2006; ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011), e, em particular, sobre sua cultura musical localizada no Sertão (ANDRADE, 1989; KIEFER, 1997; CASCUDO, 2001; CALDAS, 2010).

Nesse processo, analisamos o exame da notação musical e sua amplitude musicológica, e ainda tratamos o tema considerando os diferentes sentidos que dá ao espaço e à região. Esse exame partiu de como a música, como linguagem, pode dar visibilidade a identidades que se fizeram e refizeram na região (ORTIZ, 2006; HOLANDA, 1982); considerando sua apreensão por parte de quem a produz e de quem a recebe (BENJAMIN, 2011).

Na abordagem do Sertão na Série Bachianas, trazemos as influências modernistas e nacionalistas do contexto em que foi composta a obra, observando como as características históricas e sociais que as cercam podem apontar diferentes aspectos sobre imaginar e identificar o Sertão nordestino. Porque, ao trazermos o tema, temos a consciência da diversidade “temperada” de nacionalismo e neoclassicismo, em que foi possível identificar em seu solo epistemológico uma influência de formação discursiva nacional-popular (ANDERSON, 2011). Essa influência apresenta-se na pesquisa com o objetivo de

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compreender os caminhos pelos quais o compositor delimitou o imaginário de Sertão, como sub-região definida por sua cultura musical (CALDAS, 2010; CRAVO, 2005).

Discutiremos algumas dessas definições elaboradas sobre a região, como a que começa a ter visibilidade no país a partir do fenômeno das secas (HOLANDA, 1982; ORTIZ, 2006) e também a que é reconhecida por sua influência ibérica, sobretudo de mouros e judeus (CASCUDO, 2001; CALDAS, 2010). Trataremos, ainda, do apego à cultura popular e ao folclore de forma museológica, de simplicidade quase rústica, de sotaques nasalados, de organização familiar e social com fortes traços ibéricos, entre mouros e judeus. Dessa forma, salientamos uma região economicamente mais atrasada em relação à modernidade industrial das regiões Sudeste e Sul (HOLANDA, 1982; CUNHA, 1987; CASCUDO, 2001), e, portanto, distante dos poderes centrais do país, que, no século XXI, ainda são sustentados pela literatura, música e mídia em geral.

Considerando a abrangência da obra de Villa-Lobos e seu enfoque sobre a música popular e folclórica brasileira, encontramos nessas peças – tropos e tópicas – as pistas de como são flutuantes e possíveis outras definições da região na contemporaneidade. Apesar das considerações construídas anteriormente, aprisionadas ao fenômeno das secas e do êxodo rural, consideramos haver definições que apresentam uma historicidade dos anos de 1940 e 50, de uma região mais amena e lúdica, com representatividade no movimento armorial dos anos de 1970. Essas definições traçam um paralelo com o medievalismo ibérico cavaleiresco, com movimentos artísticos inspirados na cultura popular, como os encontrados na literatura de Ariano Suassuna e na arte de Francisco Brennand.

Nessa direção, foram os estereótipos reproduzidos durante o século XX que nos chamaram a atenção no intuito de verificar se eles ainda subsistem no século XXI, e como a música de Heitor Villa-Lobos os apresenta ou não. Dessa feita, verificamos se as peças das Bachianas Brasileiras possibilitam outra ou nova percepção da região, observando como esse espaço pode ser interpretado e compreendido por diferentes sujeitos, como é pensado e percebido na contemporaneidade, em sua estrutura afetiva, textual, histórica e de contribuições sociais.

Trazer uma observação temática a partir de uma obra musical levou-nos a investigar como a música, como linguagem em si mesma, racionalizada (WEBER, 1995), é capaz de reproduzir ou apresentar características de uma cultura, de uma região por meio de sua escrita, de sua técnica. A partir das perguntas que fomentaram a pesquisa, desenvolvemos uma reflexão sobre a importância do ouvir as Bachianas Brasileiras, buscando identificar outros aspectos contidos na região, apontando como alguns se mantêm e como se transformam,

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sendo esse um olhar para a região através da música, e um ouvir a música para além dela mesma, sem, portanto, dela se perder.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo foi realizado em três etapas. Na primeira, há a análise da obra em ato, na qual foram destacados trechos, tropos e as frases, tópicas, observando como se movem, identificam e localizam as características observáveis da cultura musical do Sertão. As quatro peças das Bachianas Sertanejas foram analisadas e sinalizadas, de modo a apontar onde e como se encontram os tropos nos elementos melódicos e rítmicos, sendo essa uma análise formal, ou em ato das obras, na perspectiva musicológica.

Inicialmente, o que identificamos é como foram posicionados estrategicamente os ritmos e melodias característicos da região a fim de construir uma retórica musical. Depois, como a obra apresenta-se para além de estigmas e pressupostos regionalistas, mas como música brasileira, deixando nichos de valor e possibilidades de discutir a região. Nas Bachianas Sertanejas selecionadas, foram identificados temas de canções religiosas e profanas, como também aspectos físicos e históricos da região, que são articulados durante a apreciação e a análise, entre o contexto em que foram escritas, os anos 1930, e a percepção contemporânea que se tem delas.

Na segunda etapa do estudo, foi realizada a atividade experimental de audição e apreciação musical com as Bachianas Sertanejas, a análise da obra em potencial. Nesse caso, mesmo que elas sejam percebidas de forma mais superficial, alguns aspectos serviram de parâmetros para observar como se deu a apreciação/compreensão da obra, como ela foi notada e explorada na experiência. Nessa atividade, foram destacados três aspectos: a percepção musical, a cognição como compreensão do fenômeno e a produção de possíveis afetos musicais (FORNARI, 2010), referentes às identificações, às reações e à formulação de imagens a respeito do tema apresentado.

Nessa etapa, foi aplicada uma atividade experimental de audição e análise musical com estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. A atividade foi realizada a fim de recolher informações, dados, e de observar como esse público reage ao ouvir a obra, como interpreta e elabora um imaginário do Sertão. Na atividade, foram considerados, em suas respostas, o local da aplicação, o contexto desses estudantes, suas referências culturais em geral e musical, sua faixa etária, elementos importantes que envolvem o fenômeno.

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Ao direcionarmos a pesquisa ao aluno-ouvinte do Instituto Federal, reconhecemos a necessidade de identificarmos em relação a esse público em formação como ouvem, interpretam e atribuem juízos de valor e como expressam os gostos pessoais. Desse modo, observamos como a música, na condição de linguagem e conhecimento, possibilita um campo vasto de associações, que, por natureza ambivalente, está simultaneamente dentro do mundo e também fora dele (BARENBOIM, 2009; COOK; EVERIST, 2001).

Na terceira etapa do estudo, após a análise da obra em ato e em potencial, foram utilizados instrumentos e técnicas para o recolhimento de dados que possibilitarão responder à pergunta de investigação para a resolução do problema que moveu a pesquisa, alcançando, assim, o objetivo pretendido. Primeiro, foi feito o recolhimento dos dados da atividade experimental em relatório, com a catalogação e a devida porcentagem obtida; segundo, com observação e análise, os dados foram tabulados em gráficos, trazidos em exposição autoexplicativa para interpretação dos resultados obtidos e discussão sobre o tema.

O recolhimento dos dados-resposta deu-se pelos seguintes instrumentos: a atividade realizada em classe sob orientação e supervisão do professor de Música; e o relatório com o número respostas fechadas e abertas, totalizando as informações, sejam as declaradas, sejam as não declaradas. Essas respostas, transformadas em dados informativos, foram tabuladas em quadros estatísticos, tornando-se quantitativos, apesar de elas poderem ser interpretadas qualitativamente e expostas em cartografia simbólica (SANTOS, 2000).

A escolha da cartografia simbólica como instrumento de apresentação dos dados deu-se por ser esse um recurso que auxilia no tratamento e na interpretação desses dados. A cartografia simbólica pressupõe o conhecimento prévio dos princípios que precedem à produção e ao uso de mapas-quadros, para recorrer à ciência e à arte que estudam de modo sistemático a cartografia. Além de reunir os instrumentos analíticos requeridos pela argumentação a que nos propomos, a principal característica da cartografia simbólica reside em que, para desempenhar adequadamente suas funções, tem de, inevitavelmente, distorcer a realidade, porque não pode coincidir ponto a ponto com ela.

No entanto, a distorção da realidade que isso implica, não significa automaticamente a distorção da verdade do dado que foi colhido, isso se os mecanismos de distorção da realidade forem conhecidos e puderem ser controlados. Os mapas-quadros distorcem a realidade a partir de três mecanismos principais: a escala, a projeção e a simbolização, que são autônomos, envolvem procedimentos distintos e exigem decisões específicas. Mas também são interdependentes, porque a escala influencia a quantidade de detalhes que podem ser mostrados e determina se um dado simbólico é ou não eficaz (SANTOS, 2000).

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O método adotado na pesquisa foi utilizado como ferramenta para a elaboração do imaginário do Sertão, o qual se apresenta em mapas que ajudam, de forma processual, a pensar nas conexões em singularidades e multiplicidades. Portanto, o estudo do fenômeno musical torna-se inacabado e inesgotável. Ao trazermos o tema às Bachianas Brasileiras, isso possibilitou conexões e pontos de intercessões que favoreceram a coexistência de elementos sonoros na produção musical, tornando a obra aberta e contemporânea.

1.5 A OBRA E O OUVINTE

O interesse do estudo traz direcionamento à obra e ao ouvinte, conforme estrutura apresentada na Figura 1. Deu-se pela importância de escrita e também pela amplitude na interpretação a partir do ouvinte. As Bachianas Brasileiras, na condição de partitura, é um documento capaz de ser analisado e compreendido sob seus parâmetros teóricos (WEBER, 1995), considerando simultaneamente o contexto histórico, filosófico e artístico em que foi escrito.

Figura 2 – Estrutura do estudo

Fonte: autoria própria

Na obra, em documento e em execução, também são observáveis traços, os tropos, que sugerem imagens e descrições físicas. Informações essas que auxiliam na elaboração do imaginário da região, trazido pela objetivação musical. Nessa perspectiva, consideramos que a música, apesar de todos os fatores exteriores contribuintes, é uma linguagem autônoma, sob seu status de arte e simultaneamente de técnica, que possibilita parâmetros identificáveis ao ouvinte.

Sertão Ouvinte

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O interesse voltado ao ouvinte deu-se por ser esse o agente musical por excelência, a partir do qual buscamos, ao longo desta pesquisa, elaborar uma reflexão sobre as possíveis definições atribuídas ao Sertão nordestino com base na experiência estética dele. Esse ouvinte, o “aluno-ouvinte” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, contribuiu em sua particular percepção e interpretação musical, dando “voz” e opinião à temática da obra.

Observamos que sua contribuição esteve como resultado daquilo que anteriormente existe e já foi transformado (Gestalt). Isso permite que sua percepção seja alterada por inúmeros fatores que o cercam: o contexto histórico, as relações interpessoais, o acesso à obra como capital cultural em seu contato com a arte (BOURDIEU, 2007), tornando a construção do pensamento ligada a todos esses fatores. Como resposta, sua reação veio interferir na interpretação do ver e do ouvir sob novos e diferentes prismas, não sendo atribuída a essas interpretações uma única verdade sobre as peças, mas múltiplas e contextualizadas.

Se pensarmos no modernismo, período da composição das Bachianas Brasileiras, o ouvinte em geral, frequentador de espaços como teatros e salas de concertos, na condição de público relativamente culto, manteve-se numa posição de receptor, apreciador, considerando o processo de construção artística. Nesse sentido, apesar de uma aparente passividade, o público manifestou-se ao ser apresentado ao novo, como nos relatos da Semana de Arte Moderna de 1922, com a rejeição aos concertos e exposições da arte8. Entre outros eventos

durante o modernismo, relembramos as primeiras exposições impressionistas de Claude Monet e o esvaziamento das salas de concerto de Claude Debussy.

Durante a história Ocidental, a música esteve à disposição para a realização do intérprete, do compositor e do ouvinte, todos à mercê do que o som lhes oferecia, sendo a música compreendida como organização com intenção de ser ouvida. Em princípio, ela estava associada ao mito e ao rito, depois passou a ser vista como techné, como no teatro grego, reproduzida na disposição espacial da arquitetura, em orquestra, palco e plateia, definindo, assim, os espaços daqueles que a produziam e a recebiam (CANDÉ, 1995).

Nesse cenário, o século XVI, com o advento da imprensa, e o século XVII, com cada vez mais especialização da partitura como documento racionalizado, fizeram com que a música fosse compreendida por meio do compositor e do intérprete, que, por vezes, eram a mesma pessoa. A partitura definia-se como o documento que “continha” a música, enquanto o ouvinte posicionava-se como o receptor desse processo. Se é difícil definir como se dá esse contato, sua função social e seu modus operandi, compreendemos que esse movimento liga-se

8 Semana de Arte Moderna de 1922. Disponível em: www.guiadoestudante.abril.com.br>estudo>veja-4-curiosidades-sobre-a-semana-de-arte-moderna. Acesso em: 20 out. 2019.

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à percepção do sentido musical, isto é, “quanto mais funcional for a música (no sentido lato), mais bem compreendida será” (CANDÉ, 1995, p. 15).

A partir do primado visual, o auditivo foi substituído gradativamente na sociedade Ocidental, e assim tomou privilegiada situação na cultura e na vida cotidiana. Isso resultou, no decorrer dos séculos, em uma diminuição progressiva da sensibilidade aos fenômenos sonoros, e em particular, à música.

Os povos do Ocidente tornam-se “anacústicos”, se me permitem esse neologismo, com exceção de uma pequena proporção de iniciados. O próprio ensino confia cada vez mais na vista da criança (livros ilustrados, objetos exemplares, desenhos, quadros, gestos demonstrativos) e cada vez menos em seu ouvido, declínio do ensino oral (CANDÉ, 1995, p. 16).

Na sociedade industrial, esse declínio tornou-se ainda mais agudo. Isso porque o olho é atento, laborioso, preciso, escolhe e controla o objeto e sua função. Diferentemente do que ocorre com o ouvido, que não se abre nem fecha à nossa vontade, recebe e mistura todos os objetos sonoros que estão ao seu alcance. O ouvido escolhe com dificuldade, é pouco atento, e não é naturalmente laborioso. Por essa razão, o exercício de ouvir é tão importante como função mental e social.

Na modernidade, o desenvolvimento da música esteve ligado à sua função na sociedade (ELIAS, 1995; WEBER, 1995). Até o século XVIII, por circunstâncias da vida pública e privada, o trabalho artístico resultou em obras que representavam esse cotidiano. É a partir do século XIX que o compositor romântico, em uma nova concepção de arte, de música, redireciona sua musicalidade para teoria dos afetos, a fim de buscar uma música “pura”, porém, distanciada da opinião de quem apreciava. Na contramão, a música cada vez mais especializada depende mais do público nos seus espaços “consagrados”: teatros e salas de concerto. A música passa a depender desse público (BOURDIEU, 2007), de seu comportamento, das pressões que ele exerce, das consequências psicossociológicas, históricas, políticas. Na medida em que se dirige ao público, seja ele especializado ou não, os compositores veem a necessidade de direcioná-la ao ouvinte. De fato, é o século XX, e em crescente o XXI, que coloca o ouvinte não somente como aquele que recebe mas também como parte no processo de compreensão, como aquele que realiza, interpreta, divulga e promove a música (Figura 2).

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Figura 3 – Direcionalidade de narrativas para o conhecimento musical

Fonte: Lopes (2019)

Segundo Lopes (2019, p. 2), a considerar a sociologia contemporânea, o ouvinte é parte integrante de todo o processo musical, e “não existe música sem esta ser percecionada e descodificada individualmente por quem ouve”. Por isso, foi-nos causado o interesse em investigar a música a partir de quem ouve, da influência do compositor e de como ela chega até o ouvinte, sendo a música analisada pelo musicólogo, pelo cientista social.

Ao nos posicionarmos nos dias de hoje, o ouvinte no século XXI tem uma posição daquele que também realiza e compreende a música. Porque a música, como “objeto” virtual, que acontece no tempo (kronos), permite a cada indivíduo ver as coisas do mundo de forma diferente, cumprindo diferentes funções sociais (LOPES, 2014). Essa é uma construção individual e não vive para além de quem ouve. Para tanto, é importante a opinião do outro, apesar de todo o individualismo contemporâneo, porque falar sobre música é falar sobre reações humanas e tentar estabelecer relações entre o seu conteúdo e o conteúdo inexprimível da vida. Portanto, essa é a importância de refazer e desenvolver novas ou outras capacidades de compreendê-la socialmente.

Considerando a obra e o ouvinte na contemporaneidade, não é possível se distanciar de toda uma teoria elaborada anteriormente para explicar ou apontar parâmetros musicais. Uma teoria deve ser construída consoante uma explicação e um posicionamento do contexto histórico em que foi inserida. Trazer a figura do ouvinte alia-se à construção teórica e possibilita a percepção musical em seu alcance mais amplo e complexo, o que une a obra, sua teoria, o contexto e o ouvinte, como fatores interligados, como mostra a Figura 3.

Compositor Partitura Intérprete Som Ouvinte

Musicólogo

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Figura 4 – Alegoria “O ouvido”, fatores que auxiliam na compreensão da obra musical

Fonte: autoria própria

O século XX produziu um rico e conceitual vocabulário para entender a música Ocidental. A partir de pesquisas experimentais, surgiram dados perceptuais e cognitivos como relatos de vários de aspectos da prática musical e da experiência. Em alguns casos, a teoria tradicional e a percepção cientificamente inspirada na experimentação produziram pontos convergentes, como tonalidade, harmonia, escala, consonância, ritmo, confirmando a explicação empírica. Entretanto, em outros casos, vários conceitos teóricos não se aplicaram como efeitos perceptuais ou cognitivos presumidos (COOK; EVERIST, 2001).

O que se teve, em investigações empíricas, foram respostas em que os ouvintes participantes da pesquisa não ouvem hierarquicamente os elementos musicais, nem apreendem quando os trabalhos retornam à clave original, porque sua percepção é mais complexa, há nela diferentes fatores que interferem. Desse modo, buscar a voz do ouvinte em uma pesquisa experimental é também admitir que é possível que a música seja percebida de forma mais superficial ou que suas respostas não ultrapassem o senso comum, mas também que delas surjam outras ou novas percepções. Nesse sentido, apesar de a obra musical ter sua linguagem própria, ela chega de diferentes formas e assim é interpretada.

O que nos chama a atenção é a percepção correlata e significativa de vários conceitos estruturais da teoria musical, em que aqueles que a fazem, praticam, convencem-se de que é assim que resulta no fazer, no compreender musical, sendo amparados pelo discurso moderno da teoria musical. Nesse processo, os conceitos musicais podem abrir-se na contemporaneidade, e por mais contribuição que deixaram, é abrir-se à imaginação, à metáfora (LAKOFF; JOHNSON, 1980). Por sua vez, a metáfora não seria apenas algo distante do cotidiano, como um artifício utilizado quando se precisa recorrer à linguagem,

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mas, sobretudo, uma metáfora conceitual, que busca significação nos sentidos do “olhar” e do “ouvir”.

Para a construção do imaginário do Sertão nas Bachianas, porque o ouvir como escuta musicológica é um termo distinto do “ouvido musical”, podemos trazer os fenômenos que envolvem a música e o que permite interpretá-la. É essa escuta, seja comparativa, seja metafórica, que auxilia no desenvolvimento do sentimento artístico, ou melhor, na sua compreensão. Nesse sentido, este estudo passa por um exercício de transformar o “olhar” ou o “ouvir” natural em social, a fim de dar objetividade à música e considerar a subjetividade do ouvinte, admitindo tanto os recursos trazidos na própria música como a interpretação do ouvinte.

Dessa forma, trouxemos a temática do Sertão nas Bachianas Brasileiras, sob a perspectiva da obra e do ouvinte, sem nos determos demasiadamente em termos técnicos de análise, para que não seja distanciado o foco histórico e crítico em questão. Ademais, por termos reduzido o número de peças analisadas, buscamos dar a amplitude necessária para sua investigação.

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2 PRELÚDIO: O TEMA DO SERTÃO NA PESQUISA

Embrenhou-se nos sertões daqueles estados, passou temporadas em engenhos e fazendas do interior (MARIZ, 1977, p. 39)

O Sertão descrito ou imaginado nas Bachianas Brasileiras tem origem na palavra latina sertanus, que significa área deserta ou desabitada, derivada de sertum, sinônimo de bosque. Também foi denominado pelos portugueses no século XVI de “desertão”, pois, quando saírem do litoral e se interiorizaram Brasil adentro, perceberam a grande diferença de paisagem, clima e vegetação. As definições de Sertão também se trata das terras e povoações do interior do país. A associação entre o Sertão e semiárido nordestino é salientada pelas diferentes condições físicas e, sobretudo, pela captura do conceito a partir do discurso regionalista (ALBUQUERQUE, 2011).

Mas, a considerar os diferentes sertões brasileiros, tratamos especificamente do Sertão nordestino. A essas versões sobre a sub-região localizada no Nordeste, ainda se acrescentam aspectos da convivência de usos e costumes brasileiros após o primeiro processo de interiorização (RIBEIRO, 1995; CASCUDO, 2001).

Cascudo relembra que no Sertão do Rio Grande do Norte, em que viveu, era notória a influência de mouros e judeus, trazida com a presença portuguesa. Essa influência pode ser encontrada em temas de canções infantis, no tabu do sangue, na repugnância às carnes de animais encontrados mortos, no balançar do corpo na oração, na bênção com a mão na cabeça, no horror à blasfêmia, no respeito ao cadáver, até no pavor aos mistérios da noite, da lua nova e das estrelas cadentes. Tudo fazia parte de um “orientalismo diluído no leite materno das amas-pretas, acalentadoras das minhas impaciências infantis” (CASCUDO, 2001, p. 13).

Sob olhos contemporâneos, a presença de diferentes povos aviva as reminiscências da história do Sertão nordestino, sustentada por uma imensa literatura oral. Apesar de ser há tantos anos investigada, ainda é possível identificar nela traços estrangeiros, considerando a distância de cinco séculos. “A Provença veio para as terras sertanejas através da influência galaico-portuguesa, mesmo que não diretamente, e outros semiesquecidos da Península Ibérica, que ganharam vitalidade no Brasil” (CASCUDO, 2001, p. 14).

Da miscigenação com povos indígenas ampliou-se a atividade do pastoreio, com a criação de gado, abrindo caminho de boiadas e o intercâmbio entre o litoral e o interior, o que possibilitou o desbravamento dos sertões, assim chamado por pertencer a vários estados (RIBEIRO, 1995). Em relação à atividade pecuária, desenvolveu-se uma peculiar cultura

Referências

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